2000

Nunca seja gentil ao ponto de esquecer de ser esperto. Nunca seja esperto demais ao ponto de esquecer de ser gentil.

Palavras simples demais que sempre se lembrava, passadas de mãe pra filha dentro de sua família.

Lilith tinha uma série de hábitos ruins e traumas que sua genética havia lhe rendido, mas teve sorte de palavras ruins não serem a única coisa que vivia na sua mente.

Ou talvez seja essa a fonte da sua desfortuna. Seus primos pareciam sobreviver bem apenas das amarguras, conseguiam seguir em frente.

Lilith se sentia um fantasma preso no passado de vez em quando.

Mas não conseguia evitar.

Pelo menos era essa a desculpa que usava quando sentava em frente ao túmulo da sua mãe, uma única rosa do jardim Sakamaki em mãos.

Quando fechava os olhos, a imagem ainda queimava de tão vívida na memória. O cabelo escuro até a cintura, os olhos verdes como esmeraldas. Uma pele macia como pêssego, e um sorriso brilhante e cheio de calmaria.

Tudo que escutava sobre Evie desde seus primeiros dias era totalmente 8 ou 80. Ou era a mulher mais linda que já andara por aquele reino, ou era uma humana mediana com síndrome de superioridade.

Ou era gentil como uma fada de um conto infantil, ou era tão grosseira e maligna quanto uma bruxa.

Lilith imaginou que não poderia ser diferente, já que era uma humana se casando e infiltrando dentro de uma família real vampira.

Em qual universo aquilo poderia dar certo? 

Bem, no que ela vivia certamente não havia dado.

Todo mundo sabia como aquela história havia acabado. Seu pai se apaixona pela sua tia. Divórcio. Guarda compartilhada. Crises de ciúmes. E por fim, a morte trágica de sua mãe.

Talvez todos já tivessem esperado por isso desde o primeiro dia que seu pai tivesse apresentado sua mãe pra família. Mas ela tinha quinze anos.

Se tem uma coisa que adolescentes de quinze anos não esperam, é chegar um dia na cozinha e ver sangue cercando o corpo caído da sua mãe. Do nada.

Bem, do nada pra ela, pelo menos.

Sabia que tinha muito do mundo que não sabia, especialmente naquela época. Mas sabia muito bem que sua mãe não era nenhuma santa.

Mas era tudo o que tinha. Era seu último resquício de humanidade. Ficar lá, usando preto e vendo o tempo passar.

Poderia envelhecer décadas e séculos só fazendo isso.

É claro, nenhum cemitério dura séculos. Pelo menos não nos anos 2000 humanos.

Mas mesmo sabendo disso, doeu muito ver o cemitério sendo destruído.

Se perguntou quem seria louco o suficiente de comprar aquele lote vazio. Devia ser assombrado.

Lilith ficou de pé em frente ao lote, olhando para o nada.

—Interessada?- Uma moça se aproximou. Parecia alguns anos mais velha que Lilith (pelo menos, do que sua aparência.- Acabaram de demolir o cemitério que ficava aqui. Velho demais, estava quase caindo aos pedaços. Mas está barato, o lote.

Lilith respirou fundo, suas mãos nos bolsos.

—Quanto?- Finalmente perguntou.

—///- Ela respondeu.- Mas podemos negociar. Quan…

—Eu sou obrigada a construir alguma coisa aqui?

—Bem, é o ideal. Normalmente pessoas compram lotes pra isso.- A mulher pareceu desconcertada.- Está guardando pra futuros bebês?

A mulher apontou pra barriga de Lilith com certeza demais.

—...Claro.- Lilith pigarreou- Alguma coisa eu preciso deixar pros meus filhos.

Provavelmente não teria direito à fortuna Sakamaki, de qualquer forma.

—Compreensível. Se quiser me seguir, podemos ir conversar sobre isso com mais calma.- A mulher sorriu- Preciso pegar os papéis caso quiser…

Lilith se perdeu na conversa, encarando o terreno vazio.

Não chorou, mas era claro como seus olhos estavam opacos. Sem vida.

A única coisa que Lilith podia fazer é preservar a única memória da sua mãe, a sete palmos da terra.

Talvez pelo menos seu fantasma fique feliz pela filha.