Everything I could never tell you escrita por Maga Clari


Capítulo 1
Capítulo 1 - Escape Route


Notas iniciais do capítulo

Música do capítulo:
https://www.youtube.com/watch?v=A7ZY2QtLOoM



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Woodstock. Anos 70.

A luz do entardecer passa pelas folhas e galhos diretamente para o rosto de Marlene. Admirá-la do alto é como admirar um passarinho em seu ninho, enrolado em cobertores de lã cor-de-rosa e bege, enquanto gotas de orvalho caem aos pingos por suas bochechas coradas. Se pudesse, emolduraria esse mesmo retrato em todas as galerias do mundo. O retrato de Marlene Mckinnon deitada sob a relva florida nas imediações de White Lake, New York, Estados Unidos. Uma viagem planejada por séculos e séculos desde que se entendiam por gente.

Foi em algum dia de domingo ensolarado, talvez em março, ou mesmo lá pra junho, nas férias de verão. Sirius havia fugido para o centro de Londres e como já de costume passeou pelas magazines, uma a uma, admirando vitrines. A porta, entreaberta, revelou-lhe acordes de rock and roll. Lá dentro, pilhas de discos de vinil, pôsteres e uma galera mais velha. Roupas esquisitas, palavreado estranho, como um idioma diferente de qualquer outro que já tenha visto. Os que tinham camisa igual (provavelmente funcionários da loja), auxiliavam um grupo de meninas mais ou menos da sua idade. Sabia que tinham a sua idade porque apesar das unhas pintadas e do busto mais ou menos protuberante, não eram exatamente altas. Uma delas falava sobre ter “fugido de casa” e outra questionava sobre a reação de seus pais. Sirius não quis se meter na conversa, mas foi inevitável, visto que a tal garota em questão puxou-o para o meio, querendo talvez uma estratégia de convencimento.

“Diga pra ela”, a garota o puxou pelo braço, “Diga pra ela que fugir de casa antes dos dezenove não faz o menor sentido.”

“Me desculpe”, Sirius pigarreou, sem entender direito o assunto o qual foi envolvido, “O que tem em fugir antes ou depois dos dezenove?”

“Dã-ã. A maior idade, bocó. Ah, esquece”

“A maior idade não é dezessete?”

“Dezessete? Queria eu que fosse”, então a menina estudou-o por inteiro, “Você não é daqui, é?”

Sirius engoliu em seco. Já ouvira falar de não-mágicos e o quanto eram assustadores. Só não imaginava que sua caminhada tivesse chegado tão longe, tão perto deles. Por isso, achou melhor sair imediatamente da loja. Já estava para ter um ataque de pânico quando a segunda menina, a que falava que queria fugir, veio atrás dele e mostrou um panfleto.

“É para aqui que eu quero ir. Quando eu tiver dezessete, é claro.” E então ela sorriu e ele olhou de novo e olhou pro panfleto e para ela outra vez. Marlene McKinnon. Não. Não era assim que se lembrava dela. Puxa, ela estava tão crescida! “Alô-ô! O gato comeu a sua língua? Ou você realmente vai fazer o desentendido até do lado de fora? Eu até sei que você não pode ser visto interagindo com muggles, mas aqui fora só tem nós dois, Sirius, deixa de ser um bebezão!

Marlene o reconhecera mesmo. Por impulso, Sirius pôs os dedos no próprio cabelo, puxando a franja para trás, olhando para os arredores, buscando qualquer possibilidade que pudesse colocá-lo em furada. Marlene voltou a sorrir.

“Gostei da sua roupa”, ele disse simplesmente, apontando para a menina, que vestia tecido indiano e uma bolsa jeans.

**

Depois daquele dia, Marlene e Sirius passaram todos os verões juntos, planejando a tão sonhada fuga. Ambos partilhavam famílias conservadoras e enfadonhas, cheia de regras e aristocracia. Patéticos, eles diriam. Do tipo que falam de forma rebuscada, do tipo que sabem como se portar à mesa e como conversar com pessoas importantes. Do tipo que maltratam subalternos e, principalmente, não-mágicos.

“Eu não entendo”, Sirius disse no ano seguinte, em algum dia de folga, durante um passeio em Hogsmeade, “Os não-mágicos são incríveis. Fascinantes seria a melhor palavra. Por que esse mundo aversivo a eles?”

“Acho que o pessoal tem medo de nossa cultura se perder”, Marlene respondeu, deitando ao seu lado no jardim.

“Talvez seja questão de genes recessivos”, foi a vez de Remus, o amigo inteligente dos dois, “o gene mágico poderia se perder se começássemos a casar com eles”.

“Mas que besteira!”, Marlene revirou os olhos, tirando uma revista da bolsa, apontando para a figura de um astro do cinema, James Dean. “Eu super casaria com ele. Você não?”

Remus corou. Ele nunca soube disfarçar, mas seus amigos tentavam tranquilizá-lo sempre que podiam. 

“Eu não casaria”, Sirius adiantou-se, analisando bem a foto, que infelizmente não se mexia, “Mas pegaria com certeza. Como julgar uma garota dessa maneira? Se eu fosse uma garota bruxa e tivesse a chance, já estaria grávido no primeiro dia.

Os amigos gargalharam. Sirius sorriu e se levantou de repente, acendendo um cigarro. Parecia pronto para mais uma de suas performances excêntricas:

“Bom, o que importa agora é que todos nós já estaremos com dezesseis até agosto. Ah, como eu amo os Estados Unidos!”

“Menos, Pads”, foi a vez de James, que havia acabado de chegar ao lado de Lily, “Eles ainda são opressores e contra pobres”.

“E gays”, pontuou Marlene.

“Não vejo nada diferente disso onde estamos. O Reino Unido é igualzinho. Aliás, fomos nós que os colonizamos”, Sirius revirou os olhos, checando o relógio, “De qualquer maneira, ouvi dizer que muitos jovens de lá andam tentando combater tudo isso. Faça amor, não faça guerra. Esse tipo de coisa. Mas agora eu e o Moony precisamos ir. Temos Estudo dos Trouxas agora. 

“Não temos não”, Moony retrucou, a sobrancelha levantada, confuso.

“Temos sim”, o olhar de Sirius era quase corrosivo, “Esqueceu que mudaram a grade de alguns de nós?”

Remus era inteligente o bastante para entender que era hora de dar por encerrado aquela conversa. Por isso, acompanhou o amigo até o castelo, adentrando os corredores até a Torre da Grifinória.

“Paddie, nós não temos aula nenhuma. O que aconteceu?”

“Não sei se quero o casalzinho atrapalhando nossa viagem.”

“Estou sentindo cheiro de ciúmes?”

“Vai a merda!”

Remus riu.

Perto do retrato da Mulher Gorda, Sirius tomou outro caminho.

“Posso saber por que estamos andando em círculos?”

“Não estamos andando em círculos, só precisei desviar do Filch. Vai ver foi esse o cheiro que sentiu. Madame Norrrrra, a gata.”

“Pads…”

“Olha, estou de saco cheio. Desde que Lily começou a dar bola para James ele vem se tornando simplesmente insuportável. Não quero eles em nossa viagem e ponto final!”

“Tem certeza?”

“Absoluta”.

E então, pararam na varanda do corujal. Encostado no muro, Sirius soprou o resto do seu cigarro e observou o utensílio cair e ser levado pelo vento até a grama. Algumas corujas alvoroçadas partiram com seus recados mundo afora. E foi quando Remus voltou a falar.

“Eu te entendo. Às vezes tudo que nós queremos é sair um pouco dessa realidade de bosta, não é. Mas será que Prongs não está apenas tentando preveni-lo de uma possível decepção?

“A única coisa que ele está tentando prevenir é o amor de Lily por ele. Lily sempre odiou os Estados Unidos. Mas quer saber? Eu estou pouco me f*dendo para o que Lily pensa. Eu e Marlene planejamos essa viagem desde séculos e não vamos perdê-la por uma bobagem dessas. Existem pessoas como nós lá, Moony. Muggles lutando contra milhões de outros preconceitos, enquanto aqui continuamos nessa palhaçada ridícula de sangue mágico e não mágico. Eles lutam a favor da liberdade de expressão, de costumes, de moda, de cultura, liberdade de agir e ser quem você é! Quem você quiser ser, Moony! Liberdade e respeito a todos os povos, etnias, sexualidade e política. Tudo isso cantando rock and roll, caramba! Mas que merda!”

Remus quase deixou escapar uma nova gargalhada ao ver o amigo se exaltar e gritar mais alto do que deveria. E era fácil rir com qualquer coisa que viesse de Sirius. Entendia Marlene e todas as outras garotas que já lhe confessaram ou pediram que intermediasse um encontro de amor com o garoto. Por Merlin, ele era tão único e cheio de personalidade! Adorável, seria a melhor palavra.

“Será que eu e Peter estaríamos atrapalhando sua viagem dos sonhos com Marlene? Posso falar com ele e iríamos em transporte e barracas separados.”

“Você bebeu, Moony?! Nem me faça uma proposta dessas. Meu problema é exclusivamente com aqueles dois lá. Vamos todos juntos, okay? Emmeline, Dorcas, Ted e Andrômeda também vão. Se for pra ficar de vela, você terá companhia.

O sorriso brincalhão de Sirius poderia ser considerado a oitava maravilha do mundo. Uma droga ilícita, a qual qualquer um poderia entorpecer-se até a morte. Como se puxasse as vítimas para o fundo de seus olhos, como o canto de uma sereia encantada. 

Remus definitivamente precisava manter-se o mais longe daquilo.

“Tudo bem. Mas vou levar uma barraca extra, caso precise”.

“Cara, eu te prometo. Um dia você será o padrinho dos meus filhos”.

Ouch. Padrinho.

“Digo o mesmo”, mas Remus não tinha tanta certeza. Por isso, inventou qualquer desculpa para sair dali antes que se intoxicasse ainda mais. “Preciso ir ao banheiro. Depois nos falamos”.

“Tranquilo”, Sirius respondeu, ainda encostado na amurada. Mas quando Remus já estava quase perto da saída, lembrou-se de algo: “Ei, Moony”.

“O quê”

“Tem um presente debaixo da sua cama. Feliz dezesseis”.

E então, Remus sumiu mergulhado na revoada de corujas que se assustaram com o diálogo aos berros entre os dois, voando sem destino para dentro e fora da varanda.


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