No Caminho das Estrelas escrita por MV


Capítulo 3
Eclipse


Notas iniciais do capítulo

Para aqueles que tenham interesse no cast da história, as fotos dos intérpretes estão neste link: https://www.wattpad.com/1230707326-no-caminho-das-estrelas-elenco

Playlist no Spotify da história: https://open.spotify.com/playlist/1CnLeDGGcPosRieA3meyp1?si=550a3fdb14d54121

E para os que preferirem, o capítulo em PDF com imagens/fotos e também trilha sonora estão no seguinte link: https://drive.google.com/drive/folders/1nqS-IL46bGLqrBWkNPsSO31DuhRxFAAG?usp=sharing

Boa leitura!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/806622/chapter/3

Sobre Caminho da Anta, o sol brilhava naquela manhã quente de sábado. De encontro com a terra firme, as ondas do mar atingiam a areia da praia e depois retornavam para o oceano.

Já a brisa balançava algumas palmeiras que ficavam na beira da costa, amenizando o calor que era feito no dia e a distância, podiam ser ouvidos os sons do rio desembocando no mar, completando a sinfonia da natureza naquele local paradisíaco.

Existiam pouquíssimas pessoas na Barra da Serpente naquela manhã, mas o grupo de cinco amigos se destacava. Quatro deles estavam no mar, mas um permanecia distante do grupo, os observando da areia debaixo de um guarda-sol com listras brancas e azuis-claras. No chão, havia uma caixa de isopor, uma cadeira de praia de cor vermelha, e esticadas sobre a areia duas cangas, sendo que em uma delas, onde André estava sentado, tinha o desenho do calçadão de Copacabana.

Perdido nos seus próprios pensamentos, André queria estar aproveitando mais aquele momento de descontração e relaxamento, mas os seus pensamentos não o deixavam em paz desde aquela noite anterior, de modo que preferiu ficar um pouco mais afastado.

Ele ainda se lembrava nitidamente de Paulo dizendo que eles iriam os levar enquanto dormia e depois de acordar, ao contar toda a experiência que vivenciou no mundo dos sonhos, terminar a conversa com aquela fala misteriosa, contudo que ficou presa na mente do rapaz.

Elas estavam atrás de você.

Quem eram elas? Segundo Paulo, eram estranhas sombras humanóides que haviam os capturado no pesadelo, após ele encontrar André sonâmbulo do lado externo da residência, mas isso pouco respondia às indagações do jovem. Como Paulo ainda estava muito impressionado pelo sonho que tivera, o amigo decidiu não tocar mais no assunto, mas era inevitável que as perguntas surgissem para André.

Por mais que fosse apenas um sonho, ele não se sentia confortável. Acreditava que na realidade estava sendo de certo modo sugestionado, principalmente por estarem em Caminho da Anta, e ele mais do que ninguém conhecia algumas lendas do local. Inclusive ele tinha relacionado aquelas sombras ao conto local dos Vigilantes Escuros, contudo conservava tais assuntos consigo pois não queria impressionar Paulo, que como André conhecia, tinha um antigo histórico de sonhos que eram no mínimo assustadores.

E a lenda dos Vigilantes ainda se relacionava diretamente com um dos tópicos mais proibidos dentro do grupo, mas que inevitavelmente iriam esbarrar em Caminho da Anta.

Há tanta vida lá fora...

Será mesmo?

As ondas ainda se chocavam na praia.

X-X-X

Ao ver mais uma onda chegando, Talissa mergulhou no oceano e esperou que ela passasse, antes de retornar para a superfície. Naquele instante Talissa era realmente uma sereia, uma filha do oceano.

O sol iluminava seu rosto molhado pela água salgada no momento em que encarava a imensidão azul na sua frente, que provocava medo e a sensação de não estar no controle diante de tal força da natureza. Mas para Talissa, aquele ambiente aquático causava fascínio. Quando chegaram na praia, Talissa foi a primeira a entrar no oceano, mas sem antes pedir licença e avisar a todos que deveriam fazer isso, afinal você estava adentrando um ambiente que não era seu. Para Talissa, era questão de respeito pois naquele oceano, habitavam além de seres vivos os encantados e guardiões daquele ambiente, em especial sua mãe Iemanjá, a Rainha do Mar. Mesmo que você sequer acreditasse nisso, pelo menos significava um ato de reverência e saudação ao próprio ambiente natural e aos seres vivos que ali habitavam. 

A moça levava muito a sério essas questões pois tinha sido ensinada a fazer tal pedido desde criança, quando sequer tinha contato com a Umbanda. Na comunidade em que vivera, a natureza sempre fora pulsante, viva e se reinventava a todo momento e Talissa acreditava profundamente nesta filosofia de vida, em que o homem é apenas parte da natureza, e não uma entidade descolada do meio que utiliza os recursos do meio natural, sem pensar nas consequências. Para ela, tanto os mares, como rios e matas eram cheios de vida, tanto em um plano físico quanto espiritual e não custava no mínimo pedir licença ao entrar nestes lugares.

— Amiga? — Ouviu a voz de Dominique a chamando ao seu lado e quando se virou, notou que a moça nadava na sua direção.

— Oi amiga, o que foi? — Talissa falou.

— Você sabe que horas são? Estou com medo da gente se atrasar. — Ela respondeu, fazendo referência à feira de artesanato que ocorria na região central da cidade e que tinham combinado de visitar naquele dia.

— Ai menina, não sei. — Ela falou. — Você acha melhor já irmos?

— O André já tá na areia, mas os outros dois não faço ideia de onde estejam.

— Bu! — Tobias gritou, surgindo de dentro do mar por trás de Talissa e espirrando água nas duas garotas, que gritaram no mesmo momento.

— Porra Tobias! — Talissa falou. — Você tá maluco?

— Vocês deveriam ter visto a cara de vocês. — Ele riu.

— Eu ainda vou te matar. — Dominique falou, nervosa. — Mas que bom que você apareceu. Viu o Paulo?

— Deve estar lá no fundo. — Ele falou.

— Vamos fazer o seguinte, Mini. Eu vou conversar com o André e vejo que horas são. Aí você e essa criatura aqui. — Ela encarou Tobias. — Vão atrás do Paulo.

— E eu fico de babá. — Dominique riu.

— Qual é, Dominique?

— Eu ainda tô brava com você, nem vem!

Eles se despediram e Talissa saiu nadando em direção à terra firme, enquanto sentia a água perpassar seu corpo até chegar na parte mais rasa, quando começou a caminhar.

Antes de sair, a moça fez uma rápida oração, agradecendo àqueles seres espirituais que deixaram ela e seus amigos entrarem na sua casa. Sempre agradecer, sempre respeitar. Eles já estavam aqui muito antes de nós chegarmos, e continuarão aqui por muito tempo...

A moça, que vestia um biquíni cujo top era no modelo cropped e tinha uma estampa floral, começou a caminhar pela praia, sentindo a brisa suave bagunçar seus cabelos molhados, até chegar próximo do guarda-sol onde André estava a esperando com uma toalha vermelha.

— Obrigada meu amor. — Ela falou, enquanto se secava. — Aliás, que horas são agora? Você sabe?

— Já querem ir embora? — André perguntou, enquanto pegava o seu smartphone em uma mochila preta. — Caralho, quase meio-dia!

— Nossa já passou da hora então. — Ela falou, encarando o rapaz. — Daqui a pouco a Mini já vem.

— E os meninos?

— Ela foi chamá-los. Vem cá, porque você tá com essa cara aí, todo pra baixo? — Talissa perguntou, sentando-se na canga com a estampa de Copacabana ao lado de André, que tinha uma toalha esverdeada cobrindo os ombros e vestia somente um short azul-claro.

— Nada não, só pensando em algumas coisas.

— Foi o que rolou ontem né? — Ela perguntou e André concordasse com a cabeça. — Sabia. Aquilo foi horrível, mas não deixa isso te afetar. Estamos ainda no primeiro dia das férias.

— Estou tentando, mas aquilo que o Paulo falou... Deve ser só um pesadelo, porém ficou preso na minha cabeça, sabe?

Talissa o encarou atentamente.

— Qualquer coisa se estiver se sentindo mal... Talvez um banho de ervas resolva. Sua tia deve saber como fazer. É bom para renovar suas energias.

— Não sei se isso vai resolver, Lissa.

— Não custa tentar. Você também pode pedir alguma sugestão pra ela, não?

— É que eu acho na verdade que... A cidade tá mexendo com meus neurônios. Sabe, todas essas lendas e tal?

— Às vezes pode ser também, meu amor. — Talissa falou. — Mas eu não descartaria o banho. Pra você e pro Paulinho também.

André concordou com a cabeça.

— Falando em Paulinho, eu não quero soar indelicada André...

— Hã?

— Não sei como eu falo isso...

— Pode falar Lissa, você sabe que eu não ligo.

— Você e o Paulinho... tá rolando alguma coisa entre vocês dois, né?

André parou por alguns segundos antes de responder, pensando exatamente no que iria falar.

— Não... Quer dizer, é... Difícil.

— Mas porque é tão difícil?

— Acho que falta iniciativa...

— Só me diz uma coisa pra eu entender melhor. Você quer ficar com o Paulinho?

— Porra Lissa, complicado...

— Você que tá complicando as coisas. Só sim ou não, André. Eu não vou falar pra ele, fica calmo.

O rapaz suspirou.

— Sim. Mas Lissa, é difícil. Eu tenho medo de não ser recíproco, e pior: destruir toda a nossa amizade de infância. Como ele vai reagir?

— Chuchu, tenha calma. Eu sei bem como é isso... Mas eu acho que você deveria arriscar. Vai por mim. — Talissa falou. — Ele não vai terminar uma amizade por causa dessas coisas, ainda mais uma de mais de vinte anos.

— Você tem certeza?

— Certeza eu não tenho. Mas... sendo sincera, se ele fizer isso vai ser um idiota. Pelo amor né André? Nós temos 25 anos, somos adultos! 

— Eu estou fazendo muita tempestade em copo d'água?

— Olha, eu não queria falar nada, mas pra mim você tá. — Talissa respondeu. — Eu entendo seu medo, só que nós temos que tentar, concorda?

André balançou a cabeça.

— Pois é. E se eu fosse você... Já aproveitava para tentar algo hoje. Não estávamos combinando um churras a noite em casa?

— Eu... Não tinha pensado nisso. — André falou, sorrindo em seguida e encarando Talissa. — É verdade...

— Depois você me agradece.

— Exibida... — André respondeu, fazendo Talissa rir mais um pouco.

— Claro que não! Aliás, se você quiser eu posso te ajudar. Já não fiz isso milhares de vezes nas festas que a gente ia?

— O que você vai fazer, mulher?

— Deixa com a mãe aqui. 

X-X-X

Depois de retornarem da praia e almoçarem em um restaurante local, o grupo rumou para o centro histórico da cidade, com o objetivo de conhecer a região e também ir na tradicional feira de artesanato. Contudo o grupo se separou e André rumou para outra direção junto de Paulo, pois queriam passar em uma sorveteria local. Já Dominique e Talissa continuaram juntas e Tobias ficou com elas, embora não estivesse comprando quase nada, com exceção de um chaveiro em formato de barco que trazia escrito o nome da cidade. Já as outras duas adquiriram alguns brincos e colares, além de uma canga que Talissa disse ter amado.

— Ei, aquela ali é a loja da tia do André? — Talissa falou, apontando para um estabelecimento do outro lado da rua, cuja fachada verde se destacava na multidão. Na placa de madeira entalhada que estava na frente da loja era possível ser lido o nome do local, o que confirmou as suas suspeitas. — A Casa da Luz! É essa mesma.

— Impossível um nome mais clichê. — Tobias comentou ironicamente.

— Amigos... Vocês topam dar uma passadinha por lá? — Talissa perguntou, ciente de que Dominique e Tobias não eram exatamente o tipo de pessoa que frequenta um estabelecimento como aquele, mas se surpreendeu com a resposta da moça.

— Ai amiga, por mim... Ah, podemos ir. Mas se começarem com aqueles papos de energia eu tô pulando fora.

— E você Tobias? Se não quiser, não precisa.

O rapaz fez uma careta.

— Vou ficar só na porta mesmo. Conheço essa cidade o suficiente pra saber o que eu posso encontrar lá.

O grupo rumou para a loja, e Tobias sentou-se em um pequeno banquinho ao lado da porta. Já as outras duas entraram na Casa de Luz e Talissa foi conferir uma prateleira cheia de incensos, enquanto Dominique, de braços cruzados, encarava o estabelecimento por completo. Incensos, cristais, baralhos de tarô, prateleiras cheias de estátuas. Nas paredes, algumas mandalas desenhadas e no teto, estavam pendurados diversos filtros de sonhos.

A moça asiática até se perdia com a quantidade de itens e aparentemente cada um tinha uma função, assim como eram apresentados os incensos. Um para trazer dinheiro, outro para amor, outro para limpar a casa...

— Você precisa ver sua cara. — Talissa falou, encarando Dominique enquanto segurava um incenso na mão.

— Eu estou horrorizada, Talissa. Jesus... — Ela falou, até encarar a estátua de um homenzinho verde baixo e sorridente, com dois olhos vermelhos, e ao lado dele, uma seção dedicada a placas decorativas, luminárias e outros objetos sobre o assunto. — Se o Tobias ver isso ele tem um aneurisma.

— Que exagero, Dominique.

— É sério amiga. Você sabe que ele não suporta qualquer menção a aliens e coisas do tipo... — Dominique falou.

— Boa tarde, tudo bem? Estão procurando algo em especial? — Uma voz surgiu atrás das jovens e elas se viraram naquele instante, percebendo que um rapaz, que deveria ter por volta de 30 anos os recepcionava. Ela tinha os cabelos raspados e usava um alargador em uma das orelhas, assim como vários colares de pedra no pescoço.

— Só estamos vendo mesmo.

— Tudo bem, qualquer coisa podem me chamar senhoritas. Meu nome é Bruno Morais. Aliás, esse incenso na sua mão é muito bom.

— O de Alecrim, né? Eu adoro!

— Amiga, já venho tá? — Dominique cochichou para Talissa, que concordou com a cabeça e fez um sinal de positivo. A jovem então se distanciou dos dois e andou por outro corredor para a porta, mas acabou esbarrando no meio do caminho com Antônia, que derrubou uma cesta com algumas caixas de incensos que carregava.

— Ai me desculpa! — Ela falou, se ajoelhando para pegar os objetos junto com Antônia.

— Tá tudo bem, tudo bem. — Falou, enquanto terminava de reunir os incensos e se levantava, assim como Dominique. — Ei, você não é uma das amigas do meu sobrinho? Que está na casa agora?

— Sou amiga do André, sim. É Dominique.

— Isso! Dominique, me lembro bem! Veio dar uma olhadinha na loja? Meu sobrinho também veio?

— Não, vim só com uma amiga. Ela tá conversando com um funcionário seu, um tal de Bruno.

— Sim, o Bruninho. Desculpa a confusão, esses dias estão muito corridos por aqui.

— Dominique, vamos? — Talissa a chamou no fim do corredor. — Ah, oi Dona Antônia!

— Lembro de você também! — Antônia falou. — Talita?

— Talissa! — Ela respondeu, enquanto Dominique e Antônia andavam na sua direção, percebendo que Bruno estava junto dela. Foi quando o som que avisava da entrada de alguém foi ativado e os quatro se viraram para a entrada, encarando Tobias, que acenou com a mão. 

— Esse aqui também é nosso amigo, Tobias. — Talissa falou e o rapaz acenou.

— Na verdade eu só vim chamar vocês duas. Tudo bem?

— Tudo ótimo. — A mulher respondeu cordialmente.

— Acho que já podemos ir então. — Dominique respondeu, e se despediu de Antônia e Bruno. Contudo, quando o grupo já ia saindo da loja, ouviram alguém os chamar.

— Espera!

— Um de vocês deixou cair o documento. — Ele disse. — É de Tobias Monte...

Então Bruno se calou e encarou o rapaz na sua frente que entendeu tudo rapidamente. Não era a primeira, muito menos a segunda e nunca seria a última vez que alguém tinha essa reação. Mas sabendo onde estava, o ato de ter derrubado seu documento era um descuido ainda maior. Burro, burro, burro.

— Cara, você é parente do Antônio Montenegro Uchoa? — Bruno perguntou, enquanto Talissa levava a mão ao rosto e Dominique suspirou fundo. Do lado de dentro da loja, Antônia acabou se adiantando e pegou o documento das mãos de Bruno, que ainda encarava Tobias confuso, dando o RG para o rapaz.

— Muito obrigado meninos, pela... Pela visita. — Ela falou, claramente nervosa com a situação. — Me desculpem por esse infortúnio.

— Não, espera aí. — Bruno falou. — Você conheceu...

— Cara, eu não quero falar sobre isso. Ok? — Tobias respondeu, tentando encerrar a conversa enquanto guardava o documento no bolso.

— Bruno, por favor. — Antônia falou com uma voz incisiva, enquanto o grupo já se afastava da loja.

— Nini, mas o que foi isso? Ele é parente do Antônio Montenegro Uchoa! Você tem noção do que isso significa?

— Eu sei, mas ele é meu hóspede! Bruno, pelo amor de Deus, é assim que você trata um cliente?

— Mas ele poderia falar sobre...

— Ele é amigo do meu sobrinho, Bruno! E independente se fosse ou não... Que loucura é essa, no meio do trabalho?

— Nini, eu só pensei que ele poderia conversar com a gente sobre a história do senhor Antônio. É fascinante!

Nini suspirou fundo.

— Bruno, eu gosto de você, mas entenda uma coisa. Isso aqui é um ambiente de trabalho, você não faz esse tipo de coisa com um possível cliente! E tem mais: o meu sobrinho já falou que esse menino não gosta que toquem no assunto da família, então trate de respeitar.

— Mas...

— Nessa situação não tem mas Bruno! Não importa se ele foi testemunha do Caso Varginha, se o menino não quiser falar sobre isso eu vou respeitar. E eu espero que você também faça isso, entendeu?

X-X-X

André e Paulo retornavam da sorveteria com o objetivo de encontrar o resto do grupo de amigos, contudo quando passaram na frente de um sobrado de dois andares ainda na região histórica da cidade, Paulo parou e encarou, curioso, uma pequena placa que ficava na frente da construção. 

Museu Histórico e Folclórico de Caminho da Anta. 

O belo sobrado colonial era pintado de branco com detalhes dourados e estava localizado em uma rua transversal à praça central da cidade. As janelas no andar de cima permaneciam fechadas enquanto no térreo uma porta dupla convidava os turistas a adentrarem no edifício.

— Quer entrar? — Paulo perguntou para André que também lia a placa.

— Museu? — Ele perguntou com uma cara meio desanimada. — Será que é pago?

— Acho que não, eu vou ver. — Paulo disse, entrando no antigo sobrado e sentindo as tábuas de madeira do piso estalarem embaixo dos seus pés. Deu uma conferida rápida no pequeno hall até ver uma placa com avisos ao seu lado.

— Entrada gratuita.

André logo seguiu Paulo para o interior do prédio, tirando os óculos escuros que usava e prendendo eles no bolso da bermuda xadrez que usava.

Enquanto caminhava, observando objetos como documentos, vasos, medalhas e quadros, André conseguiu perceber a presença de um homem de feições indígenas que parecia trabalhar no museu os olhando atentamente, atrás de um balcão de recepção com vários folhetinhos de rotas turísticas da cidade sobre a mesa.

Ainda em silêncio, seguiu Paulo para a sala do lado, iluminada com tons azuis. Nela existiam algumas pedras e estátuas sendo expostas e André acabou parando na frente de pequenos colares que pareciam amuletos, representando alguns animais. No mesmo momento, ele sentiu uma estranha eletricidade passar pelo seu corpo.

— André, vem aqui ver isso!

— O que? O que foi?

— Olha isso, são fragmentos de um meteorito que caiu na Serra do Ibitinga lá pela década de 40. — Paulo falou. — Parece que foi encontrada próximo a região das Ruínas das Missões e tem relatos da época que estava acontecendo uma chuva de meteoros na época em que foi encontrado.

— Como você sabe de tudo isso? — André perguntou, surpreso.

— Tá escrito na placa de informações. — Ele respondeu, apontando para um pequeno quadradinho.

— É o Meteorito do Tapirapé. — Uma voz pode ser ouvida atrás dos dois rapazes que se viraram no mesmo momento, assustados, dando de cara com aquele homem que André tinha visto anteriormente. Ele estava vestido com uma camiseta branca e marrom e um crachá, e possuía uma pele levemente bronzeada. Seus cabelos eram raspados e seus olhos negros estavam fixos nos dois rapazes á sua frente.

— Não é o nome da reserva que tem por aqui?

— Exatamente. — Ele respondeu. — Tapirapé também era o nome original que os povos nativos davam para essa região e de onde veio o nome da cidade. Vocês fazem ideia do que significa Caminho da Anta?

— Eu já ouvi falar que tem alguma relação com o céu? — André falou.

— Exato. Caminho da Anta era como os antigos povos nativos, os donos dessa terra onde pisamos agora, chamavam a Via Láctea. O nome desta terra tem relação direta com o universo. — Dauá falou, enquanto os dois se entreolharam, um pouco surpresos e intrigados.

— Eu não sei exatamente o que dizer... Mas faz sentido, de certo modo. — Paulo falou com um tom de voz baixo.

— Inclusive, perdão. Nem me apresentei, meu nome é Dauá. Eu trabalho aqui no Museu da cidade. Qualquer coisa que precisarem pode me chamar.

— Dauá, né? Você é nativo daqui da região mesmo? — Paulo disse, se aproximando do homem enquanto André vinha atrás, ainda desconfiado.

— Sim, nasci em uma comunidade caiçara da região. Vocês claramente parecem ser turistas...

— Paulo Henrique, prazer. E esse aqui é o André. — Ele disse, cumprimentando Dauá, ato que André fez em seguida. Assim que se aproximou do caiçara, algo que Dauá usava chamou sua atenção, mas ele preferiu se manter em silêncio. 

Logo o grupo seguiu para a próxima sala, que tinha as paredes esverdeadas e era iluminada por uma luz fraca que fazia com que os cantos do cômodo se mantivessem na escuridão, deixando André levemente desconfortável, algo que só piorou quando viu várias máscaras penduradas ao redor no alto da sala.

— Essa é a sala da Cultura Popular. Aqui temos vários instrumentos musicais, utensílios de uso pessoal, estandartes, máscaras... É a cultura viva da região exposta aqui entre nós.

— Eu tô me sentindo observado... Isso é normal? — André perguntou. 

— Sim. Muitos visitantes relatam isso, são os deuses os observando. Essas máscaras são ritualísticas e representam a cultura local, mas mais do que isso. São a figura viva destes deuses.

— Isso é um tanto... sobrenatural. — Paulo comentou.

Dauá encarou o rapaz no mesmo momento e sorriu enigmaticamente, antes de responder:

— Não é porque vocês não conseguem explicar que é sobrenatural.

De repente, ouviram barulhos de passos na madeira, fazendo o chão ranger e o silêncio tomou conta do prédio por alguns segundos, antes de ouvirem uma voz que era muito familiar para André:

— Ah, tá aqui.

— Samuel? — André falou, surpreso. — Caralho, é você mesmo primo?

— Nem sabia que você trabalhava nesse museu, sua mãe não falou! Foi por um acaso que a gente entrou aqui...

— Acaso? — Dauá falou, chamando a atenção de André e Samuel. — Então você é o sobrinho da Nini. André Cavalcante.

— Você conhece minha tia?

— O Dauá e a minha mãe são grandes amigos, primo. — Samuel explicou, enquanto o outro homem concordou com a cabeça. — E você é...

— Paulo, sou amigo do André.

— Muito bem, agora que Samuel se juntou a nós podemos prosseguir com o passeio. Aliás, onde você estava?

— Perdão, eu tava conferindo umas planilhas aqui do museu. — O rapaz falou apressado, enquanto esfregava uma mão na outra. Assim como Dauá, ele vestia uma camiseta branca e marrom e calças jeans com o crachá expondo seu nome.

— Fica atento, Samuca. Você sabe que precisamos estar sempre de olho nessa cidade.

O rapaz concordou com a cabeça.

— O que é isso? — Paulo perguntou, enquanto apontava para uma pequena estátua de forma humanoide. — Não tem nenhuma placa informando.

Samuel olhou para Dauá no mesmo momento, que confirmou com a cabeça.

— Isso é uma estátua que um artesão de uma comunidade da região da Reserva do Tapirapé fez. — Samuel respondeu. — É uma história incrível mas bem macabra, eu diria. Já ouviram falar na lenda dos índios-morcegos?

— Que?

— Geralmente não contamos essa história, exceto para alguns visitantes mais atentos que notam essa estatueta. — O rapaz explicou. — A lenda diz que escondida pelas montanhas da Serra do Ibitinga, existe um portal secreto que levaria para o local onde habitava, ou alguns dizem que ainda habita, uma civilização misteriosa. Essa civilização é chamada pelos antigos de Guardiões de Caminho da Anta. Só que ninguém sabe onde fica esse portal.

— Isso é um conto que vem inclusive das histórias dos povos originários locais. — Dauá falou. — Esses supostos índios-morcegos guardariam esse portal misterioso. Mas existem relatos de pessoas que já viram esses seres caminhando pela mata, inclusive o do artesão que fez essa estatueta e depois doou pro museu.

— Dauá... Essa história tem conexão com a lenda dos Vigilantes Escuros? — André perguntou.

— Bom, difícil dizer. Dizem que esses vigilantes são justamente os supostos guardiões nos observando mas... Para ser sincero, ninguém sabe ao certo. Nem se eles são reais ou apenas fruto de uma imaginação fértil. O fato é que todas essas crenças contadas de geração a geração foram importantes e contribuíram na construção da cultura popular própria desta terra.

— Cara, que história foda. Eu tô arrepiado. — Paulo respondeu. — Eu nunca tinha ouvido falar de nenhuma dessas histórias.

— Bem, por um lado, posso dizer que a prefeitura da cidade não se importa muito com essas tradições orais e populares. Preferem focar seus esforços em vender a cidade para conglomerados imobiliários, traçar condomínios em terras ilegais... — Dauá falou.

— E os indígenas e caiçaras ainda são vistos como responsáveis por atrasar o progresso para alguns cidadãos. Se dependesse deles, esse museu viria abaixo.

— Pois é, Samuel. — Dauá respondeu. — Mas... já ficamos muito tempo nessa sala, vamos pra próxima.

O homem então caminhou pelo corredor que levava para o próximo recinto, seguido por Samuel, Paulo e André, que ainda deu uma última conferida na sala pintada de verde, um pouco intrigado com o que havia sentido dentro dela.

X-X-X 

A noite caíra a muito tempo, enchendo o firmamento com as estrelas que reluziam em meio a escuridão. O céu estava claro e por estarem longe das luzes da capital, era possível perceber a imensidão do cosmos que cobria a cidade de Caminho da Anta, mesmo com a ausência notável da lua, que estava na sua fase nova.

A pilha de cartas do baralho permanecia sobre a mesa da área externa da casa e ao redor dela, os cinco jovens estavam sentados, todos com um copo do lado e uma travessa de madeira em um dos cantos da mesa, contendo algumas fatias de carnes assadas mais cedo no churrasco que fizeram. Já havia algum tempo desde que eles começaram a jogar e beber, então todos possuíam algum nível de álcool no sangue.

— Minha vez. — Talissa falou, enquanto fazia suspense pra pegar a carta. — Ah não, que ódio! — Ela disse, derrubando a carta da rainha na mesa.

— Vai beber duas vezes! Eu falei que não podia falar! — Tobias falou, se referindo à palavra "não".

— Pois você acabou de falar, trouxa! — Paulo disse, enquanto ria. — Todas as mulheres e o Tobias bebem.

Enquanto bebiam mais um gole, foi a vez de Tobias tirar mais uma carta do monte. Ao ver que era a carta 6, que segundo suas regras era a carta da "continência", ele largou a carta e botou a mão na mesa rapidamente, chamando a atenção de todos.

— Eu vi! — Dominique falou, apontando para André, que tinha sido o último a colocar a mão. — Pode beber um gole!

— Caralho, eu não aguento mais! — Ele falou, e percebeu logo em seguida que tinha dito a palavra proibida, bebendo dois goles de vodka. — Minha vez!

André fez o mesmo movimento que os outros e percebeu que tinha tirado a carta 3. Olhou ao redor e então falou:

— Dominique, Talissa e Paulo, podem beber.

— Porra André, é assim que você me trata? — Paulo perguntou.

— Meu filho, deixa de show e bebe. — Ele falou, enquanto se espreguiçava. — Ei, eu acho que vou dar um tempo.

— Ah não André, fica aí. — Dominique falou.

— A PALAVRA! — Foi a vez de Tobias acusar.

— Pai amado, quem aguenta. — A moça disse, bebendo mais um gole. — Mas você vai sair mesmo?

— Só vou dar uma caminhada, daqui a pouco volto. — André falou, se levantando, enquanto Paulo olhava para ele curioso. Percebendo isso, o rapaz logo falou:

— Tá tudo bem, André?

— Sim, já falei. Só preciso de um tempo... — Ele respondeu, se virando para Talissa e Dominique e piscando para as duas, um ato que Paulo não percebeu. — Eu tive uma ideia! Alguém tá a fim de dar uma escapadinha até a praia?

— Agora? Será que não é perigosa? — Paulo perguntou preocupado.

— Nem, essa região da Barra é tranquila de noite, minha própria tia que falou. Tá a fim, Paulinho? E vocês?

— Eu vou ficar aqui mesmo, André. Obrigada. — Talissa falou, se virando para Tobias, que concordou com a cabeça. Então ela encarou Dominique, que estava de pé do outro lado da mesa, levantando as sobrancelhas para a moça. Logo ela disse:

— Paulinho, vai com ele.

— Eu?

— É claro! Vocês dois estão precisando conversar, não é verdade?

Paulo encarou André, que concordou com a cabeça.

— Bora Paulinho. — Ele respondeu, já caminhando para o corredor que dava acesso ao portão.

— Aproveita. Lembra do que nós conversamos? — Dominique cochichou no ouvido de Paulo, que abriu um sorriso discreto.

— Tudo bem, vamos. — Paulo respondeu, concordando com a cabeça. Atrás dos dois, Talissa e Tobias, que ainda estavam sentados ao redor da mesa, se encararam e riram baixo, enquanto Paulo e Dominique seguiram pelo corredor da garagem até chegar no portão da casa que estava aberto. Do lado de fora, André esperava de braços cruzados e quando viu os dois descendo, falou:

— Então você topou, foi?

— Eu dei uma empurradinha. — Dominique falou.

— Vamos logo com isso então. — Paulo respondeu, enquanto saía pelo portão. André então se aproximou de Dominique e falou, cochichando:

— Eu estou devendo uma pra você e pra Talissa.

Quando ele se virou para o lado da rua que levava até o oceano, sentiu a brisa do mar chocar contra seu corpo.

A praia parecia chamá-lo.

X-X-X

O caminho até a orla da Barra da Serpente atravessava algumas ruas até que bem iluminadas, mas sem uma alma sequer ou um cachorro vira-lata. Enquanto andavam juntos no meio da rua, conseguiam notar que praticamente todas as propriedades eram de casas de praia ou terrenos vazios, constatando o que Antônia tinha dito para André sobre a região ainda não ter sido atingida pelo crescente e perigoso boom imobiliário que tomava conta de outras praias da cidade.

— Que silêncio esquisito. — André comentou. — Parece que todo mundo já foi dormir.

— Mas também já é tarde. Era de se esperar que estivesse tudo deserto. — Paulo disse, olhando para um terreno baldio bem próximo da praia. Porém, enquanto ele caminhava, notou dois olhos brilhando no meio da escuridão. — André, para!

— O que rolou? — O estudante de veterinária perguntou ao perceber que Paulo olhava na direção de uma gleba com mato alto. De repente, o rapaz começou a se aproximar a passos lentos, exibindo uma face intrigada.

— Tá vendo aquilo?

— Aquilo o que? — André estreitou os olhos na direção em que Paulo apontava.

— Aqueles olhos brilhando... Que merda? — Paulo falou, um pouco assustado.

André se aproximou mais e os olhos sumiram no meio do matagal, fazendo com que o rapaz temesse seguir em frente.

Então uma coruja branca saiu voando de dentro do terreno na direção dos dois, fazendo com que levassem um susto. A coruja logo pousou no alto de um poste enquanto piava, quebrando o silêncio daquela noite um tanto quanto incomum.

— Estou com um sentimento estranho, André. Será que foi uma boa ideia sair de casa... — Paulo falou, enquanto passava pelo poste.

— Você está sentindo algo esquisito de novo? — André perguntou, se recordando daquele pesadelo do dia anterior.

— Um pouco, mas acho que só foi o susto mesmo...

Os dois rapazes não perceberam por estarem de costas para o poste, mas naquele mesmo instante a luz se apagou enquanto a coruja piava mais uma vez.

X-X-X

Quando chegou na costa da Barra da Serpente, André tirou o par de chinelos enquanto pisava na areia limpa da praia, sendo seguido por Paulo, que imitou tal ato.

Os dois caminharam lado a lado por alguns metros em silêncio, iluminados pelos postes de luz na calçada à distância, descendo em direção ao sul da praia, que culminava na foz do rio Pararangaba, este sendo o motivo da formação geológica que dava o nome para aquela área. Do outro lado da barra, existia um morro que já fazia parte da Reserva Florestal do Tapirapé e que encerrava aquela faixa de areia.

— Aqui é bem calmo, né? — Paulo comentou.

— É mesmo. — André respondeu, sentindo a maresia atingir seu corpo.

— André...

— O que?

— Eu preciso falar uma coisa com você.

— O que foi, Paulinho? — Ele perguntou, parando na frente do amigo mais novo e percebendo que ele fugia do seu olhar quando o encarava. — Ei, fica calmo.

— Vou direto ao ponto. Todos esses anos você sabe que a gente sempre foi muito amigo, né?

— Aham.

— Merda. Por que é tão fácil em outras situações? — Paulo falou, impaciente. — Foda-se. Vou aproveitar que tô meio alto e...

— Eu já sei o que você vai falar, Paulo Henrique.

— Sabe?

— Meio impossível não sacar o que vem acontecendo com nós dois, não? — André falou, se aproximando mais de Paulo. Então o rapaz de pele branca segurou na mão de Paulo e a acariciou com o dedo. — Lembra que eu fiz isso ontem? Pra tentar te acalmar? Quando você disse que não me deixou pra trás naquele seu pesadelo?

— Eu lembro... Lembro muito bem.

— Então. Se acalma, Paulinho, você tá muito tenso. E não abaixa essa cabeça. — André falou, erguendo o rosto de Paulo, que o encarou diretamente nos olhos. — Não faz isso. Seu corpo diz que você não quer enfrentar isso de frente mas tu precisa, meu lindo.

Paulo riu baixo e encarou o rapaz na sua frente, os olhares criando uma eletricidade latente no ar que não podia ser dissipada facilmente.

É isso que eu quero. É isso. — Paulo pensou no mesmo instante. Em questão de segundos, os seus lábios tocaram os de André, com receio no início, mas ao perceber que havia espaço, prosseguiu com o beijo que começou delicado, contudo evoluiu para algo carregado com mais desejo e atração. No meio dos toques, André puxou Paulo para mais perto, enquanto passava a mão atrás do seu pescoço. Já o mais novo primeiro dedilhou o cabelo do mais velho, mas desceu a mão pelas costas do rapaz até o cós da bermuda que ele usava, entretanto foi interrompido, fazendo com que voltasse à realidade.

— Calma aí, Paulinho. — André riu, se separando do beijo. — Vamos com calma.

Paulo balançou a cabeça, ainda sorrindo e abraçado com André, que o encarou mais uma vez e deixou alguns selinhos na sua boca.

— Era isso que eu queria dizer. Só não sabia como.

— Mas você gostou? — André perguntou, se separando do abraço mas ainda de mãos dadas com o Paulo.

— Preciso mesmo dizer?

Os dois riram e logo depois Paulo encarou a praia a sua volta, percebendo que quanto mais ao sul, mais reservados os dois estariam. Então falou:

— Quer ir mais pra baixo?

— Você tem essa cara de santo mas de santo não tem nada, Paulo. — André falou. — Eu topo.

Enquanto caminhavam distraídos sobre a areia da praia de mãos dadas, eles não perceberam o que acontecia ao redor. Na beira da orla da praia, um dos postes de iluminação piscou quando uma bola de luz forte, perdida no meio das estrelas, passou pelo objeto.

X-X-X

Pouco depois, na casa de praia, Dominique e Talissa conversavam na mesa de madeira externa, aproveitando a ausência de Tobias, que tinha entrado para buscar mais latões de cerveja.

— E você e o Tobias, vai rolar quando? — A moça de descendência asiática questionou.

— Sinceramente amiga, quando ele quiser.

— Misericórdia. — Dominique riu. — Virei a vela oficial da viagem.

— Ué, nada do que não possa ser resolvido.

— Você está dando em cima de mim? — Dominique a encarou, curiosa. — Talissa...

— Não seria a primeira vez.

— Minha amiga, não é a primeira vez sua com o Tobias também, né?

— Desde quando virou crime ser piranha?

— Eu não falei nada. Certa tá você!

— Do que vocês tão falando? — Tobias perguntou, chamando a atenção das duas amigas que se viraram para a soleira da porta que levava para a cozinha, onde o rapaz estava, segurando dois latões de cerveja nas mãos.

— Só besteira, Tobias. — Talissa falou. — Nada de mais.

— Aham, e eu sou o Barney. — Ele disse, entregando o latão para a garota, enquanto ria. Contudo parou quando percebeu que a lâmpada do lado externo começou a piscar incessantemente, falando em seguida: — Pô, só faltava essa.

De repente, as lâmpadas da casa começaram a piscar junto daquela, mas não havia nenhum um ritmo ou padrão entre elas. A lâmpada da cozinha reluzia mais rápido que a da área externa, e no meio do gramado, o poste de luz cintilava lentamente. Por conta da situação um tanto quanto improvável, os três amigos acabaram se entreolhando e Dominique foi conferir a luminária do jardim, enquanto Talissa permaneceu sentada na mesa com Tobias ao seu lado.

— Deve ser o quadro de energia da casa, acho que tá sobrecarregado. — Tobias falou, encarando as lâmpadas. — Ou algum problema na instalação elétrica. Vamos ter que falar com a Antônia amanhã sobre isso.

— Mas isso não tinha acontecido até agora... Que estranho. — Talissa disse, levantando uma sobrancelha.

— Não começa Talissa. — Tobias alertou. — É só a insta-

— Gente, vem cá. — Dominique falou, apontando para algo no céu. — O que é aquilo?

Talissa e Tobias correram na direção da jovem e se viraram para onde a moça indicava com o dedo indicador, fazendo com que Talissa apertasse os olhos e Tobias se assustasse no mesmo instante.

— Não é possível... Deve ser um drone, algo do tipo.

— Tobias, tá muito alto pra ser um drone. — Talissa respondeu.

— A ISS! Deve ser isso.

— É, provavelmente é mesmo. — Dominique respondeu, botando as mãos na cintura, mas ainda encarando a bola de luz amarela no céu.

— Essa ISS é capaz de se separar em duas? — Talissa apontou, indicando que agora havia dois pontos extremamente luminosos no céu. — Tobias, que porra é essa?

— Talvez a Starlink, não sei! — O rapaz respondeu, mas agora claramente estava exaltado. — Mas que merda... Eu não...

— Calma Tobias, isso não quer dizer nada... — Dominique tentou acalmar o amigo, pois sabia que mesmo que aquilo pudesse ser um OVNI, não significava que era uma nave extraterrestre. Era muito mais provável de ser até mesmo um evento natural do que criaturas de outro mundo.

— Merda. — Ele falou, cerrando os dentes.

Dominique sequer teve tempo de falar com Tobias sobre suas suspeitas pois um barulho alto foi ouvido, fazendo com que os três se distraíssem por segundos, enquanto todas as luzes da casa apagaram em um baque, assim como de todas as propriedades na região da Barra da Serpente.

Quando o grupo encarou o céu de novo, agora no meio do breu noturno, já não havia mais nada lá.

X-X-X

No mesmo momento, na praia da Barra da Serpente, o alto som também foi escutado por Paulo e André, que estavam sentados lado a lado na areia. Ambos estavam próximos do extremo sul da praia, que era um local um pouco mais deserto, próximo do ribeirão que desembocava na costa e ao seu redor, só existiam árvores. A iluminação na área era produzida apenas pela lanterna do celular de André, pois ali não havia mais postes de luz e nem residências.

— O que foi isso? — Paulo perguntou, se separando de um beijo. — André, tu ouviu a mesma coisa que eu?

— Sim... Mano, as luzes do bairro... Caralho, é um apagão. Espera um pouco.

André se levantou no mesmo momento e correu um pouco sobre a areia da praia na direção do bairro, envolto pela total escuridão, sendo que a única fonte de luz saía do seu celular. Rapidamente o jovem retornou para o local onde anteriormente estava e falou:

— Já era, tá tudo escuro. Aquele som deve ter sido de alguma fiação estourando.

— Mas acabou a luz da região inteira?

— Cara, seja o que aconteceu, é melhor a gente voltar...

Foi quando Paulo sentiu seu corpo inteiro se arrepiar de baixo para cima. Uma sensação esquisita tomou conta de si e repentinamente, aquele pesadelo da noite anterior voltou à sua mente. A bola de luz, a sombra os rodeando...

— Eu tô ficando louco. — André falou, assustado. — Eu acabei de ouvir alguém falando...

— Falando?

— Parece que veio na minha cabeça.

— Que?

— De novo! Ouvi de novo, Paulo! — Ele falou.

— O que ela disse?

— Relaxe.

Um farfalhar nas árvores próximas chamou a atenção, tudo isso potencializado pelo vento forte que começou a vir do oceano e uma estranha névoa que cobriu os dois. Então foi como se uma onda de eletricidade tivesse ultrapassado o corpo do mais novo e aquela sensação horrível que sentiu no pesadelo, mas também em outros sonhos no passado voltou. Paulo olhou para trás e só viu as árvores balançando, mas ele sabia.

Ele sentia.

Relaxe.

— Precisamos sair daqui, André. Agora! — Paulo gritou, se abaixando para pegar seu par de chinelos. Quando ergueu a visão, percebeu que André olhava para o céu, com uma face completamente chocada.

— Me diz. Que isso. É mentira.

Assim que Paulo olhou para cima, levou um susto. Duas grandes bolas de luz reluziam no meio da névoa sobre os dois, enquanto uma terceira, ainda maior, parecia se aproximar dos dois, produzindo um brilho intenso. De repente, um zumbido tomou conta do seu ouvido, e Paulo instintivamente tapou as orelhas, gritando no mesmo momento.

Relaxe.

Seu grito ecoou pela praia até desaparecer na imensidão da noite. 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado. Não esqueçam de comentar!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "No Caminho das Estrelas" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.