Não Toque na Minha Maçã escrita por SS Saibot


Capítulo 3
À Primeira Vista — Parte Dois


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura ;)



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À PRIMEIRA VISTA

PARTE DOIS

 

Não dormi bem durante a noite. Não havia mais barulho de sexo, mas, em compensação, a chuva ficou estalando no telhado durante toda a madrugada. 

Despertei, encarei a escuridão por um longo tempo com as mãos cruzadas sobre o tórax como se estivesse aguardando a morte eminente, chutei as cobertas, embrulhei-me novamente nelas porque estava fazendo um frio de congelar o inferno, levantei, calcei minhas pantufas de coelho, olhei através da minha janela a chuva despencando solenemente do lado de fora e, por fim, me convenci de que não dormiria. 

Com muito medo de descer às escadas sozinha no escuro, depois de assistir Nosferatu, O Vampiro duas vezes na semana passada, acabei decidindo ficar no quarto, embora não houvesse comido nada desde que cheguei da viagem e meu estômago protestasse. Pus os fones de ouvido, música no MP3 para desviar minha atenção dos roncos em minha barriga e alcancei meu livro de cabeceira, reservado para noites insones enquanto as prostitutas de Delta de Vênus, Nick Cave e eu abríamos espaço com melancolia noite à dentro. 

Quando finalizei o livro, impactada o suficiente com o desfecho, afastei as cobertas e fui observar, sentada no peitoril da janela, a claridade começar a surgir no horizonte de Forks — somente claridade, pois o sol não era um convidado naquela cidadezinha.  

Só o que eu conseguia ver pelo vidro era uma neblina densa e podia sentir a desesperança me puxando para um aperto de mãos e um claustrofóbico beijo de língua como se fôssemos dois amantes despudorados — com esses pensamentos, decidi que eu deveria abdicar o mais rápido possível da prática de ler livros eróticos durante a madrugada; jamais se podia ver o céu verdadeiramente aqui. Não havia o mínimo resquício de azul entre as nuvens; parecia uma gaiola de hamster. Eu era o hamster. 

Sabe quando você toma uma decisão e um segundo depois, percebe que ela poderia ter sido evitada? É como quando você chega numa festa, enche o seu copo com ponche batizado e depois do terceiro copo, pensa: ops, eu não deveria ter bebido. Mas aí é tarde demais, e o mundo já está girando, e tem vômito vindo na garganta. 

É mais ou menos assim que me sinto enquanto me visto para ir à escola. Desço as escadas pronta, com a mochila pendurada nos ombros, e encontro Charlie socando a coitada da torradeira na cozinha como se ela tivesse chutado suas costelas. 

— Mais um pouco e ela vai te denunciar por agressão — resmunguei ao caminhar para a geladeira. 

Meu pai se virou para mim com um olhar ameaçador que dizia que nunca era tarde demais para ele decidir me colocar na linha. Eu enchia um copo com leite suspeito enquanto o ignorava. Muito suspeito, diga-se de passagem. 

— Quer fazer as torradas, Isabella? 

O líquido chacoalhou nas minhas bochechas com a veemência que usei ao balançar a cabeça negativamente. 

— O que é isso, pai? Não, obrigada. Você está indo muito bem sem mim, continue assim! 

Virei o galão de três litros e vi a data de validade, por via das dúvidas. Só tinha passado dois dias do prazo de consumo e isso para mim era uma vitória. Tomei um gole e limpei meu bigode artificial. O que não mata te deixa acima do peso, certo? 

Charlie se virou para mim e abriu a boca para dizer algo, então parou ao notar minhas roupas e teve um acesso de risos que remexeu seu bigode em posições que um bigode não deveria ter. 

Fechei a cara. 

— O senhor não me vê rindo desse rato morto no seu rosto toda vez que olho para ele e vontade é o que não me falta — grunhi de uma vez. 

Ainda expus uma expressão prepotente quando Charlie fez uma careta. 

— É só que onde você acha que está, Bella? 

— No meu inferno pessoal? — resmunguei baixinho. 

— O que? — Meu pai crocitou. 

— Nada. 

Ele semicerrou os olhos para mim, mas decidiu que falar com uma adolescente mais do que a zombaria exige era um desperdício de tempo. 

— Com essa saia aí, não vai demorar dois segundos para você começar a bater os dentes assim que sair pela porta. 

Olhei para baixo na direção da minha saia evasê coral, não vendo nada de absolutamente errado com ela. 

— Eu estou de meia-calça. 

— Essa porcaria que não serve nem para esconder a cor pálida das suas pernas? 

Fiz um bico gigantesco. Meu pai riu. 

— Vai colocar uma roupa decente, garota. 

Voltei a subir as escadas, batendo os pés de propósito. Ainda consegui escutar Charlie resmungando: 

— Esses adolescentes de hoje em dia estão todos sem noção, só pode. 

Acabei me livrando da saia e vestindo uma calça jeans escura por cima da meia-calça. Eu estava bem menos na moda, meu suéter de cashmere vermelho combinava muito mais com a minha saia, mas fazer o quê? Forks ainda não estava pronta para mim, mas pelo menos meu cabelo estava brilhante e cheirava bem. 

Voltei a descer as escadas e encontrei Charlie sentado na mesa. Meia dúzia de torradas tostadas em um prato no centro e um café quase transparente de tão aguado. Eu realmente não sabia como Charlie tinha sobrevivido sem nenhuma infecção grave nos últimos dezessete anos. Meu pai era a manutenção constante de um milagre. 

Sentei na mesa e ele me empurrou o prato. Neguei com a cabeça, aquilo parecia ser capaz de quebrar um dente meu. Pálida em Forks sim, desdentada jamais. 

— Tem certeza que não quer comer nada antes de ir? 

— Absoluta. 

Charlie estreitou os olhos na minha direção. 

— Você está fazendo desfeita com a minha comida, menina? 

Ponderei por um segundo se dizia ou não que eu morreria mais cedo se comesse o que ele me oferecia, mas percebi que aquilo soaria Phil demais para aquela hora da manhã. 

— Só não estou com fome, pai. Acho que é muito cedo para o meu estômago. 

— Não sabia que você era fresca — Ele refutou com cara de decepção. 

Revirei os olhos com força. 

— Eu não sou fresca. Só não quero comer, okay? 

— É fresca sim, igual a sua mãe. 

Meu pai adorava me comparar com a minha mãe nas horas vagas quando queria me irritar. Para mim não significava uma ofensa, mas para ele, era como me chamar de mimada e perdida, nessa ordem. O que foram mais ou menos as duas palavras que ele usou para se referir a Renée no tribunal durante o divórcio e que vem usando nos últimos dezessete anos. Bufei. 

— Eu não tenho culpa se sua comida é ruim. 

— Faz melhor, então! 

— Eu faço uma comida melhor até de olhos fechados — afirmei, soltando um risinho desdenhoso. 

Ele deu de ombros. 

— Então, a comida fica por sua conta a partir de hoje. 

— Ótimo. 

— Ótimo. 

Parei, fazendo uma careta. 

— É sério que o senhor acabou de me ludibriar para me fazer concordar voluntariamente em ser sua empregada? 

— Se eu não lembro, eu não fiz — Meu pai se levantou e pegou a arma que estava em cima do balcão da cozinha. Eu realmente admirava a credibilidade que ele tinha em mim e no fato de que eu não atiraria em mim mesma a qualquer momento. — Tenho que ir. Vê se não faz besteira, temos que dar exemplo aos cidadãos dessa cidade. 

Eu tirei meus olhos das torradas queimadas, meus pensamentos se desviando do quanto o gosto daquilo deveria estar ruim. 

— O que o senhor disse? 

Charlie revirou os olhos. 

— Esquece. Volto para o jantar. 

— Você não fez alarde sobre a minha chegada para ninguém, não é, pai? — gritei às suas costas. 

— Claro que não. Que tipo de pessoa você acha que eu sou, Isabella? 

Eu o encarei, desconfiada, mas Charlie me ignorou. 

— Hoje tenho um plantão de doze horas para cumprir na delegacia. Você ficará bem sozinha? 

— Não sei. É provável que eu me sinta tentada a desligar o termostato e me matar de frio aqui dentro só para não ficar entediada — respondi. 

— Não esquece de lavar a louça antes — Charlie disse da porta e eu revirei os olhos novamente. 

Com meu pai saindo para a delegacia, foi uma questão de tempo até que eu também decidisse enfrentar de uma vez a situação. Lavei a pouca louça que tínhamos sujado, joguei a torradeira defeituosa no lixo, catei algum dinheiro para o almoço do pote que meu pai achava estar secretamente escondido em cima da geladeira e sai de casa, trancando a porta. 

Dentro do meu troço estava agradável e seco, diferente do ar úmido e cheio de chuviscos do lado de fora. Bull, ou Charlie, obviamente tinha tentado fazer uma limpeza, mas eu ainda encontrei batidas de cigarro entre os bancos de estofado caramelo envelhecido, que cheiravam fortemente a tabaco, gasolina, hortelã e cheiro de gente velha. 

Para o meu alívio, o motor do troço pegou rapidamente, mas era barulhento, rugindo para a vida, e depois mantendo-se num grito alto de desespero. O carro parecia estar pedindo socorro, por Deus. Fiquei até surpresa que o rádio funcionasse e dei batidinhas carinhosas no painel. 

Não foi difícil encontrar a escola, embora eu nunca tivesse ido lá na minha vida. Como a maioria das outras coisas, ficava perto da rodovia. Não parecia nem de longe uma escola — o que me fez parar foi a placa, que dizia ser a Forks High School. Era um conjunto de casas iguais, construídas com tijolos marrons horrorosos. Para minha decepção, não tinha nem cercas de tela ou detectores de metal. Forks realmente não tinha o espírito da coisa. Os adolescentes dali deviam se matar para ficar dentro da escola, não para sair dela. Seria mais animador se parecesse com a Torre de Babel. 

Estacionei na frente do primeiro prédio, que tinha uma plaquinha acima da porta informando SECRETARIA em letras garrafais. Ninguém mais havia estacionado ali, então eu certamente era uma delinquente, bagunçando a ordem e a decência do bom corpo acadêmico de Forks. Sai sem nenhuma vontade do meu trocinho. Que se dane. Nunca gostei de decência mesmo.  

Por dentro, o ambiente era bem iluminado e mais quente do que eu imaginava; na verdade, eu tinha que admitir que estava me preparando para algo como uma caverna do mito de Platão, onde eu ficaria presa encarando a minha própria sombra por vários minutos. 

O escritório era pequeno; uma salinha de espera com cadeiras dobráveis acolchoadas, um carpete laranja manchado e deselegante, recados e prêmios atravancando as paredes, um relógio tiquetaqueando e uma cabeça de cervo empalhado na parede oeste... 

Espera, uma cabeça de cervo? 

Aquele povo estava passando de todos os limites. 

Uma mulher ruiva se encontrava atrás de um balcão desorganizado, entulhado de papéis. Ela falava no telefone e ria de alguma coisa que a “Sheron” estava dizendo. Pelos próximos cinco minutos, fui completamente ignorada, até que ela encerrou a ligação. 

A ruiva sardenta olhou para mim, percebendo enfim a minha presença. 

— Posso ajudá-la? 

— Meu nome é Isabella Swan — informei-lhe, ranzinza, e logo seu rosto se iluminou como uma árvore de natal. 

Ah, pronto. Eu já podia imaginar as coisas que passavam na mente dela; eu claramente era esperada, um assunto de fofoca, sem dúvidas. A filha pródiga do relacionamento entre um xerife local recluso com uma mulher sem escrúpulos que finalmente tinha voltado para casa. Bem, se eu seria o epílogo de um escândalo, pelo menos o meu cabelo estava hidratado. 

— É claro que você é Isabella Swan. Boas-vindas, querida — Ela falou como se eu fosse uma celebridade atrasada para uma coletiva de imprensa e cavoucou uma pilha muito mal organizada de documentos sobre a mesa até encontrar o que procurava. Ela trouxe várias folhas ao balcão para me mostrar. — Seu horário está bem aqui, e há um mapa da escola. 

Eu arqueei as sobrancelhas. 

— E é preciso um mapa? Essa escola é do tamanho de um ovo de codorna. 

Pelo modo como ela riu, sei que ela achou que eu estava brincando. 

A ruiva indicou minhas salas de aula, destacando a melhor rota para cada uma delas no mapa, mas eu logo percebi que na Forks High School independentemente do local onde você entrava, sempre saia no mesmo lugar, então parei de prestar atenção no que ela dizia e a deixei achar que estava fazendo seu trabalho. 

Eu não conseguia deixar de pensar que Mariah teria um enfarto fulminante se visse a cabeça de cervo empalhada na parede. Aquele povo de Forks era mesmo meio estranho. Entre se relacionar com os próprios primos, ali estava outro ponto a ser pensado: eles tinham uma cisma enorme com essa coisa de decoração do Sul, embora estivéssemos no Norte e alguém devesse anunciar isso na rádio local. Agora eu percebia de onde os modos peculiares de Charlie tinham vindo. A cidade devia meio que forçar Johnny Cash e seus acompanhantes goelas abaixo daquela pobre gente como se fosse xarope. 

Quando voltei à picape, outros alunos começavam a chegar. Dei uma risada silenciosa quando assustei vários deles ao ligar o motor do carro e dirigi pela escola, seguindo o trânsito estudantil até encontrar uma vaga favorável. Tinha voltado a chover enquanto eu estava na secretaria, então não pude perder muito tempo analisando os carros dos outros alunos, mas após uma vistoria rápida, fiquei feliz em perceber que todo mundo estava mais ou menos na mesma linha de miséria que eu. O carro mais interessante era um Volvo prata reluzente que se destacava no meio da pobreza veicular. 

Quando passei por ele, quis tocar só para aderir os resquícios de riqueza na epiderme, porém, fiquei com medo de disparar algum alarme que aquele carro chique com certeza tinha. Ao contrário do meu, um monte de gente devia se sentir tentada a roubar aquela belezinha. 

Não pude evitar pensar em quem ia com um carro daqueles para uma escola do tamanho de um ovo numa cidade que parecia um ninho. Eu já podia apostar que eram esnobes, mas quem poderia julgá-los? Com um carro como aquele, eu nem enxergaria o chão, de tanto que meu nariz ficaria empinado. 

Burgueses safados, pensei. 

Debaixo da marquise do refeitório, olhei o mapa, memorizando-o. Depois, respirei bem fundo e localizei, com uma precisão digna de honra, o prédio três. Queria dizer que foi por causa da minha inteligência e perspicácia, mas foi pelo imenso “3” pintado num quadrado branco no canto leste. Segui duas pessoas demasiadamente lentas em capas de chuva unissex e me aproximei da entrada. 

A sala era pequena, e quando digo pequena, não quero dizer só isso. Deviam caber umas vinte pessoas ali dentro. Enquanto pendurava minha jaqueta nos ganchos, seguindo o exemplo das outras pessoas, pensei que se a arquitetura era um plano engenhoso para dividirmos calor corporal e não congelarmos no frio de três graus negativos, até que estava dando certo. 

Outra coisa que reparei, foi que eu era a pessoa com a pele mais agradável de se olhar na sala. No entanto, não demoraria a perder a minha cor de Phoenix e percebi que eu não me destacaria em nada ali. Todo mundo tinha cor de morte, como se só faltasse enterrar. 

Adicionei mentalmente outro insulto a categorizar Forks: cidade dos cadáveres. 

Misericórdia. 

As duas meninas lentas que estavam a minha frente eram aquelas mesmas pessoas com capas de chuva que estavam lá fora. Uma era loura, mas não o tipo de loura saudável, ela era muito pálida, tinha um cabelo muito liso e a voz dela parecia com a de um trinido muito agudo enquanto conversava com a outra garota, de cabelos castanho-claros e ligeiramente mais vivaz, a caminho de suas cadeiras. 

Entreguei minha caderneta ao professor, um careca alto identificado como “Sr. Mason”. Ele me encarou surpreso quando viu o meu nome e eu o encarei de volta, desafiando-o a pedir que me apresentasse para a turma. Prometi a mim mesma que se ele me forçasse a isso, eu faria questão de pedir aulas extras depois do horário dele. Apresentar-se para a turma era uma coisa legal, se estivesse no jardim de infância. No ensino médio, é um pulo para o bullying constante. 

A bibliografia que o professor me dera era entediante e básica: Brontë, Shakespeare, Chaucer, Faulkner. A escola de Forks era mais atrasada que a de Phoenix, então eu tinha lido tudo aquilo no ano anterior. Imaginei se minha mãe me daria a pasta com os trabalhos antigos e pensei que se eu implorasse, provavelmente, sim. Renée sempre foi a favor da trapaça e da má conduta. 

Quando tocou o sinal, uma buzina anasalada, um garoto magricela com acnes de sobra e cabelo preto feito uma mancha de piche se inclinou de sua carteira para falar comigo. 

Muito perto, coleguinha, quase grunhi enquanto esticava meu pescoço para trás, pondo uma distância maior que os dez centímetros anteriores que ele havia imposto entre nós. 

Será que eu teria que ensinar a conjectura de “espaço pessoal” para aquela gente? 

— Você é Isabella Swan, não é? — Ele parecia direitinho o tipo prestativo do clube de xadrez. Eu sabia disso porque convivia muito com o pessoal do xadrez. 

— Depende de quem pergunta — devolvi com que esperava ser um tom amigável. 

— Sou Eric Yorkie. Você é a filha do nosso querido xerife Charlie Swan? 

O tom dele de reverência quase me fez engasgar com o riso. Será que ele sabia que, no sigilo, Charlie chamava todos os jovens da cidade de pervertidos alienados? 

— Bom, Eric — falei, depois que parei de tentar controlar o riso. — Acho que, a essa altura, o xerife é mais de vocês do que meu. Mas, sim, respondendo à sua pergunta, sou Isabella Swan. 

— É um prazer, Isabella.

Devolvi a saudação.

— Por um grupo seleto de traficantes, usuários, contrabandistas ou os que fazem downloads ilegais dos álbuns do Slipknot, eu prefiro ser chamada de Bella — informei e todos num raio de três carteiras se viraram para me olhar.

Eric deu uma gargalhada.

— Eu sou o que faço download ilegal. 

Eu ergui a cabeça para encará-lo, subitamente séria.  

— Eu estava brincando. 

Ele parou de rir. Dei de ombros. 

— Mas, se você tiver algum material bom, quem sabe? 

Eric voltou a rir. Eu terminei de guardar minhas coisas. 

— Qual é a sua próxima aula? — perguntou quando me coloquei de pé. 

Tive que olhar no papel que a ruiva sardenta e fofoqueira da secretaria tinha me dado antes para conferir. Eu deveria lembrar de agradecê-la por isso depois. Aparentemente, aquelas informações não eram tão inúteis assim. 

— Educação Cívica, com Jefferson, no prédio seis. 

Para onde quer que eu me virasse, encontrava olhos curiosos. Aquilo já estava começando a parecer estranho. Será que além dos primos, esse povo tinha fetiche por novos moradores? 

— Vou para o prédio quatro, posso mostrar o caminho... — Sem dúvida, super prestativo. 

Eu sorri largo. 

— Obrigada, Eric, mas não quero te atrasar ou atrapalhar. 

— Não é nada. 

Pegamos nossos casacos e fomos para a chuva que tinha aumentado. 

No caminho, eu podia jurar que várias pessoas atrás de nós se aproximavam o bastante para ouvir o que dizíamos. Esperava não estar ficando paranoica ou numa edição de algum livro da Agatha Christie. 

— E aí, isto é bem diferente de Phoenix? 

— Demais. Muito. Incrivelmente diferente. Adicione aqui um superlativo semelhante — pontuei, gesticulando ao nosso redor. — Você não faz nem ideia. 

— Não chove muito lá, não é? 

— Três ou quatro vezes — E fiz uma pausa dramática antes de continuar: — Por ano. 

— Puxa, como deve ser isso? — Eric se maravilhou e eu sorri. 

— Seco — falei, chutando levemente em uma poça de água para provar meu ponto. 

— Você não é muito bronzeada. 

Os moradores de Forks procriam com os próprios primos, gostam de decoração sulista, não tem noção de espaço pessoal, parecem mortos e, ah, bem, eles possuem alguns problemas de visão. Resolvi me fazer de sonsa. Meu bronzeado estava lá e o que o mundo pensava não me interessava. Ponto. 

— Você é que não enxerga direito — afirmei, aparentemente, nem tão sonsa assim. 

Apreensivo, Eric examinou o meu rosto, ficou quieto, e eu suspirei. Realmente parecia que nuvens e senso de humor não se misturavam. Alguns meses disso e eu me esqueceria de como era bom ser engraçada. 

Voltamos pelo refeitório até os prédios do sul, perto do ginásio. Antes que Eric me deixasse na porta, eu me virei para ele, andando de costas à sua frente. 

— Eu espero que você tenha a intenção de me enviar seus arquivos ilegais mais tarde. Nada pornográfico, por gentileza. 

Ele me encarou, surpreso. Acho que devia estar pensando no quanto eu era aleatória, mas ele realmente tinha cara de quem acessava sites proibidos quando os pais iam dormir. 

— Hum...está bem? — disse ele enquanto eu pegava na maçaneta e acenava. — Gostei de você, Bella, talvez a gente tenha mais alguma aula juntos. 

— Claro. Até mais, Eric. 

Sorri mais uma vez e entrei na sala. 

O resto da manhã se passou do mesmo jeito. Meu professor de trigonometria, o Sr. Varner, foi o único que não recuou perante o meu olhar de aluna ensandecida e fez com que eu me apresentasse para a turma. 

Segui o roteiro que eu imaginava ser padrão. Sorri como o gato Cheshire, falei o meu nome, minha idade, disse que era fã do Jason Voohees e que mal podia esperar para sair do ensino médio e de Forks. Eu não estava querendo me gabar, mas quatro pessoas me deram boas-vindas enquanto eu caminhava para me sentar. Eu me sentia popular e não só por ser a filha de uma das poucas mulheres que quis e conseguiu sair da cidade. 

Depois de duas aulas, comecei a reconhecer vários rostos em cada turma. Sempre havia alguém que se apresentava e me perguntava o que eu estava achando de Forks. Tentei ser diplomática, mas falei mal da cidade para pelo menos duas garotas. Esperava que elas não saíssem por aí dizendo que eu era muito arrogante. O ponto positivo foi que não precisei mais do mapa. 

Uma menina se sentou ao meu lado nas aulas de trigonometria e espanhol e eu a acompanhei até o refeitório na hora do almoço. Era baixinha, vários centímetros menor que meu metro e sessenta e três, mas o cabelo escuro, rebelde e cacheado compensava grande parte da diferença entre nossas alturas e a deixava com um aspecto selvagem que eu nunca esperei ver em Forks, onde tudo era tão apático. Por mais que eu tentasse, não conseguia lembrar o nome dela, então eu completava todas as suas falas com respostas que não necessitavam que eu a chamasse pelo nome. Foi até divertido. 

Sentamos à ponta de uma mesa cheia de seus vários amigos, que ela me apresentou um a um. Acenei e sorri para todos. Tirando o fato de que eles pareciam impressionados pela garota de cabelo selvagem ter coragem de falar comigo, me senti bem. Eric acenou para mim do outro lado do salão. 

Foi ali, sentada no refeitório, tentando decifrar se o que eu comia era frango e tinha gosto de peixe ou o contrário, que eu os vi pela primeira vez. 

Estavam sentados no canto do refeitório — como aqueles alunos retraídos e esquisitos que não se encaixam em nenhuma panelinha —, à maior distância possível de onde eu me encontrava no salão comprido. Eram cinco, embora um deles fosse tão grande que deveria valer por dois. Não estavam comendo apesar de terem bandejas cheias diante de si e eu não os julgava; eu mesma não comeria a comida da cantina se tivesse outra opção. 

Entretanto, eles também não conversavam. Pareciam atores de uma peça da Família Addams. Não me encaravam, tampouco, ao contrário da maioria dos alunos, então me senti segura para olhar à vontade sem temer encontrar um par de olhos me encarando como se eu fosse uma prima em potencial para fornicar. 

Mas não foi nada disso que atraiu e prendeu a minha atenção. 

Eles simplesmente não se mexiam. Não se mexiam mesmo. Pareciam estátuas de cera. Tomei até um susto quando um deles esticou a mão e tirou um fio demasiadamente hidratado de cabelo da frente dos olhos. Dos três meninos, um era grandalhão — musculoso, do tipo que você provavelmente vai evitar chamar para uma briga se quiser sair dela com os dentes dentro da boca, com cabelo escuro e crespo. 

Outro era mais alto, mais magro, mas ainda assim musculoso, bom de se olhar, e tinha cabelos louro cor de mel. O último possuía o porte atlético de um nadador, menos forte, com um desalinhado cabelo cor de bronze e uma estrutura óssea que deveria ser o perfeito exemplo do que pessoas comuns mostravam em foto para cirurgiões plásticos e diziam “quero um resultado inalcançável parecido com esse”. Parecia ser o mais jovem entre seus amigos, que poderiam muito bem se passar por veteranos de uma Universidade. 

As meninas eram o contrário, feminilidade pura e estampada. A alta era escultural e parecia ter saído diretamente de uma capa de edição de uma revista masculina. Só precisava se sujar um pouco de graxa. O cabelo conseguia até mesmo ser mais hidratado que o meu, brilhando, louro, e caindo em ondas até o meio de suas costas. Era linda, mas tinha uma cara de mesquinha que parecia já ter nascido com ela; não se pode ser perfeita, não é mesmo?  

A menina baixa parecia uma fada que tinha escapado por pouco do ananismo. Extremamente magra, com feições miúdas e um cabelo completamente preto, curto, picotado e desfiado em direções que nem existiam na bússola. Ela parecia estranha e avoada, mas pelo menos se vestia bem. Será que era do signo de peixes? 

Pose resignada, ar de superior, vestes de primeira mão; eu podia apostar que eles eram os burgueses safados donos daquele Volvo incrível no estacionamento. 

O que me intrigou foi que, de alguma forma, todos eles eram parecidos enquanto conseguiam ser completamente diferentes. Cada um era pálido como se tivesse levado um susto catastrófico há segundos. Todos tinham olhos muito escuros, contrastando com a pele muito clara. Também tinham olheiras; olheiras como as que eu tinha quando passava a madrugada fazendo um trabalho atrasado. 

Mas não era por nada disso que eu não conseguia desgrudar os olhos deles. 

Fiquei olhando porque seus rostos, tão diferentes, tão parecidos, eram completa, pecaminosa e injustamente lindos, sem uma marca de espinha da puberdade. O tipo de beleza inalcançável mesmo com plásticas e dietas de anos. Era difícil decidir quem era o mais bonito naquela mesa, mas isso não me impediu de tentar. Por fim, decretei que eram a loura com cara de quem comeu e não gostou e o garoto de cabelo cor de bronze. 

Enquanto eu observava, a menina perto do ananismo se levantou com a bandeja intocada — o refrigerante fechado e a maçã sem uma dentada e se afastou com passos longos, rápidos e graciosos dignos de uma passarela. 

Fiquei encarando, embasbacada, até que ela largou a bandeja no lixo e seguiu para a porta dos fundos, mais rápido do que eu fugindo da comida de Charlie. 

Sério, alguém tinha que avisar para aquela garota que comida não se desperdiça. Será que ela sabe que há milhares de pessoas que matariam por um refrigerante e uma maçã? Eu poderia ter ficado fascinada pelo seu jeito de se vestir e sua elegância, mas ela despencou vários níveis no meu conceito por jogar comida fora. Se ela não estava com fome, era só não comprar nada. Bonitinha, mas burra. O que adianta? 

— Quem são eles? — perguntei à garota de cabelo selvagem sentada ao meu lado, cujo nome eu não lembrava. 

Enquanto ela olhava por cima da minha cabeça para ver do que eu estava falando, de repente, o esquisito número 5, o mais bonito e o mais novo, olhou para ela. Foi só por um segundo e depois, surpreendentemente, seus olhos pararam em mim. 

Ele desviou os olhos rapidamente, mas eu continuei encarando, porque sou dessas. Naquele breve instante, percebi, seu rosto não tinha exibido nenhum interesse; o que era muito triste, porque ele era exatamente o tipo que eu escolheria para me tornar 100% menos virgem. Era como se ele tivesse se sentido involuntariamente impulsionado a responder a pergunta que eu fizera a garota do cabelo selvagem. 

Será que essa cidade está me deixando louca também? Será que eu vou começar a ouvir Johnny Cash e pendurar uma cabeça de cervo no meu quarto? 

A menina do cabelo selvagem riu,  evidentemente sem graça, olhando a mesma mesa que eu. 

— São Edward e Emmett Cullen, e Rosalie e Jasper Hale. A que saiu correndo como se tivesse visto o Diabo com camurça e couro falsificado é a Alice Cullen. Todos moram com o Dr. Cullen e a esposa. — Ela disse isso à meia voz, como se estivéssemos cometendo algum crime. 

Olhei de lado para o rapaz bonito, que agora fitava a própria bandeja, desfazendo um pão em pedaços enquanto sua boca se movia rapidamente, os lábios mal se abrindo. Os outros três que haviam ficado na mesa com ele ainda pareciam distantes, mas ele devia estar falando com eles. Ou, então, era um daqueles velhos presos em um corpo jovem que falam sozinhos por aí. 

Eram nomes estranhos e incomuns, o tipo de nome que eu daria para os meus filhos se eu tivesse nascido no século XIX. Mas, como tudo aqui é estranho, resolvo não pensar muito a respeito. Se eu procurasse, tinha certeza que acharia alguma Leopoldina de onze anos pela cidade. 

— Eles são...muito esquisitos e muito bonitos — decretei. — Eu queria ter uma pele como essa, mesmo que significasse ficar mais pálida. 

— É — concordou a do cabelo selvagem com uma risada (eu realmente tinha que lembrar o nome dela). — Mas estão todos juntos...Emmett e Rosalie, e Jasper e Alice, quero dizer. E eles moram juntos. — Sua voz trazia a condenação e o choque da cidade pequena. Mas, para ser sincera, eu tinha que admitir que até mesmo no Arizona isso geraria fofocas. 

— Quem são os Cullen? — perguntei. — Eles não parecem nem um pouco parentes. 

— Ah, e não são. O Dr. Cullen é bem novo, tem uns vinte e tantos ou trinta e poucos anos — sussurrou. — Gostoso demais. Todos foram adotados por ele. Os Hale são mesmo irmãos, gêmeos...os louros...e são filhos adotivos. 

Procriar com os próprios primos era até aceitável, mas com irmãos, mesmo que adotivos, parecia uma ideia meio doentia. Eu tinha que admitir que Forks estava começando a me impressionar. Quem diria que sob toda a monotonia havia um complô de endogamia veemente? 

— Parecem meio velhos para filhos adotados — observei. 

— Agora são, Jasper e Rosalie têm 18 anos, mas estão com a Sra. Cullen desde que tinham 8 anos. Ela é tia deles ou coisa assim. 

— Isso é bem altruísta...Eles cuidarem de todas essas crianças, quando eram tão pequenos e tudo isso — Percebi que estava sussurrando também e rapidamente elevei o tom de voz de volta ao normal. Eu não estava ficando louca. — Se eu tivesse dinheiro, também adotaria, mas como não tenho, seríamos eu e a criança passando fome numa estrada fria do Alasca. 

Jessica — lembrei o nome da garota — riu tão alto que chamou a atenção de todo o refeitório para nós. Eu enfiei uma das minhas batatas sem gosto na boca dela para a calar. 

Ela mastigou e depois disse:

— Mas você ainda nem se formou. 

Remexi os ombros. 

— Quero ser escritora e professora de jardim de infância como a minha mãe. Não dá nem para sair da linha de pobreza com isso. Não estou me iludindo. 

Ela balbuciou, com a boca cheia: 

— Nunca é tarde para encontrar um marido rico e dar um golpe da barriga para viver de pensão. 

Dei risada e pensei em Mariah me dizendo quase a mesma coisa nas férias do verão passado. 

— Você precisa conhecer uma amiga minha de Phoenix. Vocês se dariam super bem. 

Jessica riu, mas não perdeu tempo em voltar a cochichar. 

— Ouvi dizer que a Sra. Cullen não pode ter filhos. 

— Que triste — expressei, verdadeiramente tocada. Um dos meus sonhos era ser mãe. — Não acho que nenhuma mulher é obrigada a engravidar, mas todas deveriam poder escolher se querem gerar um bebê. Entretanto, não imagino realização maior que cuidar de crianças e outras pessoas que necessitam ser amadas. 

Jessica mexeu a cabeça, concordando e eu comi um pedaço do meu frango que parecia peixe, mas tinha textura de linguiça. 

Quando bebi um gole do meu suco, perguntei: 

— Eles sempre moraram em Forks? 

Eu estava checando. Não me lembrava de nenhum Cullen na cidade durante meus verões aqui e não é como se todos aqui não se conhecessem. Jessica me encarou. Na certa, imaginando que eu já tinha pensamentos de me oferecer com um laço de presente para algum deles. 

— Não. Só se mudaram há dois anos, vindos de algum lugar do Alasca. 

Olhei bem para eles, contemplando meu obscuro futuro. Era assim que eu ficaria morando dois anos em Forks: estranha, sem apetite e pálida. 

Enquanto eu os examinava, o aparentemente mais novo dos Cullen se virou e encontrou o meu olhar. Desta vez, com uma evidente expressão de curiosidade. Como eu continuei encarando, ele desviou os olhos, aparentemente frustrado. 

— Quem é o garoto de cabelo ruivo? — indaguei ao perceber que ele tinha voltado a me olhar. 

Será que tinha frango no meu dente? 

— É o Edward. Ele é transável demais, claro, mas não perca o seu tempo. Ele não namora. Ao que parece, nenhuma das meninas daqui é bonita o bastante para ele — Jessica fungou, um caso claro de dor de cotovelo. 

— Desculpe perguntar, mas, quando foi que ele te rejeitou? — questionei, mordendo o lábio para esconder meu sorriso. 

Sem querer, olhei novamente para o lado do esquisito bonitão. Seu rosto estava virado para o outro lado, mas achei que sua bochecha parecia erguida, como se ele também estivesse sorrindo. Será que esquisitice aguda vinha acompanhada de audição super sônica? 

Jessica suspirou ao meu lado e voltei a encará-la. 

— É tão evidente assim? 

— Totalmente — Achei que não fazia sentido mentir. — Você parece um cachorro que foi chutado de um caminhão toda vez que fala o nome dele. 

— Ótimo — Ela bufou, fazendo uma careta. — Foi no começo do ano letivo. Eu o convidei para um café e ele disse que não estava com fome. 

— Que babaca. 

— Concordo. Se eu não sou boa o bastante para ele, era só ter dito. Não era como se eu estivesse chamando-o para um banquete na casa da rainha. Era só a droga de um café. 

— Ele deve ser um ermitão ou esses caras que estão treinando para se tornar padre ou monge. Tem muita garota bonita aqui — Mais ou menos, pensei, encolhendo os ombros. — Vai ver, ele pode até sofrer de ejaculação precoce e não quer que ninguém saiba. Já pensou nisso?  

— Aí, Bella! — exclamou Jessica, rindo. — Você é inacreditável. 

— Só estou sendo realista — pontuei. — Acredite em mim, garotos normais de dezessete anos, pelo menos os de Phoenix, se envolvem até com um poste de iluminação se eles piscarem. Se o Cullen não ficou com ninguém, o problema deve ser dele. Ele pode ser gay ou um daqueles caras que acha que fazer mistério é charmoso, o que é muito escroto. Se garotas quisessem mistérios, assistiriam Scooby-Doo. 

— Acho que você tem razão — Jessica concordou. 

— Claro que eu tenho — pisquei. 

Depois de mais alguns minutos, os quatro saíram da mesa como se fossem um grupo de dança coreografada. Todos eram muito elegantes, o tipo de elegância que dá inveja e te faz pensar: por que eu não ando assim? — até o grandalhão de cabelo castanho que parecia um Quaterback. Era perturbador de ver. O garoto chamado Edward não olhou mais para mim, mas isso não significa que não olhei mais para ele. 

Acompanhei seu andar por todo o refeitório, olhando desejosa como um poodle da janela de um carro a vinte quilômetros por hora que vê um cachorro vira-lata mijando no poste. Era uma pena que garotos gostosos não podiam ser legais. Acho que a beleza é igual a dinheiro e acaba subindo à cabeça deles depois de algum tempo. 

Por outro lado, ele podia mesmo se comportar como se fosse o último homem da face da terra, porque sinceramente, ele era bom de se olhar. Deus abençoe Forks e seus habitantes peculiares e musculosos. 

Fiquei sentada à mesa com Jessica e seus amigos até o horário limite. Tirando algumas esquisitices usuais, os adolescentes de Forks não eram totalmente ruins. Uma garota tímida chamada Angela me acompanhou até a minha aula seguinte, que também era a sua. Biologia II. Ao contrário de Jessica, ela não gostava de falar dos traseiros dos garotos, notoriamente. Mas, era uma viciada em Nintendo Wii, então conversamos sobre isso durante todo o caminho. 

Quando entramos na sala, Angela foi se sentar em uma carteira de tampo preto exatamente como aquelas que eu costumava usar em Phoenix e ela já tinha uma parceira de laboratório. Na verdade, o destino olhou para a minha cara, cuspiu nela e disse “lide com isso”, porque o único lugar vago era ao lado de um garoto com feição de nenhum amigo: Edward Cullen. 

Enquanto eu andava pelo corredor para me apresentar ao professor e conseguir que assinasse a minha agenda, eu o observei furtivamente. Ou o que eu achava ser furtivo. Minha mãe sempre disse que eu não sabia ser discreta quanto ao que sentia e ela, provavelmente, tinha alguma razão. 

Parecia que eu tinha passado piolhos para ele porque Edward Cullen me encarava, furioso, quando passei. Como se eu fosse uma urticária. 

Não deixei de perceber que os olhos dele eram pretos. Pretos como carvão. Senti até um arrepio na coluna. 

Enquanto o Sr. Banner preenchia minha agenda sem nenhum daqueles absurdos de apresentação, acenei para uma garota que tinha dividido a mesa do almoço comigo com um sorriso que tive que me esforçar para manter. Ninguém nunca tinha me dito que era tão difícil parecer alegre quando tem alguém furando a sua traqueia com os olhos como se quisesse te matar. 

Foi um esforço manter os olhos levantados enquanto caminhava na direção dele. À medida que eu me aproximava, várias perguntas sem sentido cujas respostas explicariam aquela situação começaram a passar pela minha cabeça. 

Será que ele era um serial killer? Será que ele tinha fobia à garotas? Será que ele participava da seita todas as mulheres são como Eva, afaste-se? Será que ele já tinha ficado sabendo dos horrores que eu disse sobre a sua cidade para aquelas duas garotas — ou foram três? Será que ele secretamente divide alguma de suas irmãs adotivas com os outros garotos e não quer que ninguém descubra? 

Engoli minha saliva e me sentei, espalhando meus livros sobre a nossa bancada. Vi sua postura mudar como se eu tirasse dado um choque nele. Inclinado para longe de mim, desviando o rosto como se sentisse algum fedor, o que era uma hipótese ridícula, porque meu cabelo cheirava ao meu xampu preferido, de morangos silvestres. Era um odor bem inofensivo. 

Inesperadamente uma raiva foi me tomando enquanto eu ficava sentada, quieta, ao lado de Edward Cullen. Minha boca doida para se abrir e perguntar, afinal, qual era o problema dele. O fato da aula ser sobre os princípios da anatomia celular, um tema que eu já estudara, não me ajudou muito. Eu era uma criatura naturalmente falante e Edward Cullen parecia o oposto de falante...de sociável, de agradável ou de educação. 

Que garoto esquisito, credo, decretou minha mente. 

Que garoto gostoso, quero, revidou minha calcinha. 

Fitei o quadro negro e, disfarçadamente, lancei outro olhar de esguelha para ele entre os fios dos meus cabelos. As mãos dele seguravam com força a borda da mesa e ele estava todo ereto na cadeira e não um ereto fiz aulas de etiqueta e sei sentar direito, mas um ereto do tipo minha coluna vai partir e vou obrigar essa garota ingênua a presenciar isso

Talvez, seja emo, pensei. 

Ainda disfarçadamente, reparei em suas roupas, fazendo uma varredura completa. Ele usava uma calça preta que parecia ter pertencido a um integrante de boyband, e ficava muito bem nas coxas dele, uma camisa de mangas simples e jaqueta de couro. Tudo preto. 

Obviamente, emo, decretei. Isso não podia ter nada a ver comigo. Até hoje ele nem me conhecia. 

Eu o espiei mais uma vez e o peguei me encarando de cima, os olhos cheios de censura e repugnância. Devolvi o olhar, pois eu não sentia nada muito diferente por ele. Então, dei uma piscadela. Isso mesmo, eu pisquei para ele. 

Só para esclarecer, tendo a fazer coisas sem sentido quando estou nervosa ou sendo pressionada. Então, naquele momento, com o olhar escuro de Edward Cullen cavando um buraco nas minhas ideias e na minha calcinha de algodão, eu simplesmente pisquei um olho para ele. 

Não sei se fiquei aliviada ou se mortificada quando o sinal tocou e ele não demonstrou nenhuma reação. Com fluidez, ele se levantou de costas para mim — sua altura me fez pensar em escalar o corpo dele — e estava do lado de fora da porta antes que eu pudesse suspirar. 

Será que ele estava com diarreia? 

— Você não é a Isabella Swan? 

Enquanto eu processava a minha raiva, percebi uma voz me chamando de cima. Olhei na direção e vi um rapaz bonitinho com cara de bebê, o cabelo loiro cinzento penteado com gel em pontas arrumadinhas demais, sorrindo para mim de maneira simpática. Ele obviamente achava que meu odor era próprio para acasalar, não para se afastar. 

— Não — respondi. — Até mais. 

Dei as costas e comecei a empilhar minhas coisas, borbulhando de raiva, mas o garoto era insistente — ou talvez o meu odor de gata virgem fosse muito forte — e veio galgando para o meu lado. 

— Isabella Swan, filha do nosso querido xerife Swan? 

Estávamos em um livro? Todos estavam seguindo algum tipo de roteiro a que eu não tinha acesso?

Suspirei. Ser popular exigia sacrifícios. 

— Bella para os íntimos — afirmei, terminando de guardar minhas coisas, minha raiva por Edward Cullen ainda nublando meus pensamentos amistosos. — E você? 

— Meu nome é Michael, mas você pode me chamar de Mike. 

Eu não sabia se dizia que Mike era nome de cachorro ou de maluco. Optei por calar a minha boca sobre isso. Eu tinha que admitir que Bella também me parecia um pouco nome de cadela. 

— Prazer, Mike. 

— Precisa de ajuda para encontrar sua próxima aula? 

Eu não precisava, mas a palavra cordialidade ainda existia em um letreiro néon em algum lugar da minha mente. Concordei. 

— Vou para Educação Física. Se você quiser me ajudar. 

— É minha próxima aula também — Ele parecia impressionado como se não houvesse coincidência maior do que essa no Universo em uma escola daquele tamanho. 

Fomos para aula juntos e descobri que Mike era um cara legal. Ele falava bastante, até mais do que eu, e nós preenchíamos bem os espaços de silêncio um do outro. Ele tinha morado na Califórnia até os 10 anos, então entendia como eu me sentia acerca do sol e como eu também viajava sempre para lá com Charlie, conversamos sobre alguns lugares que conhecíamos em comum. Eu o chutaria de perto de mim quando quisesse ficar quieta, mas quando uma pessoa está animada, Mike Newton com certeza é uma boa pedida. O garoto não cala a boca. 

Bem, ele não era nenhum Edward Cullen, mas era bonito e não me olhava como se eu tivesse batido na mãe dele ou chutado seus testículos. 

Quando estávamos na porta do ginásio, ele perguntou: 

— E aí, você furou Edward Cullen com um lápis ou o quê? Nunca o vi agir daquele jeito. 

Eu meneei a minha cabeça, como se não soubesse do que ele estava falando. Antes eu tivesse mesmo furado o Cullen com um lápis. 

A raiva que eu estava esquecendo a caminho do ginásio estava começando a voltar. Constatei que aquele não era o comportamento usual dele, se Mike reparara. Talvez, ele tivesse alergia a mulheres ou participasse mesmo de alguma seita que o proibia de chegar muito perto delas. Decidi me fazer de burra. 

— Você está falando do garoto que senta ao meu lado na aula de biologia? 

— Sim — disse Mike, parecendo feliz que eu estivesse fazendo pouco caso. — Parecia estar sentindo alguma dor ou coisa assim. 

Dei de ombros. 

— Talvez ele tenha fibromialgia. 

— Ele é um cara estranho — Mike demorou ao meu lado em vez de ir para o vestiário trocar de roupa. — Se eu tivesse a sorte de me sentar ao seu lado, conversaria com você. 

— É uma pena que você não tem — cantarolei e comecei a me afastar já que ele parecia disposto a ficar prostado ali. Não estava mesmo a fim de flertar com o povo de Forks. Era todo mundo muito, por falta de palavra melhor, esquisito para o meu gosto. — Até mais, Newton. 

O professor de educação física, treinador Clapp, encontrou um uniforme para mim — e eu certamente o customizaria depois. Os testes para líder de torcida já tinham sido feitos no começo do período letivo, mas Ivy — não a League —, uma garota muito extrovertida do último ano e capitã da equipe, concordou em abrir uma exceção para mim, então meus testes seriam na semana que vem e eu teria que apresentar uma coreografia inédita. Eu esperava que ter participado da equipe de Phoenix me desse alguma vantagem. 

Naquele dia, jogamos vôlei. Eu não era boa no arremesso e quase arranquei a cabeça de uma garota da nossa turma com o saque, mas eu passava quase despercebida se ficasse no meio. 

Era um bom lugar para mim e um que eu pretendia usurpar, já que, ao contrário de Phoenix, onde as aulas de educação física eram obrigatórias somente nos dois primeiros anos, Forks exigia os quatro anos de prática. 

Quando o último sinal finalmente tocou, eu estava exausta. Andei devagar até a secretaria, aproveitando o vento frio e sem chuva bater contra o meu rosto, para entregar minha agenda devidamente preenchida. 

Ao entrar no escritório aquecido, qual não foi a minha surpresa ao ver que Edward Cullen estava ali? Quase dei meia volta e fui embora, mas mudei de ideia e entrei, o vento sacudindo meu cabelo enquanto eu passava pela porta. 

Ele que era o burguês antipático, eu não tinha que ficar por aí me escondendo e evitando esbarrar com ele numa escola que parecia um ovo. 

Fiquei ao lado dele no balcão e o encarei enquanto ele encarava a ruiva sardenta. O Cullen discutia com ela em uma voz baixa e cativante, não como se fosse o ogro que não dá nem boa tarde para as pessoas. Então o problema era mesmo comigo? 

Prestando atenção na conversa, percebi que ele tentava sem sucesso trocar o horário da aula de biologia por outro horário — qualquer outro horário. Que filho de uma potra. 

Então, era mesmo por minha causa. 

Antes que eu pudesse pensar em chutar a sua canela por ser tão babaca, a porta se abriu novamente e um rajada de vento cortante preencheu a secretaria. A menina que entrava se limitou a colocar um pedaço de papel numa cesta de arame e logo saiu novamente. Mas, Edward Cullen enriqueceu do meu lado como tinha feito na sala, deixando a entender que sua coluna iria partir. 

Ele se virou e olhou para mim com a aquele rosto idiota e arrogante que estragava meu psicológico fragilizado. Eu sorri. 

— Olá? A gente sentou juntos na aula de biologia, certo? Qual é o seu nome? — Se existisse um prêmio Nobel para quem consegue disfarçar melhor a raiva e se fazer de idiota, eu teria ganhado. 

Ele voltou a olhar para a recepcionista, ignorando-me, a expressão se fechando ainda mais. Não havia nada além de frieza quando ele grunhiu em sua voz de veludo valenciano: 

— Então deixa para lá. Estou vendo que é impossível. Muito obrigado por sua ajuda. 

Virou-se sem olhar para mim, desaparecendo porta afora. Fiquei boquiaberta durante um segundo, depois balbuciei para as costas dele, visíveis pela transparência da porta de entrada: 

— Foi bom te conhecer também, viu, Edward Cullen? Boa tarde, vá pela sombra ou pelo fogo do inferno, sei lá. 

Virei para a recepcionista que, claramente, tinha perdido o ar de deslumbramento ao se voltar para mim e entreguei minha agenda. 

— Como foi seu primeiro dia, querida? — inqueriu a ruiva sardenta. 

— Bom — afirmei. — Melhor do que eu esperava. 

— O que você esperava? — perguntou só para ter o que dizer enquanto analisava minha agenda para confirmar que eu tinha pegado todas as assinaturas e não era nenhuma infratora de regras educacionais. 

— Sabe a canção Thriller do Michael Jackson? Era mais ou menos isso que eu esperava. 

— Não somos tão ruins assim, viu? 

Dei risada. 

— Não. Vocês realmente são ruins assim, mas é um ruim tolerável e eu consegui me misturar facilmente — revelei. — Agora eu só preciso achar um parente meu para construirmos um relacionamento e serei oficialmente uma moradora de Forks. 

A mulher me encarou. 

— O que você disse? 

— Nada — Balancei a cabeça. — Até amanhã. 

Saindo daquele antro, voltei para a casa de Charlie, lutando contra a vontade de espetar Edward Cullen com um lápis por todo caminho até lá. 

Estava claro para mim: eu estava sofrendo de um grave caso de rancor à primeira-vista. 

 


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado do capítulo. Obrigada pelos lindos comentários no capítulo passado. Nos vemos no próximo? Um beijo e um queijo! ♥



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