Irmandade de Mutantes: Supremacia Marvel 717 3 escrita por scararmst


Capítulo 6
Dilema




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Grace flutuou graciosamente até o segundo andar, suas asas fazendo um esforço tão leve para carregá-la que a garota se perguntava às vezes como seus poderes funcionavam de fato. Ela não tinha ossos frágeis como os de um pássaro, não deveria ser possível alçar voo daquela forma. Ainda assim, ali estava, sentindo o vento passando sob seus pés e vendo o chão se afastar pouco a pouco de si, até estar frente a frente com a janela do segundo andar da igreja em chamas.

Se Luke tinha protestado seu gesto, ela não ouviu, e mesmo se ouvisse, não achava que fosse impedi-la agora. Era a única dentre eles com capacidade para chegar rapidamente até ali, e alguém poderia estar precisando de ajuda. Não era hora de debater coisas. Era hora de agir. Amália tinha deixado isso bem claro com sua decisão, uma que Grace não poderia apoiar mais. Não apenas apoiava como a estava reproduzindo, a despeito de seu bom senso. Ela se apoiou na janela, fechando as asas e decidindo não olhar para baixo, pois não precisava de um golpe na pequena injeção de autoestima que lhe tinha acometido. A garota deu uma espiada para dentro e entrou devagar.

Não havia muito fogo ali em cima. O corredor de fumaça formado por Amália cortava bem em sua frente, vindo do andar de baixo e passando pela janela aberta à sua direita. O segundo andar era apenas uma balaustrada, acessível por um lance de escadas atrás do suposto altar da igreja e que agora se encontrava bloqueado por escombros e vigas desabadas do telhado. Naquele pequeno espaço, não havia muito, apenas uma mesa com algumas caixas embaixo e panfletos em cima, logo abaixo da fumaça movida por Amália, e o pouco espaço atrás disso não era muito visível graças à fuligem.

Os olhos de Grace começaram a arder, e ela ergueu a mão para limpá-los, mas vendo como já estavam cobertos de fuligem, desistiu da ideia. Era provável que ninguém estivesse ali em cima, mas era melhor ter certeza antes de ir embora, caso algo se escondesse de sua visão atrás de toda a fumaça.

— Olá? Tem alguém aqui em cima? Estou aqui para ajudar…

Embora não soubesse exatamente como, ou se poderia. Ela caminhou um pouco para a frente, se colocando bem abaixo da coluna de fumaça, e estreitando os olhos para tentar enxergar melhor do outro lado. E nesse esforço, sua visão periférica acabou captando algo.

Grace arregalou um pouco os olhos, em choque tanto por ter lido algo tão pequeno naquela confusão, mas mais ainda com o que tinha visualizado. Ela piscou um pouco, confusa, se aproximando da mesa de panfletos e pegando um nas mãos. Não, não tinha se enganado. A garota leu, sua boca se abrindo um pouco mais a cada palavra, o coração acelerando e um arrepio de medo descendo pela sua espinha. Não podia ser… Não, quais eram as chances? Quais?

Perdida em sua própria distração com o papel em mãos, ela demorou um pouco para ouvir a tosse baixa e frágil vindo do outro lado da fumaça.

— Aqui… Por favor… — ela ouviu uma voz de mulher chamar, rouca e enfraquecida. E Grace não sabia o que fazer.

O medo tinha gelado sua espinha. Ela percebeu depressa como cruzar a coluna de fumaça em direção àquela voz poderia acabá-la matando… Assim como percebeu a súplica na voz da mulher, e conseguia imaginar o desespero que ela vinha sentindo, e o alívio de ter agora ouvido outra pessoa por perto para resgatá-la. Tinha de fazer uma escolha, e para Grace, não era nem mesmo uma dúvida.

Ela dobrou o panfleto, o enfiando na bolsa da saia e respirando um pouco curto, tentando inalar um pouco de ar, mas evitando aspirar fumaça demais. Não tinha por que esperar que não fosse dar certo. Talvez fosse exatamente isso o que era necessário naquela situação. E mesmo se tudo desse errado, o que Grace se obrigava a acreditar, não daria, não haveria outra escolha. Não podia deixar a mulher ali para morrer intoxicada pela fumaça, independente de quem ela fosse.

— Estou indo! — Grace exclamou, atravessando a fumaça para enfim ver o que havia do outro lado.

Era apenas uma mulher na casa dos cinquenta, sozinha. Não estava presa a nada, mas parecia fraca. Todo o tempo ali em cima exposta à fumaça sem conseguir sair por conta dos escombros com certeza a tinha feito bem mal.

— Vou te ajudar a sair. Consegue se levantar? — Grace perguntou, se aproximando e se ajoelhando ao lado da mulher, passando um braço dela por seus ombros.

Zonza, se apoiando em Grace e com as pernas bambas, a mulher moveu a cabeça em afirmação. E de fato ela conseguiu ficar de pé, apesar de parecer estar se apoiando em varas de borracha em vez de em seus próprios ossos.

— Vou te levar até a janela — Grace explicou. — E então vou descer com você. Você vai ter que confiar em mim, ok?

Mais uma vez, ela moveu a cabeça de forma lenta. Grace calculou que a mulher era uns dez quilos mais pesada que ela, o que deveria ser o suficiente. Tinha conseguido carregar um máximo de oitenta quilos nos braços em seus treinamentos, o que Bobby tinha comentado se tratar de super-força, embora ainda estivessem testando os limites dela. Mas para levar uma mulher de setenta quilos alguns metros para baixo, ia ter de servir. Só precisava decidir como sair de lá com ela.

— Sente-se aqui — Grace pediu, analisando a situação e sentando a mulher no batente da janela. Ela se segurou ali de forma débil, mas firme o bastante, Grace julgou, para ficar sozinha por alguns instantes.

Grace saiu pela janela da mesma forma que tinha entrado, abrindo as asas e pairando no ar. Então pegou a mulher de novo, torcendo para não ter errado suas contas, e a carregou nos braços.

Tinha errado. Ela sentiu os músculos reclamarem na mesma hora e as asas começarem a bater com mais velocidade. Grace olhou para baixo, fazendo um esforço para descer o mais lentamente possível, mas sabendo estar planando com bem menos graça do que esperaria em direção ao chão. Ela olhou em volta, ficando feliz em ver o grupo de pessoas abaixo dela se afastar rapidamente da região, enquanto Grace caía mais rápido que lhe seria saudável, tentando se certificar apenas de não soltar a mulher até finalmente bater com os pés no chão.

A garota deitou a mulher no asfalto, sentindo a base das asas doendo e um cansaço um tanto anormal lhe subindo pela pele. Ela se abaixou, apoiando as mãos sobre os joelhos, e aos poucos ouviu uma onda de cochichos ao seu redor. Grace levantou o rosto, percebendo só então que em vez de pousar dentro da área delimitada pelos bombeiros, tinha pousado bem no meio de uma turba de curiosos, todos com seus telefones em mãos e dezenas de câmeras apontadas para ela.

Grace sentiu um calor subir para o rosto. Em reflexo, ela abriu as asas, usando-as para se esconder e sentindo um tremor tomar conta de suas pernas, ouvindo alguns gritos de surpresa com seu gesto. Então, a mulher no chão tossiu de novo, e Grace sentiu um enjoo no estômago. Não podia deixá-la ali.

— Com licença — a garota disse, guardando as asas de novo e se abaixando na direção da mulher, evitando dar atenção aos cliques e flashes ao seu redor.

Ela passou o braço da vítima pelos ombros como tinha feito antes e a ajudou a se levantar. Precisava levá-la até Balu. Podia lidar com o restante depois.

Encontrou o colega de equipe na ambulância, de pé ao lado de uma maca, cuidando da perna de um homem. Usando seus poderes para ajudar mais alguém que tinham encontrado dentro daquela igreja, e sem fazer ideia de que…

Não. Resgate primeiro, ponderações depois.

— Guardião! — Ela chamou, se aproximando com a mulher. — Eu a encontrei lá em cima.

Alguns socorristas se aproximaram com uma maca, ajudando Grace a deitar a mulher e a direcionando para outra ambulância. Ela se aproximou, vendo uma expressão de desagrado no rosto de Balu, e o rosto coberto com uma camada fina de fuligem marcado por uma outra lágrima que teria escorrido.

— Você está bem? — Ela perguntou, pousando a mão delicadamente nas costas dele. Balu suspirou, mas Grace não sabia dizer o que aquilo significava.

— Não exatamente. Ele está sentindo dor. Eu posso não sentir a mesma dor que ele, mas a angústia da dor, sim. E agora eu também estou ficando preocupado e ansioso, então se você puder por favor sair da ambulância…

— Ah, me desculpe… Eu só queria…

— Eu sei. Ajudar. Eu senti isso também.

O que deveria ser no mínimo muito irritante. Grace acenou, um pouco desconcertada, e deixou a ambulância, permitindo que Balu continuasse com o que fazia.

Não havia mais ninguém na igreja. Com a ajuda de Amália para controlar a fumaça, os bombeiros não demoraram a conseguir terminar de apagar o fogo, considerando um milagre terem conseguido salvar todo mundo. Bem, apenas em parte um milagre; de resto, eles pareciam muito felizes em parar para cumprimentar os Novos Mutantes. Enquanto Balu ajudava a mulher com intoxicação por fumaça, viu alguns tirando fotos com Damon e Amália, enquanto Grace, Luke e Nath recusavam com educação, os dois rapazes olhando ansiosos na direção dele.

Certo. Tinha visto o que aconteceu quando saíram da igreja. Damon colocou o ombro de Nath no lugar, o garoto acabou apagando de dor por alguns instantes e, quando por fim se sentou e conseguiu ficar de pé de novo, foi para ser aplaudido pelos bombeiros graças ao que quer que fosse que tivesse acontecido dentro da igreja. Seria muito mais fácil para Balu ficar feliz por eles se olhar para Luke não fizesse seu estômago se revirar, lembrando-se de toda a bagunça de sentimentos e instintos de fuga que sentia quando estava com ele.

— Essa sua habilidade é incrível! — Uma socorrista comentou, ajudando Balu a monitorar a mulher de quem ele cuidava. — Como funciona?

Entre a irritação da mulher deitada sob suas mãos e a admiração da outra que o observava fazer seu trabalho, mais uma vez Balu se viu incapaz de agir de forma coerente. Em breve ganharia fama de louco, tinha certeza, mas não conseguia controlar.

— Uma capacidade de acelerar a regeneração no corpo das pessoas em troca da muito irritante capacidade de sentir o que todo mundo sente, sem saber o porquê já que não sou capaz de ler mentes. É um saco.

E não foi surpresa a mulher não perguntar mais nada depois disso.

Após se certificar da vítima estar bem, Luke pediu a ele para dar uma olhada na equipe, e Balu estava começando a sentir um pouco de náusea — se física ou emocional, não sabia dizer —, mas o fez. Damon e Luke estavam bem, dispensando cuidados de qualquer parte, o que ao menos evitou que Balu ficasse exposto à repulsa que Luke sentia à sua pessoa. Amália estava passando por algum tipo de estafa que ele resolveu com rapidez, e foram Nath e Grace que deram mais trabalho. Damon tinha mesmo colocado o ombro de Nath no lugar, mas não podia fazer nada sobre a luxação muscular, o que Balu precisou resolver. Grace tinha distendido um tendão na asa, o que ele também precisou resolver, mas que, ao menos, conseguiu. Ao fim do dia, tinham salvado as pessoas e não tinham perdido nenhum dos seus. Era uma vitória, não é?

Balu terminou de curar todo mundo, levou a mão à sua coleira e a ligou novamente, sentindo um vazio imediato tomar conta de si. Um vazio aliviante. Ele respirou fundo, satisfeito de poder ficar em paz com a tranquilidade que era não ter a bagunça emocional de todo mundo sendo empurrada sobre si o tempo todo.

Não era assim que tinha visualizado sua atuação na equipe. O que ia fazer se usar seus poderes se tornasse problema demais? Se não suportasse ficar sem a coleira para suprimi-los?

— E agora? — Amália perguntou, colocando as mãos nos bolsos da calça. Balu agradeceu que ela falasse algo. Queria se distrair dos pensamentos de sua cabeça. — A gente simplesmente vai embora?

— Sim, e rápido — Luke respondeu, checando algo em seu celular. — O X-Wing já tá sobrevoando aqui faz muito tempo, já atraiu atenção demais — completou, indicando a turba de curiosos onde Grace tinha pousado.

Se arrependeu no mesmo instante.

— Olha só! — Damon exclamou. — Fãs!

— Damon!

Luke não teve tempo nem de tentar impedi-lo. Damon correu em direção à turba, acenando e posando para fotos. A última coisa a qual Luke queria agora era atrair atenção, mas com Amália logo correndo atrás dele, isso se provou rapidamente uma esperança infrutífera. Luke conteve o impulso de dar um tapa na própria testa, impressionado com o quanto a situação conseguiu piorar ainda mais, e correu até os dois, acompanhado pelo restante do time. Quando chegou lá, havia algumas pessoas estendendo celulares na direção dos dois e fazendo perguntas.

— Quem é o líder da equipe?

— Aaanh… — Damon enrolou, olhando em volta até ver Luke atrás de si para o desespero do garoto. — Esse cara aqui — respondeu, puxando Luke com uma semi-gravata amigável no pescoço. — Excelente pessoa, meio certinho demais pro meu gosto, mas dá pro gasto.

— Quais são seus poderes?

— É melhor eu não te mostrar, acho que todos querem voltar com seus celulares pra casa — Damon respondeu, rindo e arrancando algumas risadas da turba. — Mas acho que todo mundo percebeu que a Pomba voa, o Serpin aqui é meio esquisitinho, mas cá entre nós, parece que mais forte do que a gente dava conta. O Guardião é o nosso kit médico particular, o Luz Solar faz luzinha… Faz uma luzinha aí pra eles, vai.

Luke encarou Damon como se quisesse matá-lo, o maxilar duro e o olhar intenso. Ele levantou a mão, piscando uma luz rápida na cara do garoto, e Damon piscou algumas vezes, chocado.

— Ai, tá vendo, falei que faz luzinha — Damon disse, esfregando os olhos. — E a Maria Fumaça…

— Eu controlo fumaça, então usei meus poderes pra tirar ela de dentro do prédio de forma ordenada — Amália respondeu, erguendo um pouco o queixo e parecendo muito orgulhosa.

Balu revirou os olhos. Iam ficar ali muito tempo, ao que parecia, e ele só queria ir para o seu quarto dormir um pouco. Ao seu lado, Grace tinha dado alguns passos para se posicionar muito convenientemente atrás de Nath, e Nath não parava de cutucar Luke e sinalizar para ele “Eu quero ir embora” e “Deixa eles aí, eles que se virem”.

Mas Luke não confiava na língua solta dos dois em público daquela forma. Já estavam dando descrições dos poderes deles, pelo amor, o que mais iam falar?

— Muito bom, muito obrigado — Luke comentou, puxando Damon pelo pulso. — Mas estamos todos cansados, precisamos ir.

— Vocês são todos mutantes? — Uma outra voz perguntou, e o barulho de perguntas e gritos sobrepostos morreu. Aos poucos, tornou-se uma onda de cochichos e olhares atravessados, algumas pessoas apontando o X-Wing sobrevoando perto deles.

Todos sabiam que sair para uma missão assim deixaria mais que claro quem eram mutantes, principalmente levando um dos aviões dos X-Men com eles. Entretanto, ter de falar sobre isso em voz alta não era algo que estavam esperando em sua primeira missão. O grupo se encarou por um instante, os seis cientes de só haver uma resposta possível. E foi Amália quem se virou para os microfones para falar.

— Somos. Os seis. Olha só — ela tirou as luvas pretas, mostrando as mãos marcadas de fuligem. — O Luz Solar, o Guardião e o Pulso saíram mais normaizinhos, o resto de nós saiu um pouco diferente. Acontece. O Serpin aqui carregou meio teto de igreja nas costas pra salvar um dos caras que estava lá dentro, então…

O burburinho começou a crescer de novo, os flashes piscando na direção deles e as perguntas se sobrepondo. Damon e Amália ainda pareciam fazer um esforço para responder, e Luke decidiu que era o suficiente. Ele passou na frente dos dois, começando a empurrá-los para trás e a se despedir com acenos e murmúrios de “sem mais perguntas”, enquanto guiava o grupo de volta em direção ao avião.

 

[...]

 

O retorno foi silencioso. Luke não precisou dizer nada para deixar sua insatisfação bem clara no ar. Damon estava focado apenas em pilotar o avião, e Nath e Balu tinham se acomodado em silêncio em suas cadeiras. O pouco barulho vinha dos sussurros baixos entre Grace e Amália, tão baixos que sequer seria possível para os demais compreenderem a conversa. Não que quisessem; os quatro pareciam ter aceitado que qualquer coisa dita no meio daquela quantidade de risadinhas tinha de ser “conversa de menina”, e portanto não queriam saber do que se tratava. Mas Grace tinha outros planos. E confiava em Amália para saber primeiro.

— Amy… O que você acha sobre isso tudo?

— Isso tudo o quê?

— Ah… Essa coisa de entrar e salvar as pessoas, sabe? Bem… Não a parte depois, essa eu sei que você gostou, mas… Essa ideia de salvar qualquer um e ir embora depois…

— Não sei o que você está me perguntando, mas… Bem, é foda pra caralho, não é?

A reação de Grace não foi de concordar de imediato, e para Amália, que via a amiga como bondade caminhante, foi difícil processar o que poderia ter causado essa reação. Ela observou a hesitação de Grace por um instante, a garota apertando a mão no bolso da saia, pensativa.

— Por que a pergunta? — Amália retrucou, fazendo Grace piscar os olhos, saindo de seu estado de estupor.

— N-nada… Só… Foi algo diferente, não é?

— Foi incrível! E você foi incrível também! Se está pensando qualquer bobajada dessas sobre não ser útil o suficiente, pode ir parando por aí. Eu proíbo. Estamos quase chegando no Instituto e eu quero você em humor de comemoração.

Seria fácil falar. O hangar realmente estava perto, e o grupo aguardou em silêncio de suspense enquanto Damon manobrava para dentro. O avião pousou com um pouco menos de delicadeza do que seria esperado, mas intacto, e Amália espreguiçou assim que percebeu que estavam a salvo.

— Finalmente! Vou tomar um banho e cair na cama, tô morta. Chocolates, pipoca e um pouco de bateria vão me ajudar a…

— O que vocês estavam pensando? — Luke desabafou, se levantando do co-piloto antes de qualquer um tentar sair do avião. O resto do time percebeu nesse instante que as portas não tinham sido abertas ainda. — Isso foi terrível! Não foi nada como planejamos, nada!

— Ei… Calma aí, cara, deu tudo certo — Amália começou, mas Luke não deixou ela continuar.

— Deu tudo certo agora. Dessa vez. Da próxima vez, vocês podem acabar marchando direto para um fogo cruzado!

— Luke, eles não iam deixar a gente ajudar!

— Nesse caso, a gente se reúne e pensa em algo JUNTOS, em vez de você sair correndo pra dentro da área restrita e a outra voar sozinha pro segundo andar de um lugar em chamas! Se Bobby ficar sabendo, ele coloca a gente dois meses sem poder sair de novo, e adivinha de quem a culpa vai ser? Minha!

As vozes e os ânimos tinham certamente se escalado. Luke não queria gritar, Amália também não, mas a frustração era tão palpável dentro do avião que não precisava ter os poderes de Balu para senti-la. O grupo parou por um instante, respirando fundo, Luke passando a mão pela ponte do nariz e começando a sentir uma leve dor de cabeça.

— Eu vou cobrir dessa vez, porque não quero nossas chances de fazer algo bom sendo completamente mutiladas por uma situação dessas — o garoto disse por fim. — Mas isso não pode acontecer de novo. Por favor.

Ninguém disse nada, mas o clima no avião certamente falava por si só. Luke sinalizou para Damon abrir as portas e, um tanto cansados, os seis deixaram o avião. Caminharam sem dizer nada até o escritório de Bobby, e deixaram Luke bater na porta. O garoto quase quis rir. Na hora de sair correndo e criar problemas, todo mundo era proativo, mas para assumir a responsabilidade da missão, até Damon e Amália estavam muito satisfeitos em se colocar no fundo do grupo. Maravilha.

Demorou alguns instantes para Bobby abrir, e quando o fez, um garoto saiu da sala antes dele. Balu o reconheceu como Moon Byeol, o coreano que tinha se recuperado do terrígeno mais cedo naquele dia. Ele não parecia muito feliz.

— …eu sinto muito, mas não há nada que eu possa fazer. Foram ordens do seu pai, Byeol.

— Hm. Que seja.

— E vocês? Podem entrar.

O grupo entrou e Bobby fechou a porta atrás dele. O homem parecia cansado, e Luke se perguntou o que ele teria visto na internet. Concluiu que era melhor manter os detalhes simples e não mentir.

— Como foi?

Parte de Luke esperou que alguém se adiantasse para responder, o que obviamente não aconteceu. Ele que se virasse, de fato.

— Salvamos duas pessoas. Eu diria que foi tudo bem.

— A maioria das pessoas parece concordar — Bobby respondeu, abrindo um sorriso pequeno e virando um tablet para as crianças.

O grupo se adiantou. Ali estava passando um vídeo na internet de Grace descendo dos céus como um literal anjo com a mulher nos braços, e depois pedaços das entrevistas que tinham dado. Mais alguns pedaços mostravam os bombeiros descrevendo o que Balu tinha feito pelos feridos, como Amália tinha controlado a fumaça por eles e o surto de força de Nath que tinha salvado um homem de perder a perna.

— Eles não… odeiam a gente? — Grace perguntou, dando um passo à frente e encarando os vídeos com uma expressão curiosa.

— Vocês vão aprender com o tempo o quão oportunista o ódio aos mutantes consegue ser. Hoje vocês salvaram duas pessoas de morrerem. Hoje vocês são heróis. Amanhã… Mas vocês fizeram bem… hoje. Aproveitem, descansem… Amanhã vocês têm que voltar às aulas e ao treino, como normal, sim?

A maior parte do time parecia muito satisfeita com isso como reação, dando as costas e se preparando para sair da sala e seguir com o resto de seu dia. A maior parte, no caso, não incluía Grace, que ficou parada no meio da sala com uma mão no bolso, encarando o chão e se perguntando o que fazer.

— Grace? — Bobby chamou, se levantando e olhando para a garota com curiosidade. — Algo que queira dizer?

Ela sentiu os olhares de seu time se voltando para ela, e sabia que eles temiam que ela entregasse tudo o que tinha dado errado durante o dia. Mas não era esse o seu dilema agora. E com Bobby a olhando daquele jeito, como um pai que sabia que o filho estava escondendo alguma traquinagem, ela cedeu.

Não que não fosse eventualmente, era óbvio que precisava mostrar isso para alguém, mas estava esperando poder esperar um pouco, ou ao menos conversar com Amália antes. Confiava na amiga mais que em qualquer outro, e parecia errado não trazer algo assim para ela primeiro. Porém já era tarde, e Grace tirou o panfleto dobrado do bolso, estendendo-o para Bobby.

— O que é isso? — Amália perguntou, o grupo se voltando para perto deles e vendo Bobby ficar progressivamente mais branco à medida que lia.

— É um panfleto da igreja que eu encontrei no segundo andar… Eles se chamam a Igreja de Stryker, estão se reunindo sob um pregador chamado Jason e… Bem… Eles são um culto de supremacia humana.

O grupo a encarou em silêncio e choque. Bobby voltou para sua mesa e se sentou ao computador, digitando alguma coisa. O time se aproximou, Amália, Damon e Luke com bem menos reservas quanto a querer espiar por cima do ombro do X-Men. Em uma pesquisa rápida, Bobby encontrou um site bem pequeno, o tipo de coisa que não se acha pela internet a menos que se esteja procurando, que propagava os ideais da Igreja de Stryker e o endereço para reuniões, sendo este o exato endereço da igreja que tinha acabado de pegar fogo.

— Então… — Balu se pronunciou, a expressão neutra e a voz saindo quase cansada. — A gente acabou de salvar duas pessoas que estavam rezando pra gente cair morto?

— Chega — Bobby cortou, se levantando da cadeira. — Vocês fizeram o que tinham que fazer, heróis salvam gente de índole suspeita o tempo todo. Eu vou lidar com isso, vão para suas camas. Assim que eu conseguir falar com Simon, eu, ele e Kitty vamos resolver a situação. Ele disse ontem que ia passar aqui hoje, então logo logo isso vai estar resolvido, não se preocupem.

O X-Men começou a empurrar gentilmente as crianças para fora, mas Damon, que estava na frente da fila, parou.

— Espera um instante — ele disse, se virando e olhando para Bobby. — Você não está conseguindo falar com seu namorado mutante pirocinético no mesmo dia em que uma igreja anti-mutante pegou fogo?

Bobby encarou Damon por um instante, sua boca se abrindo em um redondo “o”.

— Merda.

— Você pode falar isso na frente das crianças? — Amália provocou com uma risadinha.

— Eu tô confuso — Balu cortou. — Se nós salvamos pessoas de uma igreja anti-mutante em chamas que pegou fogo por causa de outro mutante, nós somos os heróis ou não?

— Vão dormir! — Bobby exclamou, conseguindo finalmente colocar os seis no corredor. — Balu, heroísmo é definido pelas suas atitudes e intenções, não pelas dos outros. Vocês salvaram vidas hoje. Se eles tiverem que pagar por algum crime, vão pagar em terra, graças a vocês, e do jeito certo. Agora já chega, se eu pegar alguém no corredor depois do toque de recolher, vocês vão ficar de castigo, entenderam?

Os seis resmungaram, saindo da sala ainda resmungando uns com os outros. Bobby encarou o telefone, percebendo que Simon poderia não receber muito bem uma abordagem agressiva demais. Se ele fosse culpado, entraria na defensiva caso uma acusação acontecesse. Se não fosse, se sentiria injustiçado.

Não, tinha de fingir que nada de mais estava acontecendo. Falar normalmente. Ele pegou o telefone, pensou um pouco nas palavras e mandou uma mensagem gravada.

— Ei, Simon, sou eu! Quer dizer, claro que sou eu né, você já viu aí na conversa… Bom, tá. Legal. É que… Já que a gente tá namorando agora e todo o resto, eu tava pensando que seria legal um jantar, né? Ou não? É muito idiota? Eu não sei. Enfim, me responde quando ouvir isso, quem sabe a gente faz alguma coisa?

 

[...]

 

No fim das contas, a equipe acabou mesmo acatando a ordem de Bobby e se recolhendo. O que significava que, pela primeira vez desde que tinha descoberto que Nath vinha matando suas avaliações, Luke se viu sozinho com ele. Tinha pensado, quando Bobby falou consigo antes de saírem, que seria o tipo de coisa a qual podia enrolar um pouco para resolver, ao menos alguns dias até a adrenalina da primeira missão passar, mas depois de ver Nath demonstrar um poder completamente desconhecido em campo, entendeu o quão importante e urgente era a situação. Mas isso não mudava o fato de que Nath tinha estado estranhamente contido no caminho de volta, guardando suas opiniões para si e apenas observando o desenrolar dos eventos pelos dedos ágeis de seu namorado que traduziam tudo para ele.

Agora… Bem. Nath estava caminhando no quarto de um lado para o outro, procurando alguma coisa ou esperando por algo. Agitado. Era melhor ir com calma. Luke o chamou com dois tapinhas gentis no ombro, e ele se virou, a ansiedade estampada em seu rosto.

“Você está bem?”

“Sim.”

Não. Claramente não.

“O que eu posso fazer pra te ajudar? Alguma coisa tem te incomodado?”

“Nada. Não tem o que ajudar. Vai ficar tudo bem.”

Vai ficar, em vez de está. A mudança não passou despercebida para Luke. Se ele precisava de um sinal, ali estava.

“Bobby me disse que você está faltando às suas avaliações. Por quê?”

E para a surpresa de Luke, Nath bufou, dando as costas para ele e começando a procurar algo no guarda-roupa. De costas, não poderiam conversar, então o gesto era muito mais prático que metafórico, e o fato de ser dado as costas desse jeito deixou Luke um tanto desconfortável. Não estava perguntando para ser enxerido. Estava perguntando porque era seu dever como líder, Bobby tinha deixado isso muito claro.

Ele se levantou, chamando o namorado de novo com alguma insistência até ele se virar para si.

“Não estou te perguntando pra me meter, eu recebi uma ordem. Então-”

Ele cortou os gestos quando seu olhar se desviou para o pescoço de Nath. Ali, ele conseguiu ver uma parte de pele morta se soltando, e entendeu o que estava acontecendo.

“Está trocando de pele?”

Nath corou e abaixou o rosto. Estava. Por isso então toda a inquietude.

Tudo bem. Era importante, mas agora certamente não era a hora para falar a respeito. Podia esperar.

“O que você quer que eu faça?”

“Me deixe sozinho… Até acabar.”

Luke concordou com um aceno de cabeça. Ele deixou um beijo nas costas da mão de Nath, pegou seu pijama, seu travesseiro e os cobertores e foi até a porta.

“Se quiser algo, eu vou estar na sala, ok?”

Nath concordou. Luke acenou com um sorriso pequeno no rosto e deixou o quarto.

 

[...]

 

O Instituto Xavier tinha um sistema de segurança impressionante para impedir as pessoas de entrarem à força, mas Moon ficou surpreso com como não possuía o mesmo sistema para impedir alguém de sair. Bastou pedir a Kitty para sair para tomar um sorvete e pronto, as portas se abriram em sua frente. É claro, não era tão inocente a ponto de achar que não estaria sendo observado. Os X-Men tinham o Cérebro e poderiam encontrá-lo em qualquer lugar do mundo, o que com certeza era o motivo pelo qual deixavam os adolescentes irem e virem desse jeito. Mas quem sabe, até lá, não tivesse conseguido convencer seu pai a acabar com essa palhaçada? Talvez.

Moon caminhou por alguns quarteirões, seguindo em direção à sua casa. Ia entrar, pegar suas coisas e fazer seu pai ouvir à razão, nem que tivesse que resmungar a noite inteira. Ser chato sempre tinha sido um talento seu, afinal. Ele chegou a avançar o suficiente para chegar à área comercial da cidade quando ouviu seu nome ser dito atrás de si.

— Moon Byeol. Moonstar. Midas. Como prefere?

Ele se virou de uma vez, erguendo as mãos em gesto de defesa. Ali, parado em sua frente na rua vazia, estava um garoto da sua idade, branco, de cabelos castanhos escuros e olhos inteiramente pretos.

Era um mutante.

— O que você quer e como sabe isso tudo sobre mim?

— Eu sei muita coisa sobre você. Sei sobre seu grupinho de delinquentes, e o fim trágico que levaram. Sei sobre seus objetivos… muito nobres, diga-se de passagem. Sei que você deve estar furioso por não ter conseguido. Eu posso te dar o que quer.

— E… O que eu quero?

— Justiça. Para começar, contra aquele zelador, não é?

Moon abaixou as mãos. Ainda parecia desconfiado, mas o outro garoto não se importou; um sorriso se espalhava devagar no rosto dele.

— Você tem algo que eu quero. Está dentro do Instituto, consegue ver o que as crianças do Drake andam fazendo. E os próprios X-Men. Eu gostaria de ter acesso a essa informação.

— Bem, é seu dia de azar. Estou dando o fora.

E para Moon era conversa o suficiente. Ele deu as costas, pretendendo ir embora, mas o garoto não parecia estar satisfeito e foi andando atrás dele.

A audácia desse filho da puta.”

— Se você ficar lá e me disser o que eu quero saber, eu posso te prometer algo muito melhor que apenas um zelador. Nós podemos acabar com esse sentimento de impotência que o terrígeno trouxe. Nós podemos mostrar para todo mundo que não, não vamos nos sentar e esperar enquanto nos sufocam até a morte. Eu tenho um projeto. Mas preciso de ajuda. Se quiser me ouvir… e se quiser ajudar.

Acabar com o problema do terrígeno? Moon ergueu as mãos, as encarando por um instante como se pudesse ver seu descontrole atrás da pele, como se pudesse sentir o terrígeno entrando pelos seus pulmões e atacando suas veias. Esse garoto poderia estar louco. Ou poderia ter algo a dizer.

— Eu posso querer ouvir — Moon respondeu. — E talvez eu tenha ouvido algo que valha a pena contar. Mas isso depende do que você tem para me dizer.

O garoto sorriu, entregando um panfleto de restaurante para Moon.

— Me encontre aqui para um almoço amanhã. Temos muito para conversar.


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