Soul Strings Undone escrita por Finholdt


Capítulo 1
everytime you go away, you take a piece of me with


Notas iniciais do capítulo

ESSA É PRA VOCÊ BABS!! SUA DEGENERADA DA TRISTEZA, TE AMO



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É incrível como não importava quanto tempo passe, quantas guerras Nico enfrente, ele nunca pensa realmente na própria morte. Na dos outros? Vezes até demais. É a sua zona de conforto, a morte. Um pouco mórbido, como Will gosta de apontar para provocá-lo, mas real. Nico sempre supôs que quando morresse, seria em batalha – já que ele seriamente duvidava que conseguiria chegar a idade adulta.

Por isso, quando as lutas acabaram e Apolo voltou para o Olimpo, Nico ainda estava ressabiado, esperando o outro sapato cair. As coisas não podem simplesmente serem assim, fáceis, certo? Não para ele.

Só que realmente estavam sendo.

Semanas depois da luta acabar, enquanto Nico ainda estava no modo de luta ou fuga, ainda esperando que algo acontecesse agora que ele finalmente não tem mais funerais para supervisionar, Will apareceu em sua porta do nada, praticamente exigindo que eles saíssem.

A ideia não era ruim, sair um pouco para o mundo dos mortais e só relaxar. Porém também parecia um pouco com brincar com a sorte. Os monstros não deixam de existir só porque as guerras acabaram.

No fim, Will o convenceu a sair mesmo assim, como sempre.

Eles nem foram muito longe, por insistência de Nico já que Will se recusou a deixar eles viajarem pelas sombras.

— Só estou dizendo que a gente poderia tomar sorvete em Milão.

— E eu estou dizendo que se for preciso te amarrar na enfermaria de novo, eu vou, caso você me apronta uma dessas de novo.

Bem, o que responder a isso?

De qualquer forma, Will tinha razão. Eles realmente precisavam disso, dessa saída do acampamento só para aproveitar que eles estavam vivos. Lembrar que ainda são apenas adolescentes.

Até que Will acaba escorregando com um empurrão de um nova iorquino apressado e vai parar na rua bem quando o sinal abre.

Incrível como Nico não teve tempo nem de pensar, nem sequer estava consciente de deixar o sorvete em sua mão cair. Tudo o que a mente dele pensava era ainda não!

Ele agarrou o braço de Will Solace, que ainda estava caindo e não teve tempo nem de raciocinar. A mente em branco, o seu TDAH de semideus assumindo o comando e simplesmente agindo. Nico puxou Will para si, se aproveitando da velocidade que ele estava para efetivamente jogar Will de volta para a calçada.

Ele não registrou o grito horrorizado de Will, o sangue correndo alto demais em sua cabeça. Também não ouviu quando o seu próprio corpo caiu no asfalto. Ele só teve tempo de olhar para o parachoque se aproximava e pensou—

Ah. Então é assim.

x

Nico di Angelo abriu os olhos e viu o teto do chalé 13.

Ele hesitou por um minuto, a cabeça ainda zunindo.

Foi tudo um sonho? Mas pareceu tão real… Bem, seria a desculpa perfeita para convencer Will de não saírem caso ele apareça mais tarde sugerindo isso. Rindo para si mesmo, se levantou, já ensaiando uma de suas piadas mórbidas que deixava Will fazendo aquela cara engraçada de não saber se acha graça ou fica preocupado.

Então, Solace, eu acabei de sonhar que eu morri sendo atropelado na avenida principal porque você simplesmente insistiu em tomar sorvete por aqui. Talvez Milão realmente seja melhor, não?

Ainda sorrindo para si mesmo, Nico abriu a porta de seu chalé e deu de cara com o loiro. Nico podia sentir seu sorriso congelado lentamente desaparecer.

— Ei, Nico! Que bom, te peguei ainda aqui — o loiro de olhos azuis sorriu quando o viu.

Só que Nico não conseguiu retribuir o sorriso.

Porque esse loiro não era Will Solace, seu namorado.

Era Jason Grace.

 

Primeiro, Nico achou que ainda estava dormindo. Às vezes isso acontecia, dele sonhar com seus amigos que já se foram. E às vezes eram até sonhos verdadeiros. Jason havia aparecido em alguns sonhos seus, para avisar que estava bem, que não tinha arrependimentos. Até para avisar de novos inimigos, ele já apareceu.

Só que nunca assim, sem ele saber que estava morto.

— J-Jason? — a boca de Nico parecia cheia de algodão.

Jason pareceu achar graça da expressão embasbacada de Nico e ajeitou os óculos, abrindo mais o sorriso.

— Quem mais seria? Enfim, eu vim discutir alguns planos de estatuetas para deuses menores com você. Sabe, eu estava pensando que se a Hécate tivesse um– — Jason se interrompeu, seu sorriso enfim diminuindo — desculpa, eu te peguei numa má hora? Acho que você ainda está acordando, né? Eu vou… continuar esquematizando no chalé 1. Depois você passa lá?

Ele deu mais um de seus sorrisos diplomáticos, como quando estava discutindo com algum deus particularmente difícil e lhe deu as costas, descendo a varanda e indo de volta para seu próprio chalé. Nico o observou ir, seguindo-o com os olhos, o queixo ainda caído.

Deve ser um sonho, Nico concluiu, enfim voltando às suas funcionalidades normais. Apenas um sonho de semideus, mostrando sinais ocultos. Só que Nico não conseguia entender qual exatamente era o sinal oculto aqui. Jason estava morto havia meses. Nico saberia, ele estava lá!

Perdido e, francamente, meio irritado, Nico voltou para a cama e fechou os olhos, tentando obrigar sua mente a acordar. Normalmente funcionava.

Dessa vez ele não teve tanta sorte.

Na verdade, tudo o que ele conseguiu foi começar uma dor de cabeça, o que era estranho porque Nico não sentia dores de cabeça em sonhos. Cansado de ficar deitado, Nico grunhiu consigo mesmo e se obrigou a levantar. Foi até a sua escrivaninha, para olhar seus papéis, e estranhou que estivesse tão diferente de ontem à noite. Certos planos que ele já havia há muito guardado estavam em cima da mesa enquanto outros ele não conseguia achar de jeito nenhum.

Sentou em sua cadeira, tão confuso quanto antes, e encarou os papéis. Em grande maioria eram planos e designs de estatuetas para deuses menores. Nico sabia que isso não era dele. Quando Jason morreu, ele jogou todas as plantas para Apolo, então porque havia tantas no chalé de Nico?

Olhou o pequeno calendário que Nico mantinha ali e arregalou os olhos ao ver a data.

Isso nem sequer fazia sentido, porque Jason não havia ficado tanto tempo assim no acampamento, ele mal durou seis meses antes de decidir ir para aquele internato de garotos. E segundo esse calendário, eles estavam na semana que Jason morreria. Um dia antes, para ser preciso.

Isso não fazia o menor sentido, porque onde estava Apolo? Onde estavam os sinais de guerra iminente, os gritos e grunhidos de treinamento que Nico escutava todos os dias?

Nico apurou os ouvidos, prestando atenção no resto do acampamento, mas não ouviu nada fora do comum. Algumas risadas, pessoas andando. Era como se estivessem em paz, como antes de Apolo ter aparecido e era só Nico e Jason no acampamento, se adaptando e discutindo sobre se entrosar uns com os outros.

Olha, os semideuses sempre têm sonhos estranhos. Muitas vezes eles não fazem sentido, mas esse aqui vai ganhar o prêmio.

Quando Nico enfim teve coragem de sair de seu chalé, ele parou por alguns minutos apenas para observar o acampamento se mexendo. Todo mundo estava tão… calmo. Com uma leveza que Nico não via desde que Apolo apareceu, choramingando sobre a punição de Zeus.

Desviou o olhar para o chalé 1, e parou por um minuto, pensando no que fazer. Jason… estava vivo. Ele deveria morrer amanhã mas se não tem nenhuma guerra acontecendo, então não tem como o filho de Júpiter perecer por aquela lança.

Talvez seja uma ilusão. É bem provável que seja uma ilusão.

Mas Nico ganhou uma segunda chance, um tempinho extra, com Jason Grace e ele se recusa a desperdiçar mais um segundo enfurnado em seu chalé, tentando racionalizar o que está acontecendo.

Foi atrás de Jason então.

 

negação

 

Jason, como sempre, parecia feliz em vê-lo. Abriu um de seus sorrisos que Nico só via dirigido a ele e ajeitou os óculos, que insistiam em cair.

— Ah, acordou enfim!

Nico tinha tantas perguntas, tão variadas, que era difícil pensar em qualquer outra coisa.

— Manhãs não são comigo.

Jason riu.

— Não, imagino que não. Mas enfim, você disse ontem que eu podia passar no seu chalé para continuarmos com aqueles planos…

Ele disse? Não ajuda que Nico não tem memória alguma dessa… bem, dessa realidade paralela.

— Claro… mas, espera um minuto. Você não deveria estar na escola?

Jason pareceu honestamente surpreso com a pergunta súbita de Nico.

— Eu– não? Que escola?

Agora era a vez de Nico ficar surpreso.

— Aquele internato para garotos, para ficar mais perto da sua mãe…

— Por que eu iria sair daqui? — Jason parecia honestamente perplexo — Você está aqui, eu não preciso procurar respostas sobre uma mulher que não me queria. Você disse para eu ficar, então eu fiquei.

Nico tinha dito isso?

— Você tá muito estranho, Nico — Jason riu.

Ele não fazia ideia.

— Uh, certo. Só checando. Então, sobre aqueles planos…

Depois de um tempo, tudo sumiu da cabeça de Nico. Sobre como Jason estava vivo quando deveria estar morto, sobre como o mundo estava completamente errado ao mesmo tempo que Nico sentia que era o certo. Deuses, há quanto tempo ele não sentava com Jason e os dois simplesmente conversavam o dia inteiro?

Eles falaram sobre os deuses, sobre os planos de Jason de honrar os deuses menores, sobre o término dele com Piper (Jason estranhou a pergunta, principalmente porque ele disse que Nico já tinha falado disso com ele antes, mas ele respondeu mesmo assim), sobre tudo e nada. Jason tinha algo nele que fazia Nico simplesmente falar. E quanto mais eles conversavam, mais Nico sentia as pontadas dolorosas da saudade.

Tártaro, Nico demorou meses para superar totalmente a morte de Jason e em uma tarde, é como se tudo tivesse sido jogado pelo ralo.

— E então, como vai o Will?

Nico se assustou. Will? Deuses, o Will. Como pode que só agora o namorado de Nico lhe passou pela cabeça?

— Uh. Bem.

Jason balançou a cabeça daquele jeito exasperado enquanto acha graça.

— Até quando você pretende enrolar o menino? Tá esperando um sinal bem grande escrito por favor saia comigo, nico di angelo?

Então nessa… realidade alternativa Nico ainda não estava namorando Will. O que é outra mudança brusca na linha do tempo, porque foi Jason quem insistiu que Nico desse uma chance para Will bem antes.

— Eu não estou enrolando ele…

— Você total está — Jason riu de novo —, a maior prova é que você resolveu passar o dia enfurnado no chalé comigo falando de estatuetas do que sair com ele.

— Eu… gosto de ficar com você.

Para não dizer o quanto Nico sentia falta de simplesmente relaxar com Jason.

— Também gosto de ficar com você, cara, mas você devia se abrir mais para o acampamento, e não ficar só andando comigo. Só porque Piper e eu terminamos não significa que eu não suporto ver gente se apaixonando, tá?

— Não estou apaixonado pelo Will.

O quê?!

De onde veio isso? É claro que Nico estava apaixonado pelo Will, ele é o namorado dele (certo?). Pelo menos na sua realidade original. Onde Jason está morto. Então porque as palavras saíram antes mesmo de Nico pensar nelas direito, de considerar o que estava pensando?

Jason revirou os olhos, não parecia convencido.

— Você diz isso agora porque não deixa o cara te levar pra sair apropriadamente. Ele não vai morder, tá? Quero dizer, a menos que você peça–

— Jason Grace, termine essa frase e eu te jogo diretamente pro Tártaro!

Jason caiu na gargalhada.

O rosto de Nico estava em chamas, e ele estava sentindo tantas coisas de uma vez que era difícil catalogar. Era sempre assim com Jason, ele sentia coisas demais. Muita frustração, muita suspeita, muita afeição, muita confiança, muito medo de perder tudo. Não era assim com o Will, as coisas são fáceis com ele.

— Ei, está quase na hora do jantar. Vamos lá?

E Nico foi.

Era surreal, essa tarde inteira só… Conversando e brincando e rindo com Jason. Há quanto tempo eles não faziam isso? Desde antes de Jason ir para escola, com certeza. Era incrível como agora que Jason está bem aqui, Nico sentia tanta saudade dele. Ele não teve muito tempo para lamentar a morte do amigo, com a guerra e tudo o mais. Francamente falando, ele mal sequer comentava de Jason com Will, e isso era culpa puramente dele mesmo. Falar de Jason doía e Nico teve dor o suficiente.

Então apenas… fingiu. Seja lá o que seja isso, Nico iria aproveitar até onde pudesse. Não sairia de perto de Jason, o que era um baita contraste com o início da amizade deles, onde era Jason que se recusava a sair de perto de Nico, não importava o quanto o filho de Hades reclamasse e se afastasse.

Quando Nico acordou e Jason ainda estava lá, provando que isso não era um tipo de sonho longo e doentio, simplesmente tocou o foda-se. Era possível que aquela vida, aquela realidade horrível em que Jason tinha morrido lutando em mais uma guerra que ele nunca pediu era falsa. Nada daquilo era real, e sim que Jason estava aqui. Agora. Com ele.

E Nico não vai desperdiçar mais um segundo.

Nem sequer pensou duas vezes quando Jason sugeriu que eles saíssem do acampamento para verificar um local propício para um santuário de um deus menor no dia seguinte. Ele simplesmente abriu aquele sorriso de golden retriever, a cicatriz no lábio parecendo particularmente clara, os óculos escorregando pelo nariz e quando Nico viu, já havia topado.

Então eles saíram. Passaram por monumentos de pega-turista onde Jason analisava-os para se inspirar nos próprios monumentos que ele queria erguer em homenagem aos outros deuses menores.

— O que você acha de uma fonte no Elísio para o Caronte, onde as almas agradecem por terem tido uma viagem segura?

— Eu acho que se você fizer isso, é bem possível que o cara te leve de limusine quando você morrer — assim que a piada saiu, Nico se arrependeu de ter dito algo.

Um turbilhão de perguntas e indagações sobre a morte de Jason ameaçaram explodir, mas Nico não assustaria o amigo com algum comentário ridículo como “eu poderia jurar que pelos últimos meses a gente estava lutando em mais uma guerra e você tinha morrido”. Ele nunca foi lá muito certo das ideias, não é mesmo? É mais que possível que foi tudo um longo sonho que fez Nico achar ser real porque era um meio-sangue de Hades.

— Você parece diferente, Nico.

Ele se assustou com a voz de Jason interrompendo seus pensamentos.

— Pareço? Acho que tô o mesmo de sempre.

Jason balançou a cabeça, estreitando os olhos azuis por trás dos óculos perpetuamente tortos.

— Tem alguma coisa… É como se você tivesse se livrado de todos os seus pesos, não sei explicar… Aconteceu alguma coisa de diferente?

Por onde sequer começar?

— Não tenho certeza…

— Mas afinal, como é que está o Will?

Nico trocou o peso de um pé para o outro, desconfortável.

— Não sei, não falei com ele ainda — pelo menos, não nessa realidade.

O filho de Júpiter olhou para o céu, mas parecia lutar com um sorriso.

— Você realmente gosta de fazer eles suarem, hein?

Isso atraiu a atenção de Nico.

— “Eles” quem?

Foi então que algo muito estranho aconteceu. Algo completamente bizarro, que se Nico não estivesse olhando diretamente para ele, iria perder.

Jason ficou absolutamente vermelho.

— Uh, eu só quis dizer–

— Sim, por favor, elabore o que você quis dizer.

De alguma forma, ele ficou ainda mais vermelho.

— Ei, você não está com fome? Tô faminto, olha só, eu vou lá comprar um cachorro quente e já volto.

— Vou com você–

— Não! Não, fica aí, é jogo rápido.

Nico estava se divertindo tanto que acabou concordando, deixou Jason ir enquanto o observava de uma certa distância. Ainda não podia acreditar que Jason estava aqui, com ele.

— Lá em cima!

— Ei, cuidado!

Gritos estouraram de todos os lugares, assustando-o. Nico mal teve tempo de se levantar, espada em punho, quando viu os canos de metal despencar do prédio em construção ali perto praticamente em câmera lenta. Ele abriu a boca, a garganta se fechando e deixando-o incapaz de soltar o grito que queria. Em um segundo, o cano atravessou o corpo de um adolescente que estava na calçada, comprando um cachorro quente. Gritos explodiram de todos os lados e Nico demorou um segundo para notar que sua voz se juntara a eles, porque ele simplesmente não podia aceitar o que seus olhos estavam vendo. Aquele não podia ser Jason, empalado por um cano, simplesmente porque estava no lugar errado na hora errada.

Ele piscou, horrorizado, e viu que o cano na verdade era uma lança que atravessava o peito de Jason. Olhou para cima, de onde os canos caíram e gelou ao ver aquela forma sorrir maliciosamente para ele.

Calígula?! Aqui?! No meio de Long Island?! Não fazia o menor sentido, o que, em todo o Tártaro, o imperador estava fazendo ali?

Matando Jason, aparentemente.

Então ele piscou novamente e a lança sumira, o cano de volta no lugar e nenhum sinal que de que havia um imperador no topo do prédio em construção antes.

x

Nico simplesmente não podia estar passando por isso de novo. Tendo que fazer o funeral de Jason de novo. Ele não conseguia aceitar, queria gritar e gritar e gritar por que isso… Que tipo de piada cruel e suja ele estava no meio aqui?

x

Dias depois do funeral de Jason, Nico ainda não conseguia sair do chalé 13. Não podia acreditar, simplesmente não podia. Será que sua vida anterior na verdade foi um sonho, um aviso sobre o que aconteceria, mudando apenas algumas coisas da linha do tempo? Ele sabia esse tempo todo que Jason morreria e não… não fez nada para impedir? Não… Não podia ser.

Nico arremessou um dos protótipos de escultura de Jason contra a parede, que ele havia deixado ali antes, e gritou até sua voz perder a força.

Foi tão difícil lidar com a perda de Jason na primeira vez, e agora ele está condenado a passar por tudo aquilo de novo?! Parecia uma brincadeira de mal gosto das Moiras, tudo por causa daquela profecia estúpida. Porque só podia ser isso, certo? Um dos sete tinha que morrer, e Nico havia previsto que seria o Jason antes, mas foi estúpido e não fez nada para o salvar.

Não tinha certeza de quanto tempo se passou quando Nico se viu com forças o suficiente para levantar da cama, enfim tendo o suficiente de lamentações e acusações contra si mesmo. Ele decidiu invocar o fantasma de Jason, para que eles pudessem ao menos conversar sobre isso... apenas para encontrar total rádio silêncio.

De novo, não…

Furioso, Nico decidiu que não deixaria isso por isso mesmo. Ele falaria com Jason nem que ele tenha que ir para o Elísio ele mesmo.

Decidido, Nico finalmente decidiu sair do chalé 13, onde foi imediatamente bombardeado por Will com perguntas sobre como ele está. Nico não era bobo, sabia o que o filho de Apolo estava fazendo, tentando distraí-lo porque já tinha uma ideia do que Nico queria fazer. O motivo para isso deve ser algo estúpido como pensar no bem estar de Nico ou qualquer porcaria do tipo. Francamente.

Assim que se livrou do filho do deus do sol, com o carisma que só Nico tem, parou e observou os seus arredores.

A entrada do acampamento estava bloqueada e Nico sabia que Will soaria o alarme na primeira rachada no chão que Nico fizesse (já aconteceu antes). Nico também não estava com forças para viajar pelas sombras (maldição, agora ele estava arrependido de ter pulado todas aquelas refeições). O jeito, Nico ponderou insatisfeito, era abrir um portal pelo mar.

Não era o jeito mais seguro e havia o alto risco dele se afogar, principalmente porque Poseidon não ia com a sua cara, mas que escolha ele tinha? Precisava falar com o Jason, custe o que custar.

Então Nico esperou. Fingiu ir na onda de Will, para o grande alívio do garoto de olhos azuis, passou na enfermaria, disse que ia tomar mais água e parar de pular aquelas refeições. Até mesmo jantou com o resto do acampamento. Ou melhor, fingiu, porque Nico não sentia que seu estômago estava afim de qualquer coisa sólida. Foram longas horas agonizantes com Nico fingindo que estava tudo bem e tendo que socializar com pessoas que não eram Jason e pelos deuses, isso sempre foi difícil assim? Não ter Jason ao seu lado, o cutucando e o incentivando a se abrir mais com os outros? De repente era difícil lembrar como Nico superou o luto na primeira vez, naquela outra realidade/sonho.

Quando enfim todos foram dormir e ele finalmente pode sair do seu chalé, escapou o mais discretamente que podia para a praia.

Abriu o fecho para o Mundo Inferior antes de entrar no mar, para não ter que ficar submergido mais do que o necessário e olhando mais uma vez os seus arredores para se certificar que não havia ninguém aqui fora a essa hora da noite, Nico mergulhou.

Até que a perna de Nico se prendeu em uma alga, o segurando no lugar, depois de apenas um passo submergido. Em seu desespero, nem o ocorreu a invocar ajuda, ou abrir mais o fecho para o Mundo Inferior. Sua mente estava em branco, os pulmões se enchendo de água salgada e tudo que Nico conseguia pensar é que no fim ele conseguiria sim falar com Jason.

E então Nico di Angelo morreu.

 

raiva

 

Nico acordou encarando o teto do chalé 13, lutando por ar.

Jogou as cobertas para o lado, praticamente caindo da cama enquanto tentava processar o que tinha acabado de acontecer. O que foi tudo aquilo? Um sonho? Mas e antes disso? O que, em nome de Hades, está acontecendo?

Tropeçou até sua mesa, onde viu os mesmos papéis de ontem espalhados. O calendário dizia o mesmo, um dia antes da morte de Jason, terça-feira. Mas não podia ser, porque haviam se passado semanas desde o funeral. Nico só não deve ter mexido na mesa antes, por causa do luto. Certo. Isso faz mais sentido.

Aos poucos Nico foi respirando fundo, se acalmando. Ele deve ter sonhado que estava indo falar com o espírito de Jason, ao invés de realmente ter ido fazer isso. Seus batimentos cardíacos foram voltando ao normal, apenas para dispararem loucamente quando alguém bateu na porta.

— Nico? Tá acordado?

Não podia ser.

— Ei, Nico! Que bom, te peguei ainda aqui.

Nico não podia acreditar.

Mas lá estava ele, Jason Grace. Sorrindo como se nada tivesse acontecido, como se duas semanas atrás Nico não tivesse tido que fazer o seu maldito funeral. De novo.

— Jason?!

— Quem mais seria? Enfim, eu vim discutir alguns planos de estatuetas para deuses menores com você. Sabe, eu estava pensando que se a Hécate tivesse um– — Jason se interrompeu, seu sorriso enfim diminuindo — desculpa, eu te peguei numa má hora? Acho que você ainda está acordando, né? Eu vou… continuar esquematizando no chalé 1. Depois você passa lá?

O deja vu foi tão profundo que Nico teve certeza absoluta que eles já tiveram essa mesma conversa antes, o que aumentava a confusão do filho de Hades.

O que é isso, afinal? Algum tipo de ilusão? Nico foi atacado por algum monstro marítimo quando tentou fugir do acampamento para o Mundo Inferior, ou então ele foi capturado pelo Quíron e o centauro está torturando-o com algum tipo de ilusão doentia.

— Espera! — gritou para as costas de Jason, que se afastava cada vez mais.

O filho de Júpiter se virou, curioso.

— Está tudo bem, Nico?

— Uh, tá sim. Porque você não entra?

— No seu chalé? — Jason levantou as sobrancelhas loiras, surpreso. 

Nico não fazia a menor ideia do que estava acontecendo, mas uma coisa ele sabia: não tiraria os olhos de Jason nem por um segundo a mais.

Passaram a manhã inteira no chalé de Nico dessa vez, conversando sobre os planos de Jason para os deuses menores. Ele se esforçou bastante para não dar bandeira com suas perguntas, mas Jason não deu nenhuma dica de saber que algo estranho estava acontecendo. Inclusive, quando Nico pediu para Jason tirasse a camisa – sabe, para checar se tinha alguma cicatriz daquele cano – tudo o que o filho de Júpiter fez foi ficar absolutamente vermelho, gaguejar sem parar e se recusar.

— Jason, não é nada disso. Eu só quero ver uma coisa!

Algo em sua expressão deve ter mostrado que Nico estava falando muito sério, porque Jason respirou fundo, fechou os olhos, o rosto completamente em chamas e tirou a camiseta laranja do acampamento de uma vez só, como para acabar logo com isso.

Nico tentou não encarar, mas era difícil. Ele não esperava nada… disso. Do peitoral firme e do abdômen definido e… Foco, di Angelo.

Mas mais que qualquer outra dessas coisas, o que Nico não conseguia parar de encarar no tórax de Jason era a total falta de cicatriz. É de se pensar que ao ser empalado por um cano de 15cm de circunferência, alguma marca ficaria. Mas–

Não podia ser. Sem nem pensar, ele voou até Jason, passando os dedos onde deveria ter a enorme cicatriz de empalamento. Ouviu o arquejo surpreso de Jason e levantou o rosto, encarando o rosto vermelho dele. Como se só agora percebesse a situação que estavam, Nico o largou como se ele estivesse lhe dado um choque, se afastando três passos firmes, sem nunca tirar os olhos do peito dele. Mas não havia nada. Apenas o tórax muito firme de Jason Grace que definitivamente não estava fazendo Nico suar. Claro que não.

— Pronto? Posso me vestir?

Infelizmente.

— …Pode.

Com um pouco de sorte, Jason não terá notado o leve tom de decepção em sua voz.

De qualquer forma, Nico tinha coisas mais urgentes para lidar, como por exemplo o que Tártaro isso significava. Ele se lembrava muito bem de passar duas semanas enfurnado neste mesmo chalé, após ter realizado o funeral de Jason (dessa vez um funeral grego porque que se foda o acampamento júpiter). Mas aqui estava Jason, totalmente alheio a qualquer coisa, agindo como se nada tivesse acontecido, e sem sequer uma cicatriz.

Foi uma batalha de vontades, resistir a tentação de investigar onde ele estava e se havia algum monstro brincando com ele dessa forma doentia para apenas aproveitar Jason.

Jason vestiu-se de volta e abria e fechava a boca sem parar, como se quisesse desesperadamente dizer algo mas não soubesse o quê. Nico poderia se relacionar.

— De qualquer forma… — Jason disse por fim, tentando se recuperar — Pensei em te chamar para dar uma volta por Long Island. Quero checar algumas esculturas e–

Não!

A voz de Nico ecoou como um tiro pelas paredes do chalé 13, fazendo Jason arregalar os olhos por trás dos óculos. Ele ainda não sabia muito bem o que estava acontecendo, mas seja lá o que tinha sido aquilo, Nico tinha certeza que não poderia deixar Jason sair dos limites do acampamento. Aqui ele ficaria seguro, sem nenhum risco de monstro algum aparecer e o empalar, ou canos errantes de construção que seja. No Acampamento Meio-Sangue, Nico poderia salvá-lo.

— …Tudo… bem? Eu só pensei–

— Eu não quero sair hoje.

— Bem, eu posso ir sozinho–

— NÃO!

Jason estava verdadeiramente perplexo agora, considerando que Nico nunca o impediu de sair assim antes. Ele tinha que pensar em algo, e rápido, para manter Jason perto dele.

— Pensei em… bom, pensei em passar o dia com você aqui.

Se Jason achou a sugestão estranha, não aparentou, apenas abriu um grande sorriso que fez o olhar de Nico desviar para a cicatriz no lábio superior e sentou-se ao seu lado, na cama de Nico.

— Como dizer não a isso?

x

Nico acordou com o cheiro de cinzas e a absoluta certeza de que Jason Grace estava morto. Podia sentir a alma dele chegando no Mundo Inferior. Ele queria negar, queria fingir que não estava entendendo a situação, mas tudo o que ele conseguia sentir era uma fúria gelada de que o mundo estava errado. Aos poucos ele conseguia ouvir os gritos lá fora, desesperados, dizendo algo sobre conter o fogo e tirá-lo de lá dentro.

Saiu do chalé, ainda vestido com o pijama do dia anterior e andou como um sonâmbulo até o chalé 1, que se encontrava consumido em chamas. As pessoas gritavam, dizendo que tinham que tirar o Jason de lá dentro, mas Nico sabia que era inútil. Ele já se foi.

Quando diminuíram as chamas o suficiente para entrarem e retirarem o corpo cheio de cinzas de Jason, Nico ainda estava naquele torpor silencioso e cheio de fúria. Alguém de Hermes disse que encontrou uma vela em cima dos projetos de Jason, e que ela provavelmente foi a catalisadora do incêndio.

Nico não ouvia os gritos dos outros semideuses ao seu redor, nem a voz retumbante de Quíron dizendo para ninguém entrar em pânico, muito menos os filhos de Apolo correndo para tentar ressuscitar Jason. Nico sabia que era inútil, que não havia ambrosia o suficiente para fazê-lo acordar. Ele sabia que Jason estava morto. Podia ouvir a voz de alguém de Apolo – Will? – dizer que ele havia sido sufocado pelas cinzas e que provavelmente morreu enquanto dormia, alheio às chamas ao seu redor.

Era tudo tão revoltante que Nico não tinha nem palavras. Jason. Morto. Sufocado por causa de incêndio acidental no próprio chalé.

Enquanto ele observava o corpo morto de Jason a sua frente, sua mente se encontrava incapaz de processar qualquer outra coisa além do rugido de sangue em seus ouvidos. De novo… De novo… Duas vezes ele teve que testemunhar Jason morrendo. Duas vezes Nico falhou com o melhor amigo que ele poderia encontrar.

Isso não podia ser algum tipo de ilusão, ou sonho. Era real demais para ser qualquer uma dessas coisas… E a forma como Nico tinha acordado e Jason havia dito a mesma coisa daquela primeira vez, desde que ele acordou nessa nova realidade…

Isso só podia significar uma coisa.

Ele estava preso em um ciclo temporal.

Com essa conclusão, mais perguntas surgiram: como ele veio parar aqui? Por que Jason especificamente continua morrendo? E o que, exatamente, faz o ciclo reiniciar?

Apenas para essa última pergunta Nico possuía uma teoria para a resposta. Ele forçou sua memória para aqueles últimos dias sombrios, onde ele mal saía do chalé. Apenas a vontade de ver Jason novamente que o fez sair da cama, então Nico havia planejado abrir uma passagem pelo mar para não ser pego, e então… Nico se lembrou da água salgada enchendo os seus pulmões, do pânico assumindo o seu corpo, de como seus membros se recusaram a obedecê-lo e depois… Nada. Ele acordou aqui.

Então só podia ser isso, certo?

Não se importou com os gritos dos outros lhe chamando, ou do tom preocupado de Will ao perguntar onde Nico estava. Ele não se importava com nada disso. Queria lutar com alguém, fazer algo sobre essa situação horrorosa, libertar Jason dessa situação terrível de ciclo temporal.

Foi até os estábulos então, que estavam abençoadamente vazios e não demorou para achar o que queria. Com os itens em mãos, Nico se aproveitou do caos em volta do chalé 1 para passar despercebido, o que deu certo. Ninguém prestou atenção no garoto entrando no chalé 13 com um banco e uma corda na mão.

É engraçado, Nico pensava de forma quase distante, não posso imaginar os instrutores tendo isso em mente quando ensinaram os campistas como dar nós.

Jogou a corda no alto do teto do chalé, onde ela se firmou. Nico testou a força da corda por um momento, para ver se ela não ia arrebentar, ou pior, fazer o teto acabar caindo, e ficou satisfeito ao ver a resistência de tudo.

Subiu no banco então, passando a cabeça pela corda.

Ou ele estaria certo, ou se juntaria ao Jason.

Deu um passo à frente, e pode ouvir o barulho que o banco fez ao tombar no chão. Foi a última coisa que ouviu quando tudo ficou escuro.

x

Abriu os olhos e viu o teto já conhecido do chalé 13.

Certo… Então ele estava certo, afinal. Realmente está preso em um ciclo temporal e o gatilho para começar tudo de novo é a morte de Nico, seja acidental ou proposital.

Já sabia o que tinha que fazer.

Ele tinha que salvar Jason. Custe o que custar.

x

Nico abriu a porta do chalé 13 com tanta força que Jason praticamente pulou centímetros de susto. Ele ainda estava um pouco longe, mas estava claramente indo até Nico.

Firme em seu objetivo, Nico encontrou-o no meio termo e praticamente pulou nos braços do filho de Júpiter. Ele parecia chocado, já que Nico mal tolera contato físico vindo dos outros, veja lá iniciar ele mesmo.

— Whoa, o que foi? Aconteceu alguma coisa?

— Cale a boca, Grace. Me dá um segundo.

Jason não deu mais nenhum protesto, apenas retribuindo o abraço, mesmo que de forma desajeitada. Nico até acharia fofo se não estivesse no meio de uma crise.

Apertou-o por mais um minuto, inalando e memorizando o cheiro dele, tendo o cuidado de guardar na memória. Não podia esquecer porque estava fazendo isso, e quem estava em risco aqui. Nico di Angelo, o Rei Fantasma, filho do deus dos mortos, precisava mantê-lo vivo custe o que custar. As Moiras que se danem.

— Eu sei que você quer me chamar para discutir alguns planos de deuses menores, mas podemos só relaxar hoje? No seu chalé?

Se Jason estranhou o pedido, não deixou transparecer. Ele deu algumas olhadelas furtivas no garoto em seus braços, tentando adivinhar seus pensamentos, mas logo desistiu de questioná-lo. Independente do que Nico estivesse pensando, sabia que Jason sempre confiaria nele. Afinal, ele já provou isso mais de uma vez.

Novamente Nico entrou no chalé 1 e segurou um calafrio ao notar que tudo estava exatamente igual a quando ele entrou aqui pela última vez. A primeira coisa que fez ao passar pela porta, antes mesmo de sequer olhar para Jason atrás de si, foi ir direto até a escrivaninha bagunçada do dono do chalé e pegar todas as velas ali, incluindo as escondidas dentro das gavetas.

— Ei. Ei! O que está fazendo?! Por que está jogando minhas velas fora?!

— São um risco de incêndio.

— Não seja besta — Jason não sabia se franzia a testa ou achava graça do aparente absurdo que estava ouvindo —, não vai acontecer nenhum incêndio dentro do acampamento.

— Você ficaria surpreso — rebateu sombriamente.

Jason decidiu não fazer mais perguntas, só suspirando enquanto olhava com pena para a sua lixeira, agora cheia de velas, novas e usadas. Ele estava tão preocupado com as tais velas, que não reparou quando Nico abriu mais uma de suas gavetas.

— O que é isso?

Arregalou os olhos azuis, levantando a cabeça de uma vez. Se Nico não o conhecesse, diria que ele parecia honestamente horrorizado.

— Eu- Isso era- Lembro que Leo tinha um baralho desse e eu só… — a voz dele foi diminuindo — Eu queria me sentir mais próximo dele.

Nico ficou em silêncio, encarando o baralho de mitomagia em suas mãos. Havia anos desde que ele havia sequer tocado em um desses e foi só a voz melancólica de Jason ao confessar sobre isso que fez Nico refrear sua vontade de jogar o baralho no lixo junto das velas. Podia entender de onde isso vinha, da vontade de se sentir mais próximo do amigo que perdeu. Afinal, não é isso que Nico está fazendo agora, de um jeito distorcido?

O problema, Nico refletiu ainda encarando as cartas, é que Leo não estava morto. Só que eles só descobriram isso bem mais tarde, e Jason morreu achando que encontraria seu melhor amigo no Elísio. Como sequer começar a explicar isso? Afinal, não tinha nenhuma prova de que Leo realmente estava vivo, e quanto mais o tempo passava, mais Nico perdia qualquer tipo de conexão que ele poderia ter tido antes com aquela antiga vida. Uma realidade sem Jason nela simplesmente não valia a pena ser lembrada. E se Leo realmente continuou morto dessa vez? Não poderia encher Jason de esperanças, pelo menos, não até encontrar um jeito de quebrar esse ciclo temporal.

— Já aprendeu a jogar? — Nico perguntou por fim.

— Ah… Não… Estou tentando aprender as regras sozinho.

Isso era algo tão Jason que Nico resistiu a vontade de sorrir.

Foi até o tapete no centro do chalé e cruzou as pernas, se sentando no chão. Estendeu a mão à sua frente, convidando Jason a se juntar a ele. Para o crédito do garoto, ele captou bem rápido e logo se sentou na frente de Nico. Ele parecia ansioso e receoso em iguais medidas.

— Mitomagia é bem simples, na verdade. Você só precisa memorizar os pontos de cada carta…

x

Nico acordou calmo no dia seguinte. Obrigou Jason a jogar todas as velas fora, o convenceu a não sair do acampamento e não sentiu nenhuma perturbação astral. Ao que tudo indicava, Jason ainda estava salvo. O jeito era mantê-lo assim. Não estava totalmente tranquilo ainda, mas mais despreocupado considerando que as chances de algum outro acidente acontecer em pleno acampamento eram muito baixas.

Foi só no café da manhã, quando Nico se encontrou sozinho no pavilhão, é que ele sentiu novamente algo gelado descer por sua espinha, alerta.

Parou o primeiro semideus que passou por perto e logo perguntou onde estava Jason.

— Algumas ninfas disseram que estavam ouvindo barulhos estranhos vindo da floresta e pediram ajuda, então o Jason disse que ia investigar.

— E ele foi sozinho?!

O semideus hesitou, parecendo nervoso sob a encarada de Nico.

— Ele disse que provavelmente era nada e–

Nico parou de ouvir, não se importando se era rude ou não. Simplesmente deu-lhe as costas e preparou-se para correr em direção a floresta bem quando um raio cortou o céu ensolarado do acampamento do nada, atingindo alguma árvore lá dentro.

— Meus deuses! — o semideus exclamou.

Correu então, jogando qualquer cautela para o alto. Pelo cheiro de madeira queimada, o raio de Jason deve ter atingido alguma árvore. Mas não podia ser. Um incêndio de novo? É de se pensar que as Moiras teriam um pouco mais de criatividade. Certo?

O raio tinha vindo do canto mais distante da floresta, quase que no limite da barreira, mas Nico não sabia onde exatamente. Tudo o que ele podia fazer era correr em direção àquele cheiro horrível de fumaça e rezar para alcançá-lo a tempo. Podia ouvir sons de batalha agora, grunhidos de monstros e os gritos de batalha de Jason. Tentou acelerar o passo, confiante de que conseguiria chegar lá a tempo, até uma árvore em chamas cair bem na sua frente.

Tropeçou nos próprios pés, caindo para trás, para se forçar a parar. Nico deve ter subestimado a força das chamas, porque quando ele enfim parou para prestar atenção nos seus arredores, pode notar que mais da metade da floresta estava pegando fogo. E se Jason não invocou uma chuva ou algo do tipo até agora… Não. Se recusava a pensar assim.

Contornou a árvore, tampando o nariz e a boca com a manga de sua jaqueta de aviador, e tossiu. Quanto mais ele corria até Jason, maior ficavam as chamas. Era difícil respirar.

Mais para frente, enfim, ele viu. Um monte de árvores tombadas uma na outra de tal forma que um círculo foi formado. E Nico sabia, sem nenhuma dúvida, de que Jason e o monstro estavam lá dentro.

Não podia ouvir nada mais, nem o tintilar de espadas, nem grunhidos de monstro, mas Nico se recusou a deixar-se levar pelo pessimismo. Tinha que acreditar que Jason estava vivo até poder vê-lo com seus próprios olhos.

Se concentrou, tentando ignorar a fumaça pungente e o quão quente tudo estava ao seu redor. Tentou invocar uma sombra e chiou de dor quando só conseguiu queimar sua mão pelo esforço. Não podia desistir, não! Tentou de novo e enfim conseguiu abrir o portal para dentro do círculo de árvores que Jason estava. Caiu praticamente ao lado do corpo em chamas de Jason, sua espada jogada para um ponto mais distante onde Nico pode ver as cinzas que havia sido antes um monstro.

Tirou a jaqueta em um rompante, tentando apagar as chamas no corpo de Jason, mas no fundo… Já sabia que era inútil. Jason estava morto.

Aaaahh!

Não saberia dizer porque fez o que fez. A essa altura, estava praticamente no modo automático. Seu corpo já sabia o que ele teria que fazer antes mesmo de sua mente registrar o que estava acontecendo.

De uma só vez, Nico levantou sua espada de ferro estígio, e rasgou a própria garganta, como se para silenciar os próprios gritos de raiva e angústia.

x

Nico jogou as cobertas no chão antes mesmo de abrir os olhos. Sua garganta coçava e Nico só queria socar alguma coisa. Estava cansado do teto do chalé 13, assim que saísse desse inferno de ciclo temporal iria dar umas férias para longe do acampamento.

Sentiu uma pontada no peito, ao pensar que ficaria longe de Jason, mas ignorou. Afinal, a culpa é toda do próprio Jason. Deixe o cara morrer então! Que se exploda no Tártaro! Veja se Nico liga!

Qual o ponto de continuar tentando salvá-lo, vez após a outra, só para o cara ir e morrer tudo de novo? Pois dessa vez Nico vai nem beirar o filho de Júpiter, não importa o que aqueles olhos azuis diga.

Como se estivesse esperando a deixa, Nico pode ouvir Jason batendo em sua porta. Pronto para chamá-lo e falar sobre projetos de estatuetas e santuários para deuses menores.

Antes mesmo de registrar o que estava fazendo, Nico já estava abrindo a porta, dando de cara com um Jason surpreso e sorridente. Aqueles malditos óculos tortos no rosto, aquela maldita cicatriz no lábio. Nico só queria socar tudo.

— Me deixa em paz.

O sorriso de Jason vacilou.

— Desculpa, eu te peguei em má hora? Posso voltar mais tarde… Eu só estava pensando que se a Hécate–

— Eu sei. Você ficou pensando em construir um pequeno santuário para Hécate no Mundo Inferior, já que ela mora lá, para os mortos lhe deixarem oferendas e ela não esquecer que é lembrada mesmo após a morte.

— Eu- eu já tinha te falado isso antes?

— Dezenas de vezes! Acho que já passamos da centésima vez! Eu não aguento mais, Jason. Eu não vou continuar aguentando isso, e-eu…

Existe um motivo para Nico evitar explodir dessa forma, quando estava exausto e furioso. E esse motivo é que ele sempre acaba se sentindo sobrecarregado e então seus olhos cansam de reprimir todos os sentimentos negativos e acabam vazando cada angústia, cada frustração. Segurou um soluço, mortificado, e pressionou as mãos contra seus olhos castanhos, como se estivesse forçando as lágrimas a voltarem para dentro.

Jason sequer hesitou, simplesmente marchou para dentro, bateu a porta atrás de si e embalou Nico enquanto ele tentava segurar seus soluços, cada vez mais desesperado.

— Eu estou aqui, tá tudo bem — ele murmurou contra os cabelos de Nico, o que o fez querer chorar de ódio ainda mais.

Porque ele não estava ali e nada ficaria bem de novo.

— V-vá embora. Vá para aquele m-maldito internato e s-só suma de uma vez!

Jason ficou tenso, mas não o soltou.

— Vá logo!

— Eu não vou te deixar, Nico — ele o apertou mais contra si, obrigando Nico a passar os braços pela cintura de Jason como um bote salva vidas — Nunca.

Só que Nico sabia que isso era uma mentira, porque tudo o que Jason estava fazendo era deixá-lo. Vez após a outra. De novo e de novo.

Demorou um pouco para Nico se acalmar, principalmente porque o principal objeto de suas frustrações se recusava a soltá-lo. Até ele parar de soluçar, o sol já estava queimando pela tarde, o almoço mais que esquecido. Até se sentiria envergonhado, se Jason tivesse mostrado qualquer índice de desconforto com o colapso dele, mas ele não mostrou. Pelo contrário, tudo o que Nico conseguia ver naqueles olhos azuis era a preocupação e carinho de Jason. De alguma forma, isso deixava as coisas ainda piores.

— Você vai me explicar o que aconteceu?

— Não.

E qual seria o sentido? Jason só acabaria morrendo de novo e então Nico teria que se matar e começar tudo de novo.

— Você me dá muito pouco crédito, Nico. Talvez eu possa ajudar…

— Tudo bem então! — explodiu em um rompante, incapaz de parar — Estou preso em um ciclo temporal e não importa o que aconteça, não importa o que eu faça, você sempre acaba morrendo no dia seguinte. Me diga então, filho de Júpiter, o que você pode fazer para me ajudar? Porque de onde eu estou, você mal pode ajudar você mesmo!

Jason parecia chocado demais para responder.

— Foi o que eu pensei. — disse com amargura.

Deu meia volta e saiu porta afora, não suportando mais as paredes de seu chalé. Ele precisava de ar, precisava ver Hazel, precisava de paz.

Foi até o campo dos morangos atrás da Casa Grande, onde Nico sabia que encontraria uma mangueira. Mandaria uma mensagem de Íris para Hazel, por mais que soubesse que era inútil e ela esqueceria de qualquer coisa que Nico dissesse no segundo que ele reiniciasse o ciclo. Considerando o horário, sabia que Hazel estaria saindo de alguma reunião entre os pretores com Frank a qualquer segundo agora. Se esperasse mais dois minutos, conseguiria pegar Hazel bem quando Frank se despedisse e fosse para o próprio apartamento em Nova Roma.

— Nico! — o rosto em formato de coração de Hazel se animou quando o viu.

Imediatamente relaxou, o coração ficando mais leve pela primeira vez desde que acordou. Hazel tinha esse efeito nas pessoas, mas principalmente em seu irmão mais velho.

— Oi Hazel, como você está?

Já haviam feito esse mesmo roteiro antes, é claro. Nico perguntaria sobre o seu dia, Hazel contaria animada, perguntaria quando Nico pretendia visitar e então soltava indiretas sobre Jason e Will. Eles já haviam tido esse mesmo diálogo tantas vezes que Nico seria capaz de recitar ambas as partes de cor. No entanto, por algum motivo, repetir as mesmas falas com Hazel não o frustrava tanto quanto ouvir Jason falando sobre aquele santuário estúpido para Hecáte toda maldita vez.

Perdeu a noção do horário, como normalmente fazia quando falava com Hazel, e se despediu apenas quando o sol enfim se pôs. Para que sentir pena de seus dracmas se eles simplesmente voltam para os seus bolsos quando Nico reinicia tudo de novo?

Suspirou sozinho, olhando para a lua que subia destemida pelo céu. Se perguntou por um minuto como estava Bianca, se sua nova vida havia encontrado a paz que ela tanto queria e desviou o olhar. Morrer tantas vezes estava o fazendo pensar em coisas indesejadas.

Levantou-se da relva úmida, sacudindo a calça para se livrar de toda a grama que ficou nele. Concluiu que era melhor checar o Jason uma última vez, nem que seja para fazer sua rotina de pegar as velas do cara e jogar fora.

O caminho até o chalé 1 foi lento, já que não estava nem um pouco animado em falar com Jason de novo depois daquela explosão. E quem sabe? Talvez dessa vez Jason pense em evitar o perigo ao invés de cair de cabeça nele.

Foi só quando ele chegou a porta do chalé 1 que notou todas as luzes estarem apagadas. O que era no mínimo… estranho. Podia sentir seu corpo ficando gelado, inúmeras coisas passando por sua cabeça. Sua mão voou até a maçaneta, pronto para arrombar a porta, quando hesitou.

Havia um bilhete no chão.

 

Nico—
Sei que você logo deve vir atrás de mim, mas não se preocupe. Vai ficar tudo bem.
Pensei muito no que você disse, e as coisas que você balbuciava enquanto chorava e… bem, eu acredito em você, Nico. E se o que você disse for verdade, você já passou semanas, senão meses, vivendo esses mesmos dois dias, tudo porque eu sempre acabo me envolvendo em um acidente e morrendo.
Sendo assim, fiz um plano… E antes de você ficar todo ansioso, me escuta! Você disse que eu sempre morro por forças maiores no dia seguinte, certo? Então talvez a chave para quebrar esse ciclo seja fazer o reverso disso. Se eu estiver errado… Bem, então tudo começa de novo e podemos pensar em outra coisa juntos. E eu estiver certo, então você está livre. Não há mais nada que eu queira além da sua felicidade, Nico.
Me deixa fazer isso.
—Jason Grace

 

Foi quando Nico sentiu. Aquela sensação familiar horrível, aquela sensação que o deixava doente não importava quantas vezes sentia.

De uma vez, sem se importar com o bilhete deixado no chão, Nico arrombou a porta do chalé de Zeus, e o deus dos trovões que se dane, porque Nico tinha uma sensação horrível sobre isso–

Do outro lado do cômodo estava Jason sentado em sua beliche de baixo. Os óculos tortos escorregando pelo nariz, como sempre. Seus olhos estavam desfocados e sem brilho, e havia trilhas de lágrimas pelo rosto pálido dele, mas mesmo assim, Jason tinha um leve sorriso nos lábios, como se estivesse em paz. Em suas mãos estava o punho de seu gládio, que atravessava seu próprio coração. Por um segundo terrível, Nico viu a lança de Calígula atravessando o amigo, mas ao piscar viu que era a espada curta de dois gumes de Jason.

O idiota se matou só para não deixar as Moiras darem cabo nele elas mesmas.

Tudo porque Nico teve um relapso e falou mais do que devia, dando ideias ainda piores para o estúpido, nobre Jason Grace, que sempre tenta fazer a coisa certa mesmo que tenha que se sacrificar por isso.

Quando é que os deuses vão ter o suficiente de seus sacrifícios?

Não importava se o ciclo havia sido quebrado ou não, Jason estava morto porque queria proteger Nico. Não devia ser o contrário, cacete? Como ele ousa?!

Nem registrou seu corpo desembainhando a própria espada de ferro estígio, muito menos quando ele levantou a arma. Ainda não tinha ideia do que pensar ou fazer com o sacrifício de Jason, mas seu corpo já havia tomado uma decisão.

Foi então que ele ouviu a voz da última pessoa que Nico queria ver agora.

— Caronte.

O deus da morte parecia quase triste ao vê-lo

— Senhor… Você sabe que isso não está certo.

Nico não queria ouvir nada disso.

— Você sabe, não sabe? Sobre o ciclo. Sobre todas as mortes. Eu sinto toda vez que você vem pegá-lo!

— Milorde…

— Não me chame assim! Me diga o que fazer para acabar com isso!

Mas Caronte apenas balançou a cabeça. Não estava indiferente à cena à sua frente, mas também não estava particularmente abatido. Resignado seria a palavra correta. Nico levantou mais a espada, mas não pareceu ter intimidado o deus.

— Vai me atacar? Isso não vai trazê-lo de volta, você sabe disso. Também não vai acabar com o ciclo.

— Você não sabe disso. — vociferou, os nós dos dedos brancos de tanto que ele apertava o punho da espada.

— Você não pode salvá-lo, Nico.

— O Tártaro que não posso — sibilou ele antes de cortar os pulsos de uma só vez.

Não registrou o suspiro resignado de Caronte antes de invocar sua foice para ceifar os dois semideuses, nem sequer registrou seu corpo caindo. Na verdade, em meio a todo o sangue que jorrava pelo chão claro do chalé de Zeus, tudo o que Nico via era o sorriso de Jason acima de si. Aquele sorriso idiota, como se estivesse pleno com a sua escolha, porque isso significava vida para os outros.

Que pena para você, pensou Nico enquanto sentia suas forças diminuindo cada vez mais, que eu não aceito nada disso. Você vai viver, Grace, quer você queira ou não.

Então tudo ficou escuro e Nico di Angelo morreu novamente.

 

barganha

 

Nico abriu os olhos e segurou a vontade de socar o colchão. Sentia-se doente, com uma vontade horrível de vomitar, como acontece quando ele chora demais. Só que ele não vai colapsar nos braços de Jason de novo, não dessa vez. Agora sim Nico tem certeza que jamais poderá envolver Jason nessa história, se isso significa ele tomando decisões imbecis sozinho, então ele claramente estava sozinho nessa. Olhou rápido para a porta de seu chalé, onde sabia que Jason logo bateria na porta e suspirou, tentando organizar seus pensamentos.

Se Caronte sabia do ciclo, pelo tanto de vezes que ele tinha que vir pegar a alma deles, isso significava que os deuses estavam conscientes de tudo isso. E se Caronte não tinha nenhuma resposta a dar para Nico, havia quem tivesse.

Olhou mais uma vez para a porta, sentindo-se mal por perder Jason. Algumas vezes Nico escapava antes da batida na porta e Jason sempre tinha aquele olhar triste e resignado naqueles olhos azuis. Como podia, alguém tão alto e forte parecer tão pequeno só por notar que Nico não estava mais no acampamento? Algumas vezes Nico tinha mesmo o suficiente de tudo e ia para o Acampamento Júpiter passar um tempo com Hazel, só esperando a famigerada mensagem de Íris que Will mandaria para notificá-lo que Jason havia morrido. Outras vezes ele só precisava ficar sozinho, tentando organizar seus pensamentos, só para sentir aquele familiar puxão que era a vida de Jason sendo ceifada de novo.

Não importava quantas vezes ele deixasse Jason sozinho plenamente consciente de que logo voltaria tudo de novo, seu coração sempre se partia um pouquinho ao vê-lo tão triste.

Balançou a cabeça, espantando esses pensamentos. Ele tinha uma missão agora, e pretendia cumprí-la. Fechou os olhos, invocando as sombras, e quando os abriu de novo, estava no palácio de Hades, no Mundo Inferior.

Imediatamente sabia que havia algo errado assim que chegou. Todos os servos do palácio deram uma olhada nele e saíram praticamente correndo na direção oposta. Nico estava acostumado a trazer aversão nas pessoas quando chegava em algum cômodo, mas não no maldito Mundo Inferior. O único lugar que Nico pertencia. Uma onda de desespero ameaçou atingi-lo, mas conseguiu afastar a insegurança assim que passou a pensar logicamente. Só haveria um motivo para os servos daqui passarem a evitar Nico, quando ele é filho do rei deles, e isso seria se eles tivessem sido ordenados a isso.

Se Hades não queria ninguém abrindo a boca para ele, então ótimo. Isso só significa que Nico vai ter que arrancar as respostas do próprio deus dos mortos no lugar.

Passou pelo jardim da madrasta e ficou aliviado ao notar que ela não estava lá também. Seu relacionamento com Lady Perséfone era no mínimo constrangedor, onde ambos fizeram um acordo silencioso de fingir que o outro não existe. Ele não odiava a madrasta e sabia que ela também não tinha nada contra ele, ela só se ressentia da lembrança física de que seu marido não foi fiel. Hades disse que ela ia acabar superando um dia, imortais são bem mais lenientes com seus rancores.

Eles também não estavam na sala do trono, o que restava a sala de julgamento, Elísio e os Campos Asfódelos. Nico estava totalmente preparado para perseguir o pai por todo o Mundo Inferior até conseguir uma audiência. Deve ter sido por isso que Hades se cansou dessa brincadeira de gato e rato e foi logo atrás do filho, visto que o semideus estava determinado.

Nico estava entrando novamente na sala do trono, para checar se eles não tinham voltado, quando notou a figura imponente do pai sentado no trono. 

— Nico.

— Pai. O senhor sabe porque estou aqui, imagino.

Morrer tantas vezes certamente deu um certo nível de coragem para Nico, que nem fez uma reverência em cumprimento. Hades pareceu notar isso também, pelo jeito que ele franziu a testa, insatisfeito.

— Eu não posso te ajudar, menino.

Nico segurou a profanidade que queria gritar. Não conseguiria nada ofendendo o deus.

— Não pode ou não quer? O senhor é o deus dos mortos, o Mundo Inferior é o seu domínio. Se tem alguém que pode me ajudar, é o senhor!

Hades suspirou antes de levantar do trono, indo até o filho para colocar uma mão reconfortante em seu ombro. Ele esquivou, não queria ser reconfortado como uma criança, a época que ele queria isso do pai passou. Já viveu por tempo demais para querer isso agora.

— Nico…

— Pai, por favor, deixe eu trocar de lugar com ele — implorou. — Me liberte desse inferno!

Hades parecia genuinamente triste, o que deixava tudo pior.

— Isso não cabe a mim, meu filho. E sim as Moiras.

— Só me deixe tomar o lugar dele, Jason não precisa morrer!

Mas o deus dos mortos apenas balançou a cabeça, desamparado.

— Acha que gosto de ver meu filho se matando de novo e de novo, preso nesse ciclo idiota? Se eu pudesse fazer algo, já teria feito há muito tempo. É inaceitável o que elas estão fazendo você passar, e tudo porque– — Hades se interrompeu, franzindo mais a testa. Havia falado demais.

— O quê? O que o senhor não está me contando?

Mas Hades só pressionou os lábios, querendo dar o assunto por encerrado.

— Pai–

— Tudo o que eu posso dizer é que isso não é sobre ser capaz de salvar aquele garoto ou não. É sobre você. Sobre o seu próprio conflito interno.

Então o Senhor dos Mortos deu-lhe as costas e se afastou, saindo da sala do trono e deixando Nico sozinho ali, refletindo o que isso queria dizer.

Porque não podia ser o que Nico achava, certo?

Não iria conseguir arrancar mais nada de Hades, então invocou as sombras para voltar ao acampamento. Ele perdeu completamente a noção do tempo enquanto procurava o deus pelo Mundo Inferior porque já era madrugada quando ele chegou. Isso dava ainda menos tempo para Nico resolver tudo e tomar qualquer tipo de decisão.

Não ajudou que dessa vez Jason estava dormindo bem na cama de Nico quando ele chegou. Algumas vezes, dependendo de como Nico saísse, Jason fazia isso, como se precisasse sentir que Nico estava por perto para poder dormir tranquilo. Podia sentir o seu peito apertando com um monte de coisas não ditas ao observar o rosto adormecido e tão sério dele.

Isso meio que resolvia tudo.

— Jason… Jason, acorda…

Ele balançava o braço do filho de Júpiter, segurando um sorriso por se ver nessa situação tão doméstica.

— Mais cinco minutos…

— Jason, se você dormir na minha cama, onde é que eu fico? Não tá querendo que eu durma com você, né?

Isso fez os olhos de Jason se abrirem de uma vez, alarmados.

— Nico!

— Quem mais seria? — debochou.

— Achei que você tivesse saído para… deuses sabem onde, eu mandei mensagem para a Hazel mas ela não sabia onde você tinha ido também. Depois fui atrás do Will porque pensei, bem, talvez eles tenham resolvido sair para um encontro afinal de contas, mas o Will disse que mal tinha te visto essa semana, e–

— Jason.

Ele se calou.

Passaram-se alguns segundos extras com só encarando os olhos azuis de Jason que pareciam tão escuros à luz da lua. O quarto de Nico estava a pura escuridão, considerando o horário, o que era reconfortante. Analisou Jason mais um pouco e foi quando notou o cabelo loiro dele todo amassado e apontando para todos os lados ao invés do corte bem cuidado de sempre. Por algum motivo, isso encheu o coração de Nico com um aquecimento que ele realmente não queria ter reconhecido, mas… Aparentemente, ele precisava.

Então se Nico… Se ele finalmente resolver seus próprios sentimentos, se ele enfim confessar aquilo que ele jurou jamais sentir, talvez… Talvez isso os liberte do ciclo.

Era levemente desesperador, ter que passar por isso, mas não pode ser pior do que continuar nesse ciclo infinito de morte e dor.

O problema era que Nico sempre se forçou tanto a jamais sentir nada além de platônico por Jason que estava com medo de quando abrir essa válvula, jamais ser capaz de fechá-la de novo. Seus sentimentos vão consumi-lo de tal forma que Nico sabia que jamais sentiria isso por outra pessoa. Nem mesmo com o Will, naquela vida antiga e tão distante. O relacionamento deles era confortável. Seguro. Sentimentos como um quase e que lembravam algo assim.

Nico sabia que não era assim com Jason, sabia que se enfim se permitisse sentir o que sempre sentiu, que se falasse a verdade para ele… Tudo ia mudar.

Mas a essa altura, não era isso que Nico queria?

Sentimentos irreversíveis ou não, se contar a verdade para Jason era aquilo que enfim vai libertá-lo disso, então que assim seja.

— Jason, eu preciso falar com você.

— Uh, claro. Agora mesmo ou de manhã…?

Ele respirou fundo, juntando coragem.

— Jason, a verdade é que eu não estou apaixonado pelo Will. Eu gosto de outra pessoa, por isso eu não… eu e ele não… Não vai dar certo.

Era impressão de Nico, ou algo havia passado pelos olhos azuis de Jason? Algo rápido demais para ele analisar e dissecar o significado.

— Ah — foi a única coisa que ele achou seguro dizer.

Nico tentou não ficar frustrado.

— A pessoa que eu gosto… A pessoa por quem jurei jamais me apaixonar porque eu me recusava a passar por isso de novo… Jason, eu jurei para mim mesmo que não me permitiria sentir qualquer coisa por você, mas que Hades, eu falhei. Falhei feio, porque eu gosto de você, Jason. Eu gosto tanto de você que pensar em você não sentindo o mesmo por mim dói tanto que não consigo respirar. E eu sei que você não sente o mesmo por mim, o que deixa tudo pior, mas–

Nico não conseguiu continuar seu solilóquio, porque de repente Jason estava segurando o seu braço com tanta força que Nico sabia que ficaria uma marca vermelha na sua pele oliva.

— Você… Você tá dizendo o que eu acho que tá dizendo?

— Estou apaixonado por você, Jason Grace — Nico desabafou de uma vez só, se sentindo tão leve que era possível que um peso que ele carregava desde o Argo II finalmente saíra de seus ombros. — Eu tentei não–

Mas Nico não conseguiu continuar falando, porque de uma vez, Jason estava colando seus lábios contra os dele com uma urgência que o deixou sem fôlego.

— Nico… Nico… — ele repetia sem parar, beijando-o tanto que Nico tinha certeza que seus lábios ficariam inchados.

x

Foi com alívio que Nico foi dormir aquele dia. Ele se confessara a Jason, se libertou daquilo que ele escondia e prendia por todo esse tempo e nenhum acidente aconteceu. Melhor ainda, Nico descobriu que era correspondido. Todo esse tempo, em que Nico se forçava a nunca olhar por tempo demais os olhos azuis de Jason, a desviar o olhar quando a camiseta laranja dele subia, todo esse tempo perdido que Nico poderia ter passado ao lado de Jason.

Jason esse que segurou sua mão o dia inteiro, como se estivesse com medo de Nico desaparecer ou sair correndo. Que passou o tempo todo roubando olhadelas em sua direção, quando achava que Nico não estava olhando, e que sempre olhava para os lados para ter certeza de que ninguém estava olhando para eles antes de puxá-lo para trás de uma árvore e recuperar o tempo perdido. Sabe, com a língua.

Nico podia sentir todo o seu rosto ficando vermelho com as lembranças e ficou repentinamente muito feliz que Hazel estava no Acampamento Júpiter ao invés de dividindo o chalé 13 com ele.

Virou para o lado e viu Jason dormindo em paz ali, em sua cama. Nico pediu para ele dormir lá apenas naquele dia, e não para fazer qualquer outra coisa além de segurar as mãos. Nico precisava disso, precisava acordar no dia seguinte sabendo que nenhuma desgraça aconteceu e ceifou a vida de Jason. Ele sabia que isso era altamente improvável, considerando que ele fez uma aposta com a sorte, a mais alta que ele poderia ter feito e tudo deu certo no final. Certamente o ciclo se quebrou depois disso.

E se algo acontecesse com Jason, Nico estar ao seu lado pouparia tempo, matando os dois de uma vez.

Observou a figura sonolenta do garoto que amava e delineou seus traços com os dedos, memorizando o quão grande os cílios de Jason são, como a franja loira dele cobria seus olhos, e o quão em paz ele parecia quando dormia, relaxando aquela postura séria de centurião que ele sempre carrega por aí.

Dormiu abraçado a Jason e sonhou com beijos com gosto de sol e tempestade.

Quando acordou, a primeira coisa que viu foi o rosto calmo de Jason. Os olhos dele ainda estavam fechados, mas só dele estar ali já provava que o ciclo foi quebrado, e isso encheu o coração de Nico com tantas coisas que ele podia sentir seus sentimentos sufocando-o.

Foi então que ele notou que Jason não estava se mexendo.

— Jason, acorda. Você tem que ir para o seu chalé antes do resto do acampamento acordar.

Nada.

— …Jason?

Tentou sacudir os ombros do garoto, primeiro de leve e depois mais forte, mas Jason não respondia. Ele também estava gelado ao toque.

— Não… Não… Eu fiz tudo certo! Jason! Levanta! Não! JASON!

Mas não importava o quanto Nico gritava e o sacudia, o corpo sem vida de Jason não se mexia.

Ele não sabia mais o que fazer, apostou todas as suas fichas nisso, que confessar seus verdadeiros sentimentos ia fazer o ciclo enfim se quebrar.

— Jason… Não… Por favor

Podia sentir as lágrimas descendo e sua desesperança o consumindo de uma vez. Como? Por quê?! O que ele tem que fazer para acabar logo com isso? Queria morrer, queria sumir, queria pelo menos ter o direito de se juntar a Jason no Elísio, porque o lugar dele era junto de Nico. Simplesmente era.

Limpou as lágrimas. Não sabia o que fazer, não era isso que Hades se referia a ser algo que só Nico poderia resolver? Queria voltar para o Mundo Inferior e gritar com o pai, exigir respostas e negociar a própria alma em troca de paz, vivo ou morto. Nico olhou uma última vez para o rosto pacífico de Jason, cometendo-o a memória e beijou-o uma última vez.

— Eu juro, Jason…. Juro que vou resolver isso.

Letárgico, Nico foi atrás de uma corda. Ele ainda tinha muito o que fazer.

 

depressão

 

Agora que Nico sabia sobre os sentimentos de Jason, além da missão principal de tentar, sabe, salvá-lo, agora ele estava em uma missão secundária tão importante quanto a outra: fazer Jason se apaixonar por ele de novo e de novo.

Algumas vezes ele tentava ser romântico, chamando Jason para um encontro, jogando uma partida de mitomagia onde o perdedor tinha que revelar segredos sobre si mesmo (Jason não ficou muito empolgado quando Nico deu os termos, mas acabou acatando porque até sua reserva ficava sem segundo plano com a perspectiva de saber mais sobre Nico).

— Sinto que você me prendeu em uma armadilha, é claro que você ganharia! Acabou de me ensinar as regras!

Nico sabiamente não comentou que ele já ensinou Jason a jogar mitomagia tantas vezes que poderia abrir uma escola a essa altura.

— Não seja mau perdedor e me conte um segredo. Anda, filho de Júpiter, me dê seus podres.

Jason lhe lançou um olhar tão feio que arrancou até algumas risadas debochadas dele.

— Tá bom… Vejamos… Quando eu era mais novo, devia ter acabado de chegar no Acampamento Júpiter, eu e mais algumas crianças da minha Legião decidimos que seria uma ótima ideia pegar uma televisão velha, consertar ela, e assistir alguns VHS.

— Fofo, mas não tem nada de revelador aí.

Ele lhe lançou mais um olhar sujo que fez Nico levantar as mãos em rendição e murmurar beleza, beleza, continua.

—  Um deles era Superman I e II…

— Ai meus deuses.

— Você vai me deixar terminar a história ou não? — ele parecia impaciente agora.

— Desculpa, é só que você… Tá, continua. Não vou falar mais.

Jason esperou mais alguns segundos, encarando-o para ver se ele ia falar mais alguma coisa, antes de suspirar e continuar.

— E, é claro, eram meus filmes favoritos. Super-herói poderoso que só queria fazer o que era certo? É claro que eu queria ser como ele. — deu mais uma olhada rápida para Nico antes de continuar, dessa vez encarando decididamente o chão. — E a Lois Lane? Era toda forte, falava o que pensava, não se importava com o perigo porque a história era mais importante. Ela era minha quedinha de infância… Mas depois, quanto mais assistia mais eu ficava pensando que ver Lois e Clark era a definição de tanto faz. Eu não sabia se queria ser o Clark… Ou a própria Lois.

É claro que a essa altura Nico já sabia que Jason no mínimo não era hétero, considerando os beijos perdidos que eles já trocaram, mas essa foi a primeira vez que ele confessava com todas as letras. Ele então prosseguiu dizendo que por muito tempo ele nunca pensou que era “estranho” ou “diferente” ele sentir atração tanto por meninos quanto meninas e que até o Octavius fazer um comentário durante um Jogo de Guerra, Jason nem sequer pensava em reprimir tudo o que remetia à romântico. Isto é, até Hera mexer com a cabeça dele e ele passar a namorar Piper.

Nico não era bobo, agora que tinha conhecimento sobre os sentimentos de Jason, era bem fácil manipular a conversa para chegar até onde ele queria, no que inevitavelmente chegava ao próprio Nico. Ele precisava desses momentos leves, desses momentos com confissões e beijos roubados, porque era tudo o que ele tinha para continuar tentando.

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Depois Nico passou a se cansar de sempre passar pela rotina de arrancar uma confissão de Jason ou então confessar ele mesmo. Estava cansado de repetir sempre as mesmas falas, como um ator que já saturou do sitcom decadente em que trabalhava, mas não podia sair porque pagava as contas.

Passou a ser mais agressivo então, abusando do seu conhecimento sobre os sentimentos de Jason e de todos aqueles segredos que ele não fazia ideia de já ter confessado a Nico antes. Alguns dias, Nico aparecia no chalé 1 do nada, depois de passar o dia resolvendo algumas coisas para conseguir aquelas horas extras com Jason.

O filho de Júpiter sempre ficava surpreso ao vê-lo ali no meio da noite, mas nunca fechava a porta na sua cara.

E francamente, a essa altura, Nico já se cansou de conversar também. Simplesmente entrava, esperava ele fechar a porta e partia para o ataque, segurando a gola da camiseta laranja dele e o puxando para baixo para roubar um beijo furioso.

Ele nunca negava-o, mas sempre ficava confuso, mesmo que animado. E naquela noite não era diferente nisso, por mais que Nico se sentisse com uma fome própria, diferente das outras vezes que eles encenavam essa mesma cena.

— Mas e o Will? — ele perguntou, vermelho e sem fôlego.

— Não é o Will quem eu quero — Nico murmurou antes de colar os lábios contra os dele novamente.

Nico não sabia quanto tempo já se passou desde que ele entrou nesse ciclo infernal, e quantas vezes ele já teve que ver Jason morrer, mas uma coisa havia ficado mais que claro. Ele amava Jason com uma intensidade que não deveria ser possível, e isso deixava tudo pior. Não sabia quanto tempo ele conseguiria suportar isso, vendo Jason morrendo vez após a outra logo depois de ele confessar seus sentimentos e partindo o coração de Nico tudo de novo. O que doía mais? Fingir que não amava Jason do mesmo jeito que sabia que era amado, ou se render aos seus sentimentos e vontades apenas para perdê-lo tudo de novo?

Nico não sabia a resposta. Mas sabia que estava cansado.

Ele entrelaçou sua língua com a de Jason, uma mão enfiada em seus cabelos loiros, o forçando a se aproximar ainda mais. Queria se afogar nele, queria amá-lo de tal jeito que Jason jamais se esqueceria dos sentimentos de Nico mesmo depois que eles escapassem desse loop maldito. Desceu os beijos pelo pescoço de Jason e sentiu uma necessidade primitiva de deixar uma marca ali, algo para centrar Nico de que esse momento, esse agora era real. A marca não estaria ali depois que Nico morresse e voltasse, mas sempre se lembraria dela.

Mordeu-o bem no ponto onde o pescoço encontra o ombro e Nico saboreou o gemido que isso arrancou de Jason.

— N-Nico…

Era enlouquecedor isso tudo. Queria arrancar as roupas dos dois e ficar tão íntimo que mesmo que todas essas horas roubadas sejam apagadas, Nico seria incapaz de esquecer delas. Pode até ser o TDAH de Nico atacando, fazendo-o agir de forma impulsiva e sem pensar, mas Nico realmente queria ver até onde conseguiria ir com Jason. Até onde o mais velho o permitiria.

A mão de Jason entrou por baixo de sua camiseta, passando os dedos pelas costas de Nico. Não fazia ideia do que ele estava pensando, mas reconheceu o nível de desejo nos olhos azuis dele, refletindo a mesma intensidade de Nico.

— Eu amo você — Nico sussurrou como uma oração.

— Eu… Eu te amo também.

E foi o suficiente.

Nico sabia que isso não era real, que era temporário e que tudo seria apagado. Mas nessas pequenas horas roubadas, não se preocupou com nada disso. Ele apenas quis ficar íntimo com Jason de uma forma que jamais foi com ninguém antes, o tempo todo sussurrando que o amava. Os dois choraram depois. Jason, por se sentir sobrecarregado com tantas sensações e emoções, e Nico, por amá-lo tanto que ele sabe que jamais conseguirá superá-lo de verdade. Quanto mais ele o ama, mais se apaixona por ele, mais o seu coração de parte tudo de novo quando Jason inevitavelmente o deixa.

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Quantos meses se passaram desde que Nico acordou pela primeira vez no chalé 13? Talvez já tenham sido anos, ele não saberia dizer. Depois de um tempo, os dias simplesmente pararam de fazer sentido. Não conseguia mais ter força de vontade de planejar e tentar. Nem sua curiosidade mórbida de saber quais novos métodos as Moiras inventariam para dar cabo no garoto que ele amava estava sendo o suficiente para mantê-lo tentando. Alguns dias Nico nem sequer saía do chalé, sem forças para sequer mandar Jason ir embora ou dar algum tipo de aviso para se cuidar.

Nem mesmo quando Jason aparecia, que dava uma olhada no rosto abatido e apático de Nico e largava tudo o que estava fazendo só para ficar aqui com ele, estava ajudando mais. Não tinha forças o suficiente para fazer suas piadinhas cáusticas e mórbidas, só para ver Jason revirar os olhos daquele jeito que ele faz quando acha graça mas sabe que não deveria rir.

O sol que entrava em suas janelas passaram a ser opressoras, como se estivesse debochando da situação de Nico.

Você está assim, se sentindo um lixo, mas a vida continua. Os pássaros cantam, as pessoas riem, e você não faz diferença nenhuma sobre nada.

Ficava cada vez mais difícil encontrar motivos para continuar tentando, porque os dias apenas se borravam e tudo o que ele fazia era esperar as horas passarem para dormir e descansar por um tempo, sem ter que aguentar nada disso pelo menos até sentir aquela sensação tão terrível e familiar de Caronte pagando uma visita a Jason mais uma vez e começava tudo de novo.

O problema é que se Nico não tem forças para nada, então Jason simplesmente morre e fica assim. E por mais que Nico esteja exausto de continuar se matando em tentativas fúteis e vãs para salvar um caso perdido, ele não sabia mais o que fazer. As dores dos suicídios pelo menos eram familiares, estava acostumado. Já havia esgotado tudo o que podia oferecer e no final nada importava.

Então qual era o sentido de continuar tentando?

— Nico? — era Jason, desistindo de bater na porta e simplesmente entrando, como ele costuma fazer.

Ele não respondeu, apenas olhou para Jason e isso foi o que bastou para o garoto fechar a porta, largar tudo o que estava segurando e ir se deitar com Nico, afagando os seus cabelos.

— Tudo bem fazer isso?

Jason não fazia ideia da quantidade de coisas que Nico estava mais que bem dele fazer com ele, coisas que ele já fez.

— Tudo… não pare — respondeu com a voz fraca.

Enquanto Jason fazia cafuné nele, totalmente em silêncio porque sabia sem que Nico sequer precisasse falar que tudo o que ele queria era paz e silêncio, a resposta veio a ele. O motivo de continuar nesse inferno.

Não importava o quanto doesse depois, o quanto Nico se odiava por prender os dois nesse ciclo horrível, no fim ele não queria abrir mão desses dias felizes de ilusão com o Jason vivo. Ele preferia repetir o mesmo dia infinitamente com um Jason vivo do que deixar a vida seguir seu curso com ele morto.

Podia sentir sua sanidade se esvaindo com tudo isso, a exaustão mental e emocional daquele ciclo. Às vezes, ele realmente surtava. Queria odiar Jason, e alguns dias até mesmo conseguia, porque todo aquele amor somava e somava até resultar em destruição. A própria ou a dele não importava, porque tudo o que Nico queria era quebrar algo. Certas vezes, só para ver se podia, ele matava Jason com as próprias mãos, só para ficar horrorizado com o que havia feito e se matar logo em seguida.

Talvez esse seja o seu destino, afinal. Apenas uma longa existência feita para morrer de novo e de novo.

 

aceitação

 

Jason andava bastante pelo Mundo Inferior. Na verdade, desde que ele morreu, fez tantas sugestões de melhorias no Elísio e Campos Asfódelos que Hades não sabia se evaporava a alma do menino ou o contratava. O meio termo foi Jason ganhar certos privilégios, podendo ajudar com as melhorias desde que não perturbasse o deus dos mortos com isso.

Era engraçado, ele pensou vagamente, como até na pós-vida de felicidade e descanso eterno, Jason se encontrava sempre inquieto, procurando algo.

— Você é diferente — uma das almas do Elísio disse, quando o viu andando de um lado para o outro.

Jason não soube o que fazer com essa informação.

— É estranho eu me sentir tão... Bem, inquieto? Na morte?

— É sim.

Jason abaixou os olhos, o sorriso sempre presente desde que ele chegou aqui, desaparecendo. De repente, como se alguém tivesse levantado todas as suas muralhas, ele enfim pode sentir o que realmente estava sentindo desde que chegou aqui: uma desolação indescritível. Era incrível, Jason pensou quietamente, como nem sequer no pós-vida ele conseguia se encaixar, encontrar um lugar para pertencer.

— Provavelmente deve ser porque sua alma gêmea está viva ainda.

Isso fez Jason levantar a cabeça na hora, assustado.

— Minha o que?!

— São raros, mas alguns semideuses têm destinos entrelaçados, as famosas almas gêmeas, sabe. Se você está aqui e sua alma gêmea está lá em cima, então você não vai sossegar até esse semideus morrer ou você decidir reencarnar.

Deuses, não pode ser Piper. Seria a história de alma gêmea mais tragicômica da história greco-romana. Afinal, ele sabia que ia morrer e escolheu este destino para que ela pudesse viver em seu lugar. Até quando as Parcas vão insistir em brincar com seu destino, sua alma? Ele não tem mais nada para dar.

— E eu posso saber quem é?

— Bem, se ele ou ela morrer antes da hora certa, por causa de um erro das Moiras, é bem possível que você tenha a chance de descobrir.

x

Nico não se lembrava quando foi a última vez que ele teve qualquer sonho. Desde que os ciclos começaram, dormir foi ficando cada vez menos necessário, apenas um empecilho em sua eterna jornada de tentar salvar o garoto que amava. Como um semideus, os sonhos raramente eram bons. Eram cheios de enigmas e mensagens e pesadelos, então Nico não pode dizer que sentiu falta deles. Mas como ele não tinha mais sonhos e se encontrava o tempo todo cansado da própria existência, passou a dormir cada vez mais. Dessa vez não foi diferente.

Depois de passar mais um dia completamente inerte, apenas com a espada debaixo da cama preparada para quando a hora inevitavelmente chegasse, Jason novamente foi dormir com ele. Nico gostava disso, de poder vê-lo mesmo que nenhum dos dois diga nada, mas também odiava o ciclo em que estavam. Qual o ponto de fazer mais memórias com Jason se apenas ele lembrava delas depois?

Adormeceu nos braços de Jason, pronto para passar mais algumas horas sem pensar em nada além do calor do garoto ao seu lado quando sua mente foi para o Mundo Inferior.

Mais precisamente, a sala do trono no palácio do pai.

— Pai — Nico piscou, meio surpreso. Sua voz estava mais rouca que o normal, graças a falta de uso — Isso não é um sonho, é?

— Chega. Chega disso tudo, Nico. Me recuso a continuar assistindo você acabar consigo mesmo desse jeito.

— E que escolha eu tenho?! — vociferou — É impossível acabar o ciclo, não importa o que eu faça! Já fui atrás das Moiras, para perguntar pelo menos o motivo de isso estar acontecendo, mas não consegui nada!

Hades balançou a cabeça, indignado.

— Não me importo mais com o que as Moiras digam, eu me acertarei com elas depois, mas isso não pode continuar. Eu já disse que isso era sobre–

— Sobre mim. Sim, disse que é um conflito interno meu. Pois bem, eu resolvi ele! Várias vezes, aliás! E não deu em nada.

— Porque não deveria ser assim!

Hades parecia que ia falar mais, mas foi interrompido por Perséfone, que apareceu de trás do trono do marido e colocou uma mão reconfortante em seu ombro. Um aviso, talvez, para ter cuidado com o que dizia.

— As Moiras podem fazer isso, colocar um semideus em um ciclo temporal toda vez que você morrer antes do tempo, caso sua alma gêmea já esteja morta e você precise de uma segunda chance — Perséfone explicou, olhando diretamente para Nico pela primeira vez desde que eles se conheceram.

Hades parecia contrariado, tanto pela esposa estar se metendo e entrando em problemas com as Moiras junto dele, tanto como pela situação inteira.

— Só que nem sempre elas fazem isso, porque a pessoa que tem o poder de realmente colocar um semideus em um ciclo é apenas a alma gêmea morta que ainda está no Mundo Inferior.

—  Alma… gêmea? O senhor está me dizendo que almas gêmeas existem e que eu tenho uma? Mas espera… Se eu tenho uma alma gêmea, então ela só pode ser… Jason?! Jason quem fez isso?... Por quê?!

— Para que você me deixe ir, Nico — a voz de Jason pela primeira vez se fez presente e Nico congelou.

Ele nunca o tinha visto como fantasma antes, sua forma transparente e incompleta, flutuando pelo salão do trono com o rosto tão abatido que ele poderia facilmente ter passado por todos aqueles ciclos também com Nico. As poucas vezes que eles tinham se falado dessa forma, foi por volta de sonhos e passagens rápidas naquela vida antiga que nem valia a pena ser lembrada.

Tentou se recuperar do susto, horror e amor e revolta em partes iguais batalhando dentro de si, e Nico teve que fazer força para conseguir falar, considerando o quanto sua garganta estava fechando de forma impressionante.

— Jason... Eu jamais vou poder te deixar ir. Não de novo. Você também não.

— Você precisa, Nico. Eu estou morto e você está vivo, é como tem que ser. As Parcas me contaram o seu destino e ele é lindo, Nico, é tudo o que eu queria pra você.

— Não vale de nada se não tem você nele! — explodiu, furioso — Que se foda o destino!

Jason parecia triste e resignado, como se não esperasse diferente do filho de Hades mas ao mesmo tempo queria muito que as coisas não fossem assim.

— Nico... Eu te amo mais do que palavras podem expressar. Quando eu ainda estava vivo, antes de Apolo, antes de tudo ter dado tão errado, a última coisa que pensei na última vez que te vi foi "então é assim que tem que ser, amor verdadeiro". Porque sempre foi você. Mas você não parecia… E o Will… — agora ele parecia constrangido — Então eu decidi ir embora, para te dar a chance de ser feliz, mesmo que não seja comigo.

Nico nem registrou quando as lágrimas passaram a cair copiosamente, sua visão embaçando de forma vergonhosa. Tudo o que queria era sair correndo e gritando para não ter que lidar com isso, essa conversa horrível. Mas ele já correu por tempo demais para desistir agora. Sonho ou conversa astral, isso estava acontecendo de verdade.

— Isso é pra me convencer a parar com o ciclo? Não está funcionando.

Jason suspirou, e sua expressão estava tão triste que se fantasmas pudessem chorar, não tinha dúvidas de que o filho de Júpiter estaria soluçando tanto quanto o próprio Nico.

— Algumas almas gêmeas nasceram para serem trágicas. O destino nos ligou só para tirar eu de você, Nico. Não entende? Eu sou sua alma gêmea, mas nunca fui o seu destino. O Will que é.

Nico ficou furioso, ofendido até.

— Com o Tártaro Will S– — mas ele não conseguiu continuar falando, por mais revoltado que estivesse. Will não merecia isso e Nico... Nico gostava dele.

Só que Will Solace jamais será Jason Grace.

— Não entende? — a voz de Jason parecia quieta, o tom acústico que as vozes dos fantasmas tem ficando mais grave — O único jeito de você quebrar com o ciclo é seguindo em frente. Você tem que me deixar morrer para então passar a viver.

— Não posso perder você também, Jason. Não você… Até eu entrar nesse ciclo temporal eu nem sabia que éramos almas gêmeas!

— Sobre isso... — Jason parecia envergonhado — A primeira vez foi minha culpa, eu estava desabafando com alguém sobre como o Elísio não... Enfim, ela me disse que se minha alma gêmea estava viva, eu deveria reencarnar para então ter paz e eu... Eu ia reencarnar mesmo, mas... Eu não... Eu não podia deixar vocês. Por isso os sonhos de aviso antes, por isso eu ia atrás de você sempre que você vinha pro Mundo Inferior. Eu não queria te esquecer, Nico, mesmo que isso significasse uma eternidade me sentindo incompleto.

Era coisa demais, tudo estava acontecendo muito rápido.

Olhou para o lado, repentinamente se lembrando que estava perdendo a compostura na frente do pai e a madrasta, mas não os encontrou em lugar algum na sala do trono. Provavelmente Perséfone convenceu o marido a lhe darem privacidade. Voltou a olhar para o fantasma arrasado de Jason e tentou conceber que essa é a verdadeira alma do garoto que Nico passou as últimas décadas tentando salvar.

— O que Tártaro aconteceu? — Nico soluçou.

— Te coloquei em um ciclo temporal porque você morreu antes da hora, era pra você ter sua segunda chance, eu queria te salvar. Se nada, pelo menos eu ainda estar aqui mantinha a nossa conexão, e por isso eu podia te ajudar. Achei que esse era meu propósito então, vigiar você, cuidar para aquele seu destino bonito que as Parcas me mostraram se realizasse… Mas então você ficou obcecado com a minha morte e eu não pude dar para trás depois. Eu vi que você nunca tinha superado o luto por mim e que ainda procurava formas de me trazer de volta.

— Eu tinha sim superado o luto! — gritou. — Eu estava bem, estava feliz!

— Estava mesmo? — Jason nem sequer piscou ou alterou sua expressão fria, a mesma que ele adotava quando tinha que discutir com outros centuriões sobre algo particularmente difícil. — Vivendo pela metade, fingindo que sentia tudo o que seu coração merece sentir, se contentando com algo parecido? Isso não é justo nem com você e muito menos com o Solace.

Nico se encolheu como se tivesse levado um tapa, estava tão ofendido por Jason fingir saber seus sentimentos que se recusou a registrar o quão certo ele estava.

— Então você achou melhor me matar de novo e de novo? Seu doente–

— Eu sou a sua alma gêmea, Nico — ele o cortou, a voz tão fria que era incrível que Nico não tivesse congelado onde estava — Eu sentia tudo que você sentiu, antes, durante e depois. Eu vi tudo.

Se calou, mortificado e furioso. As lágrimas ainda não pararam de cair e pelo visto não iriam parar até Nico derreter de vez. Se por tudo Jason queria dizer… Deuses.

E se a alma de Jason nunca esteve presa no corpo o qual ele adormeceu abraçado, isso significa que qualquer esperança dele sair dessa vivo deveria cair por terra agora mesmo. A alma de Jason já havia aceitado sua condição a muito tempo, e com tantas mortes seguidas, ele foi ficando cada vez mais desconectado com o próprio corpo. Ao continuar com o ciclo, Nico estava desgastando os dois.

Jason suspirou, se recompondo.

— Foi eu quem pediu para o Lorde Hades te invocar, por isso não acho que ele vai ter problema com as Parcas. Eu devia ter imaginado que você era cabeça dura demais para perceber as coisas sozinho.

Se ele não estivesse morto, Nico o mataria com as próprias mãos – como já havia feito antes inclusive.

— Ah sim, o grande e heróico Jason Grace. Pronto para sacrificar a própria paz de espírito apenas para ter certeza de que eu não vou sair do caminho que você escolheu para mim.

— O caminho que foi destinado para você!

Riu sem humor. Não podia acreditar que quando ele finalmente conseguiu ver Jason novamente, o verdadeiro Jason, os dois passaram a gritar um na cara do outro. Incrível como o amor era sempre o primeiro a queimar tudo.

O rosto de Jason ficou duro, pétreo.

— Muito bem, Nico. Eu não queria — sua expressão vacilou por um segundo, mas ele se recuperou rápido —, eu não queria chegar a isso. Perder as memórias de vocês, esquecer você, é a última coisa que eu queria. Mas eu não posso ser o motivo de você ser incapaz de continuar vivendo. Conexão espiritual ou não, eu me recuso a deixar minha alma gêmea sofrendo unicamente por estar ligado a mim.

Não estava gostando nada disso.

— Você não–

— Eu vou pedir para o Lorde Hades me deixar reencarnar. Isso vai quebrar a nossa ligação e te libertar do ciclo temporal.

Não! — agora estava verdadeiramente desesperado — Espera, não faça isso!

Engraçado como Nico passou todo esse tempo amaldiçoando o ciclo, apenas para cuspir na chance de poder se salvar dele.

Porque se Jason fizesse isso… Se ele o libertasse, isso significava que Nico nunca mais seria capaz de sentir a alma dele, não poderia o visitar no Elísio. Sem sonhos de aviso ou qualquer coisa do tipo, dessa vez ele se desconectaria de vez, sem dar qualquer chance de vislumbre. Isso não podia estar acontecendo.

— Não vou mais poder te ver ou te ajudar… Muito menos te salvar. A próxima vez que você morrer, você vai ficar morto, Nico. Então me faça um favor… Por mim. Viva.

— Você não precisa fazer isso! Eu vou viver, eu vou quebrar o ciclo sozinho, então não — não me deixe — não faça isso.

Para duas almas que nasceram uma para a outra, era incrível como ambos pareciam no limite, implorando para o outro.

Jason balançou a cabeça, tão infeliz que se ele pudesse chorar, estaria soluçando tanto quanto Nico.

— Eu preciso. Tenho que fazer isso por nós dois, Nico, não podemos continuar assim. A gente tem que superar.

— Não quero superar! — não se importava se estava parecendo uma criança birrenta.

Ele balançou a cabeça de novo.

— Assim que você acordar, eu vou estar morto e dessa vez, vai ser pra valer. Se você morrer, não vai ter ciclo, não vai ter uma nova chance. Acabou. Então por favor, Nico, eu estou te implorando, faça aquilo que me foi roubado: viva. As Parcas reservaram um destino lindo para você. Eu posso ter sido sua alma gêmea, Nico, mas eu nunca fui o seu destino.

— Não se a-atreva! Eu– eu te ordeno a não fazer isso!

Como Rei Fantasma, tudo o que Nico mandava, os fantasmas tinham que fazer. Era como o charme de Piper, mas que só funcionava em gente morta.

Jason lhe dirigiu um sorriso cortante, sem um rastro de humor.

— Isso não funciona comigo, alma gêmea

De todos os fantasmas, ele era o único que não podia ser influenciado pelo poder de Nico, justamente por estar ligado a ele. Apenas mais uma das ironias do destino.

— J-Jason… — ele caiu de joelhos e cobriu os olhos com as mãos, soluçando copiosamente — Não me d-deixe, por favor.

Uma expressão de dor brilhou no fantasma, como se ele não pudesse suportar a visão de Nico perdendo toda a compostura. Um segundo depois ele se ajoelhou na frente do garoto que chorava e o abraçou. Com qualquer outro mortal, Jason teria apenas atravessado a pessoa, mas Nico por ser filho de Hades conseguia ser tangível para os espíritos.

Jason o segurava com força, como se estivesse com medo de Nico escapar entre seus dedos. Ocorreu-lhe que essa deveria ser a primeira vez em éons que Jason tocava em alguém desde que havia morrido e por algum motivo isso o fez chorar ainda mais. Abraçou o fantasma como alguém se afogando agarra um bote salva-vidas.

— Não… Não…

Jason o segurou pelos dois lados do rosto, levantando-o para que seus olhos se encontrassem, castanho escuro contra azul gelado. Ele plantou um beijo em um lado do rosto de Nico, depois no outro, e depois não parou mais. A cada beijo murmurando um lacrimejoso sinto muito, me perdoa, que é claro, fazia Nico soluçar ainda mais.

— Eu amo você, me perdoa, eu sinto muito, eu te amo tanto.

Não vá… Não

E então, como se Jason tivesse tido o suficiente de tudo, ele o apertou uma última vez e sumiu. Um momento Nico estava o apertando com toda a sua força e na outra ele estava caindo no chão.

— NÃO! JASON VOLTE AQUI! JASON! NÃO!

Podia sentir sombras saindo de seu corpo enquanto socava o chão sem parar, como se isso fosse o trazer de volta e o impedir de fazer a única coisa que Nico não queria que ele fizesse. Tudo foi ficando escuro, seu poder saindo descontrolado enquanto ele gritava, o punho arranhado e sangrando cada vez mais a cada soco. Até que Nico não pode ver mais nada, as sombras enfim o cobrindo completamente.

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Nico di Angelo abriu os olhos e viu o familiar teto do chalé 13.

Não precisou virar para o lado para ver o corpo frio e inerte de Jason. Ao invés, tocou suas orelhas de leve. Podia sentir as lágrimas que escorreram enquanto ele dormia ali, molhando todo o seu rosto e provavelmente o travesseiro. Letárgico, como se estivesse distante do próprio corpo, se levantou da cama e foi atrás do conselheiro chefe do chalé de Apolo, Will Solace. Precisava pelo menos fingir que não fazia ideia do que tinha acontecido.

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Os dias passavam e a vida seguia, como Jason avisou que seria. Teve esperanças de que o filho de Júpiter estava apenas blefando, mas uma rápida visita no Mundo Inferior confirmou seus medos: ele realmente havia reencarnado e quebrado a ligação deles. Se Nico morresse, seria pra valer.

Estranho como pensar nisso não o incomodava. Ele era um filho de Hades, afinal. A morte é sua zona de conforto.

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As pessoas dizem que o tempo cura todas as feridas, então porque isso se recusava a cicatrizar junto das marcas em seus pulsos?

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Às vezes observava o céu azul e se perguntava onde estariam as novas vidas de Jason e Bianca. Interessante como as pessoas que diziam o amar mais eram as primeiras a deixá-lo.

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No dia que deveria ser o aniversário de Jason, Nico assistiu Superman I e II. Ele fingiu que estava assistindo com ele, fazendo vários comentários sarcásticos sobre o enredo e os personagens, mas admitiu que Clark Kent realmente era charmoso. Sabia que não havia ninguém ao seu lado, é claro. Porque a alma de Jason realmente se fora para sempre.

Quando os créditos subiram, cobriu o rosto com as mãos e chorou.

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Passou a sair com o Will, bem aos poucos. Não se lembrava de muita coisa de sua antiga vida, de antes dos ciclos, mas se lembrava de que Will era uma boa companhia. Permanentemente estressado mas também muito dedicado e engraçado. Ele fazia Nico sorrir.

Então por que tudo continuava doendo tanto?

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Se ele se concentrasse, podia fingir que o tom de loiro de Will era o certo, assim com o tom azul de seus olhos. Quase sugeriu que ele passasse a usar óculos, mas se segurou.

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Depois de meses, Nico ainda não estava nem perto de estar bem emocionalmente, mas não terminou nada com Will. Ele merecia mais do que tolerar o eternamente deprimido filho de Hades, concluiu. Merecia mais do que se desdobrar para tentar ser alguém que não era, apenas para agradá-lo. Uma pena que Nico era egoísta demais para se livrar dele.

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Foi no aniversário de morte dele que Nico teve a ideia. Visitou Hazel e abraçou-a bem forte, mas não por tempo demais para ela desconfiar. Apertou a mão de Leo, quando enfim o achou de novo, plantou uma flor com Reyna, ameaçou Frank para cuidar bem de sua irmãzinha e visitou Percy e Annabeth na faculdade em Nova Roma. A única pessoa que ele não visitou foi Piper, não porque tinha algo contra a garota, mas sim porque não suportaria reconhecer seu próprio luto nos olhos de alguém.

Depois de tantas vezes brutais, Nico decidiu ser mais calmo e pragmático. Surrupiou algumas pílulas para dormir na sua última visita para o mundo mortal e tirou a tampa da bula, observando as cápsulas lá dentro.

Sabia que deveria ter no mínimo ter terminado com Will antes, era o decente a se fazer, mas sabia também que no minuto que Nico falasse algo sobre término, Will iria surtar e desconfiar de seus motivos, vigiando-o igual uma águia para que ele não fizesse nenhuma bobagem como a qual ele está prestes a fazer, que nem nas outras vezes que Nico tentou terminar tudo entre eles. Não. Assim era mais fácil.

Não sabia quantas eram necessárias para fazer efeito, então tomou todas e deitou-se para dormir. Se tivesse sorte, pela última vez.

É claro que o filho de Hades aparecendo no Mundo Inferior como um fantasma porque havia matado a si mesmo foi motivo de alvoroço por todo o submundo. Caronte não podia acreditar quando o viu ali, honestamente horrorizado. Repetiu diversas vezes que ele só estava fazendo o seu trabalho ao mesmo tempo que brigava com Nico por ter sido tão estúpido.

— Talvez o seu pai possa fazer alguma coisa.

Hades também não ficou nada feliz com a situação. Assim que chegou a vez de Nico ser julgado, Hades gritou, quebrou coisas, andou pelo salão de julgamento como um leão enjaulado e sacudiu o filho com tanta força que se ele estivesse vivo, sua cabeça teria saído fora.

Nico não disse nada para se defender, não deu explicações, não fez pedidos. Nada. Apenas encarou o pai enquanto esperava o veredito sobre o seu destino quebrado. Sabia que se falasse demais, se confessasse o que realmente estava pensando, Hades enlouqueceria.

Era impossível reconhecer uma alma quando ela reencarnasse como mortal, e o mundo era simplesmente grande demais para sair procurando. Sem falar que reencarnações poderiam demorar até 70 anos ou mais para ocorrer de verdade, e Nico sabia que não podia arriscar perdê-lo mais uma vez.

Concluiu, então, que o melhor seria simplesmente esperar por ele no Mundo Inferior, congelado no tempo, sem envelhecer e sem novas vidas.

Talvez tenha sido por isso que Hades decretou que Nico passaria a eternidade auxiliando no reino, trabalhando para o Senhor dos Mortos. Preso no palácio, ele não poderá pisar nos campos dos mortos. Mesmo quando a nova alma de Jason encontrar o seu fim, eles vão dividir o Mundo Inferior sem jamais poderem se encontrar de novo.

Nico tentou argumentar, pediu por clemência, gritou e jogou coisas, mas Hades foi irredutível.

Era possível que essa era a forma de Hades tentar ajudar, mas ele não via que isso estava apenas piorando as coisas. Ao tirar a única chance de Nico rever Jason de novo, o pai acabou de vez com qualquer esperança ou rastro de felicidade que havia nele.

O filho fantasma do rei dos mortos, condenado à solidão por ter jogado a própria vida fora. Ele foi contra a única coisa que sua alma gêmea havia pedido antes de se sacrificar por ele, então talvez esse seja o castigo apropriado. Não pode evitar de se sentir amargo com a situação inteira. Por que o mundo insistia em separar os dois? Qual o sentido de ter os unido para começo de conversa, se vão ser tão insistentes assim para mantê-los separados até mesmo no pós-vida? 

Ele nunca terá qualquer chance de ver Jason de novo. Só podia torcer que a nova vida dele era melhor do que a que Nico tinha agora.

Que par de almas gêmeas eles eram.


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