Trevo de Quatro Patas escrita por Maremaid


Capítulo 3
Will e a "ladra de cães"


Notas iniciais do capítulo

Oi, gente!

O capítulo ficou meio pequeno, mas prometo que os próximos serão maiores.
Boa leitura!



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 Will estava voltando para casa, após mais um dia na faculdade, quando avistou uma garota sentada nos degraus do prédio em que morava. Ela tinha longos cabelos negros envoltos em uma trança e era bonita, mas de uma forma intimidante. Ela não morava no prédio, Will tinha certeza disso, pois ele conhecia todos os moradores. Mesmo assim, sabia que já tinha visto a garota antes, afinal, ela tinha um rosto difícil de esquecer.

Ele ia passar reto e subir as escadas quando reparou que havia um cachorrinho junto com ela. Ele era da raça Rottweiler e se parecia muito com Cérbero.  

O cãozinho abanou o rabo assim que o viu, tentando correr na sua direção.

— Ei, calma! — disse a garota, segurando a guia com mais firmeza.

Ok, agora ele tinha certeza que aquele filhote era mesmo Cérbero. Afinal, até mesmo a coleira e a guia eram verdes!

Mas, afinal, então onde estava Nico? Essa garota poderia ser parente dele? Talvez... irmã?!

Não, ele já havia visto uma garota de cabelos compridos e lisos junto com Nico e sabia que era a irmã dele, pois eles eram incrivelmente parecidos. E essa garota não era nada parecida com nem um dos irmãos.

Outro pensamento passou pela cabeça dele: seu vizinho poderia ter perdido o cachorro novamente.

— Oi, que cachorro fofo — Will sorriu, abaixando-se perto da garota e fazendo carinho no cão, como se não o conhecesse. — Ele é seu?

Ela olhou desconfiada para ele, mas não respondeu.

— Por que você está com ele? — insistiu. — Cadê o tutor dele?   

— Você faz perguntas demais — ela bufou.       

“E você não é nada educada”, Will pensou.  

— Eu sei que ele não é seu — Will levantou-se, mantendo os olhos na garota para que ela não fugisse. — Entregue ele para mim e eu não chamo a polícia.

Ela deu uma risada debochada.

— Polícia? Você acha que eu o roubei?

— Não sei, talvez. Mas sei que ele não é seu.  

— Eu nunca disse que era. — Ela respondeu. Bem, isso era verdade. — Mas ele também não é seu.

— E como você sabe disso?

— Porque eu conheço o tutor dele. Foi ele mesmo quem me pediu para cuidar do cachorro.

— E qual é nome da pessoa? E o nome do cachorro? — Will colocou as mãos na cintura, em sinal de desafio. — Fale e eu acredito em você!

— Boa tentativa, garoto desconhecido. Como é que eu vou saber se não é você que quer roubá-lo?

Touché.

Por mais que Will não quisesse admitir, a garota estava certa. Afinal, eles eram completos desconhecidos, não tinha como um confiar na palavra do outro.  

— Eu moro nesse prédio, ok? Sou vizinho do tutor dele! — ele exclamou, apontando para o cachorro.

Ops! Talvez ele não devesse ter dito onde morava.

— Então, prove — a garota levantou-se.

Ela era alta — não tanto quanto Will, claro, mas era alta para uma garota — e parecia ainda mais intimidante agora que estava cara a cara com ele.

Como Will poderia provar isso, sem dizer exatamente o número do seu apartamento? 

— Eu não tenho que provar nada para você! — o rapaz disparou. — Eu nem te conheço!

— Bem, então eu também não preciso. — Ela respondeu, dando de ombros.

Will estava perdendo a paciência. Ele mordeu a língua para não soltar um palavrão naquele momento.

— O que está acontecendo aqui? — alguém perguntou, os interrompendo.

Will virou-se e viu Nico saindo de um carro preto, estacionado alguns metros de onde eles estavam.

— Nico! — Will exclamou, feliz por ver o vizinho. — Você chegou na hora certa!

— É, chegou mesmo. — A garota concordou. — Esse cara acha que eu roubei o seu cachorro.

— Ei, você também achou o mesmo de mim! — Will devolveu, apontando o dedo de forma acusatória para ela.

Nico revirou os olhos, mas os cantos da sua boca se curvaram um pouquinho para cima, como se ele estivesse achando a situação engraçada e não quisesse admitir. Ele cruzou os braços e olhou para Will ao explicar:

— Está tudo bem. Precisei sair e pedi para ela cuidar do vira-lata para mim.

A garota olhou para Will como se quisesse dizer “Viu? Eu te disse”.

Will a ignorou e abriu a boca para corrigir o vizinho e dizer que Cérbero, na verdade, tinha raça, mas a garota falou antes:

— Então ele é mesmo seu vizinho? — ela encarou Will de cima a baixo, como se estivesse o avaliando com aqueles grandes olhos afiados.

— Claro que sim! Moramos no mesmo andar! — exclamou. — Não é, Nico?

— Hm, sim. — Seu vizinho concordou. — Mesmo andar.  

— Então peço desculpas por ter desconfiado de você — ela disse e estendeu a mão livre na direção dele. — Eu me chamo Reyna.

Só isso. Apenas um nome. Ela não disse exatamente qual era o relacionamento dela com Nico e isso só atiçou ainda mais a curiosidade de Will.  

— Sou o Will — ele apertou a mão dela e forçou um sorriso educado. — Sinto muito também, apenas achei que Cérbero tinha fugido de novo.

— Como assim “de novo”? — ela olhou para Nico, com uma das sobrancelhas arqueadas. Seu vizinho soltou um suspiro, como se soubesse que iria levar uma bronca.

— Depois eu te explico — Nico pegou a guia de Cérbero da mão dela, fazendo sinal para eles subirem. — Obrigado por cuidar dele para mim hoje. 

— Tudo bem, ele não deu trabalho. — Reyna deu um pequeno sorriso. Nem parecia mais a mesma garota que estava o desafiando alguns minutos atrás. — Fomos ao parque, tentei brincar com ele de pegar o graveto, mas Cérbero só queria morder o pedaço de madeira. Ele não é adestrado?

— Hm, ainda não.

 Nico e Reyna pareciam ter se esquecido da existência de Will, pois ficaram conversando sem se dar ao trabalho de olhar para trás. Mesmo assim, ele seguiu os dois para dentro do prédio.

— Por que você ficou me esperando na rua? — Nico apertou o botão para chamar o elevador. — Deveria ter subido.

— Você não me deu a chave do seu apartamento, lembra?

Nico emprestava a sua chave para Reyna quando precisava? Will não emprestava nem para o próprio pai!

— Ah... — Nico coçou a nuca com a mão livre. — Foi mal.

— Tudo bem, o clima estava bem agradável nas escadas. — Ela não olhou para trás, mas o seu tom de voz mostrava deboche ao completar: — Até alguém me chamar de ladra.

— Ei! Eu não usei a palavra “ladra”— Will a lembrou, bem atrás deles. — E eu já pedi desculpas!

O elevador chegou naquele momento, impossibilitando que Reyna fizesse mais algum comentário mordaz. Ela foi a primeira a entrar e Nico entrou logo em seguida com Cérbero. Will não se moveu.

A porta começou a se fechar, mas Nico a segurou.

— Você não vai entrar? — ele perguntou com o cenho franzido.   

— Ah, vocês podem ir sem mim. — Will sorriu, mexendo na alça da mochila nas costas. — Preciso checar minha correspondência.

Nico assentiu e de um passo para trás.  

A última coisa que Will viu antes das portas se fecharem completamente foi o sorrisinho presunçoso na cara de Reyna.

Ele bufou e foi até a parede onde ficavam as caixas de correspondência, abriu a sua, mesmo sabendo que não havia nada dentro. Isso havia sido apenas uma desculpa para não subir com os dois.

Afinal, o que havia acabado de acontecer? 

Sempre que Will tentava puxar papo com Nico, ele só respondia o necessário, usando pouquíssimas palavras. Mas com Reyna ele era diferente. Eles eram tão próximos assim? Por que ele conversava com ela com tanta facilidade e usando frases longas?

Por mais que Will não quisesse admitir, isso o deixava muito incomodado.  

***

— Você não me disse que tinha um vizinho tão bonito — Reyna quebrou o silêncio dentro do elevador.   

 Nico sabia que ela iria tocar nesse assunto em algum momento, só não imaginou que seria tão cedo.

— Acho que eu me esqueci de mencionar isso — ele tentou não transparecer que estava afetado com o assunto.  

— Ou só não queria dividi-lo com mais ninguém... — ela supôs.

— Sobre que você está falando? Ele é meu vizinho, só isso. — Nico respondeu, revirando os olhos. 

— Claro, acredito — o tom de voz dela dizia o oposto.

— Por quê? Você ficou a fim dele? — ele deixou escapar.

— Cruzes! — Reyna fez uma careta. — Ele é atrevido demais, não gosto de caras assim.

Nico ficou feliz em ouvir isso, afinal, a última coisa que ele queria era “competir” com sua melhor amiga por causa de um cara.

— Além disso, acho que não faço o tipo dele. — A amiga completou.

— Você acabou de conhecê-lo, por que acha isso? — ele franziu o cenho para Reyna, sem entender.

O elevador chegou ao sétimo andar e eles saíram. 

— Não sei, apenas senti isso. — Reyna deu um sorriso contido, não querendo compartilhar sua intuição naquele momento. — Vamos entrar e você vai me contar direitinho essa história do Cérbero ter fugido.

Nico achou que o interrogatório tinha acabado, mas ele só estava começando. Nico adorava Reyna, mas ele não precisava de mais uma pessoa para dar sermão nele, Bianca já era o suficiente.

— Droga... — ele murmurou baixinho, enquanto pegava a chave para abrir a porta.

— Eu ouvi isso — ela cantarolou ao seu lado, sabendo que isso o irritaria.

***

Mesmo a contragosto, Nico contou o que houve. Até mesmo sobre o Sr. Olhos Verde-Mar do parque. Mas Reyna logo cortou as poucas esperanças que lhe restavam: Percy tinha namorada. A amiga já havia conversado com ele algumas vezes quando levou seus dois cachorros naquele mesmo parque e também havia caído nos encantos daqueles olhos lindos.

No fim das contas, Nico e Reyna pareciam não só compartilhar o mesmo gosto por garotos de olhos claros, mas também o azar em não serem correspondidos como gostariam. De qualquer forma, era muito melhor falar sobre essas coisas com Reyna. Nico não se sentia muito confortável falando sobre suas paixonites com Bianca, ela se empolgava demais com a vida amorosa dos outros porque não tinha uma. Quanto a Hazel, ela ainda era um pouco nova de mais para certos assuntos.

Graças à Reyna, que passou praticamente a tarde toda com Cérbero, Nico não precisou sair para o seu passeio vespertino com o cão. Ele teve que ir à empresa onde trabalhava resolver umas coisas e estava com medo de deixar o cão sozinho por tanto tempo. Felizmente, Reyna se ofereceu para cuidar dele. Ele apreciava muito a ajuda, mas sabia que não podia abusar da gentileza da amiga, principalmente porque ela já tinha seus próprios cachorros para cuidar. Ou seja, ele teria que se virar sozinho na próxima vez.

Quando já estava ficando escuro, Nico desceu para levar o lixo.

Assim que colocou as coisas na grande lixeira, avistou Will com sacolas de papel na mão, provavelmente voltando do mercado. Parecia que agora ele encontrava Will com muito mais frequência do que antes. Não que ele estivesse reclamando disso.

— Oi. Reyna já foi embora? — ele perguntou, puxando papo.  

— Sim.

Will assentiu em resposta e eles voltaram para o prédio, entrando no elevador. Seu vizinho não falou nada durante todo esse tempo, o que não era do feitio dele. Parecia pensativo, olhando para o espelho, sem piscar. Nico quase perguntou se estava tudo bem com ele, mas não queria ser intrometido.

— Hm, vocês se conhecem há muito tempo? — Will finalmente falou, quando o elevador chegou ao andar deles. — Você e ela.

— Acho que uns seis anos...? — Nico pensou, tentando lembrar a data exata. Parecia uma eternidade que tinha Reyna por perto. — Desde que eu entrei na faculdade.

— Entendo... — Will parou no meio do corredor e Nico fez o mesmo.  

— Por quê? — perguntou, não aguentando a curiosidade para entender o real motivo de o seu vizinho estar agindo daquela forma.

Will sempre fora tão despreocupado, aquela ruguinha se formando entre suas sobrancelhas não combinava nada com o seu belo rosto. Ele parecia incomodado, como se estivesse com... ciúme.  

Espera! Ciúmes de quem? Ele havia gostado de Reyna ou...  

Nem se iluda! Com a sorte que você tem, ele provavelmente é hétero. Sua consciência o lembrou.

Sim, Nico sabia disso. Afinal, ele sempre fora azarado quando o assunto era amor. Quando se interessava por caras solteiros, eles eram héteros. Quando não eram héteros, já estavam comprometidos com alguém. Por que era assim tão difícil achar um cara interessante? Nico nem era assim tão exigente para homens!  

— Hã? Nada! — Will sorriu, mas não era um daqueles sorrisos sinceros que ele costumava dar.  — Só achei vocês dois próximos.

— Somos só amigos, nada além disso. — Nico se ouviu dizer.

Por que ele havia falado isso? Não devia explicações da sua vida pessoal para ninguém! Mas, mesmo que suas chances com Will fossem zero, ele não queria que seu vizinho entendesse errado. 

— Pareciam até namorados... — Will comentou baixinho.  

— Eu nunca namorei uma garota antes! — ele deixou escapar, mais alto do que previra.

Will inclinou o tronco para frente, deixando eles um pouco próximos demais. Seus olhos azuis pareciam ainda mais claros do que o habitual ao perguntar:

— E um garoto?

Naquele momento, Nico congelou. O que ele deveria responder?

Se ele dissesse que não, estaria negando a sua própria existência. Tudo que ele demorou tanto para finalmente aceitar sobre si mesmo.

Mas se ele fosse sincero e falasse “sim, já saí com garotos” talvez isso espantasse o rapaz loiro na sua frente. E Nico não queria isso. Era melhor ter Will apenas como seu vizinho para sempre do que ele nunca mais olhar na sua cara.

De repente, Will deu um passo para trás.

— Desculpe, estou sendo enxerido de novo, não é? — ele abriu o seu habitual sorriso e passou a mão livre pela nuca. — Você não deve satisfações da sua vida pessoal para mim.

— Ah, tudo bem — Nico girou o anel de caveira no dedo anelar, sentindo-se aliviado, mas decepcionado ao mesmo tempo pelo assunto terminar dessa maneira. 

— É melhor eu entrar — Will parecia constrangido ao andar em direção ao seu apartamento.

Nico fechou os olhos por um momento e cerrou as mãos em punho ao lado do corpo, tentando criar coragem para perguntar algo que estava rodeando sua mente desde a última conversa deles.

— Ei, Solace!  — exclamou.

Will estava prestes a botar a chave na fechadura, mas parou e olhou por cima do ombro.

— Sim?

— Sobre o que você falou naquele dia... O adestramento. Ainda está de pé?

— Claro! — ele colocou as compras no chão, ao lado da sua porta, e foi na direção de Nico. Ele pegou o celular no bolso e o estendeu. — Me passe seu número.

— O quê?! — sua voz não deveria ter saído tão surpresa assim.

— Para a gente combinar quando vamos treinar — seu vizinho explicou.

Óbvio que era para isso! Afinal, por qual outro motivo Will iria querer o número de telefone dele, não é?

— Ah, claro — ele murmurou. Pegou o celular do vizinho, digitou seu número rapidamente e o devolveu.   

— Valeu! E agora você também tem o meu. — Will mostrou a tela do seu celular, onde aparecia que ele estava ligando para Nico, que sentiu seu celular vibrando no bolso. — Ok, agora preciso mesmo ir. Vou te mandar uma mensagem depois! Tchau!

— Ok. Tchau. — acenou, vendo Will entrar no apartamento com as compras.

Nico foi para o seu próprio apartamento e foi recepcionado por Cérbero, abanando o rabinho e o seguindo até a cozinha. Enquanto tomava um copo de água, pensou que as coisas entre ele e Will estavam tomando um rumo um tanto quanto inesperado.  

Quem diria que cuidar de Cérbero sairia melhor do que o planejado, hein? Além de conseguir passar mais tempo com seu vizinho, conseguiu até mesmo o número dele! Era só por causa do treinamento, claro, Nico estava totalmente ciente disso. Mas isso não impediu que ele se sentisse um pouquinho feliz por dentro.

Além disso, Nico não conseguia tirar da cabeça a conversa que eles tiveram no corredor apenas alguns minutos atrás. Will não parecia se importar sobre gêneros, talvez as chances de Nico não fossem zero como ele havia imaginado.

Nico nunca achou que diria isso, mas ele estava ansioso para as tais aulas de adestramento!


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Notas finais do capítulo

Gostaram de ver um pouco do capítulo pelo ponto de vista do Will? Será que ele tá mesmo interessado no Nico ou é apenas uma pessoa muito curiosa? Rs.

No próximo capítulo teremos finalmente a primeira aula de adestramento do Cérbero. O que será que vai acontecer? Façam suas apostas!

Até sexta-feira que vem!



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