Trevo de Quatro Patas escrita por Maremaid


Capítulo 8
Se beber, (não) flerte com o seu vizinho


Notas iniciais do capítulo

Oi, gente!

E vamos de mais um capítulo de TDQP... boa leitura!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/803410/chapter/8

Will checou o relógio novamente, andando de um lado para o outro no saguão. Ia até as correspondências e fingia checar se tinha recebido algo, descia as escadas e subia de novo. Se o seu carro ainda não estivesse na oficina, teria esperado confortavelmente dentro dele, mas na moto parecia um pouco estranho. Ele queria parecer natural e relaxado, mas estava ansioso demais para isso.

Tinha certeza que Nico sempre saía para passear com Cérbero por volta desse horário, mas ele já estava ali há quase 1 hora e nenhum sinal deles. Será que ele saiu mais cedo e já voltou para casa? Ou será que resolveu ir ao parque de cães e por isso estava demorando a voltar? 

Não era assim que Will tinha planejado que as coisas acontecessem. Queria ter conversado com Nico ainda no parque de diversões, mas então encontrou Leo e Calipso. Pensou que não tinha problema, afinal, eles eram vizinhos e iriam embora juntos, mas então a irmã dele apareceu, estragando seu plano B.  

Will ficou pensando em Nico o dia todo, contando as horas para sair da aula e poder enfim vê-lo. Queria simplesmente bater na sua porta e tomá-lo nos braços, mas talvez isso assustasse seu vizinho — e isso era a última coisa que ele queria. Então, pensou que seria melhor se eles se encontrassem “por acaso”, mas parecia que a sorte não estava ao lado dele.

Ele sentou nos degraus que ficavam na entrada, sentindo-se cansado. Pegou o celular e olhou para o contato de Nico salvo, pensando se deveria ligar. Não, eles nunca se falavam por telefone — e Nico não parecia o tipo de pessoa que gostava disso mesmo —, era sempre por mensagem. Mas, o que ele escreveria? “Ei, adorei te beijar ontem, será que podemos repetir? Tipo... o mais rápido possível”? Não, ele pareceria desesperado demais... por mais que estivesse mesmo se sentindo assim.

Talvez fosse melhor se ele simplesmente voltasse para o seu próprio apartamento e aceitasse a derrota. Então guardou o celular novamente no bolso e voltou para dentro do prédio. Chamou o elevador e esperou, com os braços cruzados. 

Quando o elevador enfim chegou, Will deu um passo para frente, mas parou ao ver quem estava saindo: Nico. Ele não conseguiu conter o sorriso.

“Obrigado, céus!”, agradeceu mentalmente.

Mas logo depois ele percebeu que havia algo de errado: Nico estava segurando Cérbero no colo, enrolado na sua toalha com estampa de ossinhos. Seu vizinho parecia tão aéreo que nem viu Will parado bem na sua frente e passou reto. 

— Ei, Nico! — Will alcançou o vizinho nas escadas e  tocou seu braço com delicadeza, apenas para chamar a sua atenção. — O que aconteceu?

— Ah, é você. Oi. — Nico olhou para Will de relance e então fixou os olhos no filhote no seu colo que parecia estar dormindo. — E-eu… eu não sei. Quando percebi, ele já estava assim. 

Oh, oh. Isso não era um bom sinal. 

Nico voltou a andar, descendo os últimos degraus que faltavam e Will o seguiu. O carro de Nico estava quase na frente do prédio, ele pegou a chave no bolso e tentou destravar a porta, mas sua mão não parava de tremer. 

— Ei, você não está em condições de dirigir agora. — Will colocou sua mão sobre a de Nico que segurava o controle. — Me dê.

Nico lhe lançou um olhar mortal e exclamou algo em italiano que parecia muito com um palavrão. 

— Saia da minha frente, Solace! — o vizinho esbravejou. — Eu estou bem! 

— Não, não está. — Will se manteve firme. — No momento, você não conseguiria nem chegar ao final da rua sem bater em algo ou invadir a calçada. Eu dirijo. 

 Nico soltou um suspiro frustrado, mas lhe entregou as chaves. Will destravou o carro e abriu a porta do carona para Nico entrar com o filhote no colo. Então contornou o carro, entrando pelo lado do motorista. 

Inclinou-se na direção de Nico e o ajudou a colocar o cinto de segurança. Ele teria apreciado muito essa aproximação em outro momento, mas  sabia que agora não era hora para flertes. 

— Você tem preferência por alguma clínica ou posso simplesmente parar na primeira que eu encontrar? — ele perguntou, colocando o próprio cinto de segurança. 

— Aqui. — Nico virou o celular para ele ver. Na tela, havia uma mensagem recente de Reyna com o endereço de uma clínica veterinária na qual ela dizia sempre levar seus cachorros.

— Ok. Sei onde fica. — respondeu, já dando partida no carro.

 *** 

Se alguém perguntasse para Will em como ele gostaria de passar aquela noite de segunda-feira com Nico ele definitivamente não teria dito “em uma clínica veterinária”, mas era exatamente ali em que os dois se encontravam naquele momento.

Eles estavam na sala de espera absurdamente branca com assentos verdes. Na parede, havia vários pôsteres de cachorros e gatinhos brincando juntos que Will teria achado muito fofo em outra situação.  

Cérbero havia entrado em uma das várias salas da clínica — para passar por uma bateria de exames e descobrir o que havia acontecido —, há mais de meia hora.

— Aqui, tome. — Will sentou-se ao lado de Nico e ergueu um copo de água para ele.

— Obrigado — ele pegou sem fazer contato visual.

— Então, você quer me contar o que aconteceu?  

Nico tomou um gole de água de forma lenta e demorada, como se quisesse ganhar tempo antes de responder. 

— Bem... Eu fui à Editora e, na volta, passei no mercado para comprar algumas coisas. Quando cheguei ao apartamento, Cérbero não estava me esperando na porta como sempre fazia, mas acabei não dando bola para isso e fui direto para a cozinha guardar as compras. O chamei algumas vezes, mas ele não veio. Supus que estava aprontando, então fui checar. Ele estava deitado no chão em uma posição meio estranha. Toquei nele e ele estava um pouco gelado, o corpo mole. Não sei quanto tempo ele já estava assim. — Nico apertou a toalha do filhote em seu colo. —  A culpa é toda minha, eu não deveria ter ficado tanto tempo fora.

— Ei, a culpa não é sua. — Will passou a mão nas costas dele, o confortando. — Acidentes acontecem.

— Eu… — ele se interrompeu. — Meu pai vai ficar uma fera. 

Quem Nico estava querendo enganar? Apenas o jeito que as mãos de Nico tremiam e a expressão em seu rosto foram o suficiente para Will saber que o vizinho estava preocupado com Cérbero. Nico nem mesmo havia conseguido preencher o formulário que a moça do balcão havia lhe entregado, Will que acabou fazendo isso. Falar do pai com certeza era apenas uma desculpa para ele não admitir que se importava mesmo com o filhote.

Will não era bobo, ele sabia que Nico não estava cuidando de Cérbero porque amava cachorros, dava para ver na cara dele que considerava isso como uma obrigação. Mesmo assim, havia reparado que os dois estavam se dando bem nos últimos dias, que Nico parecia feliz quando o filhote lhe obedecia. 

— Então não conte a ele. — Will respondeu, dando de ombros. 

— É isso que você dirá para os seus futuros pacientes? Para eles não contarem aos familiares que estão doentes?

Will franziu o cenho. 

— É totalmente diferente. 

— Não, não é. Cérbero não sabe falar, então eu vou ter que contar.

— Olha, vamos esperar o veterinário voltar, ok? Não deve ter sido nada grave. — Will tentou tranquilizá-lo. — Você não precisa preocupar o seu pai à toa, seja lá onde ele esteja.

— Europa — ele murmurou, dando um suspiro alto. 

Europa? Uau! Nico apenas havia comentado que o pai estava viajando, por isso ele estava cuidando do filhote, mas nunca havia especificado o porquê ou para onde.

— Do outro lado do oceano... ok.  — Will assentiu, ainda curioso sobre o real motivo da viagem, mas achou que não era a hora nem o lugar para perguntar isso. — De qualquer forma, vamos esperar os resultados. Dependendo do que seja, você pode contar ao seu pai. Por mais que eu ache que uma notícia dessas por telefone possa estragar a viagem dele…

— Você está tentando me ajudar ou querendo deixar a minha a consciência ainda mais pesada, Solace? — Nico olhou de cara feia para ele.

Will se sentiu um pouco ofendido pela “acusação”. 

— Claro que ajudar! — exclamou. 

Não parece

— Bem, se estou te atrapalhando, devo ir embora? — ele fez menção em se levantar. 

— Não! — Nico segurou o seu braço no mesmo instante, mas logo o soltou e encarou o chão. Ele estava envergonhado? Tão fofo! — Hm, eu não quero ficar sozinho aqui…

 — Bem, se você insiste tanto, eu fico — ele sorriu, parecendo totalmente confortável e relaxado na cadeira.

Nico o encarou com os olhos semicerrados e Will quase podia ouvir os pensamentos dele o xingando — provavelmente em italiano, o que era ainda mais sexy.   

— Sr. di Angelo? — alguém disse.

Um jovem de jaleco — que não parecia muito mais velho do que Nico e Will —surgiu na entrada da sala de espera. Ele tinha cabelo castanho encaracolado e uma barba fina no queixo. Seu crachá dizia “Dr. Grover Underwood”.

— Sou eu! Como... Cérbero... está? — Nico levantou-se abruptamente e perguntou de maneira lenta,  parecendo temer a resposta.

— Ele está bem agora — o veterinário sorriu de forma tranquilizadora. — Mas tivemos que induzir o vômito. Achamos resquícios de chocolate no estômago dele. 

— Você deu chocolate para ele? — Will disparou. Ops, ele não queria ter soado tão rude.

— O quê?! Claro que não! — Nico se defendeu. — Eu nunca dou comida humana para ele, só ração! Eu juro!

— Bem, mas ele comeu — o veterinário disse, colocando as mãos no bolso do jaleco. — Talvez ele tenha achado na rua? Ou algum conhecido deu para ele? 

Nico ficou em silêncio por alguns segundos, tentando lembrar-se. 

— Ah, acho que já sei — ele finalmente falou, com uma expressão de culpa no rosto. — Ontem, minha irmã veio me visitar e trouxe uma caixa de chocolates. Nós comemos no sofá. Acho que, talvez, caiu algum pedaço no chão e eu não vi. 

— Qual era o tamanho dos bombons?  — o veterinário perguntou.

— Assim...? — Nico fez uma pequena bola com os dedos, parecendo um pouco incerto. 

— Não era muito grande, que bom. E o sabor, você se lembra? Quanto mais escuro o chocolate, maior o teor de teobromina. Essa substância é realmente tóxica para os cachorros.

— Chocolate ao leite. Ah, tinha alguns de chocolate branco também. 

— Certo. — Dr. Underwood parecia mais aliviado. — Fizemos uma lavagem gástrica em Cérbero para evitar que ficasse algo grudado na mucosa do estômago. Ele parece melhor, mas ainda precisamos ficar de olho, vamos monitorar a sua pressão arterial e realizar um eletrocardiograma. 

Nico balançava a cabeça, concordando com tudo que o veterinário dizia, mas Will sabia que ele provavelmente não estava entendendo todos aqueles termos médicos. 

— Isso vai demorar, não é? — Will perguntou, sabendo como esses procedimentos funcionavam.

O jovem veterinário assentiu. 

— Receio que a noite toda, o protocolo pede que ele fique em observação por algumas horas para analisarmos o quadro clínico. — ele explicou. Então coçou a barba rala do queixo e olhou para Nico. — Sr. Di Angelo, posso te dar uma tarefa?

— Tarefa?! — Nico perguntou confuso. — Ok... Claro...

— Vá para casa e procure se sobrou algum chocolate no chão. Não sabemos se Cérbero comeu o bombom todo ou apenas um pedaço.

— Mas... — Nico tentou argumentar.

— Se você achar algum pedaço — o veterinário prosseguiu. —, pode bater uma foto e me mandar? Eu ficaria muito agradecido.

Will sabia que o veterinário não precisava dessas informações. Afinal, Nico já havia dito os chocolates que tinham na caixa e eles já havia feito a lavagem gástrica em Cérbero. Ele só queria que Nico fosse embora e descansasse, e Will concordava totalmente com isso.

Como Nico ainda parecia meio incerto, Will deu um sorriso e disse:

— Eu te ajudo a procurar.

— Isso, ótima ideia! — Dr. Underwood sorriu — Eu ligo se acontecer algo. Mas não se preocupem muito, ele está reagindo bem.

— Hã... tudo bem — Nico assentiu, mas não parecia muito certo disso.

— Obrigado, doutor. — Will deu um sorriso gentil e apertou a sua mão, sentindo-se realmente aliviado e agradecido. 

— Imagina. Só estou fazendo o meu trabalho. — Dr. Underwood devolveu o sorriso. — Se vocês me dão licença, preciso checar outros pacientes.

Os dois assentiram e viram o veterinário se afastar.

— Vamos? — Will tocou de leve o cotovelo de Nico e deu seu melhor sorriso.

Nico ainda parecia meio aéreo, então apenas balançou a cabeça em concordância e deixou que Will o guiasse para fora da clínica.

 ***

O caminho para casa foi silencioso. Nico ficou o tempo todo apoiado no vidro, olhando para a rua. Will observou que o carro estava limpo, sem mais resquícios de areia. Pensar naquela tarde maravilhosa na praia e em como Cérbero parecia animado o deixou um pouco triste. Esperava que o filhote se recuperasse rápido e voltasse logo para casa.

Eles chegaram ao prédio e seguiram para o elevador, ainda em silêncio.

— Tudo bem? — Will finalmente perguntou, olhando de soslaio para Nico. 

— Sim, claro — Nico, encostado na parede do lado oposto onde Will estava, respondeu. 

Mentiroso. 

— Tem certeza? — Will insistiu. — Você parece um pouco triste...

Nico cruzou os braços e olhou para ele.

— Não estou triste, ok? Só não quero que meu pai me dê um sermão e me chame de irresponsável. 

E lá estava Nico usando o pai como desculpa novamente só para não admitir sua preocupação com o filhote.

— A culpa não foi sua! — Will exclamou.

— Claro que foi! Eu deveria ter visto que havia caído um pedaço de chocolate no chão.

— Nico... — Will diminuiu a distância entre eles e se apoiou na parede ao seu lado, fazendo seus braços se encostarem levemente. — Essas coisas acontecem, até o tutor mais cuidadoso comete erros. Olha, ficar se culpando agora não vai mudar o que aconteceu. E você ouviu o doutor, Cérbero vai ficar bem. 

Nico soltou um suspiro, mas não respondeu. Eles seguiram até o sétimo andar sem falar mais nada. Quando as portas se abriram, Nico foi em direção ao seu apartamento e Will  foi logo atrás dele. Ele estava preocupado com o vizinho e não queria deixá-lo sozinho agora. E, se acontecesse algum imprevisto, duvidava que Nico iria conseguir dirigir até a clínica sozinho.

Nico lhe lançou um olhar por cima do ombro, mas não disse nada. Entrou no apartamento, deixando a porta entreaberta, então Will entendeu isso como um convite para entrar também. 

Olhando em volta, dava para ver que Nico tinha mesmo saído às pressas. Ainda havia algumas compras na bancada da cozinha.

— Você vai ficar parado aí? — Nico perguntou, na frente do sofá. — Me ajude a achar o maldito chocolate. 

— Ok, certo! — ele pegou o celular e ligou a lanterna. 

Procuraram pelo apartamento todo. O chocolate provavelmente caiu na sala, mas Cérbero deveria ter levado para algum outro lugar. 

— Achei! — Will, na área de serviço, exclamou contente. 

— Graças aos deuses! — Nico exclamou, surgindo com um saquinho transparente na mão. Will pegou o pedaço de chocolate mastigado e todo babado com a mão. — Que nojo, Solace!

— É só chocolate, relaxa! Já toquei em coisas mais gosmentas do que isso — ele deu de ombros, colocando no saquinho. Nico olhou para ele com uma cara estranha. — Sabe, durante as aulas de Anatomia... 

— Ok, eu não preciso de detalhes — Nico levantou a mão livre, pedindo que ele parasse de falar. — Vá lavar as mãos. 

— Sim, senhor! — ele levantou-se e fez uma continência.

Nico revirou os olhos e pegou o celular, certamente para mandar uma mensagem ao veterinário dizendo que havia encontrado o chocolate. 

Ao voltar do banheiro, Will encontrou Nico na cozinha, guardando o resto das compras. Ele estava na ponta dos pés tentando colocar uma lata de conserva no armário. Nico definitivamente não era um cara baixo, na verdade, seu corpo era bem esguio, mas ele havia escolhido justamente a prateleira mais alta de todas para colocar os alimentos.  

— Eu te ajudo. — Will posicionou-se atrás do vizinho e ergueu o braço para pegar a lata.  — Sou mais alto.

— Só alguns centímetros, Solace. — Nico reclamou, mas deixou a lata ser retirada da sua mão.

— Pelo menos eu não preciso ficar na ponta dos pés para alcançar — ele deixou escapar uma risadinha.

— Eu não... — Nico parou de falar assim que se virou e percebeu que Will ainda estava atrás dele. E os olhos de Will imediatamente pousaram na boca de Nico.

Seu vizinho o encarou com seus grandes olhos castanhos encantadores e, quando Will deu um passo para frente, ele deu um passo para trás e bateu na bancada de granito. Nico apoiou as mãos na bancada com força, fazendo os nós dos seus dedos ficarem brancos e simplesmente ficou ali parado, esperando.

Will sorriu e colocou suas mãos na cintura do vizinho. Desta vez, não precisou dizer para Nico fechar os olhos, pois ele fez isso sozinho. Então o beijou. Queria beijá-lo de forma lenta, assim como fez na noite anterior, mas era simplesmente muito difícil se controlar depois de já saber o gosto daqueles lábios e, quando percebeu, já estava o beijando com intensidade. As mãos, que estavam na cintura fina de Nico, desceram um pouco até encontrar a sua bunda e Will o puxou para cima. Nico murmurou um palavrão quando percebeu o que estava acontecendo, mas não fez menção em sair. Pelo contrário, ajeitou-se na bancada de granito, passou as mãos pelo pescoço de Will e afastou um pouco as pernas para que ele se encaixasse ali. Quando Will beijou seu pescoço, Nico deixou escapar um gemido muito sexy que só o deixou ainda mais louco. Will encontrou a barra da camiseta de Nico e enfiou as suas mãos ali, tocando a barriga lisa do vizinho.  

Então Nico emitiu mais um ruído. Will queria muito que fosse outro gemido escapando dos seus lábios, pois mostraria que o vizinho estava gostando disso tanto quanto ele. Porém, o barulho veio de outra região do seu corpo, mas especificamente do seu estômago.    

— Acho que alguém está com fome... — Will soltou uma risadinha contra a pele de Nico. Com certa relutância, afastou a cabeça e olhou para o vizinho, mas suas mãos permaneceram por baixo da camiseta, rodeando a cintura dele.  

Bem, claro que Will estava um pouco chateado pela intromissão, mas sabia que podia beijar aqueles lábios novamente mais tarde.

— Hm, eu… — Nico desviou o olhar, parecendo constrangido. — Eu não comi nada a tarde toda. 

Will sabia que comer era a última coisa que deveria ter passado em sua cabeça após toda a situação com Cérbero, então achou melhor não fazer um discurso sobre “como se alimentar bem é importante”.

— Que tal eu preparar algo para nós dois comermos? — sugeriu.

— Ah, não! — Nico balançou a cabeça em negativa. — Eu não quero te dar trabalho.

— Tudo bem, eu não me importo! — ele sorriu, porque era verdade. — Você pode aproveitar e tomar banho. 

— Acho que estou precisando mesmo de um banho... — Nico murmurou.

— Ah, é? — questionou, fazendo seus pensamentos voarem.

Nico entendeu o que ele quis insinuar e seu rosto ficou levemente vermelho.

— Por-porque e-eu fiquei a tarde toda fora! E estava quente! Tinha muito sol! — ele tentou se justificar. — Eu devo estar fedendo a suor... — só então ele apareceu pensar nisso e tirou as mãos do pescoço de Will

— Relaxa, você continua cheiroso — E, para comprovar isso, deu uma cheiradinha no pescoço de Nico. Seu vizinho afastou-se levemente, como se sentisse cócegas.

— Hm, que bom. Mesmo assim eu vou...  lá... — ele apontou desajeitadamente na direção do banheiro.

— Ok, não demore. — Will deu um selinho nele e se afastou, indo para trás e deixando o caminho livre.

Nico assentiu e desceu da bancada, saindo rapidamente da cozinha. Ele parecia muito, muito envergonhado e isso só o deixava ainda mais fofo.  

Will já estava meio familiarizado com a cozinha de Nico, pois havia feito comida para ele no dia em que ficou doente e achou as coisas facilmente na despensa. Ao abrir a geladeira, reparou que o vizinho havia comprado algumas frutas, coisa que não costumava fazer antes. Ele deu um sorriso involuntário, feliz por Nico ter ouvido seus conselhos e comprado alimentos mais saudáveis. Estava terminando de preparar o jantar deles, quando Nico saiu do banho usando uma camiseta preta, uma calça de flanela xadrez preta e, para sua tristeza, com os cabelos secos.

O momento em que Will secou os cabelos de Nico quando estava doente voltou à sua mente. Ainda se lembrava do cheiro bom de terra molhada que o cabelo do vizinho tinha. E como a clavícula pálida de Nico estava exposta por causa da gola da sua camiseta larga, na qual ele teve que se controlar muito para não abaixar a cabeça e beijar aquele pedaço de pele exposta. Então terminou de secar o cabelo dele rapidamente e se trancou no banheiro, antes que cometesse alguma besteira. Enquanto jogava água no rosto para se acalmar, sentiu-se um idiota por estar tendo esse tipo de pensamento pervertido justo naquele momento, afinal, Nico estava doente! A única função de Will, como futuro médico, era cuidar dele sem segundas intenções.

Porém, agora, Will teria apreciado muito secar os cabelos do vizinho novamente sabendo que não precisava mais se controlar tanto.

— Precisa de ajuda? — Nico perguntou, indo em direção à geladeira. 

— Já estou terminando. — Will respondeu,  já colocando o espaguete nos pratos e despejando o molho por cima. — Ok, prontinho!

Ele se virou para ver o que Nico estava fazendo e notou que o vizinho havia pegado algumas latas de cerveja. 

— Você vai beber isso agora?

— Meu refrigerante acabou. — Nico deu de ombros, então abriu uma das latinhas e deu um gole. — Quer uma?

Will não costumava beber álcool no meio da semana por causa da aula, mas estava com medo que o vizinho tomasse tudo aquilo sozinho, então assentiu. 

Nico sentou-se à mesa com a sua coleção de latinhas e Will colocou um prato na frente dele como se fosse um garçom. 

— Sua refeição está pronta, senhor — Will tentou imitar um sotaque italiano, sem muito sucesso.

Nico pressionou os lábios, tentando não rir.

Grazie — ele agradeceu em italiano.

— Então, como está? — perguntou com expectativa

— Nada mal — ele limitou-se a responder com a expressão neutra.

— Só isso?  — Will observou Nico colocar outra garfada na boca. — Você está praticamente devorando a comida. 

— Eu só estou com muita fome — ele cobriu os lábios com a mão ao falar porque estava de boca cheia.

Eles continuaram comendo em silêncio. De vez em quando, Will olhava para Nico, que estava concentrado demais devorando seu segundo prato de espaguete para perceber. 

— Coma devagar, a comida não vai sair correndo — Will riu, tomando um pequeno gole da sua cerveja. Nico assentiu e tomou um grande gole da sua latinha, fazendo uma careta depois. — Se você não gosta de cerveja, por que comprou então?

 — Porque é mais barato do que comprar uma garrafa de vinho — ele deu de ombros. — E também não me deixa bêbado tão facilmente. 

Bem, fazia sentido. Vindo de uma família italiana, Nico deveria estar muito mais acostumado com vinhos, o que teoricamente era uma bebida mais forte. Will estava um pouco mais aliviado, já que a cerveja não surtiria tanto efeito assim. Mesmo assim, Nico já havia esvaziado duas latas, sozinho. Enquanto isso, Will tinha deixado a sua única pela metade. 

Will ia lavar a louça, mas lembrou-se que Nico só usava a máquina, então simplesmente colocou tudo lá dentro. Quando ele terminou e saiu da cozinha, viu que Nico estava sentado no sofá, mexendo no controle remoto. 

— Você deveria descansar um pouco — Will observou Nico, que parecia um pouco mais pálido do que o normal, dar um bocejo. 

— Não estou cansado, é porque eu comi muito — ele se justificou. — Quer ver um filme?

— Sabe o que significa convidar alguém para ver um filme com você? — Will arqueou uma sobrancelha de forma sugestiva. 

Estranhamente, Nico não pareceu envergonhado e até mesmo o encarou nos olhos ao falar:

— Se você ficar de gracinha, eu retiro o que eu disse. 

— Ok, ok! — jogou as mãos para cima em sinal de rendição. — Eu vou me comportar.  

— Ah, tem uns pacotes de pipoca na despensa. Faça para nós. — Nico ordenou, sem nem ao menos tirar os olhos da TV. Folgado. 

Will arregalou os olhos. Como é que esse garoto ainda tinha espaço para pipoca se havia acabado de comer dois pratos cheios de espaguete? Ele estava alimentando uma lombriga dentro do estômago?

— Você acabou de comer, ainda está com fome? — perguntou. 

— Não tem graça ver filme sem comer pipoca — ele deu de ombros.  

Will revirou os olhos, achando que o vizinho só estava sendo guloso naquela hora da noite, mas ao perceber que Nico havia levado o resto das latinhas de cerveja para a sala, achou que seria melhor ingerir o álcool comendo algo junto. Ele não gostava de pipoca de micro-ondas porque tinha muitos conservantes, mas era obrigado a admitir que era muito mais fácil de fazer. E, ok, também era bem gostosa! Então acabou fazendo uma de chocolate.

Quando ele finalmente sentou-se no sofá com o pacote de pipoca, Nico estava vendo a sinopse de um dos filmes. E era de terror. 

— Hm, esse aí? — ele perguntou, evitando olhar para a televisão. Só o pôster do filme já era assustador demais. 

— Como um futuro médico pode ser tão medroso? — Nico debochou. 

— É diferente. Não tenho medo de sangue, nem de mexer em cadáveres nas aulas de Anatomia, mas realmente não gosto de bruxas, fantasmas, vampiros, zumbis e afins. — explicou.

— Ou seja… apenas coisas que não existem na vida real. — Nico concluiu, revirando os olhos.

— Você não me entende, porque é corajoso demais!

— Não sou, você que é medroso demais. — ele bufou. — Ok. Vou escolher outro filme — e então clicou para olhar os últimos filmes adicionados no catálogo.

Enquanto procurava outro filme, Nico usou a mão livre para pegar um pouco de pipoca. Assim que botou na boca, fez uma leve careta.

— Chocolate? Eu não gosto de coisa doce.

— Então por que você tinha uma pipoca doce na despensa?

— Reyna quem trouxe na última vez que veio aqui ver filme comigo. Eu falei para ela levar de volta, mas ela não quis — ele bufou.

— Você e Reyna costumam ver muito filmes juntos? — Will perguntou, tentando não soar muito suspeito. Nico apenas assentiu. — Só aqui ou na casa dela também?

— Às vezes, aqui. Às vezes, lá.

— Ela mora sozinha?

Nico virou a cabeça e o encarou, um leve sorrisinho debochado brotando nos lábios.

— Por quê? Ciúmes, Solace?

— Claro que não! — exclamou. Quer dizer, é claro que ele ficou levemente enciumado quando conheceu Reyna, afinal, ela parecia muito próxima de Nico. Mas foi o desespero do vizinho em dizer que ela era só uma amiga e que nunca tinha namorado uma garota para deixar Will totalmente tranquilo. — Só não quero que ela monopolize todo o seu tempo livre.

— Hm, certo...

— E você ainda não respondeu a minha pergunta.

— Ah, você está falando do irmão que mora com ela?

— Ela tem um irmão? — Will praticamente gritou. — Ele é muito bonito?

Então Nico olhou bem nos olhos dele e riu. Uma risada alta e barulhenta! Em outro momento, Will teria apreciado muito ver o seu sorriso, mas não agora. Porque Nico estava rindo dele!

— Você tinha que ver a sua cara agora! — Nico enxugou uma lágrima invisível. — Ela mora com a irmã mais velha. Fique tranquilo, as únicas presenças masculinas naquela casa são os dois cachorros de Reyna. — deixou claro.  

— Não teve graça... — Will fungou.

— Sim, teve. 

Will colocou um punhado de pipoca na boca para acabar com o assunto e ficou observando Nico mexendo no catálogo. Foi então que algo chamou a sua atenção.  

— Não acredito! — Will tirou o controle da mão de Nico tão rapidamente que ele nem teve tempo para reagir. — Eles adicionaram todos os filmes de Star Wars! Vamos ver, por favor! Por favor! — ele praticamente implorou.

— Espera, vamos ver se eu entendi: você tem medo de assombrações e outras criaturas místicas, mas está bem com esse mostro peludo e feio? — Nico franziu o cenho, apontando para o Chewbacca no pôster.    

— Ei, Chewie não é um mostro! Ele é um alienígena da raça Wookie, vindo do planeta Kashyyyk! Ele é muito inteligente e um ótimo mecânico, e também é o melhor amigo do Han Solo. É um dos melhores personagens da franquia! — Will explicou em um tom de voz tão alto que parecia estar brigando.

— Ah, inferno, você é mesmo um fã! — Nico deu um suspiro alto, como se ele ainda não conseguisse acreditar nisso. — Tudo bem, podemos ver isso então — deu de ombros, como se não tivesse uma opção melhor.

Uau... Nico havia acabado de chamar sua franquia de filmes favoritos de “isso”?! Ninguém menosprezava Stars Wars na frente de Will e saía impune! Ele faria o vizinho gostar dos filmes, nem que fosse a última coisa que fizesse na vida!

— Relaxa, aposto que você vai gostar! — Will garantiu, com um sorriso confiante no rosto. — No fim, vai até me agradecer por te levar para o “lado negro da força”!

— Lado negro? — Nico franziu o cenho, não entendendo a referência.

Céus! Will teria muito mais trabalho do que imaginava.

— Esquece... — deu um suspiro. — Você vai entender quando assistir.  

— Ok. — Nico assentiu, mas ainda parecia confuso. — Ei, coloque no primeiro! Ao contrário de você, eu nunca vi os filmes.  — exclamou, quando viu que Will estava clicando no pôster de “Star Wars IV: Uma nova esperança”.

Will respirou fundo.

— Sei que pode parecer estranho, mas é melhor começar pela trilogia original, que são os filmes IV, V e VI. Depois, vem a segunda trilogia, que se passa antes, com os filmes I, II e III. Por último, os filmes novos. — Ele tentou explicar de uma forma simples. — Acredite em mim, será mais fácil de entender assim.

— Ok, acredito em você, nerd. — Ele zombou.  

Will ignorou o comentário e deu play no filme antes que Nico mudasse de ideia. Ele já havia visto o filme diversas vezes, sabia até as falas decoradas, então ficou observando o vizinho pelo canto de olho. Nico encarava a tela com uma expressão indecifrável, não dava para ter certeza se ele estava gostando ou odiando o filme, enquanto enchia a boca de pipoca e dava pequenos goles na sua latinha de cerveja. Ah, isso era tão frustrante!

Will pegou outra latinha e abriu, temendo que Nico fosse tomar todas sozinhas. Mesmo que ele fosse teimoso e não quisesse admitir, estava claro que Nico estava bebendo porque não queria ficar pensando em Cérbero sozinho no outro lado da cidade. De vez em quando, ele até olhava para o celular, como se estivesse esperando alguma mensagem ou ligação da clínica.

— Ei, é o Harrison Ford! — Nico apontou para a TV assim que o Han Solo apareceu em cena. — Não sabia que ele estava nesse filme.

— Não se se fico mais chocado por você descobrir isso só agora ou por conhecer o ator — debochou.  

Nico bufou e tomou outro gole da sua cerveja.

— Francamente, Solace, você acha que eu nasci no começo do século passado? É claro que eu o conheço! Já vi Indiana Jones inúmeras vezes! Eu não cresci apenas vendo filmes de terror, como você deve estar pensando.

— Eu não pensei isso... — Will murmurou. Sim, ele havia pensado.  — Ele está gato como Han Solo, não é? 

Para a sua surpresa, Nico concordou com ele:

— Sim, está. Mas ele definitivamente fica muito mais sexy de chapéu, camisa entreaberta e aquele chicote... — ele disse, se referindo ao personagem do ator em Indiana Jones. Um pequeno sorriso brotou em seus lábios como se ele estivesse imaginando a cena na sua cabeça.  

“Céus, quanto você bebeu?”, Will pensou, arregalando os olhos e então olhou para as várias latinhas de cerveja vazias na mesa de centro.

Seu vizinho não estava bêbado, provavelmente ele precisaria de muito mais do que isso para ficar realmente embriagado. Mesmo assim, dava para ver que apenas um pouco de álcool já era suficiente para deixar Nico mais relaxado e à vontade para falar sobre determinados assuntos sem ficar nervoso.   

Will gostava dessa versão dele. 

— E o que você acha do Luke Skywalker? — ele o provocou, apontando para a tela quando o jedi apareceu. — Bonito também, não é?

— É... bonitinho. — Nico de ombros.

— Você não gosta de caras loiros com olhos claros? — questionou, sabendo que ele também se encaixava nisso.

— Ah, definitivamente gosto muito de caras com olhos claros... — Um sorrisinho brotou nos lábios de Nico ao olhar para Will.

— Então esse é o seu tipo ideal? — ele perguntou, sorrindo também.

— Meu tipo? Hm, vejamos… — Nico coçou o queixo, como se estivesse pensando numa resposta, e não quebrou o contato visual com Will ao se inclinar na sua direção: — Alguém que faça Medicina, tenha medo de fantasmas e seja fã de Star Wars?!

Pelos deuses, seu vizinho sabia flertar! Ah, Will definitivamente gostava muito do “Nico bêbado”!

— Que coincidência! Eu me encaixo em todos esses quesitos — Will fingiu espanto.

— É, muita coincidência... — Nico estava tão perto que dava para sentir seu hálito.

Foi então que Will voltou-se a si antes de cometer uma besteira.

— Ei, estamos perdendo o filme — forçou um sorriso, colocando a mão no peito de Nico para impedir que ele chegasse mais perto. 

Nico o encarou por alguns segundos, então soltou uma risadinha debochada e voltou para o seu lugar.

— Uau, fui rejeitado!

— Nico, você bebeu — Will disse de forma séria. 

— Eu estou totalmente bem, só bebi umas 2 latinhas — ele se justificou.

— Não, não foi só isso — Will apontou para as várias latinhas espalhadas pela mesa de centro. O que claramente eram muito mais do que apenas duas. 

— Que seja! Preciso de muito mais do que isso para ficar realmente bêbado. — Nico disse, mas como Will não falou nada, ele continuou: — Você não acredita em mim? Devo me levantar e andar em linha reta? Ou fazer um “4” com a perna? Ou, talvez, você pode fazer o teste do bafômetro em mim com a sua boca? — sugeriu.

Céus, Nico estava mesmo testando o autocontrole de Will! Se antes já era difícil ficar tão perto do vizinho sem beijá-lo; agora, estava praticamente impossível.

— Ok, ok, acredito em você. Você está sóbrio. — Will, juntando o restinho de controle que ainda sobrava dentro dele, deu de ombros como se não tivesse sido afetado e voltou o olhar para a televisão. — Estou tentando ver o filme, não me distraía.

— Aposto que você já viu esses filmes um milhão de vezes e sabe até as falas decoradas.

— Eu não vi tantas vezes assim... — mentiu.

Covarde...

Will ignorou o comentário e fingiu prestar atenção no filme. Para não cair em tentação novamente, até mesmo colocou uma distância segura entre eles no sofá. Viu pelo canto do olho quando Nico bufou e cruzou os braços, olhando para o filme com cara de tédio.

Quando o filme já havia passado da metade, Will olhou de relance para Nico e percebeu que ele havia dormido. Bem, isso explicava o porquê dele estar tão quieto.

E você ainda disse que não estava cansado... — Will murmurou baixinho, com um sorriso nos lábios e  pausou o filme.  

Cuidadosamente, Will pegou o vizinho no colo e o levou em direção ao quarto. Nico podia ser alto, mas era incrivelmente leve. Tinha certeza que ele pulava refeições com frequência, precisava ficar de olho nele. Custou um pouco para girar a maçaneta, mas finalmente conseguiu e o colocou na cama, ajeitando o travesseiro embaixo da sua cabeça.  

Will ajoelhou-se no chão, fazendo que seus rostos ficassem na mesma altura. Passou os dedos no cabelo macio e cheiroso de Nico sem conter um sorriso gigante no rosto. Seu vizinho parecia ainda mais fofo enquanto dormia. 

— Tenha bons sonhos, Nico. — Will sussurrou, dando um beijo casto na sua testa.

Ele levantou-se e saiu do quarto, fechando a porta devagar para não fazer barulho. 

 ***

Nico acordou com a claridade entrando por uma fresta da cortina. Ele sentou-se na cama e imediatamente sentiu um dorzinha irritante na cabeça, merda! 

Ele tentou recapitular os acontecimentos da noite passada. Após voltarem da clínica veterinária, ele e Will haviam jantado. Depois, foram para a sala ver um filme. Era Star Wars. Eles haviam falado sobre Harrison Ford e Indiana Jones. E também sobre qual era o tipo ideal de Nico e... pelo Tártaro! Ele tinha mesmo flertado com Will a ponto de praticar implorar para ser beijado?! Nico com certeza precisava ficar longe de qualquer tipo de substância alcoólica! 

Mesmo com a cabeça zunindo um pouco, ele havia conseguido dormir bem. Não teve pesadelos nem acordou no meio da noite, o que era bem raro. Pegou o celular ao lado da luminária e viu que eram quase onze da manhã. Ele tinha duas novas mensagens: uma era da clínica veterinária, avisando que ele já podia buscar Cérbero. A segunda o fez abrir um sorriso involuntário ao ver o remetente: 

Bom dia! Sua cabeça está doendo muito? Deixei um remédio para você no balcão da cozinha. Tome, se precisar.

Desculpa não poder ir com você na clínica, mas tenho uma aula importante hoje de manhã. Estou com saudades do meu amiguinho peludo, me dê noticiais dele quando buscá-lo.

Ah! Sobrou espaguete de ontem, esquente e coma. Não saia de barriga vazia por aí, ok?  

—  Beijos, Will.

Nico leu a mensagem com um sorriso gigante no rosto que chegou a fazer seu maxilar doer. Não conseguia parar de olhar para a última linha, mais especificamente para a palavra “beijos”. Fechou os olhos e tocou nos lábios, lembrando-se dos beijos quentes que eles trocaram na bancada da cozinha ontem à noite.

Seu telefone emitiu um bipe e ele olhou rapidamente, achando que poderia ser outra mensagem de Will, mas era um e-mail da Editora falando sobre um projeto novo. Ele deu um suspiro, sentindo-se decepcionado e saiu da cama. Tomou banho, esquentou a sobra de espaguete no micro-ondas, tomou o remédio que Will havia deixado para ele e então saiu de casa em direção à clínica veterinária.                 

Ele preencheu a ficha de saída no balcão, pagou e aguardou na sala de espera. O dr. Underwood apareceu alguns minutos depois com o filhote, dizendo que  ele estava bem, mas podia estar um pouco cansado ainda. Receitou alguns remédios caso precisasse e pediu para não hesitar em voltar se Cérbero ficasse ruim novamente. Ele agradeceu e se despediu. Ao sair, ouviu o veterinário pedindo para a recepcionista encomendar enchilhadas de queijo para o almoço dele. 

Nico saiu da clínica e ajeitou a caixa de transporte no banco de trás do carro, usando o cinto de segurança para que não balançasse. 

— Ei, coisa peluda. Tudo bem? — Nico perguntou, colocando a mão na grade. Cérbero lambeu a pontinha do seu dedo em resposta. — Vou considerar isso como um “sim”. 

Por mais que fosse difícil de admitir isso, Nico havia ficado mesmo preocupado com Cérbero. Os dois estavam convivendo sob o mesmo teto há mais de duas semanas, é claro que ele não seria insensível o suficiente para não se importar quando a vida de alguém estava em perigo. Mesmo que esse alguém fosse um filhote de cachorro bagunceiro. 

Will estava certo, seu pai não precisava saber sobre o incidente por telefone. Talvez fosse melhor nunca saber. Contar não traria benefícios para ninguém, pelo contrário, só mostraria que Nico não era capaz nem de cuidar de um filhote de cachorro durante apenas 3 semanas sem cometer uma besteira. Cérbero estava bem e só isso importava.

Nico virou novamente para frente e ia ligar o carro quando se lembrou de algo. Pegou o celular, bateu uma foto de Cérbero dentro da caixa e mandou uma mensagem para Will:

 Cérbero ainda está um pouco cansado, mas pediu para te avisar que está bem e já está voltando para casa. Ele te mandou uma lambida :P

Ele enviou a mensagem contendo um sorrisinho e guardou o aparelho, partindo em seguida. Nico dirigiu devagar, temendo que o balanço do carro pudesse deixar o filhote enjoado. Eles chegaram ao apartamento cerca de meia hora depois e Cérbero parecia feliz em estar em casa novamente. Assim que saiu da caixa, começou a farejar tudo, como se tivesse ficado longe por semanas e algum outro cachorro pudesse ter invadido seu território.

O celular de Nico vibrou no bolso e ele o pegou, já sabendo de quem era a mensagem. 

 Ah, parece que alguém acordou de bom humor hoje, hein? Acho que precisamos comemorar a alta do Cérbero em grande estilo! Conheço um restaurante muito bom perto do nosso prédio que aceita cães, o que você acha?

P.S: Caso não tenha ficado claro, é um encontro ;)  

Encontro. O segundo encontro deles! Nico se jogou no sofá, mal contendo sua felicidade.

Certo, ele ainda precisava responder a mensagem! Sentou-se e clicou para responder.

 Parece uma boa ideia. Precisamos fazer reserva?

Como ainda era horário do almoço, Will não demorou em dar uma resposta.  

Não, é só chegar e pegar uma mesa. Pode ser hoje à noite, às 7?

Nico respondeu logo em seguida.

7 está bom para mim. Até de noite :)

 Ele largou o celular ao seu lado, sem conseguir conter o sorriso. Estava tão acostumado a gostar de caras que não lhe davam bola que parecia até difícil de acreditar que finalmente havia encontrado alguém que correspondia seus sentimentos!

Imediatamente, a frase daquele biscoito da sorte que ganhou no dia em que Cérbero chegou veio à sua mente: “O amor está mais próximo do que você imagina”.

Sim, estava realmente próximo esse tempo todo. Nico só não imaginava que estaria no mesmo prédio em que ele morava, mais especificamente, no mesmo andar. 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

(Pequeno dicionário de italiano de TDQP)
Grazie: obrigado

No próximo capítulo, teremos o jantar no restaurante. Uma pessoa muito amada pelo fandom ~ cof cof só que não ~ vai fazer uma aparição para tentar atrapalhar o encontro Solangelo, quem será?

Até sexta-feira que vem! õ/



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Trevo de Quatro Patas" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.