Drops de Citrus escrita por Kogoe Mimiuchi


Capítulo 4
Se eu pudesse voltar no tempo - FINAL




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O avião pousa no aeroporto de Haneda, depois de quase 12 horas de voo direto vindo de Londres. As duas mulheres ficam aliviadas por, enfim, levantarem os corpos da poltrona desconfortável e esticarem as pernas. Depois de tanto tempo fora, voltar para a antiga casa provoca um estranhamento no ar, tudo parece novo e desconhecido.

No meio da multidão de passageiros indo pegar as malas nas esteiras rolantes, a mulher mais nova se agarra ao braço da mais velha, para que as duas não se percam no formigueiro humano de vista.

— Yuyu, é tão engraçado ver você segurando no meu braço, com medo de ficar pra trás. Eu deixei o Japão há muito mais tempo, mas me sinto mais à vontade de volta do que você!

— A diferença é que você já está acostumada a fazer essa viagem Londres-Tóquio, diferente de mim! Desde que fui à Inglaterra, não viajei de volta ao Japão. É uma experiência nova pra mim, voltar a sentir os ares daqui depois de anos.

— Desculpa, é que às vezes eu esqueço desse detalhe! Agora que estamos juntas, podemos redescobrir a cidade, sentir como se tudo fosse uma novidade ou uma surpresa.

— Sim! Nossos dates vão ficar mais interessantes se redescobrirmos a cidade juntas!

As duas pegam um táxi em direção ao apartamento dos pais da mais nova, que decide marcar um encontro com as amigas do tempo de ensino médio assim, de repente.

— Eu quero ver a cara do papa e da mama quando nós chegarmos de surpresa! E já aproveitei pra chamar as meninas para irem direto pra lá! Hihi! Quero apresentar você a todos!

— Você não acha que está sendo inconveniente, Yuyu? Ok, estamos indo ao apartamento dos seus pais, é sua família e tal. Mas, além de chegar de supresa, você ainda convida suas amigas sem perguntar pra sua mãe antes se pode ou não?

— Ah, relaxa, Rika! Meus pais são tranquilos! Aliás, só os dois moram lá agora, acho que eles devem sentir falta de um ambiente mais movimentado, hehehe! Acho até que meu quarto deve estar do mesmo jeito que eu deixei. Podemos ficar hospedadas lá até nossa nova casa ficar pronta, se minha mãe não se importar. Não deve demorar muito até que nossas coisas cheguem ao Japão, pelo que a transportadora me informou.

Dentro do táxi, Yuzu aponta os locais que costumava frequentar quando era estudante do ensino médio: o arcade, o karaokê, o shopping, as lojas de roupas. Até o caminho que ela e Mei costumavam tomar para ir e voltar do colégio. Não era algo que ela gostaria de ter lembrado, mas de repente o trajeto surgiu na sua cabeça sem querer. Por sorte, Rika nem notou a mudança no rosto de Yuzu quando lembrou da irmã mais nova.

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— Eh?? A Yuzu-chan voltou ao Japão? E nem avisou com antecedência? Eu só não vou dar uns tapas nela porque morro de saudades da minha onee-chan! — Exclama Matsuri.

— Pois é, levei até um choque quando recebi a mensagem da Yuzu-senpai! Mas pelo que percebi, nem os pais dela estão sabendo que ela voltou! Sinto tanta saudades de ver meu ship Haruyuzu novamente, que acho que vou ter uma hemorragia de tanta felicidade quando as duas se abraçarem.

 — Ai, Nene! Sete anos e você não desiste desse ship? Garota tarada! Pervertida!

— Matsuri, me deixa! Por acaso é proibido sonhar? É crime shipar duas pessoas? Esse romance existe na minha cabeça, não estou fazendo mal a ninguém por conta disso. 

— Ei, as duas! Parem de discutir, estou falando com a Momokino no telefone! — Harumin pede para Matsuri e Nene. — Vocês não sabem falar, vocês gritam! Se continuarem a fazer escândalo, chuto as duas pra fora do meu apartamento!

— Sério, Taniguchi. Não sei como você aguenta essas duas pirralhas! Elas precisam andar com garotas da idade delas! — Himeko ouve as vozes das garotas mais novas ao fundo.

— Por incrível que pareça, eu já me acostumei com essas crianças, fazer o que, né? Mas e quanto ao encontro, você vai também, Momokino?

— Sim, e a Shiraho-senpai está indo comigo. Vai ser bom saber a respeito do tempo de Aihara Yuzu fora do Japão. Espero que ela tenha criado juízo, agora que está comprometida.

Himeko e Shiraho receberam a mensagem de Yuzu e estão a caminho do apartamento dos Aihara. A ex-vice presidente agora é uma advogada especializada em direito empresarial, tendo como um dos clientes o Grupo Aihara. Já Shiraho se casou logo após terminar o ensino médio, com o noivo que os pais haviam escolhido há algum tempo. Ela e o marido agora administram parte do patrimônio da família Shiraho, o que inclui casas em várias partes do Japão.

— Himeko-san, quer dizer que estamos indo de surpresa no apartamento dos pais da Yuzupon, assim como ela? Estou sentindo que algo “diferente” vai acontecer quando todas nos encontrarmos lá. Só não consigo especificar se será algo bom, ruim, ou um mix de ambos.

— Senpai, você acha que algum desastre pode acontecer?

— Não seria um desastre. Talvez um clima estranho.

 — Será que a Mei-mei vai pra lá também? Eu não conversei com ela desde que o divórcio foi assinado. Não faço ideia do que ela pretende fazer no futuro, agora que está livre. Sinto que se ela e Aihara Yuzu se encontrarem lá, o clima vai ser pesado.

— Vou torcer para que as duas façam logo as pazes, ainda que não voltem a se relacionar como antes. O distanciamento entre elas precisa ter um fim, com clima pesado ou não.

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Mais um pouco e as duas recém-chegadas de Londres chegam ao condomínio onde os pais da loira moram, munidas de cinco malas recheadas de roupas e alguns presentes. Fica complicado subir com as bagagens, mas as duas dão um jeito de encaixar tudo no elevador e, assim, subir até o andar onde fica o apartamento dos Aihara.

 Yuzu dá uns toques na porta, no que é respondida por Ume.

— Só um momento! — Ume responde do lado de dentro. “Ué? O Shou ficou de receber alguma visita? Ou seria alguma visita para Mei-chan? Ah, não... pode ser que o Shou tenha levado o lixo no dia errado! Cansei de falar que tem um dia certo para cada tipo de lixo, mas ele não aprende!”, ela imagina. Mas foi só abrir a porta para seu coração explodir de alegria.

— O... YUZU? NÃO ACREDITO!

— MAMA!

As duas se jogam uma nos braços da outra, com lágrimas caindo de felicidade depois de tanto tempo conversando apenas por mensagens e chamadas de vídeo.

— Yuzu, minha filha! Você quer me matar do coração? Por que não me avisou que viria? Eu iria te buscar lá no aeroporto, ou poderia mandar o Shou pra lá! Estou tão feliz que minha menina virou uma adulta!

— Mama, estava com muitas saudades! Não via a hora de te abraçar, abraçar o papa também! Eu tenho tanta coisa pra falar com vocês! E eu ainda chamei as meninas para nos encontrarem aqui no apartamento!

— QUÊ? Mas a casa não tá arrumada, não fiz as compras no mercado e ... — Ume nota um rosto que ela conhecia apenas a distância. Rika, a noiva de sua filha.

— Olá, Ume-san! Sou eu, Rika! Até que enfim nos conhecemos pessoalmente!

— OH, MEU DEUS! Você é tão linda pessoalmente! — A mãe fica maravilhada. — Minha Yuzu é tão sortuda por encontrar alguém como você!

— Obrigada! Em questão de beleza, a Yuzu também é linda! Não foi à toa que me apaixonei por ela! — A loira ouve a amada dizer o elogio e fica com o rosto todo corado.

— Ai, que tonta que eu sou! Nem chamei vocês pra entrar, não é mesmo? Vejo que vocês trouxeram uma boa quantidade de coisas. Acharam um tempo livre no trabalho pra passear, né? — Ume ajuda as duas a trazer as malas para dentro.

— Na verdade, mama, nós...

Shou aparece na sala e encontra as duas garotas conversando com Ume.

— Yuzu-chan! Não acredito que você apareceu! Achei que nunca mais fosse voltar ao Japão! E... Rika! Que prazer conhecê-la pessoalmente!

— Papa! — Yuzu abraça Shou. — Que bom te ver novamente!

— Olá, Shou-san!  

Os quatro engatam uma conversa na sala, onde falam sobre como foi a viagem de Londres até Tóquio, como está sendo para Rika conhecer a família Aihara, entre outros assuntos. A loira abre uma das malas e retira alguns pacotes de presentes para os pais, quando, novamente, batidas são ouvidas na porta do apartamento.

— Visitas? — Pergunta Shou.

— Acho que são as amigas da Yuzu. — Ume se levanta do sofá e vai atender a porta.

Harumin, Nene, Matsuri, Himeko e Shiraho estão logo ali, ansiosas para reverem Yuzu. Todas cumprimentam Ume e entram no apartamento, que se torna um ambiente bem animado por conta do reencontro das ex-alunas da Academia Aihara. Gritinhos são ouvidos (principalmente quando Harumin e Yuzu se abraçam, o que faz Nene sangrar pelo nariz e ser colocada deitada no sofá, passada de tanta emoção); lágrimas de alegria caem nos rostos das amigas, inclusive no de Himeko.

A loira apresenta Rika para todas as convidadas, que ficam surpresas com a beleza da noiva da amiga. Não demora muito para que Matsuri solte sua opinião.

— Yuzu-nee, você está ótima! Pelo visto, ter encontrado a Rika-san fez uma nova Yuzu eclodir do casulo, né? Pra quem foi embora daqui parecendo a Samara no fundo do poço, você ganhou um belo upgrade, hein! Você por acaso é feita de mel? — A garota de cabelos rosa diz, querendo causar constrangimento. Para acabar com a graça, Harumin solta um cascudo na cabeça de Matsuri, gesto que é agradecido pela loira, e logo muda o assunto.

— Né, Yuzucchi... O que aconteceu para que as duas viessem para o Japão? Vieram passar férias? — Harumin fica curiosa.

— Também quero saber, Yuzuppon! Você não nos avisou com antecedência! Sei não, mas acho que vocês querem nos dizer algo, estou sentindo desde que você nos mandou a mensagem.

— Então, né, Shirappon... Não viemos para passar férias. Na verdade, nós duas estamos de volta ao Japão. Inclusive estamos com planos de abrir um escritório da marca com a qual trabalhamos lá na Inglaterra.

— Sim, nós conseguimos convencer os proprietários da marca Spill The T a abrir uma filial aqui em Tóquio. Eu e a Yuyu ficaremos responsáveis por gerenciar a coleção para o público japonês, e seremos bem pagas para isso. Aliás, Harumi-san... — Rika nota o estilo da best friend de Yuzu. — Não gostaria de ser nossa modelo? Seu corpo é perfeito! Dependendo do caso, você pode até fazer uma carreira internacional, ganhar em euro e dólar! — Rika complementa.

— Sério, Rika-san? Eu adoraria! Podem contar comigo! Pagando bem, que mal tem, né? — A caçula das Taniguchi fica animada com a possibilidade. Já Matsuri faz cara feia e não gosta nem um pouco da ideia. Todas as outras riem.

Enquanto isso, no quarto, Mei tenta se concentrar no trabalho, mas o barulho da conversa incomoda bastante, o que a leva a sair do recinto e pedir silêncio às pessoas que estão reunidas na outra parte do apartamento. Sem saber o que se passa, a jovem CEO surge na entrada da sala, onde uma figura que ela conhece muito bem está em pé, falando pelos cotovelos. Num momento de descuido de Yuzu, os olhares das duas se encontram, e seus corpos ficam paralisados pela pouca distância que as separa.

“Yuzu... você está tão deslumbrante! Mas... Será que estou tendo algum tipo de alucinação? Não, não! É ela, é a Yuzu!”, Mei pensa. “Eu preciso de uma chance para consertar o que fiz e conseguir sua confiança de volta, Yuzu!”

“M-Mei! Ela estava aqui desde o começo e ninguém me avisou! O que eu faço agora, ainda mais com a Rika comigo? Isso não vai acabar bem!”, Yuzu começa a se desesperar com a situação.

Ume, sem notar a presença de Mei, aparece na sala pedindo ajuda.

— Meninas, meninas! Eu vou preparar algo bem gostoso para todas! Alguém se habilita a me ajudar lá na cozinha?

— E-eu posso, Ume-san! — Rika se prontifica. — Assim, podemos conversar enquanto preparamos os lanches.

Num movimento rápido, Mei vai até Yuzu, e sua chegada ao recinto causa espanto nas convidadas. Himeko, Shiraho, Nene, Matsuri e Harumin ficam com os olhos esbugalhados, pois não sabiam que a antiga paixão da loira estava no apartamento. Shou havia esquecido de avisar Ume que a filha caçula não iria ao trabalho hoje. A apreensão toma conta das cinco amigas, ao passo que a mãe e a noiva de Yuzu não percebem o clima tenso que se formou de um minuto para o outro.

A única pessoa que Mei vê no recinto inteiro é Yuzu, e apenas ela. De modo brusco, a  CEO do Grupo Aihara pega a mão da loira e a leva para longe dos olhos dos demais.

— Yuzu! Você vem comigo para uma conversa particular!

As amigas das irmãs Aihara testemunham o gesto desesperado de Mei, ansiosa por poder conversar a sós com a loira. Harumin e Himeko, preocupadas, olham uma para a outra, temendo que o momento feliz das recém-chegadas de Londres possa terminar em mágoas e ressentimentos. Yuzu tenta resistir, mas seus esforços são em vão.

— Q-quê? Espera, você nem cumprimentou as meninas, Mei! — A loira é praticamente puxada pelo braço pelo seu antigo amor. — Eu ainda não te apresentei a...

— Elas podem esperar, mas eu não posso! Eu preciso te dizer várias coisas, e tem que ser agora!

A noiva e a mãe da loira, antes distraídas por uma conversinha, de repente veem as duas irmãs Aihara saindo às pressas da sala, indo diretamente ao quarto que compartilhavam quando eram adolescentes.

— Eh? — Rika não entende o que está acontecendo. — Aquela era a irmã da Yuyu? Para onde as duas foram?

— Caramba! Desculpa, Rika, eu não sabia que a Mei estava em casa! Oh, não...  

— Por que essa reação, Ume-san?

— É uma história que eu não sei explicar... Minhas duas filhas se desentenderam por motivos que até hoje desconheço. Mas não se preocupe! Acho que as duas vão fazer as pazes ou dar uma trégua nessa briga de irmãs. Assim espero...

Harumin chama Himeko de lado para cochichar.

— Momokino, você sabia que sua querida Mei-mei estava hospedada aqui?

— Acredite, Taniguchi, a Mei-Mei não me disse nada sobre ter voltado para o apartamento.

— Tô achando que isso não vai dar bom! Rika, Yuzucchi e Mei-san no mesmo local... Nossa querida kaichou não sabe o que rolou com a Yuzucchi lá na Inglaterra, a Ume-san foi proibida de passar qualquer informação a respeito.

— Pois eu, se fosse vocês, pegaria um balde de pipoca para assistir de camarote. — Matsuri mete o bedelho onde não é chamada. — Vai rolar o maior climão aqui hoje.

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Mei praticamente corre puxando Yuzu até o quarto, trancando a porta logo em seguida. Yuzu fica parada no meio do quarto, enquanto aguarda o próximo passo da irmã. As duas agora estão de frente para a outra, no aguardo de uma palavra ou gesto que faça o diálogo começar. A mais nova não resiste e começa a falar, com os olhos marejados e o coração disparado.

— Yuzu... não me diga que você veio porque ficou sabendo de tudo? — A CEO se joga nos braços da outra, seguido de um abraço forte. Yuzu quase cai para trás, mas não retribui o gesto da irmã.

— Hã? Do que está falando, Mei? — A loira tenta se esquivar dos braços de Mei, mas a presidente não dá brecha para isso aconteça.

— O Satoshi e eu, nós nos divorciamos. A mamãe não havia te contado? Nem a Taniguchi te contou? — Mei ajeita sua cabeça no ombro de Yuzu, que está chocada pela novidade.

— Por que eu iria querer saber? Eu juro que ninguém me contou nada a respeito disso, nem a mama, muito menos as meninas.  E, tipo... é sério mesmo?   

— É sério, eu e ele não temos mais nada. Aliás, já não tínhamos há muito tempo. Foi tudo amigável, de comum acordo. Vendemos a mansão e cada um seguiu seu próprio caminho.

— Bem, agora devo te dar os parabéns ou lamentar pelo divórcio? — A gyaru diz, sendo sarcástica. O comentário faz Mei levantar a cabeça e pegar no rosto da loira com as duas mãos.

— Yuzu, por favor, me ouça! Agora estamos livres! Você está de volta, eu estou aqui... Nós podemos ficar juntas, como queríamos! Não quero que você fique longe de mim, nunca mais. Fique comigo, nós podemos contar tudo para nossos pais, não há mais nada que possa nos impedir. Somos duas mulheres adultas, não devemos nada aos outros. Não quero mais te perder! O vovô não está mais aqui para nos julgar, eu já consegui a presidência do Grupo Aihara... Por favor, volte para mim, para o que nós éramos antes!

— E-espera, Mei! — Yuzu consegue se desvencilhar. —  Você achou que voltei ao Japão por sua causa? Que eu vim aqui, atrás de você, depois de todo esse tempo? Já passou pela sua cabeça que eu não sou a mesma de sete anos atrás? Meu coração e minhas referências mudaram no tempo em que estive fora.

— Não é possível que você não sinta mais nada por mim. Eu imaginei que você pudesse estar me esperando durante todo esse tempo. Ainda tinha esperança de que...

— O que te fez pensar que eu faria isso? Eu, te esperar? — A loira fica indignada. — Enquanto você se casava com o gerente, um homem mais velho que você mal conhecia, com quem você teve suas noites de sexo sem nenhum tipo de sentimento genuíno envolvido? Com quem você teria que gerar um herdeiro? Eu sou uma pessoa, Mei, não um robô! Eu quero amar, ser amada!  A fila andou!

— Yuzu...

— Você me perdeu no momento em que deixou aquela maldita carta! Você me trocou, me feriu, e agora tenho que saber que seu casamento terminou em divórcio! Sete... Sete anos que poderíamos ter passado juntas, Mei! — A loira desabafa em meio às lágrimas.

— Eu não tive a intenção de te ferir! Estive totalmente cega, aceitei realizar as vontades do vovô sem questioná-lo...

— Mei, preste atenção. — A loira suspira antes de continuar, apoiando as duas mãos nos ombros da outra. — Não quero mais brigar com você, não quero mais tocar nesse assunto! Brigar não vai desfazer o que já ocorreu! Você fez sua escolha, eu fiz a minha, e estamos colhendo as consequências, sejam elas boas ou ruins. Eu senti uma dor enorme, tanto emocional quanto física, a partir do momento em que terminei de ler a carta que você deixou. Sofri meses calada, fingindo que tudo estava bem, quando na verdade eu me sentia presa no fundo do poço, afogando na lama. Você me pediu para seguir em frente, e ainda deixou claro que nós duas não iríamos mais nos encontrar, mesmo em eventos de família. Pedi à mama para não dar notícias minhas para você, e você fez o mesmo. E graças a esse pedido, eu pude ir para a Inglaterra, sem amarras, como se minha vida tivesse iniciado do zero. Fiz novos amigos, conheci um mundo bem diferente, e no momento eu sinto o amor tomando conta da minha vida outra vez, mas não é por sua causa.

— Não, por favor, Yuzu! Me perdoe, eu me arrependo muito da decisão que tomei anos atrás, eu... eu te amo! Eu quero me redimir pelos erros que cometi. Sou capaz de fazer de tudo para te ter de volta!

— Essas palavras, “me arrependo” e “eu te amo”...  saíram da sua boca tarde demais, não acha? — A loira tira as mãos dos ombros de Mei, e se afasta aos poucos. —  Te perdoo, sim, e estou dizendo a verdade. Não quer dizer que eu esqueci tudo, a dor, a decepção que você causou. Eu te perdoo porque não quero remoer episódios dolorosos para o resto da vida, quero seguir adiante. Quero que nosso relacionamento em família volte ao normal, em respeito aos nossos pais. Entenda, Mei. — A loira abre um leve sorriso, na esperança de que a presidente do Grupo Aihara acorde para a nova realidade. — Você ainda é minha irmã, por isso continuarei a te amar, tá? Agora, vamos voltar para a sala, a mama quer nos ver juntas e saber das novidades.

Yuzu deixa o antigo quarto e vai direto para a sala, onde Ume e as outras garotas a esperam. Mei cai de joelhos no chão do quarto, chocada com a resposta que recebeu. A vontade de gritar é grande, mas ela se contém, já que o momento não é adequado para revelar toda a verdade para Ume e Shou. A chegada de Yuzu ao Japão, depois de anos fora, é um dia a ser comemorado pelos Aihara; Seria horrível que, num momento de reencontro em família, todos os dramas do passado viessem à tona. Então a presidente se recompõe e se levanta, ao mesmo tempo que tenta disfarçar o desconforto na frente das visitas. Ao sair do quarto, Mei percebe a presença de Rika, a quem ela ainda não foi apresentada.

— Yuyu! Sua mãe é tão animada! Ela até me mostrou a geladeira cheia de cerveja, pronta pra comemorar nossa volta! — Rika vai animada até a gyaru, contar o que descobriu.

A filha recém-divorciada de Ume ouve o novo apelido da loira. Ela não gosta nada do que vê. Que tipo de intimidade é essa com Yuzu?

— Yu... Yuyu? — Mei faz uma cara de desgosto com o apelido. Ao ver que Rika está agarrada ao braço de Yuzu, a CEO sente o sangue ferver de ciúmes. Se um olhar matasse, neste momento a noiva de Yuzu estaria morta.

— Ah, a Rika me chama só desse jeito! — Yuzu fica vermelha.

— Então você deve ser a Mei, a irmã da Yuyu, né? Muito prazer em conhecê-la! Pode me chamar de Rika! — Logo em seguida, a atual amada da loira solta um comentário. — Poxa, Yuyu! Por que nunca me disse que sua irmã era tão linda assim? Assim como a Harumi-san, ela pode posar para nossa marca!

Yuzu não havia dito nada à Rika sobre Mei ter virado CEO do Grupo Aihara. Durante esse tempo todo em que passou a viver com a nova amada, a loira não falava muito sobre a irmã para não trazer péssimas lembranças.

 — Muito prazer, Mei Uda... quero dizer, Aihara. Eu me divorciei recentemente.

— A-ah... Lamento por isso. A Yuyu havia me dito que você tinha se casado cedo e que vocês não tiveram muito contato depois.

Mei olha de lado, mirando Yuzu. Afinal, quem é essa garota e o que ela faz aqui?

— É verdade. Nós ficamos muito distantes, cada uma seguiu um caminho diferente. Tivemos atritos... Bem, desculpe por ter tomado a Yuzu de repente, sem ter cumprimentado todas primeiro. Mas é que eu precisava ter uma conversa particular com ela, urgente. Precisávamos resolver assuntos do passado.

A fala da filha caçula faz Ume lembrar da promessa que a loira havia feito antes de embarcar para a Inglaterra. Yuzu devia uma explicação sobre os motivos que a levaram a evitar Mei de qualquer maneira.

— Agora que você citou atritos e assuntos do passado, Mei-chan, lembrei que a Yuzu ficou de explicar o porquê das duas terem se distanciado. Qual foi o motivo da briga, se é que houve uma? Sou mãe de vocês duas, mereço uma explicação!

— Eu também não entendi nada na época, também quero saber. — Shou faz coro com a esposa.

A loira sua frio. “Mama!! Como eu gostaria que você não tivesse uma memória boa neste exato momento! E agora, o que eu faço?”, é o que a garota pensa. Para sua surpresa, a CEO é quem fala.

— O que aconteceu é que... Eu não havia avisado a Yuzu sobre o casamento arranjado pelo vovô, muito menos sobre minha saída repentina do apartamento para voltar a viver na mansão. Eu feri os sentimentos da Yuzu, traí a confiança dela. — Mei olha ao redor e percebe que Harumin e Matsuri reprovam a mentira que a ex-kaichou está dizendo. — A Yuzu ficou muito chateada por eu ter escondido esses assuntos, afinal nós somos irmãs. No final, brigamos por termos visões completamente diferentes: eu decidi obedecer o vovô e casar com o noivo que ele escolhesse, porque ele precisava de alguém para assumir o comando da empresa, enquanto ela queria que eu fosse livre para me casar com alguém que eu amasse. Sim, eu gostaria de ter me casado com por amor, porém não tive coragem de questionar o vovô, depois de tudo o que ele fez por mim. A Yuzu estava certa, no final das contas... O Satoshi me deixou assumir a empresa no lugar dele assim que o vovô faleceu, e depois nos divorciamos porque não éramos mais um casal.

Shou e Ume soltam um suspiro assim que Mei termina de falar.

 — Poxa, meninas! É sério que vocês brigaram por um motivo tão bobo como esse? Poderiam ter resolvido tudo com uma boa conversa, sete anos atrás! Eu e o Shou estamos aqui para ajudá-las! Se o problema era esse o tempo todo, teria sido bem melhor se nós tivéssemos sido chamados para mediar essa situação chata. — Ume diz olhando para as duas filhas. — Eu pensei que o caso fosse outro! Achei que tivessem brigado por conta de homem, por conta do Satoshi! Pensei até na possibilidade da Yuzu ter se apaixonado pelo noivo da própria irmã!

— EU? Ter me apaixonado pelo gerente? NÃO MESMO, MAMA!

— Sim, Yuzu, eu tinha pensado nisso. Mas depois que você nos disse que gostava de meninas, descartei essa ideia. Sabe... foi tão lindo quando você nos apresentou a Rika e pediu ela em casamento naquela chamada de vídeo que eu não esqueço até hoje!

— Yuzu-chan, sua mãe e eu estamos muito felizes que você e sua noiva voltaram ao Japão! Nos orgulhamos muito de vocês duas, e esperamos que vocês tenham sucesso com a marca de roupas! Agora... nós queremos netos!

Himeko, Harumin, Shiraho, Nene e Matsuri já sabiam do noivado das recém-chegadas da Inglaterra. Nenhuma delas dá um pio sequer, mas seus rostos denunciam que todas estão esperando uma reação — boa ou ruim — vinda de Mei. Shiraho cochicha com Himeko:

— Himeko-san, estou vendo uma aura pesada em torno da Mei-san. Acho que seria melhor se você conversasse com ela depois.

— É-é algo que pretendo fazer assim que sairmos daqui, senpai.

Parecia que um raio havia acabado de cair na cabeça de Mei, paralisada e de olhos vidrados olhando para o nada. A ex-kaichou ouviu muito bem o que os pais disseram: Yuzu havia assumido que era lésbica, estava noiva da garota sentada ao seu lado, pretendia ficar no Japão... Shou e Ume aceitaram numa boa a situação da loira e, de quebra, ainda pediram netos. COMO ASSIM?

— Esperem... a Rika está NOIVA da Yuzu?

— Sim! Não é maravilhoso, Mei? Agora é a vez da Yuzu-chan se casar! — Diz Shou, todo orgulhoso.

— Mas vocês aceitaram... tipo...

— Você por acaso achou que nós iríamos virar as costas para a sua irmã só porque ela nos contou que estava namorando uma garota? — Ume fica espantada. — Mei-chan, eu e seu pai não faríamos algo do tipo, de jeito nenhum. Amor é amor! Não interessa se a Yuzu é lésbica, se você fosse, se as duas fossem. Nosso amor e carinho continuam os mesmos. Você... tem algo contra?

— Não, de jeito nenhum! Eu fiquei... surpresa por vocês terem aceitado tão naturalmente.

“Me poupe, né? Surpresa coisíssima nenhuma! Você deve estar morrendo de ciúmes e de arrependimento agora, Mei-san”, Matsuri pensa, achando muitíssimo merecido que a ex-kaichou tenha levado um choque com a revelação.

— A Yuyu foi muito romântica ao fazer o pedido, Mei-san. Não tiramos nem escondemos nossos anéis por nada! Não importa o que os outros digam, eu faço questão de mostrar quem eu amo de verdade! Espero que você nos apoie daqui em diante! — A noiva da loira fica radiante. — Ah!  E assim que nos casarmos, iremos até uma clínica de fertilização, já que a Yuzu quer engravidar. Disse a ela que eu poderia ter o bebê, mas ela insistiu muito! Então, logo vocês verão uma barriguinha nela!

 As amigas de Yuzu ficam emocionadas com a notícia.

— WOW! Yuzucchi e Rika-san! O bebê ainda nem nasceu, mas eu vou ser uma tia muito babona!

— Tia Matsuri vai levar o bebê ao arcade!

— Eu esperava um bebê Haruyuzu, mas só de puxar os traços da Yuzu-senpai já acho maravilhoso! — Nene começa um novo sangramento pelo nariz.

— Yuzuppon e Rika-san, tenho certeza de que o bebê virá repleto de energias positivas!

— Aihara Yuzu, espero que este bebê tenha mais juízo que você! De qualquer maneira... Parabéns para o casal!

Ume e Shou ficam radiantes com um futuro bebê correndo pelo apartamento, indo ao Bearland, passeando com os avós nos finais de semana...

Sem pensar, Mei leva uma de suas mãos até a altura da gola da blusa, procurando a correntinha com o anel que havia ganhado de Yuzu. Seu olhar mira o chão, e as duas mãos agarram com força aquele acessório dourado que um dia simbolizou o amor que nutriam uma pela outra. Num movimento rápido, Mei se levanta do sofá e inventa uma desculpa para sair da sala imediatamente.

— Rika, Yuzu... Parabéns! Eu desejo que vocês sejam felizes juntas! A Yuzu é uma garota incrível e tem um coração valioso. Por favor, cuide muito bem dela! Agora, eu preciso voltar ao trabalho...

— Mei-san, obrigada! A Yuyu vai ser muito bem cuidada e amada, pode deixar.

Himeko sente pena da sua amiga Mei-mei, e sua vontade é de ir atrás dela. Mas acha melhor deixá-la sozinha e esperar uma outra ocasião para ter uma conversa.

Dentro do quarto, Mei encosta o corpo na porta para ouvir o restante da conversa. Lágrimas escorrem pelo seu rosto. Suas duas mãos tapam a boca para que ninguém ouça o choro.

— Mama, não sabia que a Mei estava aqui. Nós pretendíamos ficar no meu antigo quarto. Então eu acho que nós vamos para a nossa nova casa, ainda que muita coisa esteja faltando. Coincidentemente, a casa fica próxima à Academia Aihara!

— Que pena que não temos um quarto extra! Tem certeza de que vocês querem ir pra lá? Daria para arranjar espaço aqui na sala, mas...

— Sim, Ume-san. Pelo menos eu e Yuyu dormiremos no futon. E com relação a comida, podemos pedir por aplicativo.

— Ah! Mama, nós ganhamos a casa dos pais da Rika! É tipo um presente de casamento adiantado!

— Puxa, que sortudas vocês são! Mas e quanto ao casório, como vocês decidiram que vai ser?

— Não decidimos nada ainda, mama. Estamos esperando nossa casa ficar completa para começar os preparativos.

— Mama Harumin quer ser madrinha! Vou te matar se você não me escolher, Yuzucchi! — Harumin já deixa avisado. Todos riem na sala.

No quarto escuro, a irmã mais nova sente muita dor em um único dia. Ela se joga na cama, se cobre toda com o edredon e com os travesseiros, com a intenção de abafar o choro e os soluços. “Eu a perdi de vez.”

—_________________

Um mês se passou desde o encontro no apartamento dos Aihara. A jovem CEO acabou de sair de uma reunião de trabalho, e tem pouco tempo antes de receber a visita de parceiros de negócios em seu gabinete. Ela saca o celular do bolso do blazer e liga rapidamente para Himeko.

— Alô? Himeko?

— Oi, Mei-mei!

— Me desculpe por ligar durante seu horário de trabalho, mas será que nós duas poderíamos conversar logo após o expediente?

— Claro! É só você marcar o local!

— Eu já deixei uma mesa reservada no restaurante. Vou te mandar o endereço logo em seguida.

— Er... Tá tudo bem com você, Mei-mei? Aconteceu alguma coisa na empresa, em casa?

— Não, não aconteceu nada. Eu só queria alguém para conversar, só isso.

—____________

Sentada à mesa que reservou no restaurante, Mei vê a amiga chegando.

— Himeko, muito obrigada por reservar um pouco do seu tempo!

— Faz tempo que não conversamos sozinhas, né?

— Sim.

As duas fazem seus pedidos para o garçom, e logo são deixadas a sós para conversar.

— Diga, Mei-mei. Eu sei que algo está te incomodando. Dá pra ver no seu rosto.

— Eu... Hoje, no caminho do trabalho, vi a Yuzu saindo de casa, dando um beijo na noiva antes de botar os pés na rua.

— Hmm... Que bom que ela está feliz com o rumo que a vida tomou.

— Eu estava dirigindo, diminuí a velocidade do carro assim que a vi. Ela estava linda. Na verdade, ela sempre foi linda mesmo. Nunca disse isso para ela.

— Ahnn, Mei-mei... — Himeko abaixa a cabeça e olha para o pano da mesa, para desviar o olhar, com pena da amiga. — Você tentou convencê-la a voltar, naquele dia mesmo, né? Sinto muito por não ter dado certo. Mas isso já era previsível, pelo menos pra mim.

— Não sei o que fazer agora, Himeko. Fui eu quem pedi a ela que seguisse em frente. E ela seguiu. Agora, sou eu quem não consegue sair do lugar. Ao afastá-la de mim, acabei por jogá-la nos braços de outra pessoa. Todos os dias quando acordo, estico o braço para o outro lado da cama, mas a Yuzu não está lá.

— Você esteve ciente desde o começo que isso poderia acontecer, mas ainda assim aceitou correr o risco. A Yuzu te amava muito, só que não iria te esperar pelo resto da vida.

— Himeko... Está sendo tão doloroso ver a Yuzu feliz ao lado de alguém, e perceber que esse alguém não sou eu. Ainda uso o anel que ela me deu, na esperança de algum dia ela voltar. Não sei se ela ainda guarda o dela.

 — Ai, Mei-mei... O que vai fazer agora?

— Vou colher os frutos do que plantei, sete anos atrás. Se eu pudesse voltar no tempo, teria fugido de casa com a Yuzu, começaria tudo do zero com ela ao meu lado, mesmo que isso significasse uma vergonha para o vovô. Teria sido muito menos doloroso enfrentar dificuldades tendo a Yuzu comigo do que vê-la apaixonada por outra pessoa. Por enquanto, só posso tê-la de volta nos meus sonhos.


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