A Música Que Nos Une escrita por Aline Lupin


Capítulo 10
Capítulo 9




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Ter vontade, era o que Anne precisava. A força de vontade de se esquivar de Henry e só falar com ele somente o necessário. Era isso. Mas, era difícil demais. Ela tinha que falar com ele sobre Erik e sobre suas suspeitas. Confidenciou a ele sobre o que Erik havia dito no jardim, na noite anterior. Henry ficou abismado e queria que ela tentasse arrancar mais informações sobre o menino. Mais sobre o passado dele.

— Eu quero saber tudo que puder e irei me certificar de punir o responsável por isso. Não posso deixar que ele faça isso com mais uma criança. Por Deus, quem faria algo tão terrível? – ele dissera, largando a pena sobre a escrivaninha. Estavam dentro do escritório dele.

— O senhor parece viver alheio as crueldades desse mundo, senhor. Há muitas pessoas capazes de fazer isso e muito mais – ela replicara, sendo realista.

Ele assentira, com um olhar estranho sobre ela. Parecia tentar dizer muito com um só olhar. E ela não queria saber o que ele queria dizer. Apenas se concentrou em olhar pela janela.

— A senhorita tem razão, é claro. Mas, eu fico realmente estarrecido – ele se explicara, se levantando e contornando a mesa, parando bem próximo dela. Seu dedo indicador roçou o dorso da mão dela, a fazendo arfar – E estou muito feliz de estar aqui. Eu me sentia muito sobrecarregado com Erik e com o hospital, além das pesquisas. Eu estou grato por estar aqui, Anne. Além de estar muito feliz. Muito mais feliz do que já estive em anos.

Ela não queria ter aquela conversa, por isso fugiu, apenas dizendo que precisava voltar aos seus afazeres. Voltou para Erik, fechando a sala de estar e tentando ensiná-lo sobre como usar o piano. Tudo que sabia. Ele era um ótimo aluno. Em breve, não iria precisar dela e ela iria se sentir inútil. Mas, pelo menos, com aulas de inglês e francês ela poderia continuar ao lado dele. Estava conseguindo fazê-lo falar. O que já era um avanço. Só precisava refinar seu vocabulário. Mas, ele cresceria e iria precisar de um tutor. E seus serviços logo seriam dispensados. E ela se veria novamente procurando um emprego. Claro que teria referências. Henry era bom e justo. Ele não iria deixá-la sem uma carta de recomendação, iria? Ela confiava que ele não fizesse isso.

Por medo do futuro, havia terminado o livro. O final era diferente do que havia imaginado. O barão enlouquecido e a Srta. Flinch. Bem, era para ser um romance gótico. Como os da Sra. Radcliffe. Cheio de mistérios e um homem louco, perseguindo sua presa. Mas, ele tinha sentimentos. Anne sentiu que ele poderia ser melhor. E passou a suavizar as coisas, depois da conversa que tivera com Henry. Ele disse que o mundo era muito cruel para se escrever algo tão triste e fatal. Que se poderia adoçar a realidade. Ela confiava que ele estivesse certo e que não fosse um completo desastre aquele romance.

Ela saiu na manhã seguinte, com pressa e se encaminhou ao escritório do Sr. Harrison. A editora Harrison era conhecida por publicar livros e folhetins. O Sr. Harrison era um cavalheiro mais velho e e aparente amável. O embate entre os dois fora feroz, até receber uma carta aceitando seu livro. Ele havia dito que ela não deveria se preocupar com isso, que não iria publicar o livro dela, pois mulheres não deviam escrever. Ela rebateu e falou de autoras de livros que fizeram sucesso considerável. Inclusive a autora de Orgulho e Preconceito. E a Sra. Redcliffe. 

— Veja, senhorita – ele dissera, com um tom condescendente – Essa senhora nunca teve seu nome atribuído a obra. Pois, mulheres não escrevem. Quem sabe se realmente foi uma dama que escreveu? E se não foi um homem?

— E se não for? – ela contrapôs, com os dentes cerrados.

Ele suspirara, cansado, colocando a mão sobre sua barriga de tamanho considerável. Parecia pensativo. Até que a porta foi aberta abruptamente.

— Pai, o senhor prometeu – uma jovem entrou intempestivamente, falando com uma voz autoridade.

Seus cabelos eram acobreados, cheio de cachos e seu vestido era em um tom amora. Ela fitara Anne e voltara a olhar para o pai com fúria.

— Henrietta – ele dissera, em um tom autoridade, mas estava claro que não tinha pulso firme – Eu disse que vou chamar seu primo para cuidar dos negócios. Preciso descansar, me aposentar. E você não vai comandar esse lugar. De jeito nenhum.

A senhorita Harrison bufara. Um som não apropriado para uma dama.

— Mas, eu vou sim. Eu vou – ela dissera, com raiva.

Anne percebera que não tinha como ficar ali e saiu. Deixara o manuscrito em cima da mesa, ainda inacabado e saiu. Uma semana depois recebeu uma resposta afirmativa sobre publicar seu livro. A editora Harrison havia dado um prazo de um mês para terminar. E seu prazo havia findado. E lá estava ela, no escritório, esperando ser atendida pelo senhor Harrison, mas só encontrou a senhorita Harrison, sentada atrás da escrivaninha, com roupas que claramente não eram femininas. Ela vestia uma camisa com as mangas arregaçadas e Anne pode ver que ela usava uma saia marrom. Seus cabelos acobreados estavam presos em um coque severo e ela usava óculos. Não era a mesma jovem esbelta que vira, semanas atrás. Mas, uma jovem austera e muito decidida.

— Senhorita Williams, eu presumo – ela disse, se levantando e oferecendo a mão – Sou a senhorita Henrietta Harrison.

Anne apertou a mão dela, sentindo que algo estava errado.

— Boa tarde, senhorita Harrison – ela disse.

Anne olhou para o escritório e tudo estava em seu devido lugar. Mas, faltava o homem que deveria estar comandando o negócio. Não que ela achasse estranho, mas era realmente algo fora do comum ver uma mulher tocando um negócio. Praticamente inconcebível. Mary Wollstonecraft, com seu livro sobre os direitos das mulheres fora severamente julgada. E ninguém levava a sério tudo aquilo. Então, uma mulher a frente de um negócio peculiar. Anne tinha certeza de que nunca vira aquilo na vida – Er...onde está o Sr. Harrison?

A senhorita Harrison fez uma careta, colocando o braço junto ao corpo e uma expressão feroz dominou seu semblante coberto de sardas. Mas, era difícil levá-la a sério. Ela tinha rosto adorável e em formato de coração.

— A senhorita não me acha competente para levar adiante a editora? – ela perguntou, cruzando os braços, em tom desafiador.

Anne engoliu seco.

— Er...eu...não é isso...mas, seu pai faleceu? – ela perguntou, se sentindo mal e confusa – Eu sinto muito.

Henrietta negou com a cabeça, ainda com um olhar penetrante. Seus olhos castanhos cintilaram.

— Não, ele está doente – ela respondeu, lacônica.

— Eu sinto muito – Anne respondeu em muxoxo. A situação era deveras desconfortável e ela temia que estava naquele escritório para nada.

— Ó, eu também, mas eu preciso tocar o negócio e meu primo querido não voltara – ela disse, com um tom satisfeito. E não parecia nem um pouco triste pela situação do próprio pai – E ele concordou que eu cuidasse por um tempo, é claro, muito a contragosto. Mas, vamos ao que nos interessa, senhorita. Está com o manuscrito?

Anne assentiu, entregando para a senhorita Harrison o calhamaço de folhas, cobertas por um papel pardo. Ela pegou, colocando na mesa.

— Excelente. Eu irei ler e envio uma resposta para você dentro de um dia. Qual é seu endereço?

Anne disse, enquanto a senhorita Henrietta anotava em um bloco de notas.

— Ótimo. Eu enviarei um bilhete, confirmando a impressão do livro, ou pedindo que a senhorita faça alguns ajustes. Mas, eu e meu pai lemos e adoramos. É simplesmente perfeito – ela disse, em tom alegre e seus olhos brilharam – Eu simplesmente não posso acreditar que vamos publicar o livro de uma senhorita. É claro que precisamos de um nome falso. Que tal Sra. Stone? É de respeito, não acredita?

— É, de fato um bom nome – ela concordou – e muitas pessoas na Inglaterra tem esse sobrenome. É comum, mas passa um ar de uma pessoa forte, como uma rocha.

— Exatamente – a senhorita Harrison aprovou – Bom, eu irei contatá-la, senhorita Williams.

Anne assentiu e saiu do escritório, localizado próximo aos arredores de Hyde Park. Ela se sentia nas nuvens. Ficou tão feliz que iria passar o resto da tarde no parque. Passou no Gunter’s primeiro, para comprar um sorvete de creme e foi direto para o parque. O seu pagamento era razoável, para uma governanta e com as economias que fizera em dois anos, estava bem. E ficaria ainda melhor se o livro fosse um sucesso. Ela sorriu consigo mesma, muito feliz da sua boa estrela.

Parecia que a sorte queria mudar, quando viu Klyne andando com um grupo de jovens dândis e três damas muito jovens. Não deviam ter completa dezoito anos. Ela apressou o passo, andando rapidamente, mas ele a interceptou, no caminho. Ela suspirou, exasperada e olhou para o lado. O grupo dele estava afastado, distraídos com um dos rapazes, que fazia gracejos.

— Anne – Klyne disse, com um sorriso prazeroso – Que bom vê-la nessa tarde gloriosa.

Não era gloriosa, de fato. O céu estava cinza. Poderia ser, no caso de ela ter conseguido seu primeiro contrato com uma editora. Mas, parecia ter ficado pior com a presença do visconde.

— Lorde Klyne – ela disse, fazendo uma reverência e se afastando.

Ele a segurou pelo cotovelo e a fez retroceder. Seu olhar era impaciente.

— Não respondeu minhas cartas – ele disse, com um tom magoado – Não quer mais falar comigo? Estava louco para ter notícias suas.

Ela bufou, irritada. Ele realmente havia enviado cartas, as quais ela jogou no fogo, sem pensar duas vezes. Não queria ter mais ligações com ele.

— Pare de fazer isso – ela exigiu, entredentes – Eu não sei se quer me arruinar e me fazer ficar na rua. O senhor não tem vergonha?

Ele sorriu malicioso.

— Eu não tenho. Nenhuma, na verdade – ele respondeu, com um olhar presunçoso, cheio de cobiça para ela – Eu a quero, Anne. Vamos parar com esses joguinhos. Venha morar comigo.

— O senhor ficou louco? – ela indagou, irada, tentando manter a voz baixa – Pare de fazer essas propostas indecentes. O que deu em você? Esses dois anos parecia resignado.

— Eu pensei que mudaria sua opinião sobre mim. Mas, já estou cansado de solidão. Você era a única que conversava comigo de verdade. E que me via, Anne. Nenhuma das mulheres que passou por mim me quis, além do que eu poderia dar. Um título e dinheiro. Você sempre foi tão amável e uma amiga leal.

Ele disse e parecia transparecer certa amargura. Mas, ela não iria cair em suas artimanhas.

— Eu disse que seria sua amiga. Amiga – ela frisou – Não seu caso, seu segredinho sujo.

Ele suspirou, exasperado. Seu olhar era intenso e parecia querer convencê-la de que ela deveria ficar com ele.

— Anne, eu acho que não quero só isso. Quero você. Para mim. Somente para mim. Eu posso lhe dar tudo. Vamos, querida. Aceite – Ele parecia implorar e isso não era típico dele, que nunca implorava nada. Tinha tudo em suas mãos e todos que queria aos seus pés. Ela quase quis rir, mas a situação beirava ao desagradável – Por favor.

— Robert, pare de falar isso. Está fazendo uma cena de nós dois – ela tentou chamá-lo a razão – Eu já estive com você. Você já teve o que queria. Mas, eu não vou me sujeitar a ser sua...argh...

— Minha amante? – ele disse, em voz baixa, com certo humor.

— Não diga isso – ela sibilou, olhando para os lados. Algumas pessoas estavam olhando e cochichando – Pare com isso, senhor. Apenas pare. E me esqueça.

Ela saiu em disparado e tinha certeza de que ouviu: Mas, eu não posso. Ela respirou fundo e procurou uma carruagem, mas não havia nenhuma. Queria ficar o mais longe possível e começou a ir a pé, sem se importar para a casa de Henry. Quando chegou, depois de uma hora de caminhada, sentia seus pés cheio de bolhas. Apesar disso, estava mais tranquila. Talvez, Klyne entendesse que ela não o queria e a deixaria em paz. Assim, tudo ficaria bem.

Anne entrou na casa e havia uma comoção. Todos os criados pareciam em alvoroço. A Sra. Hackney a interceptou na porta, com um olhar preocupado.

— Erik está com a senhorita? – perguntou.

— Er...não – ela respondeu.

— Ó, Cristo – A Sra. Hackney levantou as mãos para cima.

— Ele sumiu essa tarde, senhorita – disse a senhorita Nancy, segurando o regaço da saia, com força - Procuramos por toda a casa.

— Por Deus! – disse Anne, agoniada – Vou procurá-lo agora. Eu acho que sei onde ele pode estar.

Exceto que o menino não estava debaixo da cama, no sótão e não estava dentro dos armários, de nenhum cômodo, como ele fazia. Nem na dispensa. Ela estava desesperada, pois não sabia mais onde procurar. Saiu para a calçada e uma carruagem entrava pelos portões da casa de Henry. Se ele soubesse, ela seria demitida. Todos seriam. Ela tremia, sem parar, quando ele abriu a porta e carregava para fora Erik. Ela suspirou, aliviada.

— Ó, senhor – ela deixou escapar – Ele estava com o senhor?

Henry assentiu, com um olhar severo, colocando Erik no chão. O menino estava com os olhos vermelhos e parecia assustado. Devia ter sofrido uma reprimenda por ter desaparecido.

— Por favor, senhorita, leve-o para dentro – ele pediu, com autoridade.

— Por favor, não brigue com os criados. Eles não têm culpa. Eu assumo tudo, se quiser punir alguém – ela disse, com voz firme, mas com muito medo.

Ele a fitou com curiosidade. E soltou uma risada sem humor.

— Anne, por mais que seja louvável sua coragem, eu sei que a culpa não é sua. Era sua folga – ele disse, voltando a ficar sério – Mas, eu preciso conversar com eles. Não poderiam ter se descuidado de Erik. Se eu não tivesse o encontrado nos terrenos do hospital, eu não sei o que seria dele...eu não...

Ele respirou fundo e deu as costas para ela, entrando na casa. Anne puxou Erik pela mão e subiu com ele até o quarto do menino. Ele se sentou no chão e a fitou com medo.

— Vai...me...bater? – ele perguntou, hesitante.

— Não, por Deus, não – ela negou, se sentando a sua frente e puxando o regaço da saia entre as pernas. Não era algo que uma dama faria, mas ela não era uma dama, certo? Era uma governanta – Por que fez isso, Erik? Sabe que alguém poderia lhe fazer mal na rua.

Ele assentiu, parecendo envergonhado.

— Eu...se..sei...- ele gaguejou – Mas...queria...ver...o dou...tor...

— Ó, queria? Mas, por que, querido? – ela perguntou, surpresa.

— Gosto...dele...- ele disse, parecendo triste e estava cabisbaixo – Mas...ele...bateu...aqui...- ele apalpou o traseiro – Não...gostei...

Anne controlou-se para não rir, mordendo os lábios. Devia ter sido um castigo tão leve. Quando ela era jovem, se tivesse feito algo errado, na idade dele, teria apanhado com uma vara. Sua governanta era severa e seus pais aprovavam castigos severos.

— Querido, ele ficou preocupado. Sabe como nos fez ficar?

Erik negou com a cabeça.

— Eu estava prestes a arrancar meus cabelos. Não faça mais isso, por favor – ele a fitou, com olhos verdes aguados – Promete?

Ele assentiu.

— Ótimo, agora pare de chorar. Não há motivo para isso. Vamos trocar suas roupas e vou fazer um lanche para você.

***

Anne soube que Henry havia perdido a paciência, gritando com a pobre Nancy. Ela deveria ter cuidado dele aquela tarde e não ter o deixado escapar. A criada estava em prantos. E Anne ficou furiosa, irrompendo no escritório dele, sem ao menos ser convidada a entrar.

— Como o senhor se atreve a tratar a pobre Nancy daquele jeito? – ela esbravejou.

Henry soltou a folha que lia e retirou os óculos. Seu olhar era plácido. Mas, seu maxilar estava retesado.

— Está questionando minha forma de dirigir minha equipe, senhorita Williams? – ele perguntou, em tom severo. Deveria ser assim que agia no hospital – Se sim, eu não sabia que a senhorita era senhora dessa casa. Pois, que eu saiba, somente eu dou ordens por aqui.

Anne congelou. Ela havia se excedido, sabia disso. Mas, era orgulhosa demais e ergueu o queixo em desafio.

— Eu não mando aqui, senhor. É claro – ela disse, com a voz firme, mas tremendo por dentro. Ele a fitou e parecia ter um ar de ironia em seus olhos – Mas, o senhor deveria reconsiderar sua forma de tratá-los. A pobre Nancy está em pratos. O senhor poderia ter usado de uma forma menos intensa para falar com ela. Eu sei que ela cometeu um erro, mas o senhor não precisava fazê-la chorar.

— Cristo Anne! – ele disse, passando a mão do rosto. Parecia a beira de um colapso e começou a tremer. Estava rindo? Ela constatou segundos depois que sim, estava – Você é insolente mesmo - ele disse em tom jocoso - Eu deveria repreendê-la, mas sua coragem...ela é admirável - Anne engoliu seco. Já ouvira isso várias vezes da Sra. Armstrong. Mas, ela não era condescendente. Ameaçava-a todas as vezes a colocá-la na rua – Eu deveria demita-la, mas eu sou muito tolo e tenho um coração mole.

— O senhor não pode me demitir, ninguém quer cuidar de Erik. E estou fazendo um bom trabalho – ela disse, com soberba. Ela deveria morder a língua, mas sabia que estava com a vantagem de ser uma boa governanta.

Ele balançou a cabeça, rindo.

— Anne, o que eu faço com você? – ele sussurrou e se endireitou as costas, pigarreando – Anne, eu quero que saiba que eu não fui duro como pensa com Nancy. Ela chora por tudo. Eu gritei, é claro. Estava muito irritado. Mas, pedi desculpas a ela. Gostaria que me retratasse mais uma vez? – ele perguntou, em um tom irônico – Já que pelo visto você comanda tudo por aqui e até a mim.

Sua última frase foi em um tom carinhoso, como se não estivesse de fato bravo com ela. E Anne se sentiu confusa.

— Eu...não senhor – ela negou com a cabeça – Me desculpe. Eu me excedi.

— Posso desculpá-la se tomar um chá comigo – ele disse e logo piscou, parecendo envergonhado – Quero dizer, se aceitar tomá-lo comigo, é claro.

Ela sabia que não deveria aceitar, mas se viu assentindo com entusiasmo.

— Excelente – ele disse, com um sorriso caloroso.

***

Eles tomaram o chá na sala, com um olhar repreensivo da Sra. Hackney, que resolveu ficar em uma poltrona próxima a janela. Henry a fitou com esgar, mas logo se aquiesceu. Anne queria rir, mas talvez a Sra. Hackney quisesse proteger sua reputação. Como se uma governanta precisasse disso. Anne sabia que não. O que Henry veria nela, afinal? Ela foi uma dama, um dia. Agora era uma simples criada.

Uma governanta, é claro, por sorte e devido a influência de lorde Klyne. Ela se sentiu mal por ser tão ingrata com ele. Mas, também não iria retribuir seu favor entregando seu corpo a ele. Não iria ser sua amante. Estava fora de cogitação.

Anne conversou com Henry sobre Erik. Era um terreno seguro para os dois. Empregou um tom formal e distante. Ele parecia a fitar com certa mágoa, mas foi tão cavalheiro como sempre. ela ficou calma com sua atitude, mas com o peito apertado. Gostava que ele a chamasse de Anne. E quando ele sorria para ela. Gostava de ver seus olhos doces e quando a fitava com paixão. Ela vira isso, tinha certeza que sim. E se permitiu ter esperanças, mas não deveria. Seria mais um caso para ele. Alguém que iria esquentar sua cama e quando ele se cansasse, iria terminar tudo que tivessem e iria ser uma situação constrangedora para os dois. Ela não poderia suportar isso. Não poderia suportar o desdém ou um olhar condescendente. Não iria se sujeitar a ser uma amante. Se ao menos ela fosse uma mulher independente, quem sabe ela poderia ficar com ele. Até que ele se cansasse e ela poderia sumir de sua vida.

Era bobagem, estava sonhando demais.

— Acho que ela dormiu – Henry comentou, pegando mais um biscoito da travessa.

Anne olhou para o lado e viu a Sra. Hackney roncando. Acabou rindo.

— Bem, acho que eu vou me retirar e acordá-la...

— Não, por favor, fique – ele pediu, em tom baixo.

— Senhor, é melhor eu ir – ela disse, mas queria muito ficar.

Ela se levantou e ele fez o mesmo.

— Deixe-me levá-la até seu quarto então.

— Isso não seria apropriado – ela ralhou.

— Eu insisto. Me dê mais uns minutos de sua companhia.

A forma que ele pedia era algo que Anne não conseguia recusar. Não conseguia dizer não a ele, quando ele a fitava com tanto carinho. Ele parecia solitário. Naquele quase um mês trabalhando na casa dele, não o viu receber qualquer visita. Somente do primo e do irmão.

— Ó, tudo bem – ela se resignou e recebeu um olhar de triunfo dele.

Ela apoiou o braço no dele e os dois seguiram para o andar de cima. Ele havia trazido uma vela para guiá-los e chegaram em poucos instantes em frente ao quarto dela.

— Boa noite, senhor – ela disse, se afastando para abrir a porta, ele a segurou – Senhor?

Ele a fitava com intensidade. Aquele olhar que dizia que estava prestes a beijá-la. E ela sabia que era errado. Que não deveria fazer isso. Mas, mesmo assim deixou aconteceu. Ele aproximou os lábios dos dela, de leve, pressionando com delicadeza, como se esperasse que ela o empurrasse. Deveria fazer isso, deveria se afastar e dar um tapa nele. Deveria repreendê-lo. Mas, não fez isso. Ela o incentivou, beijando-o com avidez e isso o fez suspirar entre seus lábios. Ela sentiu o gosto do chá e charuto em sua língua, que a envolvia com tanta doçura. Sentiu que poderia flutuar, apenas com o toque gentil dele. Não era exigente, era amável e acalentador. Ele aproximou o corpo do dela, a abraçando pela cintura com seu braço livre e parou de beijá-la. Mas, beijou todo seu rosto, como se ela fosse preciosa. Como se fosse importante para ele.

— Anne, meu amor – ele sussurrou, com a voz terna – Eu a quero tanto.

— Sim – ela disse, com ardor – Eu também o quero.

Ele a beijou de novo, dessa vez demonstrando o que queria. O quanto a desejava e ela tentou pará-lo. Tentou usar sua razão. E o afastou, pois não poderia suportar olhá-lo no dia seguinte, se realmente se entregasse. Se fizesse isso, iria perder seu próprio respeito. Ele a veria com outros olhos e não teria o menor respeito por ela. Ele a fitou, confuso, com os olhos enevoados. 

— Henry...eu...- ela tentou dizer, balançado a cabeça e se soltando.

Ele parecia ter entendido, pois endireitou a postura.

— Me perdoe, Anne...Eu me excedi...eu...

— Não precisa se desculpar – ela cortou, com a voz embargada – Vamos esquecer isso, por favor.

Ela se afastou, sem olhar, entrando em seu quarto e fechando a porta. Sentou-se na cama, com as mãos tremulas. Sabia que era errado aquilo. Sabia que não deveria ter deixado que ele se aproximasse tanto. No final, ela iria se machucar, assim como se machucou por causa de Thomas.

Não, dessa vez seria diferente. Tudo seria melhor. Ela iria encarar um novo dia com a cabeça erguida e fingiria que não havia acontecido nada. Só queria convencer seu coração disso, mas ele parecia ansiar por Henry.

 


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