A fada que o escreva escrita por Creeper


Capítulo 11
A cidade dos exorcistas


Notas iniciais do capítulo

Oie! Tenham uma boa leitura ♥



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/804314/chapter/11

Nossa conversa teria se estendido caso a porta do quarto não tivesse sido aberta bruscamente, o que me fez levantar de imediato. A mulher de cabelos rosas cruzou o quarto de modo imponente, estalando seus saltos a cada passo e não se importando com a sujeira em seu rosto e roupas. A dona da pousada a seguiu afobada pedindo por silêncio e o rapaz sério veio logo atrás dando batidinhas em seu sobretudo para retirar a poeira.

— Aurora! – Lissa esboçou um sorriso de orelha a orelha e seus olhos brilharam feito estrelas.

Aurora respirou fundo, torceu o nariz e puxou a gola de Lissa, levando-a de encontro aos seus lábios e dando-lhe um beijo intenso. A idosa cambaleou para trás e eu tive de usar as mãos para manter meu queixo no lugar.

— Nunca mais desapareça desse jeito! – Aurora berrou ao quebrar o beijo.

— Vocês conseguiram fugir. – a exploradora falou bobamente.

— É claro que conseguimos. – Dante segurava Sybelle de maneira cuidadosa. – Apesar de não esperarmos que colocassem fogo na saída da frente. – olhou-me de soslaio tendo a plena certeza de que a ideia foi minha.

Dei um sorriso amarelo, encolhi os ombros e desviei o olhar, ele certamente conseguia me ler.

— Que bom que vocês estão bem. – massageei a nuca.

— E-Eu voltarei para o meu quarto. – a idosa assentiu devagar. – Por favor, não façam mais barulho. – e retirou-se endurecidamente.

— Conseguiu trazer Lissa em segurança, Whitlock. – Aurora afirmou séria. – Obrigada. Mas ainda acho que há algo de errado. – tocou com as pontas dos dedos a faixa na barriga de Lissa.

A exploradora soltou um curto gemido de dor e segurou a mão da exorcista.

— Está tudo bem. – Lissa fitou Aurora. – Agora vamos falar sobre as seis cidades circuladas no mapa?

Dante se colocou ao meu lado e estendeu-me a esfera de Sybelle. A fadinha apoiou as mãos no vidro e fez uma careta ao ver-me, revirei os olhos em resposta e fiz um sinal para que o exorcista continuasse a segurando.

— A guilda já foi avisada por Jade e Elle. – Aurora puxou sua insígnia. – Vamos partir amanhã para encontrá-los em Saintenia.

Senti um estalo na cabeça ao ouvir aquele nome que percorria tanto os corredores da guilda.

— Saintenia? – olhei para Dante. – Essa não é a...

— A cidade dos exorcistas. – ele confirmou cruzando os braços. – Lá estaremos protegidos dos demônios. E das pessoas que estão querendo nos matar.

— Que no total são? – torci a boca.

— Três? – Dante arqueou uma sobrancelha.

— Cinco. – Aurora contou. – Fizemos inimigos em Gengibra também.

Nós quatro soltamos alguns suspiros de desânimo e deixamos nossos ombros caírem cansados. Teríamos ido dormir no quarto do andar de cima onde Aurora e Lissa estavam realmente hospedadas, todavia, resolvemos ficar todos juntos no andar debaixo. Eu, Dante e Aurora nos deitamos no chão com o combinado de revezarmos a vigia, primeiro a exorcista a faria sozinha e em seguida nós rapazes a faríamos em dupla.

Quero dizer, era para ser em dupla, mas deixou de ser quando dormi e acordei assustado percebendo que minha cabeça pendia em alguma coisa. A levantei lentamente e olhei ao redor, captando Dante de braços cruzados e com o semblante focado no chão.

— Céus, d-desculpe! – balancei as mãos. – Por dormir e... Por usar seu ombro de travesseiro. – tossi levemente e ri constrangido.

Ele negou com a cabeça em silêncio.

— Precisa estar disposto para chegarmos a Saintenia. Fica próxima de Hibisc, então será uma longa viagem. – inclinou a cabeça para o lado, expondo o ombro em que eu estava deitado.

Tremi os lábios, envergonhado, porém, aceitei seu convite e voltei a deitar a cabeça em seu ombro e fechar os olhos serenamente. Foi minha melhor noite de sono desde que deixei Hibisc.

 

***

 

Aurora surpreendentemente tinha muito dinheiro. Dante cochichou para mim que era porque ela vinha de uma família rica, mas ela quase o cortou com seu machado respondendo que era porque trabalhava duro.

Pegamos carona na carroça do filho da dona pousada até a próxima cidade e durante o trajeto, ele comentou conosco sobre o infeliz incêndio na loja de caixões de Redrock que aconteceu durante a noite e como o dono havia desaparecido misteriosamente.

Eu e Lissa nos entreolhamos e engolimos em seco. Não que realmente achássemos que ele ficaria no fogo para morrer, contudo, a possibilidade de ele estar vivo e nos caçando ficou mais real com aquela fala.

Em parte do percurso, Aurora dormiu e Dante ficou admirando a paisagem. O céu tinha um tom pálido de azul e as nuvens ocupavam boa parte de sua extensão, criando uma sombra sobre nós com a ajuda das árvores que ladeavam a estrada.

— Acho que você quer me perguntar alguma coisa, Whitlock. – a exploradora cutucou-me e riu. A parteira havia trocado sua faixa antes de sairmos e lhe dado alguns remédios.

— Ah, não é bem uma pergunta. – coloquei uma mecha de cabelo atrás da orelha. – Apenas não esperava que você e a Aurora...

— Eu também não esperava, mas torcia para acontecer. – Lissa observou a exorcista com um ar de carinho e admiração. – Apesar de sermos compatíveis por causa de nossos karmas de sagitário e áries, achava que ela nunca ia se interessar por mim. – coçou sua nuca.

Soltei um suspiro trêmulo misturado a um resmungo de algo que nem eu mesmo entendi e inconscientemente ergui os olhos para fitar Dante. Ele estava com a esfera de Sybelle, entretanto, não lia as palavras que ela escrevia.

— Então, você é o Suichiro que falam na guilda. Tem um rostinho de bebê. – Lissa bateu a mão em minhas costas, quase fazendo-me cuspir meu pulmão para fora. – E pensar que eu tenho quase trinta anos.

— Trinta?! – gritei surpreso.

— Vinte e seis para ser mais exata. – ela deu de ombros.

Havia uma idade mínima para entrar na guilda: 14 anos. Você podia escolher entre ser um exorcista (7 anos de estudos), mago (6 anos), explorador (5 anos) ou inventor (4 anos). Acabei pulando um ano pelo que os professores chamavam de “bom desempenho”, mas tenho quase certeza de que se arrependeram quando viram meu “bom desempenho” em magia no quarto ano.

Contei a Lissa sobre minha pesquisa de karmas de água e ela me contou sobre a sua quanto a “fungos zumbis” e que não adiantou muita coisa invadir a loja de Redrock, porque lá não tinha nenhum. Ela também revelou que na verdade não era uma gigante e sim sua mãe (que se casou com um homem comum), contudo, gostava do título e da sensação que passava.

Gigantes eram mais vistos que vampiros, porém, não os gigantes de antigamente. Décadas antes de eu nascer, eram criaturas assustadoras e hostilizadas por causa de sua altura e força, com o tempo, pararam de ser vistos como ameaças e passaram a se casar e ter filhos com humanos, o que colaborou para a diminuição da espécie, tanto em números quanto em estatura.

Nossa tarde foi resumida a conversas de todos os tipos, com direito a risadas e olhares de soslaio de Dante de quem pensava: “um idiota encontrou outra idiota”.

Chegamos à plataforma em Erandia ao pôr-do-sol, agradecemos a carona e Aurora pagou ao homem que seguiu viagem sozinho. Nos acomodamos em nossa cabine no trem e Lissa reclamou um pouco da dor de seu ferimento, mas aliviou-se quando lhe dei os remédios que a parteira indicou.

Até aquele momento estava tudo bem, não fomos seguidos e nem havia retratos nossos espalhados pelos estabelecimentos com o título de procurados. Pude enfim respirar livremente e desenhar algumas paisagens em meu caderno, tendo como som de fundo as vozes dos outros passageiros que resmungavam sobre os demônios que continuavam a aparecer nas cidades.

 

***

 

Já era dia novamente e outra carona de carroça nos levou aos enormes portões cinzentos que guardavam a cidade de Saintenia em conjunto com dois guardas fortes e mal-encarados que empunhavam lanças tão grandes quanto eles.

Mostrando suas insígnias de exorcistas, Dante e Aurora tiveram permissão para entrar, todavia, a história foi diferente comigo e Lissa.

— Onde está o documento de dupla de vocês? – o primeiro guarda questionou de mau-humor.

Cerrei os dentes e punhos ao ver Aurora retirar um papel amarelado de sua bolsa e entregá-lo ao homem que o avaliou por um instante e deixou Lissa passar.

— Nós esquecemos o nosso em Hibisc. – Dante respondeu em um tom calmo e colocou a mão em meu ombro.

— Pois que vão pegar. Não podemos deixar desconhecidos entrar em Saintenia. – o segundo guarda exclamou duramente.

— Oh, francamente. – Aurora bufou. – É óbvio que eles são uma dupla, não precisa de nenhum documento para isso. Ninguém aguentaria Vulpecula a menos que tivesse um papel dizendo para aguentá-lo!

Dante revirou os olhos, intensificou o aperto em meu ombro e encarou os guardas firmemente. Engoli em seco e tentei manter-me impassível quando os homens se entreolharam desconfiados. Provavelmente uma encenação como a do trem não iria convencê-los.

— Quantos dias pretendem ficar? – o primeiro indagou.

— Cinco. – a exorcista respondeu impaciente.

— Sem o documento de dupla, esse explorador só poderá ficar dois dias. – ele olhou-me de cima a baixo.

— Sem problemas, nós ficamos por dois dias. – Aurora cruzou os braços. – Agora podemos ir?

O segundo guarda concordou secamente e liberou a passagem. A primeira coisa que vi ao pisar nos paralelepípedos de pedra de Saintenia foi uma grande igreja de cor branca localizada no centro da cidade. Sua imensa cruz de prata brilhava no topo do telhado e espalhava feixes de luz para todas as direções.

— Uau... – eu e Lissa falamos em uníssono, boquiabertos e impressionados.

Era completamente diferente do que eu imaginava. Se o trabalho dos exorcistas era algo obscuro, a cidade deles era o total oposto. O céu estava tão azul que chegava a machucar os olhos e canteiros verdejantes com flores brancas podiam ser encontrados a cada dez passos, cujo perfume se impregnava no ar.

Exorcistas transitavam para lá e para cá, com ou sem seus acompanhantes exploradores, já que todos eram identificados por suas insígnias. Alguns ocupavam-se com papéis e pareciam imersos em outro mundo ao mesmo tempo que outros apenas jogavam conversa fora.

— Certo, temos dois dias. – Aurora avaliou. – Primeiro, Lissa precisa ir a um médico.

— O quê? Mas eu estou bem! – Lissa fez um biquinho.

— Bem, bem, bem, é claro que está bem. – a exorcista cerrou os dentes e puxou a exploradora pela mão. – Dante, encontre um lugar para ficarmos.

Lissa choramingou para que eu a salvasse, contudo, eu bem queria conhecer mais a cidade e desejava que ela se curasse logo. Me despedi com um aceno e segui Dante pelo caminho dos canteiros.

— Por que os demônios não podem se aproximar daqui? – cruzei os braços atrás das costas e saltitei feito uma criança extasiada.

— É uma terra santa. A protegemos com um círculo chamado “contra-profano”, por isso a cidade tem formato circular. – Dante colocou as mãos nos bolsos, indiferente.

Para onde eu olhava, se via beleza, desde lojas em tons de branco gelo a casas de cor creme e árvores que exibiam seus suculentos frutos. Um cheiro delicioso saía das janelas dos restaurantes juntamente a burburinhos agitados e tilintares de talheres.

— Você poderia morar aqui se quisesse, não é? – paramos ao chegar em uma construção de quatro andares pintada em um tom claro de amarelo. – Por que resolveu ficar em Hibisc?

Dante não me respondeu, havia começado a conversar com uma moça de longos cabelos pretos que nos recebeu com um sorriso adorável e pediu para que esperássemos ali enquanto buscava dois quartos vagos.

— Uau, olha só quem está aqui! – dois rapazes desceram as escadas de madeira lustrosa. – O exorcista surdo.

— Ei, pelo menos ele não vai escutar mais ninguém gritando por ajuda. – o menor cobriu os ouvidos e fingiu uma expressão de desespero.

Não acreditei no que estava ouvindo, não mesmo. Avaliei o modo como Dante virou o rosto e ignorou as palavras que Sybelle escreveu, então tomado pela indignação, virei-me para eles e berrei:

— E quem são vocês para falar alguma coisa?

— Hã? E você, quem é? – o de cabelos ruivos perguntou com desdém. – Ah, é um explorador, olha a insígnia dourada. Espera, não me diga que...

— O surdinho tem um parceiro agora! – os dois disseram em coro e abriram sorrisos malvados. – O que foi, Vulpecula, precisa de alguém para traduzir as coisas para você?

Cerrei os punhos, pronto para jogar minha maleta na cara do primeiro que eu acertasse, entretanto, fui interrompido pelo retorno da moça de cabelos pretos pronta para nos guiar até nossos aposentos. Ao passarmos pelos rapazes na escada, eles fizeram algumas caretas para provocar Dante.

Eles sabiam e não sabiam com quem estavam mexendo. Porque um deles “acidentalmente” rolou escada abaixo após levar um esbarrão “acidental” de Dante.

Um pequeno sorriso de satisfação desenhou-se nos lábios de Dante e Sybelle tratou de mostrar a língua para o idiota esparramado no chão e o outro idiota que o ajudava.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Eles definitivamente estão se apaixonando ashuashaus. Conhecemos uma nova cidade e novos personagens, quem é que eles pensam que são para tratar o Dante assim? Mas o Suichiro não é de ficar calado não, hein.

Até semana que vem, no próxima capítulo ainda estaremos na cidade dos exorcistas e Suichiro vai lidar com alguns idiotas.
Beijos.
—Creeper.