Blindwood escrita por Taigo Leão


Capítulo 11
A Casa


Notas iniciais do capítulo

Soltei esse capítulo logo porque hoje é um dia especial, faz 1 mês que comecei a postar essa história aqui!
Obrigado a todos pelo carinho e espero que continuem acompanhando até o final!



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Elaine Campbell acordou pela manhã animada; ela não teve nenhum sonho estranho na última noite.
Ela pegou seu casaco e o celular antes de sair de casa seguindo o seu mapa para o lugar que Maria havia lhe indicado. A rua A***. Lá ela encontraria algo.
Elaine caminhou por ruas que não conhecia até chegar em um lugar... Estranho. Havia uma marcação no chão, uma linha escura que cortava toda a rua e uma placa de "não ultrapasse" também, mas era apenas isso. Elaine passou. Ela estava mais próxima da rua A*** agora.
Aqui ela enxergava apenas casas fechadas, não havia uma com janela ou porta aberta. Haviam janelas quebradas, mas não abertas. O ar cheirava estranho. Era algo amargo.
Elaine continuou andando até finalmente chegar onde deveria, ela conseguia ver pelo seu mapa. A rua A*** estava à sua direita.
Era uma pequena rua sem saída com algumas casas grandes e no final da mesma havia uma garagem de tijolos conectada a uma grande casa cinza, essa era a casa 25. Uma das janelas do primeiro andar estava quebrada enquanto as outras estavam fechadas com tábuas de madeira. A grama do jardim frontal estava alta e haviam flores mortas ali. Elaine subiu os dois pares de degraus que davam para a área com a porta de entrada. Ela olhou para cima e ali tinha o espaço para uma lâmpada, mas não havia algo desse tipo. Ela respirou fundo e tentou abrir a porta, mas a mesma estava trancada. Ela deu a volta na casa e havia uma porta na cozinha, nos fundos. Essa ela conseguiu abrir. Elaine entrou na casa se repreendendo pelo ato que estava fazendo. Ela nunca tinha cometido um arrombamento antes e sabe muito bem que aquilo é errado. Mas de toda forma, ela já teria sido "convidada" a ir até ali e precisava de respostas, então ela entrou.
A casa estava escura e não havia energia ali, mas Elaine tinha o seu celular que usava para iluminar, ao menos um pouco, seu caminho. A cozinha estava uma bagunça. Havia louça na pia e algumas moscas também. Pela falta de sons no ambiente, dava para escutar o som de suas asas batendo ecoando por todo o cômodo. A geladeira, que já foi branca algum dia, estava completamente suja. Os armários na parte alta da cozinha estavam abertos e o que havia dentro deles estava bagunçado. As panelas que haviam em cima da mesa no centro da cozinha estavam enferrujadas. O lugar fedia. Era uma mistura de mofo e algo que Elaine não conseguia explicar. A casa toda estava assim, uma bagunça. Elaine saiu da cozinha e foi até a sala. Ela se aproximou da televisão que parecia com a de seu quarto no hotel: uma antiga que estava no chão. Frente a mesma havia uma pequena mesa de centro de vidro e um sofá verde escuro. Em cima do sofá havia uma almofada e uma coberta cinza e em cima da mesa haviam 2 copos e alguns remédios. Atrás disso, na parede da sala, havia uma pequena estante. Em cima dela havia algumas coisas como um vaso com uma flor morta e um quadro quebrado, mas Elaine conseguia ver um pouco através do vidro quebrado. Era uma família. Duas mulheres e um homem, mas ela não conseguia ver direito o rosto do homem e nem o da garota que estava no meio, pois a parte quebrada tampava tudo isso. Elaine reconheceu a mulher na ponta: era a mesma que ela havia conhecido no Parque Blindwood em seu... Sonho.
Haviam jornais e outros papéis pelo chão da casa.
Elaine voltou para a pequena área entre a sala e a cozinha e subiu as escadas para o segundo andar, ela pensou que lá poderia achar o que procurava.
Lá haviam três portas exatamente iguais, uma na direita, uma no meio e uma na esquerda. Elaine tentou abrir a da direita, mas estava trancada. "Droga."
Ela abriu a do meio e entrou. Era um quarto. Um quarto de casal, dos pais da família.
Ao contrário do resto da casa, este quarto estava arrumado. Era um quarto pequeno e simples. Havia uma cama de casal e um guarda-roupa pequeno. A cama estava com o lençol esticado como se tivessem acabado de colocá-lo. Era um lençol branco com um bordado azul escuro. O guarda-roupa era de madeira e grande o bastante para duas pessoas guardarem suas coisas. Elaine o abriu. De um lado haviam alguns ternos e do outro, vestidos.
Nas gavetas haviam apenas mais roupas. Tudo tinha o cheiro de guardado e haviam traças ali. Elaine não encontrou nada como papéis, anotações ou algo do tipo.
Na mesa de cabeceira que havia ao lado direito da cama estava um abajur cinza e um livro de capa dura e sem nada escrito na mesma, era apenas uma capa completamente vermelha. Elaine abriu o livro e o folheou o pouco, mas era apenas sobre medicina. A pequena gaveta que havia ali estava vazia.
Elaine saiu do quarto e entrou na porta da esquerda, era o banheiro.
Ela se olhou no espelho e ao primeiro passo, a visão lhe assustou um pouco. Elaine viu ela mesma, mas com o cabelo solto. Os movimentos de seu reflexo eram os mesmos que ela fazia, mas o cabelo estava diferente. Ela coçou os olhos e logo o reflexo estava como deveria estar, mas algo ali chamava a atenção de Elaine. Ela se aproximou mais, apoiando as duas mãos na pia e encarou o reflexo no espelho, vendo cada detalhe de seu rosto, mas não viu nada mais do que isso.
Frustada, Elaine saiu do banheiro e voltou para a sala. Ela começou a procurar por algo naquele cômodo mas sem saber ao certo o que estava procurando. Haviam apenas sujeira e poeira, até que ela encontrou.
Uma pequena chave enrolada em um papel embaixo do travesseiro no sofá, era a pequena chave de um quarto.
Elaine colocou o papel no bolso e subiu até o segundo andar novamente, usando a chave na porta da direita. Era um quarto.
Ali havia uma cama de solteiro com um lençol branco e limpo e um pequeno guarda-roupa cinza. Havia também uma penteadeira de madeira e uma prateleira na parede com alguns livros. Haviam dois pelúcias em cima da cama e a palavra "Lee" gravada na penteadeira. Elaine sabia que estava no lugar certo. Era o quarto de Elisabeth Lee.
Elaine abriu a gaveta da penteadeira e ali haviam algumas fotos polaróides. Algumas com uma ou mais pessoas e algumas de paisagens com a neblina típica daquele vale. Haviam fotos do Parque Blindwood também, Elaine o reconheceu. O comum entre todas que apareciam pessoas era uma garota que estava com o rosto riscado por uma caneta em cada uma das fotos; não havia uma que Elaine conseguisse ver aquela pessoa. Mas ela reconheceu as pessoas que apareciam com a garota desconhecida nas fotos: eram Sarah Bove e Marco. Eles realmente foram amigos.
— Você veio.
Elaine se assustou. Era a pequena Maria que estava na porta do quarto.
— Como encontrou a chave?
— Ela estava no sofá. Por quê o rosto dela está riscado em todas as fotos?
Maria se aproximou e abriu a outra gaveta. Ela pegou um pequeno diário de capa marrom e folheou até chegar perto do fim, encontrando o que queria e entregando para Elaine. A pequena pegou as fotos das mãos da jornalista e se sentou na cama, onde começou a ver cada uma delas.
— Em sua maior parte ela fala sobre Sarah Bove e Marco, uma bobagem só. O que interessa vai estar perto do fim. Vamos. Leia!
A maior parte do diário estava rabiscada, como se assim como o rosto nas fotos, tivessem riscado algumas frases escritas ali. Elaine conseguiu ver apenas uma ou outra entre os grandes rabiscos.

"Meu pai veio falar comigo de novo. Eu não quero fazer isso mas parece que não tenho escolha. Não contei para Sarah e nem para Marco, não sei se devo."

"Me sinto asfixiada pelos problemas deles.
É apenas o que eles querem e nada mais. Esse é o meu propósito...? Essa é a minha crença."

"Esse é um pequeno preço a se pagar, hoje entendo isso. Este é um mundo que vale a pena. Essa é a chave para este mundo.
Deixei uma carta para Marco, ele vai entender e consolar a Sarah. Eles vão seguir em frente. Eles vão entender"

— O que é isso?
— Você o encontrou, não foi? O papel com a chave. Leia ele!
Elaine pegou o papel em seu bolso e após tentar desamassar aquilo, viu que era mais uma página deste diário.

"Estava me preparando psicologicamente para isso, mas hoje darei uma caminhada.
Não posso fazer isso então falarei com Marco. Irei até o Parque Blindwood e o encontrarei lá. Então direi para fugirmos daqui, da forma que ele sempre quis fazer. Sei que meu pai vai ficar decepcionado comigo, mas eu quero viver, quero continuar viva! Se isso não for possível, não quero mais viver."


Elaine pensou ter compreendido a situação.
— Marco não quis fugir com ela... Então, sem escolhas ou vontade de fugir sozinha, ela se matou?
Maria fechou os olhos, irritada.
— Você não entendeu, não é? É claro que não. Elaine, eu disse que você precisava buscar as respostas por si mesma, mas eu poderia lhe dar uma ajuda quanto a isso. Venha comigo.
Elaine seguiu Maria e as duas entraram no banheiro. A pequena parou frente ao espelho.
— Olhe para ele.
Elaine olhou e novamente pensou ter visto algo estranho em seu reflexo. O de Maria estava normal, mas ela sentia algo estranho no seu.
— Encoste.
Elaine aproximou sua mão e encostou o dedo no espelho, sentindo como se fosse espetada por uma agulha no momento em que encostou o dedo no espelho. Ela recuou a mão e viu que seu dedo estava sangrando.
— O que é isso?
— Não tenha medo. Confie em mim.
Maria se aproximou e manteve uma mão nas costas de Elaine enquanto que apoiava a outra, no ombro direito da mulher, incentivando o movimento. A jornalista respirou fundo e encostou. A dor foi a mesma e seu dedo estava sangrando novamente. Ela encostou dedo por dedo e sentiu a pinicação em todos. O sangue escorria, mas ela empurrou sua mão. Em um piscar de olhos a mão de Elaine estava normal e ela encostava no espelho sem nenhum problema. Seu reflexo do outro lado continuou encostado mesmo quando ela retirou sua mão e se afastou um pouco, até que ele logo sumiu, mas havia algo ali do outro lado. Era sangue. Elaine não compreendeu.
— O que é isso?
— Venha comigo.
Maria saiu daquele local e desceu as escadas. O cheiro daquela casa agora era pior do que antes, Elaine quase não conseguiu suportar aquilo. Quando Elaine desceu, notou que a televisão estava ligada; ela via a luz e escutava o barulho do chiado da mesma lá de cima. Quando chegou na sala, a mesma estava diferente. Tudo continuava bagunçado mas agora o papel de parede estava se desmanchando, como se fosse cair a qualquer momento; como se estivesse podre. Sentada no sofá frente à televisão estava a mãe de Elisabeth Lee. Ela estava com o cabelo grisalho solto e com roupas simples e de cores claras. Maria se sentou ao seu lado.
— Se lembra de mim? .– Elaine perguntou, se aproximando.
— Hm? Oh, a mulher do parque. O que você faz aqui?
A mãe de Elisabeth estava calma e não tirava os olhos da televisão, mesmo não passando nada na mesma.
— Maria me trouxe.
— Imagino que sim. Mas aqui não é lugar para você. Eu já lhe disse isso, não disse? Se você está aqui, imagino que já tenha entrado no quarto, não foi? Bom, fique o tempo que quiser. Quanto precisar... As portas aqui estão abertas. Lá, a do quarto estava trancada, não estava? Foi difícil de achar a chave?
— Eu não estou entendendo... Lá? Aqui? Não estou no mesmo lugar? E respondendo sua pergunta: Sim, estava trancada e eu encontrei a chave junto do pedaço rasgado do diário.
— Ah, eu o arranquei porquê sabia que eles riscariam esse pedaço também.
— Eles?
— Sim. Eles riscaram tudo.
— O que aconteceu com Elisabeth? Ela não se suicidou? Por quê riscaram suas fotos e seu diário?
— Seu pai riscou as fotos por quê não suportava ver o rosto da filha após cair na ilusão de que ela havia se matado. O diário foram eles. Eles simplesmente entraram e fizeram isso, para evitar qualquer tipo de resquício de uma informação errada.
— Ilusão?
— Sim. Ela não se matou, mas seu pai se colocou na ilusão de que isso aconteceu. – A mulher tirou os olhos da televisão e olhou para Elaine.– eu me matei naquele parque, não foi ela.
Maria observava bem as duas mulheres conversando e a conversa lhe agradava. Parecia que ela gostava das expressões que Elaine fazia após descobrir a verdade. Ela estava se divertindo com cada minuto ao lado de Elaine Campbell.
— Como assim...?
— Fiz isso naquele lugar por ser seu lugar favorito em toda Blindwood. Eu devia permanecer lá com ela, foi o que deduzi. Mas não! Eu estou neste lugar.
— Você está aqui? Eu te vi no parque!
— Sim. Mas aqui. Não foi no outro lado.
Elaine recuou um pouco, ela ainda não compreendia as palavras escutadas e a mulher que lhe disse tais palavras conseguiu ver isso claramente no semblante de Elaine.
— Você está "do outro lado" agora. Vamos, imagine duas casas existindo no mesmo espaço. Duas salas no mesmo espaço, duas cozinhas e quartos nos exatos lugares, apenas a porta de entrada é que não está no mesmo lugar. Em cada uma dessas casas mora uma família. São duas famílias dividindo o mesmo espaço, não é mesmo? Pois então, você não acha que em determinado momento, uma família vai acabar notando a outra que também está ali? Está sempre debaixo de seus olhos, mas elas estão cegas demais para ver. Porém quando é tarde demais, é impossível voltar atrás. Não podemos voltar atrás nunca. Você está na outra casa agora, Elaine.
— Então essa seria outra dimensão?
— Essa... – Maria entrou na conversa.– É a verdadeira Blindwood.
— Podemos usar essa definição.– A mulher completou.– Essa realmente é Blindwood. Blindwood é assim e aqui nada é escondido. Mas para um ato existem consequências, e consequências de ser verdadeiro é a natureza que vem junto com isso. Uma natureza impura e maléfica. Aqui os humanos são humanos em sua natureza. A crueldade, malícia, os pecados. A verdade. Tudo vem à tona. Sim, ainda acredito que você não devia estar aqui. Mas se não pude evitar minha filha de fazer o que fez, por quê evitaria ou repreenderia você por simplesmente estar aqui?
— Quem são eles? O que aconteceu com sua filha?
— Ela seria uma das peças que serviriam para um propósito maior. Seu pai colocou isso em sua cabeça e ela viveu com essa idealização. Um mundo melhor. Um mundo que estava parcialmente dentro dela. Ela era uma das chaves para esse mundo, então em determinado dia ela se entregaria para eles, que iriam ceifar sua vida. Eu não sabia que ela iria tentar fugir ou algo do tipo. Eu sempre fui contra tudo isso, mas o que poderia fazer quando todos, inclusive seu marido e sua própria filha, ficam contra você? Você não tem escolha a não ser aceitar. Se ela parecia feliz, meu coração também estava. Sua felicidade significava minha completa paz interior. Ela era tudo para mim. Consegue se lembrar de quando lhe disse que todos me acham louca? Isso porquê eu sei a verdade. Eu sei que ele a levou. Ela não se matou. Sim, essa é a verdade. No dia devido ela foi até o parque (isso foi uma semana antes do dia em que se entregaria). Ali ela esperou por Marco mas ele não apareceu. Por outro lado ela não ficou totalmente sozinha. Ele apareceu. Ela nunca o viu antes, então deixou-o se aproximar tranquilamente. Era ele. Ali seu destino foi finalizado; ela cumpriu o seu propósito sem saber... O Ceifador...
A mulher tremeu com um frio na espinha ao falar este nome. As outras duas presentes continuaram em silêncio enquanto a mulher se recuperava; após dizer esse nome era como se as palavras não saíssem mais de sua boca; como se fosse muito doloroso para ela voltar para esse assunto.
— Não há como dizer se ele já esperava por ela ou foi apenas uma coincidência. O que importa é que ali, perante as circunstâncias, ele tirou a vida dela.
Elaine se levantou e saiu dali pela porta da frente que agora estava aberta. Ela se apoiou na parede da casa e respirou fundo. Ela precisava de ar.
— Ei, por quê saiu de lá? – Maria veio atrás.
— Espere, já vou voltar... O que ela quis dizer com "não podemos voltar atrás"? Eu não posso voltar?
— Não se preocupe, você pode voltar para o outro lado. Não são todos eles que podem, mas não somos como eles. Eu e você. Eu... Logo voltaremos! Você queria saber mais, não queria?
— Eu não sei...
Elaine respirou fundo e voltou para dentro da casa, a mulher ainda estava da mesma forma. Era como se Elaine não tivesse saído dali.
— O Ceifador... O Ceifador...
— Essa é sua história?
— ...No fim, cansada de tudo, fui até lá e fiz o que fiz. Entrei no lago e me afoguei naquele lugar. Agora estou aqui.
Elaine entendeu que não conseguiria tirar mais nada dessa conversa neste momento, então achou melhor sair dali. Ela chamou por Maria e saiu pela porta da frente.


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