Inventei Você? escrita por Camélia Bardon


Capítulo 39
Danças, fotografias e período de teste




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Eu não queria me gabar, mas fiz um ótimo trabalho como Cupido. De todas as cerimônias de casamento que eu tinha feito parte em sete anos como florista, essa foi a que mais me deu satisfação. Por mais que os noivos só tivessem aguentado dançar uma música e tivessem passado o restante da cerimônia sentado, eu tinha uma quedinha por casamentos não convencionais.

Pairava no ar um clima de tranquilidade, mas enquanto eu observava todos se divertindo – Gil tinha tirado a senhorita Georgette para dançar, se é que podia melhorar –, eu me sentia estranhamente incompleta. Era algo muito agridoce. Encarei meu cupcake, tentando enxergar no chantilly alguma resposta.

— Você parece triste — uma voz abaixo de mim pontuou, arrancando-me da realidade paralela para onde eu tinha ido parar. Ryan me observava com uma expressão atenta. — O cupcake está ruim?

— Não está — sorri, pegando outro no balcão. — Só estou pensando. Você quer um?

— Quero... Eu não alcanço aí...

Segurei o riso, morta de dó. Todo o jardim e a estufa estavam adaptados para o meu tamanho, e eu não era exatamente baixinha. Não ia dar tempo de encontrar decorações mais acessíveis. Dei a ele o cupcake em minha mão, e ele aceitou com uma mordida generosa.

— Hum — ele suspirou, de boca cheia. — Tá gostoso.

— Foi a Sarah que fez. Depois você diz pra ela que gostou... Ela vai ficar feliz.

Ryan assentiu muito sério, provavelmente adicionando a tarefa à sua lista de tarefas mentais.

— Quer sentar comigo no balanço? — ele ofereceu de volta. Concordei com a cabeça, deixando que ele fosse à frente. — Eu vi e achei tão bonitinho...

— É mesmo — sorri e ajudei-o a se sentar. Ryan era tão pequeno em comparação ao balanço que suas pernas ficavam suspensas no ar. — Está se divertindo?

— Uhum! É bem tranquilo, mas de um jeito bom.

Aquiesci, continuando a comer o doce. Ryan não se contentou com o silêncio:

— Estava pensando em quê?

— Bem... Em como as coisas mudaram — recostei minha coluna no banco, olhando para os pais dele dançando tranquilamente na pista de dança. — E continuam mudando. Ainda estou aprendendo a lidar com tudo, na verdade. Talvez demore um pouco.

Ryan balançou as pernas, e pude sentir seu olhar sobre mim. Devolvi-o, recebendo um sorriso de brinde. Como quem não quer nada, ele chegou mais perto.

— Eu nunca achei que pudesse ter uma irmã. Mas está sendo bem legal. O Richard diz que a irmã dele é um monstro, mas você não é. Você é boazinha... E você, o que acha?

— Olha, Ryan — suspirei. — Eu não sabia que precisava de um irmão mais novo até te conhecer.

Os olhinhos dele brilharam. E eu confesso que também fiquei um pouco emotiva. Estava sendo honesta no que eu dizia: passado o susto inicial, nem me exigia muito ver que Ryan merecia todo o amor do mundo. Não só dos pais, mas o meu também.

— Sério? Achei que não gostasse de mim...

— Eu? — espantei-me. — Por que acha isso?

— Porque eu roubei a mamãe de você...

Meu coração contraiu no peito. Ele era tão novo para pensar em coisas daquele tipo. Aproveitei que ele já estava próximo de mim e abracei-o de lado com firmeza. Ryan não hesitou em me abraçar de volta, o que me fez imaginar o quão confusa deveria estar sua cabecinha.

— Mas, Ryan... Você não teve culpa nenhuma... Muita coisa aconteceu antes mesmo de você nascer... — apertei-o mais um pouco. — As pessoas sofrem e fazem escolhas. E existem consequências boas e ruins. Eu não tenho nenhum motivo para não gostar de você. Inclusive, era mais provável que você não gostasse de mim.

Ele arregalou os olhos para mim. Achei curioso.

— Por que eu não gostaria de você?!

— Ah, não sei. Pode achar que eu estou tentando roubar a mamãe de você.

Ryan abriu a boca, apenas para fechá-la logo em seguida. Quando entendeu o que aconteceu, caiu na gargalhada.

— Mamãe sempre diz que “em coração de mãe sempre cabe mais um”!

— Exatamente. Você tá me entendendo agora?

Ele abriu um sorriso largo. Brinquei de “roubei seu nariz” com ele, que riu mais uma vez. A risada de Ryan era simplesmente deliciosa.

— Tô! — com essa, ele deu mais uma mordida no cupcake. — Hum-hum. É, eu gosto de você, Cecilia.

— Eu também gosto de você, Ryan — sorri. — Quando terminar aí, quer dançar uma comigo?

Ryan ponderou a questão terminando seu bolinho.

— Não gosto de dançar, mas uma... Pode ser.

Ofereci a mão para ele, porém deixei que me conduzisse até a pista de dança, como um cavalheiro faria. Atraímos os olhares de todo o público presente. Abri um sorriso de quem tem tudo sob controle, por mais que Ryan tivesse de se apoiar em minhas pernas para dançarmos. A caixinha de som tocava Alejandro Sanz, um oferecimento da nossa mãe, o que deixava tudo com um tom mais cômico.

— Eu não entendo o que ele canta — Ryan gargalhou enquanto eu o rodopiava. — Mas é divertido!

— Nem eu! Eu não falo espanhol!

— Ah! Mas ele canta bonito!

Concordei, simulando um giro para que ele não se sentisse assim tão humilhado por não me alcançar. Quando terminamos nossa dança caótica, Sarah aproximou-se de fininho para fotografar a cena. Após uma breve olhada para minha mãe, vi que ela sorria em aprovação. Acabei sorrindo também, e Ryan se permitiu permanecer em meu colo, estampando um sorriso adorável.

— Obrigado, Cecilia — ele sussurrou, me abraçando delicadamente. — Por não me odiar...

— Obrigada você, por querer ser meu amigo... Vou fazer por merecer. Por você... E pela mamãe. E pelo Sam também. Tá bom?

Ele sorriu, feliz da vida.

— Tá bom! Papai diz pra gente não se cobrar demais, senão fica com o cabelo branco... O seu cabelo ia ficar bonito branco, mas... Bom... Eu não entendo muito bem o que ele quis dizer com isso, mas achei legal.

Eu ri muito, enchendo-o de beijos. Era um bom começo para uma ex-família disfuncional, hein?

 

Matthew não quis dançar, mas acho que ainda não se sentia confortável consigo mesmo ao ponto de se soltar assim.  Talvez nunca ficasse, mas aí era com ele. Enquanto ele estivesse bem com o seu melhor estado possível, eu também estaria bem. Ainda assim...

Ainda assim, eu hesitei em ficar ao seu lado quando a cerimônia acabou. Quando Nona já tinha se mudado para a casa de Victor, todos os hóspedes já estavam instalados em seus quartos e só restava arrumar a bagunça no jardim, eu só procurei manter as mãos ocupadas.

— Você está me evitando — Matt comentou ao me entregar mais um buquê de rosas e girassóis para reservar. Não era uma pergunta. — Por quê?

— Eu poderia negar, mas... — suspirei. — Acho que estou mesmo. Mas não faço ideia do por que. E eu não tô dizendo isso pra fugir do assunto. Eu realmente não faço ideia.

Matt assentiu, encarando uma rosa. Parecia Hamlet. Versão orgânica. Com a rosa no lugar da caveira. Quer saber? Deixe quieto.

— Está sentindo alguma coisa? Ruim?

— Não — assim que as palavras saíram da minha boca, percebi que elas eram extremamente francas. — Não, eu... Estou em paz. Perfeitamente em paz.

— Então, qual é o problema?

Olhei para ele de escanteio. Agora Matt brincava de arrancar as pétalas da flor, uma a uma. Bem-me-quer, mal-me-quer. Achei um pouco ofensivo fazer isso na frente da florista, mas tudo bem.

— Qual é o problema, Ceci? — ele repetiu, num tom mais doce e característico. Em que eu estava pensando? Como eu podia dar as costas para aquele ser tão doce? — O que é que tem de errado em ficar em paz, meu amor?

Meu amor. Eu o amava tanto que chegava a doer. Mas eu não podia continuar daquele jeito. Autopiedade... Simplesmente não dava. Eu não tinha mais tempo para aquilo. Era hora de crescer.

— Você se lembra de quando eu disse que não me importava em ter uma vida simples? Que de uns anos pra cá tem sido a mesma coisa todos os dias e que na verdade isso era uma coisa boa? — mordi o lábio, contendo minhas emoções. — Eu... Eu já não me identifico com esse tipo de pensamento. Cair na rotina, agora, me deixa inquieta. Se a minha vida voltar para a rotina que eu levava, tenho certeza que vou ser muito infeliz.

Ele assentiu com a cabeça. Eu conseguia sentir a linha tênue fazendo-se visível entre nós. Uma palavra errada, e o perderia ara sempre.

— Eu... Tenho medo de que você não queira levar uma vidinha de subúrbio ao meu lado... Porque isso é tudo o que eu posso oferecer, Matt. Eu nem sei se você quer tentar ter uma vida comigo, se está feliz com as coisas do jeito que estão, e-eu... Assustei-me com a sua fala sobre acordos...

— Assustei você, não foi? — ele riu de nervoso. — Peço desculpas... Tenho dificuldade em me expressar, você sabe...

— Sei — respirei fundo. — Não sou melhor do que você nesse sentido. Mas... O que você me diz?

— Eu digo que dizemos coisas demais.

Matt conseguiu me arrancar um riso. Só ele para fazer isso num momento tenso como aquele.

— Pode parar de me zoar!

— Desculpa! — ele gargalhou, chegando para o meu lado cautelosamente. — Sabe de uma coisa, Cecilia? Eu estava pensando em algo bastante parecido.

Arqueei as sobrancelhas.

— Ah, é? Conte mais.

— Você não vai acreditar no que aconteceu no meio da cerimônia — Matt recostou-se no batente ao meu lado, e ainda teve a audácia de colocar a rosa esfarelada no meu cabelo. Por sorte, combinou com o tom do meu vestido. — O senhor Bell me ofereceu a vaga de volta...

Estudei seu rosto com atenção. Tive de resistir à vontade de acariciá-lo. O problema era que se fizesse isso iríamos parar em outro lugar e procrastinar ainda mais aquela conversa. Ainda bem que eu tinha chorado antes.

— E... Você vai considerar a proposta...?

— Vou, sim — ele sorriu de lado. — Chega uma hora da vida adulta em que a gente entende que só fazer o que quer e o que gosta não rende muita coisa.

Aquiesci, uma porque isso era verdade – ao menos para a galera do subúrbio – e outra porque era uma coisa agridoce. Ao mesmo tempo em que não é bom simplesmente abandonar o que você ama, às vezes é preciso ser realista.

— O ruim é que vou ter que procurar um lugar para morar por aqui... — ele ponderou, parecendo estar conjecturando em voz alta. — Não iria render nada o meu salário indo e voltando todos os dias e ainda pagar aluguel, sabe?

— Sei... Não iria mesmo...

— Então vou ter que ver com os meus contatos. Dividir as contas com a tia Georgie, não sei.

Engoli em seco, aguardando enquanto ele ainda não terminava o raciocínio. Não ia correr o risco de estragar tudo. De novo.

— O que você acha dessa ideia? — Matt beijou minha testa carinhosamente. Sorri sozinha. — Ia abalar sua paz de subúrbio se eu me mudasse para cá?

— Ah, Matt... Tê-lo por perto é a coisa que eu mais quero nessa vida...

Ele abriu um sorriso enorme. Dessa vez minhas pernas bambearam. A sorte foi ele estar me segurando pela cintura.

— Eu... Fiquei com medo de você achar que eu estava forçando a barra... — sua expressão mudou da água para o vinho. Ele me observava com os olhos cerrados, parecia um bezerrinho tristonho. — Não queria que você pensasse que sou pretensioso ou grudento... Quer dizer, não quero atrapalhar o seu dia a dia. Se preferir, eu continuo te vendo aos finais de semana e nos dias de semana fico quietinho no meu canto.

— Não... Você só pode estar doido em achar que eu iria ficar irritada com a sua proximidade, Matt Carpenter.

Ele riu com as bochechas coradas. Desta vez, segurei seu rosto com carinho e beijei-o sem hesitação. Matt encarou-me surpreso, mas retribuiu o beijo.

— Você não... Não quer ficar por aqui? — indaguei timidamente. Era um grande passo, seria de se estranhar se eu não estivesse tímida. — Agora que a Nona e o Walt não vão estar mais aqui, vai ficar tudo tão vazio e solitário... Consegue imaginar a tristeza...?

— Está tentando me ganhar pela carência, Cecilia?

Fingi pensar na questão. Enquanto isso, Matt adiantou-se para beijar meu pescoço sem pressa. O arrepio subiu por minhas pernas e atingiu minha coluna. Foi inevitável soltar um arquejo.

— Sim, eu estou — ri baixinho, tentando me recompor. — E, respondendo a sua pergunta anterior, não há nada de errado em estar em paz. Não essa paz. Ela é sincera... Acho que até então eu não conseguia entender... Eu não conseguia aceitar que o que eu vivia não era paz...

Matt abriu mão de seu ato de sedução para prestar atenção ao que eu dizia. Eu quase senti pena do cafajeste.

— Vivíamos mascarando nossos problemas e nossas mágoas. Eu e a Nona só... Prosseguimos vivendo conforme era possível. Nós não tínhamos outra realidade... Parece que as portas se abriram, entende? Está fazendo sentido?

Ele confirmou, repousando sua mão em seu rosto. Seu toque acalmou minha euforia. Ufa, sem perigo de cair.

— Acho que consigo entender — seu sorriso foi carregado de ternura. — Posso dizer o mesmo...

— É...? Bem... Depois disso, eu acredito que a minha vida ficou permanentemente abalada. Quando você aprende a voar, caminhar se torna entediante demais, como diria a Shakira...

— A Shakira, sei — ele soltou uma risadinha contida.

— O que estou querendo dizer é... Sim, eu morro de medo dessa nova vida. Não medo de vivê-la, medo de não vivê-la bem. Já estou chegando aos trinta e comecei a viver só agora... Sinto que já desperdicei muito tempo, mas... Sei exatamente o que quero fazer a partir de hoje.

Matt soltou o meu rosto, e segurou minhas mãos. Sem pressa alguma, ele as beijou e apoiou o queixo nelas. Jamais me senti tão segura. Se a rotina nova incluísse isso... Talvez eu não me importasse, de fato.

— Prometo fazer com que o seu medo diminua — ele murmurou num gesto de profundo respeito. — Você tem muito pela frente, Ceci... Pretendo ficar aqui e fazer companhia pra você pelo tempo que quiser...

Eu até tentei não sorrir, mas simplesmente não pude conter a felicidade. Aquilo ultrapassava todos os meus sonhos, toda a minha imaginação.

— Ainda tenho seis meses de contrato — Matt continuou dizendo, arrastando o polegar por minha bochecha. Fechei os olhos, aproveitando o momento. — Se eu sair antes, pago multa... Até lá, você pode se organizar...

— Mal vejo a hora — sussurrei, encostando minha testa à dele. — E até lá?

— Até lá eu venho te ver a cada quinze dias. E então nós vemos como tudo fica... O que você acha?

— É bom pra você?

Ele aquiesceu, abaixando nossas mãos até a altura do coração. Senti as batidas contra o peito, suaves. Era assim que deveria ser. Não havia nenhum outro lugar onde eu gostaria de estar. Tudo bem, não era nada definitivo, mas dizem que o primeiro passo é sempre o mais difícil, não?

— Então está bom para mim também — sorri.

— Eu já disse que amo você?

— Hoje não, mas pode dizer outras vezes para compensar a abstinência — brinquei.

A piada surtiu efeito, pois Matt ria quando me roubou um beijo. Acabei rindo também, me permitindo fluir toda a felicidade que ameaçava escapar instantes antes. Quando olhei em seus olhos, vi que eles brilhavam. Novamente, aquela euforia havia tomado conta de mim. Puxei-o delicadamente pela cintura, encostando-nos à porta.

— Agora que nós já conversamos sobre isso... Eu posso ganhá-lo de novo pela carência?

Matt gargalhou, mas logo se lembrou de que tínhamos hóspedes e procurou abaixar o tom.

— Todos os dias da sua vida, Cecilia — ele sorriu galante.

— Da nossa vida. Não se esqueça.

— Esquecer? Eu? Imagine, eu só fiquei distraído com a sua beleza. Desnorteado, eu diria.

Foi a minha vez de gargalhar com as palhaçadas dele. Como se quisesse se manter no papel, Matt bronqueou:

— Vai acordar o pessoal lá em cima!

— Para, nem está tarde! Você é quem tem que ficar quietinho. Esse é seu período de teste.

Ele riu baixo, com maldade. E voltou a beijar aquele ponto sensível do meu pescoço, só porque podia. Filho da mãe...

— Se você ficar quietinha, eu também fico!

— Eu duvido — sorri maliciosamente para ele. Matt riu contra minha pele, de onde estava. — Você nunca fica quietinho, e isso não é uma crítica.

Matt ergueu a cabeça, apenas para me encarar com uma expressão de desafio estampada no rosto.

— E que tal um beijo, Cecilia?

— Onde? — me fingi de desentendida.

— Sim.

Matthew abafou outra risada minha, mas dessa vez com um beijo delicioso. Na bela Califórnia, o verão carregava consigo uma lufada fresca de esperança. Ela tinha um rosto familiar, olhos de luz estelar e um coração cheio de amor. Não era bem o príncipe encantado que eu tinha sonhado, mas... Afinal, contos de fadas jamais seriam melhores do que a vida real. Isso, agora, eu conseguia enxergar.

Minha vinda era bem-vinda para entrar pela porta da frente. Finalmente, eu estava pronta.


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Notas finais do capítulo

Mais um e acabamos ♥ já pegaram os seus lencinhos?



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