Primavera. 1999

Meses haviam se passado após os confrontos ocorridos na Praça da Sé e no Shopping Eldorado no estado de São Paulo e a cidade ainda contabilizava os prejuízos e tentava se erguer diante da destruição que sofrera. Os eventos deste embate entre humanos, mutantes e criaturas seculares haviam ganhado a mídia internacional e diversos olhares se voltaram para o Brasil. Políticos, religiosos e claro, heróis e vilões mutantes e não mutantes passaram a observar os brasileiros com mais atenção e seriedade. Definitivamente os CelleXtys, mesmo a contragosto, agora teriam que lidar com uma verdadeira caça às bruxas marqueteira e sensacionalista. Isto porque, por décadas, os mutantes no Brasil eram ignorados e levados à invisibilidade. Em parte, pela sociedade e também pelos próprios mutantes que acreditavam que seriam menos perseguidos se estivessem na clandestinidade. O fato é que as repercussões dos eventos em São Paulo estimularam muitos mutantes pelo país a não se calarem mais e a dizerem abertamente quem eram buscando justiça, igualdade ou proteção, enquanto outros usavam de seus poderes apenas para o caos e a destruição num misto de agir da mesma forma como os humanos, em sua maioria, os tratavam. Não havia uma liderança mutante unida, uma voz que clamasse por eles e as ações da Gangue Fantasmas acenderam o estopim.

Na Escola Brasil X, ainda nos subterrâneos obscuros dos túneis do metrô paulista, todos acompanhavam esses acontecimentos com preocupação. O líder dos CelleXtys, Alex Aleff ainda não havia retornado de uma missão solo misteriosa enquanto Folkhen e Carcará se mantinham firmes na liderança da equipe. Contudo, após os eventos terem sido televisionados a decisão era de que todos deveriam se manter cautelosos, sigilosos e tentar interferir o mínimo possível na sociedade. Basco, Gregory e Ivan se posicionaram contra essa decisão. O trio acreditava que ficarem na surdina só daria mais pólvora aos intolerantes e a mutantes mal-intencionados. Lucius preferiu a neutralidade e retornou ao clausuro do Mosteiro de São Bento. Sua religiosidade o mantinha concentrado. Em seu íntimo, acreditava que os conflitos recentes eram apenas o prenúncio de algo maior e mais sombrio. Para tentar compreender o significado dos seus temores, o clérigo decide investigar em tomos e manuscritos antigos, guardados no mais profundo do interior do São Bento. Já Isabelle e Madalenna tinham um posicionamento firme de aproveitar o momento e encontrar e acolher aqueles mutantes que necessitariam de apoio e dos que sofriam algum tipo de perseguição. Folkhen sentia que a equipa estava dividida e isso era preocupante. Ele tentava se manter firme e otimista, mas em seu íntimo, temia que a equipe se desfizesse como a anterior. Carcará tentava encontrar Alex de todas as formas. O sumiço do líder da equipe durante tanto tempo não era algo comum. O corajoso nordestino pressentia que algo poderia ter acontecido ao seu amigo de infância.

O natal se aproximava e com ele, cada membro dos CelleXtys lidava de uma maneira diferente as suas emoções. Tornado escolheu voltar para a cidade de Barretos, no interior de São Paulo, rever alguns antigos amigos de escola. Isabelle e Madalenna preferiram “unir forças”. Elas alugaram um kitinet próximo a Galeria do Rock no centro da cidade e aproveitavam as baladas locais ao mesmo tempo em que acreditavam que mutantes jovens e desajustados estariam frequentando estes espaços. Lucius focou em seus estudos sobre o latim antigo em velhos livros do Mosteiro de São Bento. Talvez pretendendo ter acesso a certas artes mágicas já que não era segredo que os poderes do colega, Basco, também o intrigava. Gregory se sentia ainda atraído pela boate Mascarade. Apesar do passado atribulado, a aliança recente entre os CelleXtys e a Geração Vamp da boate contra os Lycans e vampiros traidores, acabou lhe dando carta branca de acesso à casa, desde que mantivesse seu “brilho prateado” longe dos frequentadores. Contudo, o objetivo de Gregory em suas constantes visitas ao Mascarade era conseguir pistas que o levassem ao paradeiro de uma antiga amiga das ruas, Cibele, desaparecida quando ainda eram crianças. Hoje, Cibele seria bem mais velha que Gregory, já que o rapaz ficou por duas décadas transformado em vampiro. Mesmo assim, o jovem nunca perdeu a esperança de reencontrá-la. No período em que esteve no Limbo, Basco lhe ensinou alguns truques arcanos para encontrar entes queridos através de amuletos e objetos. Quando retornaram à Terra, Gregory mal teve tempo de iniciar as buscas devido aos ataques de Althy e a Gangue Fantasma, mas agora, ele estava disposto a fazer qualquer coisa para reencontrá-la. Somado a isso, alguns velhos contatos no Mascarade poderiam ajudá-lo nas buscas pela cidade. Como todos resolveram ter seus momentos particulares, Folkhen e Carcará também tiraram alguns momentos de folga para relembrar os velhos tempos quando ainda eram os calouros, contudo, sem deixar a EBX, ou seja, a folga se resumiria em treinamentos de combate e estratégia. Além disso, alguém precisaria ficar de vigilância, caso as coisas saíssem do controle novamente. Mas de todos os membros da equipe, talvez o mais solitário naquele contexto natalino tenha sido Basco Khassan Markel. O irmão de Basco, Igon, foi derrotado e enviado para a dimensão negra do Limbo, um lugar demoníaco que Basco conheceu enquanto conviveu com os Novos Mutantes nos EUA. Igon era o único parente mais próximo do qual Basco teve acesso, já que o seu tio, Salim, ainda estava morando no Nordeste. O rapaz também acabou se afastando um pouco do amigo mais próximo, Lucius, devido ao posicionamento religioso do jovem que por diversas ocasiões quase colocou a amizade de ambos em xeque devido a incompatibilidade de ideias. Contudo, Khassan não queria ficar enfurnado nos subterrâneos do metrô durante o período natalino e resolve tentar conseguir um emprego como qualquer pessoa normal. Basco é contratado para trabalhar como vendedor em uma loja de roupas no moderno Shopping Osasco Plaza na grande São Paulo. Isso lhe garantia uma renda a mais e que se mostrou útil quando decidiu alugar um apartamento. Era pequeno e longe do centro de Osasco, porém, aconchegante.

Os últimos dias do ano chegaram e com eles o desejo de que o ano 2000 seria diferente. Poderia ser um momento único de uma busca pacífica para grupos tão parecidos. O sonho do Professor Xavier de um convívio pacífico entre humanos e mutantes não poderia terminar em cinzas no território brasileiro. E talvez este fosse o elo que ligasse todos os CelleXtys: compreender que mesmo diante de tamanhas adversidades, a busca pela harmonia e passividade deveria ser uma das prioridades da equipe, proteger aqueles que se sentem diferentes, perseguidos e excluídos.

RIO GRANDE DO SUL....

Era início da madrugada quando Vinicius e sua noiva, Camila, passeavam pela orla da bela praia de Xangri-lá. Os pés de ambos tocavam a água do mar de maneira quase infantil e tímida. O rapaz havia pedido a mão da jovem há poucos dias tendo apenas o pôr do sol e as ondas do mar como testemunhas. Enquanto caminham, são acompanhados pela suave brisa marítima e a luz das estrelas que pareciam mais intensas naquela noite. Ao longe podiam ver as luzes do calçamento e um ou outro carro trafegando. Um senhor de cabelos grisalhos passeava com o seu pequeno pet de pelos brancos e manchas pretas. O casal mal conseguia ouvir os latidos do cão. Abraçados e trocando juras de amor, ambos sonhavam com a vida que teriam juntos. Uma bela casa, filhos, talvez um barco. Nada muito extravagante.

Subitamente um vento gélido vindo do mar escuro e bravio invade as areias e envolve o casal de maneira abrupta! Vinícius abraça Camila na tentativa de aquecê-la, mas o frio radical e inesperado também agride o seu corpo. Ambos decidem deixar à praia, mas a ventania agora se voltava contra casal tentando empurrá-los para o alto mar. Uma gargalhada podia ser ouvida vinda das águas. O casal fica surpreso quando em meio a penumbra marinha um homem se erguia das águas revoltosas e caminhava em sua direção. Outras cinco sombras o seguiam. A estranha criatura era alta, de pele extremamente pálida e cabelos brancos.  Trajava uma velha calça e partes rasgadas do que já foi uma fina camisa de linho e que deixava grande parte do seu peitoral cadavérico à mostra. O homem de feição fantasmagórica possuía olhos tão inebriantes quanto à luz do luar. Ele apenas sorri e estende um dos braços para o casal que tem o corpo congelado instantaneamente da cintura para baixo. Num piscar de olhos o estranho que até o momento estava ainda no mar, agora se encontrava ao lado de Vinícius que mal tinha forças para falar. Sua circulação sanguínea congelava de maneira rápida e mal sentiu o sangue ser sugado através da mordida dada pelo estranho em seu pescoço. Camila em uma tentativa desesperada para fugir acaba trincando o seu corpo na altura do quadril e como uma taça de cristal, vai ao chão com parte do corpo totalmente despedaçado em pequenos pedaços de carne congelada. Ela se arrasta pela areia buscando forças para gritar por ajuda, mas o local estava completamente deserto. Quando estica o seu braço, sua mão toca a perna de um homem. Mal conseguia levantar os olhos que ficaram petrificados de pavor quando percebeu os outros cinco estranhos ao seu redor. O estranho que acabou de matar Vinícius a agarra pelo pescoço e a levanta com facilidade. Camila se debruçava tentando se desvencilhar do diabólico ser, mas acaba tendo o mesmo destino que o seu amor. Após beber o sangue da bela jovem, o estranho lança o seu corpo para os demais a sugarem. Sua voz era rouca e com um forte sotaque lusitano. Ele puxa o ar dos pulmões enquanto um filete de sangue escorria pelo canto da boca....

O inverno está chegando!— Disse o homem, esboçando um breve sorriso

Verão. 2000

Fatos estranhos chegavam pelo noticiário naquela serena noite paulista do final de fevereiro de 2000. Pelo Jornal Nacional, os CelleXty assistiam à reportagem sobre as “seis aberrações” que estavam causando o terror no litoral do Rio Grande do Sul há alguns dias. Um outro fato incomum foi o inverno severo, em pleno verão, que tomou conta de alguns municípios gaúchos a ponto de a cidade turística de Gramado anunciar, para a alegria dos turistas, “neve fora de época” chamando a atenção não apenas dos visitantes, mas de meteorologistas e diversos cientistas nacionais e internacionais. Folkhen estava preocupado com os fatos misteriosos no sul do país. Ele decide voltar ao Rio Grande do Sul, sua terra natal, para investigar se tais ocorrências tinham como causadores mutantes locais. A equipe atual contava com Carcará, Ivan, Lucius, Isabelle, Madalenna, Gregory e Basco. Folkhen confiava na equipe paulista e além disso, a supervisão do cearense Carcará era sempre impecável. Enquanto as coisas “esfriavam” no Sul, Basco ajudava Gregory, procurando pistas da amiga do rapaz, Cibele, desaparecida desde quando o menino foi transformado em vampiro.

Gregory, jurava que viu Cibele, certa vez, entrando no Mascarade, que agora estava sob a liderança do pai de Verônica, Venâncio, um vampiro antigo e que, segundo informações de Folkhen, teria chegado na cidade em meados de 1889, ou seja, Venâncio era um dos mais antigos e poderosos vampiros do país, não dado a comunicação, mas que soube reforçar muito bem a segurança da boate mais pitoresca da cidade. Gregory parecia não simpatizar com o novo proprietário do Mascarade. Basco chegou a investigar o pai de Verônica, mas encontrou mais perguntas do que respostas. Venâncio era cercado por lendas e boatos sobre sua vida vampiresca. Nenhum dos dois conhecia Venâncio, de fato, mas esperavam um pequeno acordo de cavalheiros e, quem sabe, uma ajuda extra, afinal de contas a Geração Vamp estava infestada por todo estado e nem todos se mostravam aliados de Verônica. Somado a isso, novas ameaças surgiam todos os dias como os licantropos conhecidos como Lycans, invocados pela magia do mutante Sphinx e que agora vagavam livres pela capital paulista.

Os dois CelleXtys conseguem marcar uma audiência com Venâncio e decidem ir de metrô para o Mascarade, pois queriam chegar à boate vampiresca antes que anoitecesse, mas no caminho o trem é atacado. Os vagões congelam de uma maneira abrupta e por muito pouco um descarrilamento não causaria uma tragédia ainda maior. Assim que os vagões param, Basco abre as portas e orienta os passageiros a descerem na estação e saírem o mais rápido possível. Quando os últimos passageiros deixam o local a dupla mutante houve passos estranhos se aproximando pelos corredores. O som lembrava uma velha armadura medieval em movimento.