Natal na Terra de Áries escrita por Haru


Capítulo 1
Capítulo 1




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/804974/chapter/1

— Natal na Terra de Áries

Sora Raikyuu jogou sobre o assoalho de madeira que montou na noite anterior os dois sacos enormes de cimento que veio carregando sozinho da loja. Depois olhou a fachada da pequena casa verde que estava reconstruindo com as próprias mãos, sem ajudas. Metade dela havia sido destruída um mês atrás. Respirou fundo. Não estava cansado, aquilo dali era moleza para ele que tinha, numa só mão, a força de mais de mil homens. Se irritava pensando na insolência dos invasores que causaram a destruição. De volta ao trabalho, deu a ordem a si mesmo, em seguida se inclinou para abrir o mais pesado dos sacos de cimento que trouxe no ombro. 

A residência sendo reconstruída não era dele, pertencia a sua amiga Yue. Ele não receberia um centavo por aquilo, a dona dela sequer sabia disso, decidiu-se por fazer sozinho justamente para manter segredo. Rapidamente viu que não conseguiria fazer tudo totalmente sozinho, então pediu a ajuda de alguém a quem jurou pagar e cuja integridade física, ao longo das semanas, ameaçou centenas de vezes caso aquilo chegasse aos ouvidos da menina. Com seu dom de persuasão conseguiu convencê-la a ficar longe da rua até tudo estar feito. Até o presente instante a garota parecia não desconfiar de nada. 

Foi até o carrinho dos tijolos e pegou dois. Com os olhos castanhos claros, examinou-os para ver se tinham a qualidade que a loja alardeou. Do outro lado da rua, Showa, seu ajudante, molhava o rosto com uma garrafa d'água. O anual calor natalino de quase cinquenta graus castigava o Reino de Órion. Mas nem isso fazia Sora dar uma pausa no trabalho. Ele saiu de casa sem camisa, vestiu uma bermuda leve, pôs um par de chinelos nos pés e foi continuar o que começou. Mesmo que vestido não muito diferente dele, seu parceiro de obra não estava lá muito contente. Nem passou pela sua cabeça que aquele lunático não pararia nem no natal. 

Showa olhou para o céu, mas o sol quase torrou suas retinas e ele desviou os olhos para baixo imediatamente. Não aguentava mais. 

— Sora, por que não continuamos com isso a noite? Vai ser mais difícil pra Yue descobrir! — Argumentou, sabendo, porém, que seu ouvinte não daria atenção. 

— Showa, eu vou repetir... — Avisou, empilhou o último tijolo da fileira sobre o cimento molhado e continuou: — Essa rua aqui tá cheia de fofoqueiros. Se descobrirem que eu tô fazendo isso em segredo, vão contar pra Yue, se contarem pra Yue, eu vou te transformar em cimento em pó e te usar pra terminar a fachada da casa! 

Ninguém pensava que fosse possível, mas o calor começou a ficar ainda mais intenso. O jovem acompanhante do Raikyuu se ajoelhou em rendição e caiu de bunda no chão quando sentiu nos joelhos a quentura do asfalto. 

— Me dá um tempo, tatuado! — Brigou, fazendo referência aos vários desenhos que marcavam o peitoral nu de Sora. — Eu sou só um humano, você é um ser de essência! Por isso esse calor não tá te afetando tanto...

Sora jogou a espátula de aço no piso, com raiva. Não aguentava mais ouvir as reclamações daquele imbecil. 

— Tudo bem, não precisa fazer esforço! — Permitiu, com as mãos entre as mechas loiras dos cabelos espetados predominantemente negros e lisos com os quais nasceu. Catou a espátula, atirou no muro o cimento preso nela e disse: — Mas eu tô te pagando! Vai até a mercearia, traz água e depois procura uma sombra pra ficar até eu precisar de você de novo...

Poucos minutos depois do reclamão ir embora, o pequeno comunicador esférico no bolso de trás da bermuda de Sora tocou. Provavelmente era Haru lhe avisando que Yue estava a caminho. Haru, a propósito, era mais um aliado seu, o ruivinho foi indispensável em seu plano porque tinha o poder de criar e ocultar as imagens que quisesse. Sabia que não seria fácil mantê-la longe dali. Antes de ser de Yue, aquele pequeno terreno foi de propriedade da falecida mãe dela. Tinha um valor emocional imensurável. Precisava pensar logo em como despistá-la, Yue não tirava fácil uma desconfiança da cabeça.

 Em casa, Kin Iminari descia as escadas para a sala de estar enxugando a longa cabeleira loira cacheada com uma toalha azul clara. Seu rosto não escondia a irritação que aquele calor todo estava fazendo ela sentir. No último degrau, voltou os olhos castanhos escuros para a janela ao lado da porta de entrada da sala e mirou o horizonte, se imaginou numa bela praia. Nunca foi muito fã delas, mas hoje, mais do que nunca, quis ir. Seu humor melhorou quando lembrou que Arashi estava vindo e que por causa dele não precisava de praia para curtir em meio ao calor.

Acabou de vestir a camiseta branca sem mangas, jogou a toalha sobre o braço do sofá vermelho e apoiou-se de ombro nele. 

— Não são nem quatro horas da tarde e esse é o oitavo banho que eu tomo só hoje! — Resmungou, já de braços cruzados. 

Quem estava deitada no sofá, na frente de um potente ventilador, era Naomi, sua melhor amiga. A garota sentia o sopro forte do aparelho na face alva e nos compridos cabelos lisos e extremamente escuros que herdou da mãe. Seus olhos cor de mel acompanhavam os movimentos do objeto, posto na estante amarela de madeira, onde costumava ficar a tv. Se dissesse que ouviu com atenção o que a loira falou, estaria mentindo. Sua mente se preocupava com descobrir porque ouviu Kin e não foi para a praia. 

Sentou-se e desamarrotou sua curta blusa preta. 

 — Me fala novamente porque ainda estamos aqui. — Pediu, com seu charmoso e carregado sotaque francês.

— Eu já falei umas cinco vezes! — Alegou. Pensou um pouco e tentou se corrigir: — Foi cinco? Olha o que esse calor tá fazendo comigo... Mas voltando à sua pergunta, é porque o meu namorado vai fazer a temperatura da rua cair e aí não precisaremos ir pra tão longe!

Naomi deu uma risada.

— Resumindo, é porque você não quer andar. — A acusou de ser preguiçosa. Não era a primeira vez e nem a primeira pessoa a chamar Kin disso. 

 — E nem você! — Kin, pela primeira vez no entanto, não se defendeu. — Olha como tá esparramada no meu sofá!

As paredes vermelhas carmesim daquela residência abrigaram eventos e personalidades históricas da Terra de Áries. Antes de Kin e seu irmão menor, ninguém menos que Yume, a falecida guardiã do mundo, morou ali. Azin, o finado primeiro ministro do Reino de Bellatrix, também. Os dois foram pais dela. A contragosto da dona da casa, aquele teto também já esteve sobre a cabeça de Santsuki Raikyuu, o maior, mais famoso e mais temido assassino da história da Via Láctea. Conta-se que a guardiã e o ministro precisaram da ajuda do criminoso para salvar a Terra, certa vez. Os três discutiram bem ali o destino do planeta e os motivos do casal para não acabar com a vida de Santsuki. 

O irmão mais novo de Kin, Haru, passou pela porta acompanhado de Yue. Ruivo, tinha olhos mais claros que os da irmã e dez anos a menos de idade. Seu jeito habitual de se vestir já era apto para o calor. Com Yue, porém, era diferente. A garota gostava de usar vestidos, sapatilhas, naquela manhã teve que se contentar com uma saia branca, uma camisa verde clara sem mangas e com um par de chinelos de dedo. 

— Trouxe roupas de inverno, Yue? — Kin perguntou, embora já soubesse a resposta. A menina a olhou como se ela fosse doida.

— Roupas de inverno? Tá delirando de calor?

A loira logo entendeu tudo.

— Não contou pra ela o que o Arashi vai fazer? — Cobrou de Haru.

O pequeno nada entendeu.

— Não, você não me disse. — Se justificou. — Pensei que fôssemos pra praia. 

Ela forçou um pouco a memória para saber se ele tinha razão quando a acusou de não ter dito nada. 

— Ah é, eu devo ter esquecido! — Riu desajeitada e reconheceu. — Vamos ficar aqui na rua mesmo, o Arashi vai fazer a temperatura cair pra abaixo de zero! Vai ser maravilhoso! Nós três temos quase o mesmo tamanho, vocês podem usar minhas roupas... Haru, você já tá em casa, se troca.

— Tá certo. — A obedeceu. Na metade da escadaria para o segundo andar, lembrou Yue: — Chama o Sora. 

Kin revirou os olhos em reprovação. 

— O Sora? Sério? — Murmurou. Nunca foi muito com a cara do Raikyuu, nem gostava de saber que seu irmão andava com ele, o que a tranquilizava era perceber que Yue estava sempre por perto dos dois. 

— Relaxa, ele não tá mais irritante que nem antes. — Yue o defendeu. Verdade seja dita, ela também não gostou dele quando o viu, achou-o um delinquente, um inimigo em potencial. No início só ficava perto dele por causa de Haru, mas de uns meses para cá o conheceu melhor, viu bondade nele e se tornaram amigos. 

 A mais velha do grupo era Kin, com vinte e três anos. Arashi tinha vinte e um, Naomi, Sora e Yue apenas dezessete e Haru só treze. Os seis lutaram incontáveis batalhas juntos e salvaram a Terra uma dezena de vezes. Se conheciam e se davam bem como nenhum outro grupo no planeta. Detestavam admitir, mas gostavam do que faziam. Exerciam outras funções quando não estavam lutando pelo bem do reino ou do mundo, mas nenhuma delas os divertia e emocionava tanto quanto a de retalhador. 

A temperatura do perímetro onde ficava a casa de Kin começou a despencar sem que ela mesma notasse de cara. Quando finalmente se deu conta disso e do que significava, a loira sorriu e, sem avisar a ninguém mais, foi ao segundo andar trocar de roupas. Quando desceu, usava um caro e confortável suéter branco de algodão com mangas longas, uma saia de linho rosa clara e tinha meias nos pés. Não evitou rir de Naomi quando a viu tremer de frio e correr para pegar emprestadas roupas de seu armário. Não podiam dizer que ela não avisou.

Abriu a porta e lá estava ele, no meio da rua, lindo de morrer. O asfalto no qual pisava foi cristalizado, virou quase que uma pista de gelo, e realçava o azul claro dos olhos dele. O retalhador mantinha a mão esquerda no bolso da jaqueta jeans azul marinho, a direita oferecia para ela que lentamente, com medo de escorregar e cair, foi até ele. Uma neve muito fina choveu sobre seus lisos mas rebeldes cabelos negros como ébano, em sua pele cor caramelo, dando-lhe um aspecto diferente do que era seu por costume. 

Assim que Kin pegou sua mão, a girou e fez brotar patins de gelo em seus pés. Segurou-a até ela se equilibrar. 

— Demorei?

— Não, imagina, só deu tempo de eu tomar uns oito banhos só hoje... — Replicou, segurando-se nos ombros dele.

— Mais do que no ano inteiro. Demorei mais do que eu pensava. — Disparou, entre risadas.

— "Mais do que no ano inteiro"! — Exclamou em resposta, engrossando a voz para soar como ele. — Tá me chamando de porca, é?! 

Em vez de responder, a beijou. Ficaram meses demais separados. Naomi, Yue e Haru logo juntaram-se aos dois, ganhando patins iguais aos deles nos pés. Kin e Arashi se divertiram quando viram as crianças da vizinhança brincando também. A loirinha chamou uma delas, a menininha mais parecida com ela nessa idade, e tentou ensiná-la a ficar de pé no solo congelado. Arashi guardou as mãos nos bolsos da calça verde musgo e observou. Poucas situações eram capazes de pôr um sorriso tão grande quanto o que ele estava vendo agora no rosto de Kin. Ele foi incapaz de conter um sorriso igual, mesmo sendo conhecido por um prodigioso controle emocional.

 Sora chegou um pouco após, todo agasalhado. Usou seus poderes para fazer tocar uma suave música por todo o quarteirão. Para não levantar suspeitas acerca do que estava fazendo, cumprimentou Yue como sempre e foi para perto de Naomi. Nem com Haru podia ficar, Yue tinha a mente de uma detetive e o ruivo era um péssimo mentiroso. 

— Como tá a casa da Yue? — Naomi perguntou na lata.

Sora meneou com a cabeça. Os dois, como os demais, dançavam.

— O Haru abriu o bico, né? — Falou. Nem precisava que ela admitisse.

— É, mas não é culpa dele, coitado. Foi mais por causa do meu charme. Tô um pouquinho decepcionada com uma coisa. — Confessou. Planejava pescar algo da reação dele ao que estava para dizer. — Você dá tanto em cima de mim que eu cheguei a pensar que era de mim que você gostava. — O silêncio dele a fez aperceber-se de algo que ela não tinha notado antes e sentir-se a pessoa mais lerda do mundo. Para disfarçar essa frustração consigo mesma, falou: — Meu Deus! Você gosta dela mesmo! Que fofo!

O Raikyuu não negou. Quando ia repreendê-la por dizer aquilo tão alto, olhou tanto em volta que, sem querer, fixou a atenção no rosto ameno de Yue, tomado de uma feição ingênua, quase infantil. Divertia-se com a visão das crianças brincando. Cabelos curtos, lisos, azuis claros, olhos da rara cor violeta. Sora jurava para si mesmo nunca ter visto tanta beleza em uma garota antes e nem depois de conhecê-la. Não gostava dela: estava perdidamente apaixonado.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Natal na Terra de Áries" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.