The Hurting. The Healing. The Loving. escrita por Minerva Lestrange


Capítulo 20
Capítulo 19




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— Pare de olhar. 

Ela repreendeu firmemente e Bucky levantou os olhos para o rosto feminino, que lia um cardápio com absoluta concentração e sem pressa alguma. 

— Eu não estou... Olhando. – Se defendeu um tanto ultrajado, se inclinando sobre a mesa. 

— Posso sentir seu incômodo. – Bucky bufou, repentinamente se sentido ofendido e sem qualquer privacidade. Então, Wanda fechou o cardápio, mantendo a página marcada entre os dedos enquanto levantava os olhos e também se inclinava, abaixando o tom. – Se continuar encarando, vou fechar minha jaqueta.

Ela juntou os dois lados da jaqueta de couro, fechando-a sobre o peito e, de repente, notou que o casal de senhores havia interrompido uma conversa qualquer sobre um campeonato de xadrez para prestar atenção na breve discussão. Apenas os olhou de volta e buscou o próprio cardápio de maneira resignada. 

— Isso não é necessário.

Abriu o cardápio sem realmente ter a intenção de lê-lo. Qualquer coisa gordurosa e com muitas calorias seria o suficiente para ele, por isso, podia ocupar sua mente conjecturando como Wanda não se incomodava com o que acontecera na madrugada do dia anterior ou com o fato de o casal da mesa ao lado achar que estavam falando do decote dela. 

— Ouça. – Wanda lhe chamou a atenção em tom baixo, parecendo procurar palavras. – Sei que não foi sua intenção, então... Não precisa se culpar a cada vez que me olha. 

Simplesmente, não a compreendia como um todo. Para Bucky, não era o suficiente que não tivesse planejado nada daquilo: o Soldado Invernal era totalmente fora da curva, mas, ainda assim, se tratava dele, James Barnes - sua mão, suas ações, seu treinamento, tudo o que ele fora treinado para ser e não havia como fugir disso. 

Então, sob o olhar esverdeado dela apenas meneou a cabeça e concluiu seus pedidos naquele bistrô de esquina logo à frente da Estação de Trem de Tanier, ouvindo o suspiro alto de Wanda, que olhou ao redor numa varredura, como que procurando algo ou alguém entre a multidão de turistas que lotavam a pequena cidade histórica. A ruiva, no entanto, estreitou os olhos sob o típico boné escuro e crispou os lábios antes de se mover desconfortável. 

Pensou que pudesse ser por causa de todo o movimento, já que, mais de uma vez, havia sido notícia mundial e receava ser reconhecida pelas pessoas devido aos incidentes que havia cometido antes do ‘fim do mundo’. Porém, notou que, mesmo que se desligasse da observação das pessoas, ainda parecia se encolher cada vez mais contra a cadeira, os dedos rodeando de maneira tensa e inquieta o copo d’água à frente dela.

— Por que não parece à vontade em público? Pode ler o que eles estão pensando? 

Ela sorriu fracamente, a postura o lembrando a de uma grande criança frustrada, os dedos brincando sobre a mesa e os ombros baixos.

— Eu te disse, não é assim que funciona. Não sou capaz de ouvi-los... Bem, não a parte lógica e objetiva da fala, mas posso lê-los de maneira subjetiva... – Wanda cravou os olhos em Bucky. – Como faço com você. 

— Que divertido. 

Murmurou ironicamente, ainda não sabendo exatamente como reagir ao fato de a mulher ser tão consciente de seu interior. Talvez, pensou, consciente de um jeito que o próprio Bucky sequer imaginava. 

— Eu sinto o que eles sentem e... – Ela perdeu os olhos por um momento no tecido da toalha branca, os olhos mais escuros e profundos, enquanto os dedos percorriam um caminho abstrato sobre a mesa. – Diferente do que as pessoas imaginam, essas sensações não são simples. Há uma infinidade de possibilidades cinzentas e quando estou em público é mais difícil me... Desligar. É como se minha mente fosse atingida por dez mil balas exatamente ao mesmo tempo e a sensação delas se espalhasse pelo meu corpo. É… Praticamente físico. 

Bucky não lidava bem com os próprios demônios, mas lidar com os demônios alheios, com todo o tipo de sensação que um estranho pudesse ter, naquela escala, deveria ser mais do que insuportável, deveria ser opressor. Era visto como se sentia pequena ante a variedade de emoções aflorando em torno dela, por isso, até que fazia sentido uma cabana a quilômetros de distância de qualquer coisa que pudesse simplesmente sentir. Ainda assim, se perguntava se isso a privava da sensação, tão consciente estava de tudo o que acontecia ao redor.

— Vamos sair daqui.

— Isso não vai parar. – Ela disse em conformismo, dispensando a opção, mas ele ignorou toda a contrariedade e sinalizou para o garçom, pedindo que embalasse o pedido deles para viagem. - Você gosta daqui.

Wanda ainda tentou apontar, embora se levantasse para que liberassem a mesa e esperassem no pequeno hall. No entanto, Bucky suspirou e apenas ajeitou os óculos escuros, observando o movimento de turistas de maneira tranquila. 

— Caso queira saber, isso que faz é… Irritante. - Sob o boné, a ruiva apenas estreitou os olhos, sem realmente se ofender, voltando a olhar ao redor em um suspiro. - Então, já sabe como vai encontrá-la? 

Wanda explicou que queria falar com a bruxa que o abordara anteriormente, a única que conhecia e explicitamente deixara claro que tinha alguma ideia do que vinha fazendo. Embora ela não tivesse entrado em detalhes sobre isso, parecia determinada a encontrar alguém para ajudá-la a compreender melhor seu caminho e seus poderes. É claro, Bucky não interferiria, mas não havia objeção quanto a acompanhá-la, afinal, a própria senhora não tivera ressalvas em tentar lhe avisar - ou ameaçar. 

— Não. - Encostada contra o pilar largo de concreto, de braços cruzados, ela soou distraída. - Mas tenho certeza que ela vai saber como me encontrar, então… Estou esperando.

O pedido deles chegou e Bucky segurou as sacolas, saindo do restaurante para atravessar a rua em direção a estação de trem da cidade. Apesar do estranhamento inicial, Wanda o seguiu sem ressalvas enquanto subiam as escadas e ultrapassavam a plataforma pequena para, sem que a segurança percebesse, descessem para espaço vazio entre as quatro linhas ferroviárias que cruzavam a cidade. 

Naquele instante, dois trens passavam em direções opostas, mais devagar por se encontrarem próximos à plataforma de embarque e à estação, mas ainda assim pouco discretos. De onde estavam, o ruído de ferro contra ferro predominava e era assim que queria. Dirigiu-se ao lugar onde a plataforma alta fazia uma espécie de sombra contra o sol devido a hora e se sentou no chão gramado, encostado contra a parede - também como uma forma de evitar serem vistos e expulsos pela segurança do local. 

Por um momento, Wanda apenas o encarou em dúvida, mas apenas cerrou os olhos um pouco para a mulher, mesmo que sob os óculos escuros enquanto colocava as sacolas de comida à sua frente. 

— Consegue ouvi-los agora?

Ela pareceu surpresa com a pergunta, pois soava mais concentrada no que Bucky fazia do que naquilo que, antes, a perturbava. Piscando, Wanda olhou ao redor, primeiro observando os trens ao redor, depois se voltando na direção da praça principal onde a estação desembocava, apesar de ali não terem qualquer visão direta do local. 

— Er… Só se me concentrar em algo que me chame a atenção. - Ela ficou confusa, falando um pouco mais alto para que fosse ouvido. - As angústias e fragmentos de pensamentos ficam… Como um ruído distante de uma TV sem sinal. 

Sorriu, satisfeito que ela conseguisse se afastar um pouco das mentes alheias e Wanda se acomodou ao seu lado, de joelhos, ainda tentando compreender o que acontecia ao redor, enquanto Bucky lhe estendia a comida que havia pedido mais cedo e ela aceitava no automático. 

— Quando retomei parte do controle da minha mente, me forçar a concentrar em algo totalmente aleatório e repetitivo ajudava a… Me manter na linha. - Deu de ombros, alcançando a batata frita que dividiam. - Então, me inundava dessa rotina e esperava que surtisse efeito. Funcionava por um tempo. 

— O que você fazia? 

— Andava de metrô por horas, sentindo a vibração dos motores ao meu redor, cozinhava em um restaurante de fast-food, lavava caminhões… - Ela levantou as sobrancelhas e voltou a olhar os trens percorrerem o caminho pré-estabelecido, inevitavelmente rangendo alto ao redor deles. 

— Obrigado. - Ela murmurou primeiramente, ainda um pouco estarrecida com, talvez, a quietude, que rodeava sua mente, fechando os olhos e se concentrando. - Ficar na cabana ajuda, entende? Não há ninguém ao redor que demande qualquer atenção não solicitada. Mas quando chega aqui… É como um grande tsunami de sentimentos passando por mim em velocidade recorde. Desse jeito, eles parecem como uma sombra onipresente, que encaro se quero ou não. 

Se manteve em silêncio enquanto simplesmente ouvia, não querendo fazê-la se concentrar nisso mais do que já estava. Por causa de seus poderes, Wanda era sempre tão consciente de tudo ao redor que, muito rapidamente, chegava a esse ponto em que se tornava dolorido, pois não era como uma escolha feita em livre-arbítrio. 

E ela parecia bem ali, comendo tranquilamente, sob o boné e as roupas tipicamente escuras, sem parecer iminentemente pronta para o perigo. Naquele momento também, com a pouca luminosidade do sol do meio-dia deixando as marcas de seus dedos mais evidentes ao redor do pescoço dela, aquilo também parecia distante e até pequeno, como as vozes alheias que ela deveria ouvir.

O silêncio entre eles predominou por tempo suficiente para que terminasse sua sobremesa e Wanda começasse a abrir a torta tradicional que havia pedido, mas a quietude fabricada, mais resumida à compreensão do que ela desejava do que à calmaria propriamente dita, foi interrompida quando a ruiva levantou a cabeça num átimo de segundo, olhos vermelhos brilhantes numa direção específica para além do local onde o trem passava, em sentido oposto à cidade.

— Viu isso?

— O quê?

Ela franziu as expressões e se colocou imediatamente de pé, ainda tentando decifrar o que via em olhos de fundo escarlate. Com cuidado, colocou a torta no chão ao seu lado e se levantou, virando-se a tempo de ver o relance da senhora que o abordara no outro dia sumir como névoa por trás do trem, como se não fosse real.

— Eu tenho que ir. 

Sem esperar resposta, Wanda o deixou para trás e ultrapassou a estação na direção da campina que se estendia ao leste e terminava numa mata de aparência densa. Ainda acompanhou os cabelos ruivos ondulando longos e lisos pelas costas sob o boné na pressa de chegar ao que sequer sabia o que era, a resignação em todo ele e na careta iminente que fez ao decidir amassar todo o lixo e jogar na lixeira mais próxima para começar a seguir o mesmo abstrato caminho. 

Imaginava que ela pudesse ver ou, ao menos, pressentir algo que ele não podia, mas também não sabia se deveria pressupor que ela tinha consciência de que estava atrás dela. Deliberadamente, como se Wanda precisasse dele. Revirou os olhos para o céu surpreendentemente limpo daquele dia, ajeitando os óculos escuros e desejando que estivesse em casa, no Brooklyn, não naquela cabana e não rodeado por todo aquele problema que não compreendia perfeitamente. Tudo que estava relacionado a ela não era compreensível para Bucky.

Wanda sequer hesitou antes de sumir nas sombras que a mata, alta e de aparência antiga, projetava, com árvores do inverno ostentando copas frondosas. Felizmente, não muito longe da entrada, ao fim de uma curta trilha de cascalho e raízes de árvores, uma casa de aparência típica se erguia. E ainda que parecesse humilde, com suas paredes de madeira e pequena varanda acima da porta, também soava um tanto ameaçadora. Talvez, sombriamente ameaçadora.

A senhora abriu a porta sem que Wanda precisasse bater e apenas a olhou de cima abaixo antes que concedesse espaço para entrar, acompanhou de longe. Porém, antes de também sumir, não fechou a porta. A bruxa de cabelos curtos e rosto enrugado o olhou diretamente por um instante e franziu os lábios em quase desgosto, mas, por algum motivo, resolveu deixar a porta aberta para que entrasse também. 

A pequena sala com duas grandes poltronas marrons e diversos forros de móveis com símbolos que, estranhamente, pareciam formar algo como um padrão esotérico que não conseguia decifrar de todo, mas parecia fazer parte de cada partícula de ar que preenchia a casa. Duas portas se encontravam à direita; uma fechada ostentando uma medalha de prata entalhada na madeira, para onde deveria ser o resto da casa, e outra aberta onde Wanda se encontrava distraidamente tateando uma ampulheta enquanto a senhora preparava algo sobre a mesa redonda mais próxima à janela de cortinas em veludo completamente cerradas. 

— Vamos precisar de privacidade para o que deseja. 

Ela comentou, diretamente o alfinetando, concentrada nos objetos que colocava sobre a toalha negra da mesa. Não entendia porque a senhora de colar com pingente de Estrela de Davi no pescoço o exortava a ficar longe de Wanda quando, naquele momento, praticamente a atraiu para sua casa. Observou as cartas, o líquido claro dentro de uma tigela branca, as velas repletas de desenhos abstratos e um livro de capa bege, aparentando muito uso. 

Então, como se apenas depois da fala da senhora o houvesse notado, Wanda se virou na direção dele, ainda estacado sobre o portal. Examinou por um instante os olhos esverdeados e perdidos, sem o brilho escarlate que o estampava ao fundo quase sempre. 

— Você está bem? 

Ela pareceu pensar por um momento, toda a tranquilidade dos minutos anteriores esvaída de seu corpo para dar espaço à tensão. Não sabia o que ela queria com aquela senhora, a outra bruxa, ‘respostas’ não era uma direção muito expansiva porque Bucky não sabia, primeiramente, quais eram as intenções de Wanda naquela cabana. 

— Sim.

Ela ajeitou os ombros e encarou a senhora, antes de retirar o boné escuro e desgastado que ainda usava e estender à ele, que o pegou desconfiado. Percebendo sua hesitação, Wanda sutilmente meneou a cabeça, reforçando sua posição, como se ainda tivesse algum controle ali, mesmo que pudesse sentir a energia diferente, provavelmente dos poderes da senhora, pairando sobre todo o ambiente. 

Assim, como se conseguisse de fato compreendê-la naquele pequeno e silencioso diálogo, o que certamente estava longe de ser realidade, concordou em sair e deixar que Wanda fizesse o que estava ali para fazer. Desde o início, sabia que a mulher trilhava um caminho próprio e possivelmente perigoso e, talvez, mais solitário do que sua presença estava permitindo ser. 

Ao se virar para o pequeno hall, assim que a porta foi fechada e teve a última visão dos cabelos ruivos sob a luz amarelada da velas que iluminavam o outro cômodo, no entanto, não pode evitar o susto ao dar de cara com um garoto sentado à poltrona diretamente o encarando com um pequeno sorriso conhecedor. 

Apesar da aparência jovial, contudo, era como se os olhos de tom castanho muito claro soubessem mais do que a face angelical e sem idade definida poderia dizer.  Se vestia em tons de bege, com uma camisa abotoada até o pescoço marcado por uma cicatriz do lado direito ao esquerdo - como se de enforcamento por corda -, tinha os cabelos loiros curtos e espetados, além de não usar qualquer sapato, apenas meias nos pés que se balançavam nas pernas tranquilamente cruzadas.

— É tentador, eu sei… - Percebeu que a pessoa, na verdade, tinha uma voz fina demais, então não conseguia realmente identificar o gênero. De qualquer forma, esse talvez fosse o menor de seus problemas. 

— Do que está falando? - Sequer se preocupou em perguntar quem era. Então, o sorriso repentinamente deixou o rosto fino e a pessoa continuou em tom baixo e ameno.  

— É tentador olhar para dentro de quem ela é, decifrá-la. - Acompanhou o momento que se levantou num suspiro fatigado, dirigindo-se à porta fechada do outro cômodo. - Mas não tente segurar a mão dela para cair neste, que é um precipício. Wanda Maximoff é capaz de viver entre os destroços de si mesma. Ou, ao menos, sobreviver. Você não.


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Notas finais do capítulo

Após um início QUASE leve, terminamos com um balde de água fria!

Eu absolutamente adoro explorar as formas diferentes como as pessoas enxergam Wanda, especialmente quando dão a ela essa característica fatalista, de precursora do fim do mundo e coisas do tipo....

Ela e Bucky estão se entendendo e aos poucos, ele começa a compreender parte do que ela é ♥

Me deixem saber o que estão achando do caminho da história, porque ainda têm muito o que rolar debaixo dessa ponte!

Até breve ♥



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