(POV Hermione)

As memórias ainda ressoavam em minha mente, algumas tão nítidas quanto à realidade, outras tão confusas que sequer tinha certeza se eram reais. Dentre elas as imagens dos corpos estendidos pelo salão principal, pessoas conhecidas e amadas,  me recusava a acreditar que estivessem mortas. Todavia, mesmo que eu não quisesse, não era possível negar o que meus olhos tinham visto. 

— Não consegue dormir? — A voz baixa e tão familiar de Gina soava distante, como se ela mesma estivesse presa em seus próprios pensamentos. 

— Não. — Cansada de ficar deitada, me sentei sobre o colchão pequeno no chão e passei a observar a lua pela janela. — As imagens estão impregnadas de tal forma que suponho ser impossível dormir pelos próximos dias. 

— Eu entendo. — Em silêncio Gina se sentou ao meu lado e colocou sua cabeça em meu ombro.  — É difícil acreditar que tudo acabou, porque, se parar para pensar, o luto vai ser eterno. Vamos carregar as marcas dessa guerra para o resto de nossas vidas. 

Nenhuma palavra mais era necessária naquela noite. O silêncio era bem-vindo porque trazia consigo um pouco de cada um daqueles que se foram. Fred, Tonks, Lupin, Lilá… Cada nome carregava uma história, carregava um pedaço daquela batalha tão dura, e que finalmente havia terminado. 

Estava a alguns dias ali na Toca, me recuperando até que finalmente estivesse pronta para reencontrar meus pais. Meus ferimentos físicos eram pequenos, e grande parte já estava completamente recuperada. 

Harry também estava ali, não foi necessário nenhum convite para nós dois, ambos sabíamos que a Toca seria para sempre nosso lar, independente de laços sanguíneos. Meu amigo andava mais quieto que o normal, mesmo quando cercado de pessoas o enchendo de perguntas, ele ainda assim permanecia aéreo. E quem poderia culpá-lo, não é mesmo? 

Rony por sua vez estava bem mais proativo que o habitual, uma nítida tentativa de buscar ocupações para mente e fugir dos próprios demônios internos. 

(...)

— Tem certeza que está levando tudo que precisa, querida? — Os olhos profundos da Sra. Weasley eram tão acolhedores que num impulso a abracei, pegando nós duas de surpresa. 

— Obrigada por tudo Sra. Weasley. — Falei sinceramente, enquanto sentia o abraço maternal da matriarca ruiva. 

— Eu é que agradeço Hermione. Você é uma filha para mim, e sempre que precisar sabe onde me encontrar. — Não poderia desejar ouvir palavras melhores naquele momento. Relutante em abandonar aquele pequeno espaço reconfortante, me afastei engolindo o choro, era surreal como vinha chorando naqueles últimos dias. 

— Pronta para ir? — Me virei para Rony, sua mão estendida abrigou a minha com naturalidade. 

— Pronta. 

No segundo seguinte estávamos parados na sala tão conhecida por mim, pelo menos era, até ser parcialmente destruída. 

— Você está bem? — Rony perguntou depois de alguns segundos. Sua mão ainda segurava a minha. — Eu te ajudo com essa bagunça. 

— Espere só um momento. — Pedi. Eu sabia que precisava organizar tudo aquilo, mas eu também precisava daquele caos por alguns segundos. Necessitava por absorver o que tinha acontecido ali para saber que fiz o certo ao mandar meus pais embora. 

— É graças a você que eles estão seguros, Hermione. — Mesmo sabendo disso, porque a culpa ainda predominava em meu peito? 

Um por um os móveis foram sendo reparados, assim como o carpete e os papéis de parede. A poeira que antes predominava o ambiente se esvaiu com o balançar de nossas varinhas e aos poucos aquele lugar voltava a ser o meu antigo lar. 

Passaríamos aquela noite ali antes de ir ao encontro dos meus pais para desfazer os encantamentos. Rony sugeriu que eu subisse para tomar um banho e que o jantar ficaria por conta dele. Ao entrar no meu quarto senti uma estranha segurança, como se pela primeira vez eu percebesse que agora só era preciso recolher os cacos e recomeçar. 

— O cheiro está delicioso. — Comentei ao entrar na cozinha. — Quando foi que aprendeu a cozinhar assim?

— Sempre o tom de surpresa. — Aquela frase nos fez sorrir, era impressionante a forma como nossa relação estava evoluindo, após o beijo na câmara secreta foi como se tudo se encaixasse. — Vou tomar um banho e volto para comer. 

— Tudo bem, eu te espero. 

O observei se afastar pelo corredor e suspirei. Era estranho enxergar Rony entre aquelas paredes, mas ao mesmo tempo parecia absurdamente certo. 

Após o jantar, limpamos a bagunça em silêncio e nos sentamos na sala. Pensei em acender a lareira e antes que pudesse fazer algo a respeito, Rony já havia tomado uma iniciativa. 

— Por que não toca uma música? — Ele apontou para o piano rente a parede, e me lembrei de quando estávamos escondidos no Largo Grimmauld e eu tentei ensiná-lo o básico. Caminhei insegura até o banco. 

— Sente comigo. — Pedi tímida.

Deslizei meus dedos sobre as teclas e fechei meus olhos, permitindo que a música fluísse lentamente de dentro para fora. A melodia se entrelaça ao nosso redor trazendo consigo uma paz inesperada. 

— Eu te amo. — A música parou quando me surpreendi com tal revelação. Era a primeira vez que ele dizia aquilo e senti como se o universo estagnasse ao redor para que eu pudesse apreciar aquele momento. Sua mão pousou sobre minha cintura e ele encostou sua testa na minha. — Eu te amo Hermione. — Repetiu.

— Eu te amo Ronald. — Nossos lábios se encontraram em um selar singelo, o primeiro desde a guerra. — Obrigada por estar aqui comigo. 

— Eu não poderia estar em nenhum outro lugar senão onde você está.