Inventei Você? escrita por Camélia Bardon


Capítulo 11
Orgulho, cartões e noite das garotas




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— Emprego? Que maravilha!

Aonde as fofocas não chegavam, Matthew mantinha-se intacto. A novidade da vez era que o senhor Bell havia o adotado como ajudante. Segundo ele, o senhor Bell não falava a “língua dos jovens” – como se eu fosse um adolescente, Matthew acrescentou entre risos – e que necessitava de auxílio quanto às “ferramentas modernas de registro” – e foi assim que o bom velhinho chamou os computadores, Cecilia. Assim, me ofereci para ajudá-lo com o sistema de caixa operacional, em nossa infindável rede de favores. É claro que eu o obriguei a aceitar.

— Pois é. Tenho até sexta-feira para comprar um notebook decente. Vou pedir a opinião de um amigo antes e aí combinamos.

— Bom, agora que nós dois estamos trabalhando vai ter que ficar para o domingo... Porque mesmo que seja um serviço levinho, você ainda precisa do seu tempinho para pintar, né?

— É. Isso é verdade.

— Por que não marcamos para domingo à tarde? — sorri. — Aí você fica tranquilo de manhã para fazer as suas coisinhas. Ah! Sinta-se à vontade para convidar a senhorita Georgette também, estou doida para conhecê-la.

Matthew riu do outro lado da linha, arrancando um sorriso que tratei de disfarçar antes que Noelle me olhasse com aquela cara.

— Boa ideia. Mas vai ter que deixar a comida com ela, senão é capaz de a velha ter um infarto.

— Por mim tudo bem — gargalhei. — E você, não vai me mandar uma foto do seu rascunho pronto, senhor Carpenter?

— Hm-hm. Para você é surpresa e só disponibilizo material original.

— Que chique! Tá bom, então. Mande um beijinho para o senhor Bell. Da próxima vez que falar com ele eu digo o que achei do livro. Ah, espere, estou falando demais?

Ele emitiu mais um “hm-hm” enquanto eu equilibrava o telefone na orelha. Não entendia como às vezes um embrulho podia ser tão absurdamente complicado.

— Sou eu quem fala de menos, Cecilia.

— Veja pelo lado bom: o senhor Bell e você serão complementares nesse sentido. Ele é outro que fala mais que a boca.

— Graças a Deus. Aqui é uma biblioteca.

Não consegui segurar a gargalhada que se seguiu. Muito menos a olhada de esguelha de Noelle, que finalmente havia notado meu estado atual de euforia. Pigarreei com as bochechas coradas feito uma adolescente ao notar sua expressão.

— Bom trabalho, Matt — sorri mais contida. — Qualquer um deles.

Fez-se uma pausa. Imaginei que ele estivesse sorrindo lentamente – ou, ao menos, torci para que estivesse.

— Obrigado, Cecilia. Para você também. Ah... E saudações para Noelle e o gato.

— Bom menino! Pode deixar.

Tive a impressão de ouvi-lo rir antes de desligar o telefone. Voltei a me concentrar no embrulho. Ainda faria um cartão bem bonito que colocaria meu curso de lettering em prática, além de fazer meus suspiros ser a atração do dia. Eu não me continha em me apaixonar por casais apaixonados. Num mundo onde amor e gentileza parecia ser um sinal de fraqueza, eu preferia isso a me insensibilizar quanto a gestos tão bonitos e sinceros.

Ah, tudo bem. Talvez eu fosse uma romântica incurável. Sarah Palmer estava certíssima.

Por falar em Sarah, combinamos de fazer uma saída entre nós quatro. Isso obviamente significava que elas precisavam de alguém responsável que também tivesse um carro – ainda que um bem podre –, por vergonha de andar com as mães. Acho que havia algo de muito errado comigo em querer andar grudada com Noelle para tudo que era canto. Jamais tive ou teria vergonha de passear com ela em nome da independência. Apesar de ainda ter muitos aspectos da juventude atual que eu não compreendia, aceitei o programa para sexta-feira sem maiores reclamações.

Agora, por falar em Noelle, ela ainda me encarava com curiosidade de seu canto.

— Precisa de ajuda com o embrulho, minha querida? — ela indagou num tom doce. Parecia um gato armando as garrinhas. — Está aí fazendo mil coisas ao mesmo tempo...

— Eu sou multitarefa! Mas, espere aí, está oferecendo ajuda para ser prestativa ou porque estou apanhando do embrulho?

— Primeira opção. Ora, quem sou eu para opinar no seu trabalho?

— Hum... Boa resposta. Obrigada, Nona. Pode colocar o laço para mim, por favor?

Noelle assentiu com a cabeça, buscando uma fita que combinasse com o conjunto da obra. Walt, em sua mansão felina, apenas moveu as orelhas com preguiça. Permaneci desconfiada de seu silêncio, porém saquei minha caneta-tinteiro especial para assinar o cartão. Quando ela finalmente voltou sua atenção para mim, já estava pronta para o que desse e viesse.

— Sabe de uma coisa, Ceci? Estou muito, muito orgulhosa de você.

Espere aí um instante. Eu estava esperando uma bronca, o que está acontecendo?

— Orgulhosa? De mim? Por quê?

— Ah, porque você está aí toda... Amigável. Ligando para os amigos, combinando saídas numa sexta-feira... Conheço você praticamente a vida inteira, é a primeira vez que te vejo verdadeiramente feliz. Ainda que tenha tomado caminhos... Distintos? Continua sendo um caminho. Ah, bem — Noelle encolheu os ombros. Era bem verdade que ela não fazia elogios com frequência. — Você me entendeu. Estou feliz com a sua felicidade.

Senti meus olhos se encherem d’água. Deixei o cartão de lado para passar os braços ao redor de seu corpo com todo o carinho do mundo. Isso eu jamais negaria ou limitaria para ela ou qualquer pessoa. Nona não recuou; pelo contrário, até segurou meus braços com as mãozinhas finas.

— Ah, Nona... Não tenho como negar... Estou mesmo feliz como quem ganhou um montão de doces. Mas nem por isso vou deixá-la de lado.

— E quem é que sugeriu isso? — então, ela grunhiu de um jeito engraçado. — Você não é nem doida!

— Não mesmo — inclinei o rosto para beijá-la na bochecha. — E a senhorita, portanto, não seja nem doida de pensar nisso.

Entramos num consenso quando ela assentiu solenemente com a cabeça. Quanto a mim e meu cartão, notei tarde demais que a caneta-tinteiro havia ficado repousada sobre o cartão. Apenas suspirei com a tragédia, joguei o manchado no lixo e o substituí por um novo. Dei de ombros, rindo de nervoso.

— Uma oportunidade para fazer um melhor dessa vez...?

— Cabecinha de vento. O embrulho até pegou leve contigo depois dessa, hein?

É, já era hora de colocar os pés no chão de volta.

 

Na sexta-feira, antecipei meu episódio de Velvet — finalizando a segunda temporada, ufa! – e repeti meu vestido amarelo. Experimentei também prender meu cabelo num rabo de cavalo alto, bem como um pouco de rímel, blush e batom. Eu morria de medo de errar a mão da maquiagem, por isso mesmo a deixava quieta em seu canto. Encarei o resultado no espelho com satisfação.

— Muito jovial, minha querida — Noelle elogiou com um sorriso austero. — Esse tom de amarelo cai tão bem em todo mundo...

Ri baixinho, dando um girinho para que ela risse também. Peguei minha bolsa e a joguei sobre o ombro, me inclinando para fazer um carinho no Walt.

— Acho que o nome é amarelo-canário. Depois do fiasco que foi descobrir que vermelho-cardinal era o nome dessa cor de batom, eu desisti oficialmente de nomes.

Walt ronronou em apoio. Já Noelle piscou para mim, aproveitando a deixa para se apoderar do controle remoto. Em sua homenagem, fui por todo caminho até a casa de Angie cantarolando Teenage Dirtbag. Ah, a pré-adolescência regada à pop rock foi tudo de bom.

Buzinei à casa das Sharpe, me recusando a dar a cara à tapa. Eu não tinha exatamente algo contra Angie, mas partindo do princípio de que quem procura acha, preferi esperar no carro. Logo as três vieram às gargalhadas pelo gramado, e Sarah bateu à janela do lado do passageiro com delicadeza para que eu destravasse as portas. Assim que o fiz, ela sentou-se ao meu lado com um sorriso enorme.

— Você está linda, Ceci! Obrigada pela carona. Como vai?

— Ah, obrigada — sorri esperando que as outras se ajeitassem no banco de trás. — Eu vou bem, e vocês?

Angie me ofertou um sorriso breve. Já May foi mais simpática e sorriu para mim pelo espelho retrovisor. Suas mechas azuis combinavam com seus olhos; apesar de serem mais apáticos que os de Matthew ainda tinham sua beleza. Ah, meu Deus.

— Bem também! Alguma notícia sobre o...?

Imaginei que depois de ter servido como porta-voz do apocalipse, May devesse estar envergonhada. Teoricamente, quem abriu o bico foi a mãe dela, mas as informações não saíam simplesmente voando por aí...

— Nada demais — respondi com meu melhor tom blasé.

— Ah, não — Sarah pareceu decepcionada. — Poxa, mas... Pensamos que...

— Queridas... Foi como eu disse. As pessoas mudam com o tempo. Praticamente não nos conhecemos. Será uma tarefa progressiva.

Não contei sobre o quadro, nem do trabalho provisório de Matthew com o senhor Bell. Isso seria só meu, pois era real. Portanto, finalizei a frase com um sorriso sóbrio, me sentindo surpreendentemente madura e uma adulta muito bem vivida.

— Não deixa de ter muito potencial — Angie sorriu de lado, embora não soube determinar se seu tom era amigável ou não. — Vamos vê-lo na próxima reunião do Clube de Costura?

— Hum... Quem sabe? É uma possibilidade.

As meninas emitiram um “uh” tanto de empolgação quanto de ansiedade. Coloquei o pé na tábua – depois de me certificar que todas estavam usando os cintos de segurança, é claro –, bem como Sarah tomou a posição de copiloto para me “reeducar musicalmente”.

Eu também podia dizer que estava orgulhosa de mim. Devíamos fazer noites das garotas mais vezes.


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Notas finais do capítulo

referência musical: https://youtu.be/FC3y9llDXuM



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