A Lenda da Lua e do Sol - Zutara escrita por iacikalire


Capítulo 1
A Lenda da Lua e do Sol




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1.

 

Sentimentos de autocobrança, culpa e aversão são constantemente sentidos juntos. Zuko não sabe como senti-los separados, ele nem entende exatamente do que se compõe esse emaranhado de angústia que deixa seu peito apertado e sua mente pesada. Ele também não sabe quando isso se tornou tão intenso, mas ele supõe que essas emoções o acompanham desde os seus 13 anos, quando ele foi expulso do país pelo pai. Ele carrega isso por aí nas sobrancelhas e testa franzidas, nos gritos de comando e humor azedo. Na forma de uma cicatriz no olho esquerdo feita por seu próprio pai.

 

Enquanto olha a distância as chamas que queimam as muralhas de Ba Sing Se ele espera que finalmente, finalmente esse jeito horrível de se sentir seja substituído pela sensação de orgulho e alívio. Ele tem tudo o que perdeu de volta, sua casa, sua coroa, seu país. Até a suposta futura esposa ele tem, Mai estava ali parada próxima a ele. Ele não sente nada disso, no entanto. Pior ainda, parece que sua auto aversão praticamente ganhou vida, é como se ele pudesse ouvir sua própria voz dentro de sua cabeça gritando, berrando e incendiando tudo, dizendo o quão indigno e repugnante ele é.

 

Ele gostaria de falar com seu tio. Expor tudo isso, buscar seus conselhos sábios e enigmáticos. Mas Iroh está em algum dos navios que os seguem, preso junto com outros lordes e generais do Reino da Terra. Mai se aproxima então e ele tenta falar algo, explicar como se sente. Eles estão juntos então não é? Ele deveria ser capaz de fazer isso. Ele quer despejar pra alguém, qualquer um, o quanto ele se sente perdido e sem rumo, o quão desprezível ele sente que é agora. Ele tenta, mas só consegue produzir algumas frases desconexas e Mai se afasta, habitualmente sem interesse. 

 

Naquela noite, Zuko tenta pensar na vida que está prestes a retomar, mas tudo o que ele vê é seu tio, dizendo-lhe para escolher ele mesmo seu próprio caminho, e olhos azuis carregados com a promessa de curá-lo, de limpá-lo de sua maior vergonha.

 

2.

 

Katara não se lembra de se sentir tão amarga assim. Ela já sentiu muita raiva antes, principalmente quando lembra do que aconteceu com sua mãe, mas esse sentimento sempre vem temperado com tristeza. Agora, porém, enquanto observa as ondas do navio da Nação do Fogo que eles roubaram, ela sente que pode vomitar com a quantidade enorme de algo feio, escuro e violento que se move dentro dela.

 

Eles fracassaram em ajudar o Reino da Terra, fracassaram no melhor plano que tinham. Aang quase morreu e ela quase não foi capaz de curá-lo por quase estupidamente usar a água do oásis espiritual no garoto que foi responsável por sua derrota. Ela se sentia ferver internamente, sentia a água abaixo do navio se revirando com a raiva, o ódio que ela sentia por tudo isso. Por Zuko, que ela deu um voto de confiança e isso quase acarretou a morte de Aang, pela Nação do Fogo, que destruiu tudo o que ela tinha, sua casa, sua família, sua vida. Pelo homem que arrancou sua mãe dela e a deixou sozinha, com uma aldeia semi destruída e com uma avó e um irmão para cuidar. Por seu pai, que partiu por anos na guerra e deixou que ela cuidasse de tudo sozinha, que ela enfrentasse não só a perda da mãe, mas o medo constante de perder o pai.

 

Era como se finalmente uma represa fosse liberada dentro dela, ela sentiu tudo de forma crua e primitiva. A guerra era real demais e exigia um preço alto demais. Ela estava com quase 15 anos, mas se sentia muito mais velha, como se tivesse vivido e sofrido o suficiente para mais de uma vida.

 

3.

 

A vida no palácio como príncipe é vazia de qualquer significado. Implorar pela ajuda do tio Iroh não surtiu nenhum efeito. Conversar com Mai não muda nada porque ela é sempre rápida para assegurar-lhe que ele será um ótimo Senhor do Fogo. Ele não sabe como falar para ela que não quer ser o Senhor do Fogo, pelo menos, não dessa forma que todos esperam que ele seja. Ele continua evitando os espelhos como sempre evitou, antes porque sua cicatriz era um lembrete constante de seu fracasso, de sua desonra. Agora, porque ainda carregá-la era como um sinal de uma chance, de uma escolha que ele deixou escapar por entre os dedos.

 

Ele passa o dia se corroendo com sentimentos de aversão e culpa emaranhados e tão marcados nele que ele se sente sujo. A noite, entretanto, ele sonha com olhos azuis que prometem curá-lo, que trazem a promessa de finalmente, finalmente limpá-lo.



A ideia de invadir a Nação do Fogo é assustadora, mas também traz uma expectativa quase dolorosa. Ela se permite sentir a esperança de todos os que se reuniram ali e deixa que a sua própria ecoe com os outros. A lembrança de tudo o que eles enfrentaram para chegar nesse dia envia ondas de eletricidade sobre ela e ela mal pode acreditar que talvez tudo acabe hoje.

 

Aang a beija e ela deixa, porque esse é um dia de esperança, de conquista. Ela não sente nenhum sentimento romântico por ele, mas quando ele junta os lábios nos dela, ela lembra do que aquela vidente lhe contou todos esses meses atrás. Ela se casaria com um homem poderoso. Mas ele tem 12 anos e ela praticamente 15 e ela nem mesmo consegue imaginá-lo dessa forma, no entanto as palavras da vidente voltam para sua mente e ela não o impede. Porque ele precisava disso. Porque ela acredita que isso deveria ser o certo então, foi isso o que diz sua sorte, certo?

 

 Mas ela não tem tanta certeza disso.



O dia do Sol Negro é temido por todos os dobradores de fogo, mas esse, em especial, parece trazer paz e alívio para Zuko. Ele aceitou enfim o que realmente deveria estar fazendo, o que ele quer fazer.

 

Ele vai até seu pai e o enfrenta, deixa claro para o Senhor do Fogo sua posição e pela primeira vez é franco sobre o que pensa dele, sobre como ele foi um pai terrível, um líder péssimo. É sem surpresas que ele percebe que seu pai tenta matá-lo, mas ele não é mais aquele garotinho de 13 anos que foi queimado, humilhado e expulso. Ele sente o raio fluir por seu corpo, imita o jeito de dobrar a água para deixar que ele flua e o redireciona de volta. Uma promessa não dita de que Zuko retornará. Que escolheu não seguir o caminho imposto para ele e que transformará esse mundo em algo diferente, algo melhor.



Katara é firme quando eles deixam os adultos para trás e partem sozinhos, deixando-os para serem presos, mas ela se sente destruída por dentro. Todos os seus pesadelos se concretizam novamente e ela sente um medo cru, terrível e frio percorrer suas veias. Eles realmente podem ter certeza que a Nação do Fogo manterá os prisioneiros vivos? Sokka e Aang parecem acreditar que sim e ela se esforça para que pareça acreditar também, mas no fundo isso não é verdade. Ela sente como se já tivesse perdido seu pai. Mais uma vez e agora para sempre.

 

A chegada no Templo do Ar do Oeste é melancólica e com um tom forte de derrota. Katara sente que sua mente não desacelera, ela precisa que eles tracem novos planos, que estabeleçam quais suas metas para a partir de agora. Ela não suporta a ideia de ficar parada. Mas ela também é gentil sobre isso porque sabe que é disso que Aang precisa agora. Ela tenta ser otimista e gentil ao abordar o assunto dos novos planos, mas Aang está mal-humorado e cético e isso a deixa levemente irritada. Eles não podem assumir essa postura agora, eles não podem parar, eles precisam continuar em frente. Ela se sente grata por Sokka apoiá-la enquanto perseguem e insistem com Aang que eles devem discutir seriamente sobre como ele poderia aprender a dobra de fogo e ela até faz um bom trabalho reprimindo sua irritação quando ele os ignora e tenta chamar atenção para coisas fúteis.

 

Esse controle em seu temperamento dura só até a absurda chegada de Zuko ali. Ela sente toda a frustração e raiva pelos planos que deram errado vir à tona, ela lembra dolorosamente da última vez em que encontrou com ele, de como ela confiou nele e ele traiu isso. E, principalmente, ela se lembra de seu pai, de como ela nem pode se dar ao luxo de pensar se ele está bem ou não porque isso a destruiria. Ela ouve sem acreditar enquanto ele diz que mudou e que quer entrar no grupo e ensinar Aang a dobrar o fogo e ela o odeia por isso. Canaliza toda a sua frustração por tudo o que aconteceu, pela derrota no Reino da Terra, pela derrota na invasão, pela prisão de seu pai e aliados e é tudo culpa dele.

 

O dia seguinte começa e é o dia em que Katara faz 15 anos, mas esse é um fato secundário que ela mal dá atenção. Eles precisam descobrir como agir a partir de agora. Ela não acredita que Zuko teve coragem de aparecer aqui depois de tudo. Então, ele ajuda a derrotar o homem combustão e todos parecem aceitá-lo. Ela não. Ela nunca vai confiar nele novamente e ela faz questão de deixar isso bem claro, de avisá-lo sobre o que ela faria se ele fizesse qualquer coisa que os prejudicasse. Ela é dura em suas palavras e nem a tristeza crua e vulnerável que aparece nos olhos dele quando ela diz isso abala sua resolução.

 

7.

 

Depois da fuga da prisão, todos estão genuinamente confortáveis com a presença de Zuko. Eles riem de suas piadas, conversam calmamente com ele e ele se sente incluído. Sente que faz parte finalmente de algo que faz sentido para ele. De algo importante. Todos estão à vontade com ele, menos ela. Ela continua a ignorá-lo e desprezá-lo e isso o atinge mais intimamente do que ele gostaria de admitir. O fato dela ter confiado nele o suficiente para oferecer ajuda para remover sua cicatriz foi algo tão importante que o marcou profundamente. Ele se sentia horrível ao pensar que essa mesma garota que ofereceu tanto para ele antes, mal poderia olhá-lo nos olhos ou suportar sua presença agora. Era angustiante. Ele queria muito, quase precisava, que ela o reconhecesse, que ela visse que ele mudou, que ele não é mais o mesmo. Mas a cada vez que ela o desprezava, cada vez que ela negava suas intenções, ele sentia como se nunca tivesse saído daquele ponto perdido que estava em Ba Sing Se. Era como se ele ainda fosse o menino desesperado pela aprovação de seu pai, como se ele não tivesse mudado. 

 

Quando ele a procura para tentar entender melhor sua raiva, ela menciona novamente a morte da mãe e a compreensão o atinge como um raio. Ele acreditou por muitos anos que sua mãe estivesse morta, ele ainda não acredita que ela está viva e ele sabe o quanto esse sentimento pode ser violento e terrível. Ele entende bem a raiva, frustração e desejo de vingança que isso traz. 

 

Ele passa a noite na frente da tenda dela porque não pode esperar até o dia seguinte para encontrá-la, porque de repente ele sente que entendeu algo sobre ela, que percebeu algo sobre ela que é importante. Ele conhece bem esse sentimento e acha que pode ajudá-la, de alguma forma, qualquer forma, com isso.

 

8.

 

Ela ainda sente muita raiva de Zuko. Mesmo quando sabe que ele arriscou sua vida para tirar o pai dela da prisão, mesmo sabendo que ele largou um reino e uma coroa para ajudá-los, ela ainda não pode evitar. Ela quase odeia ele. Quando o pai dela retornou em segurança para eles, ela se sentiu menos furiosa, mas sua raiva ainda continuava igual. Ela até poderia acreditar que ele estava do lado deles agora, mas ela não confiava nele. Ela parou de conseguir dormir desde que seu pai fora preso e agora que estava solto ela ainda não conseguia descansar. Seus sonhos estavam cheios de um homem alto e vestido de vermelho, marrom e dourado queimando a vida para fora de sua mãe. Em alguns, ela sentia que voltava para a tenda só para vê-la fechar os olhos, a vida escorrendo de seus dedos como água. A presença de Zuko deixava isso tão forte que às vezes ela mal podia respirar, sentindo-se tão sufocada com todo esse desespero que ela podia vomitar.

 

Ele foi atrás dela então, cheio de frustração e perguntando quase em desespero por que ela não podia confiar nele quando todos confiavam? Ela gritou para ele de volta, ela foi a primeira que confiou nele de verdade e isso quase custou a vida de Aang. Fazia parte dos pesadelos lembrar o que ela quase fez e como isso teria tornado impossível que Aang fosse curado. Ela não sabia se sentia mais raiva dele ou de si mesma por isso.

 

No outro dia ela abriu sua tenda e encontrou Zuko sentado ali na frente, bolsas sob os olhos e parecendo horrível. O brilho nos olhos dele quase implorava e ela sentiu algo se acalmar dentro de si mesma enquanto ouvia o que ele oferecia. A única coisa que ela sentia que podia ajudá-la.

 

Desde Ba Sing Se ela sentia essa agitação, esse sentimento horrível que se agitava como o mar furioso dentro dela. Ouvir a proposta de Zuko trouxe uma espécie de apaziguamento para isso, ela se sentiu completamente lúcida, decidida. Ela sabia o que precisava fazer e faria.

 

Sokka tentou argumentar contra e ela gritou com ele, porque era óbvio que ele não entenderia como ela se sentia, ele foi protegido por sua avó e por ela própria quando sua mãe se foi. Katara cuidou dele, assumiu as tarefas que sua mãe tinha e fez de tudo para mantê-lo protegido e para que ele nunca sentisse que não fosse amado. Ela lembrou das palavras dele para Toph, quando penso em minha mãe, é o rosto de Katara que aparece na minha mente, ele pôde continuar normalmente sua infância, brincando de se tornar um guerreiro e de treinar as crianças da Tribo enquanto ela assumia tarefas reais, cuidava de coisas reais. Ele nunca entenderia.

 

Aang também não entendeu e ela não ficou surpresa por isso. Ela quase explodiu com ele quando ele comparou o sentimento de vingança que ela tinha por perder sua mãe com o sentimento que ele teve quando Appa sumiu, mas ela se conteve. Aang não cresceu  sob o manto de medo e destruição constante que a guerra trazia. Ele não viu o lugar que morava ser invadido e pessoas que ele conhecia desde bebê serem mortas na sua frente. Ele era só uma criança, novo demais para as responsabilidades que suportava e que cresceu sob o manto de proteção e cuidados. Ela aceitou resolutamente a proposta de apaziguamento que ele ofereceu quando disse que ela precisava liberar a raiva, mas sentiu seu coração apertar quando ele falou que sabia  que ela faria a coisa certa. Ele tinha essa expectativa sobre ela, como se ela fosse um anjo perfeito, imaculável. Se ele soubesse como ela se sentia agora, ficaria decepcionado.

 

9.

 

Zuko ouviu enquanto Katara contava os detalhes sobre a morte da mãe dela, sentindo a raiva e a dor que as palavras dela carregavam. A versão dela era diferente da versão contada por Sokka, muito mais carregada e violenta. Ela carregou a pior parte desse trauma. Ele se lembrou de sua própria mãe, de como ele se sentiu ao pensar que ela estava morta e como os sentimentos que Katara sentia pareciam ecoar com os dele. Ele entendia a frustração, o ódio, o sentimento de corrosão que isso trazia. Ele sempre se sentia assim quando pensava no que o pai dele fizera para ele, no que o pai dele fez para sua mãe.

 

Ele não negaria que parte de sua motivação para estar ali era para que pudesse, de algum jeito, conquistar novamente a confiança dela. Mas essa não era a verdade completa, a Nação do Fogo, o próprio Senhor do Fogo, seu pai, também havia tirado sua mãe dele. Ele não fazia ideia onde sua mãe estava, se ela estava bem ou se havia sofrido. Ele conhecia a brutalidade da Nação do Fogo e sua mente girava com as possibilidades, uma mais horrível do que a outra. Mas embora ele não pudesse fazer nada quanto sua própria mãe, ele poderia ajudar Katara a conseguir justiça para ela, ajudá-la de algum jeito a aliviar essa angústia fria que ele sabia ser tão difícil de carregar.

 

Eles correram furtivamente através da noite, invadindo uma base da Nação do Fogo, roubando a informação que precisavam. Eles invadiram juntos um navio de guerra e enquanto corriam em direção a cabine de comando, ele sentiu que eles podiam fazer qualquer coisa juntos.

 

10.

Não se preocupe com minha força, eu tenho muita, ela disse e o toque de amargura sarcástica era perceptível, eu não sou mais a garotinha que eu era quando eles chegaram.

 

Ela não pensou duas vezes antes de dobrar o sangue daquele homem na cabine do capitão. Ela só sentia o ódio e a raiva e na turbulência disso ela empurrou seu poder, dobrando a água do sangue dele à sua vontade.

 

Mas usar o poder assim, nessa forma de controle impositivo e violento, fez algo dentro dela. Era como um limite que ela cruzava e que quanto mais andasse depois dessa linha, menos ela poderia voltar ao estado anterior. Ela decidiu que valia a pena fazer isso, cruzar essa linha, para acabar com quem tirou sua mãe dela, tirou toda a felicidade de sua infância dela.

 

Ela queria que o assassino olhasse para ela, reconhecesse nela a poderosa dobradora de água que ele tinha sido enviado para matar e que agora o mataria. Mas quando o homem ofereceu a própria mãe dele como expiação equivalente para o que ele fez, ela se sentiu congelar. Ela sentiu mais nojo do que ódio. Era por isso que ela se mancharia com a violência do assassinato? Por um homem que não hesitou em oferecer a própria mãe como barganha para continuar sua vida miserável?

 

Não valia a pena e a percepção disso foi como um rio que flui depois de ser contido por muito tempo, obstruído por muito tempo. Ela não faria algo assim para si mesma por alguém tão repugnantemente desprezível.

 

Aang disse que estava orgulhoso dela, feliz que ela pôde perdoar o imperdoável. Ela tinha certeza que ele não se sentiria assim tão orgulhoso se soubesse dos pensamentos dela, que ela realmente e sinceramente mataria aquele homem. Ela nunca seria capaz de perdoá-lo e ela nem ao menos queria isso.

 

Ela nunca perdoaria o assassino de sua mãe, mas olhando o olhar incerto e deslocado nos olhos dourados de Zuko ela sabia que já o tinha perdoado. Ela o abraçou então, sentindo o calor natural dele envolver seu corpo e apaziguar seus últimos vestígios de raiva. Ela sentiu finalmente paz.

 

11.

 

Ela se senta, naquela mesma noite, no pátio da casa imperial da ilha Ember, quando todos estão dormindo, e contempla os acontecimentos dos últimos dois dias. Zuko aparece timidamente, quase receoso em se aproximar e ela sorri para ele, convidando-o. É estranho, mas ao mesmo tempo não é. Eles tomaram um navio com soldados treinados juntos, ele viu as coisas que ela fez, ela se sente estranhamente próxima dele agora.

 

Ela explica para ele, conta com sinceridade, que ela teria matado aquele homem, mas que mudou de ideia, que não achou que valia a pena trazer essa violência sobre si mesma por alguém tão nojento. Ele escuta e parece considerar as palavras dela com atenção. E então Katara escuta a história de um garoto de 13 anos, que foi expulso de tudo o que conhecia, de sua casa e país por seu próprio pai, condenado a perseguir uma tarefa impossível. Ele conta como foi forçado a crescer subitamente, a deixar de ser o garoto inocente e idealizador e ela pode sentir o eco disso em sua própria história, na forma como toda sua inocência infantil se perdeu junto com sua mãe e de como repentinamente ela assumiu responsabilidades muito sérias para alguém tão jovem. Eu entendo o que você quis dizer, ele diz, com não trazer essa violência para si mesma por alguém que não merece. Ele explica a tentativa de seu pai de matá-lo, no dia do Sol Negro, de como ele redirecionou o raio dele e como poderia ter usado isso para atingí-lo com um golpe fatal, mas que não fez isso. Ele se pergunta se deveria ter feito e expõe isso para ela. Ela olha para ele, percebe que ele conhece bem o sentimento de algo que ultrapassa seus limites e que ameaça te transformar para sempre. Ela sente que finalmente alguém entende isso que ela sente, essa raiva e frustração pelo sofrimento que passou, a responsabilidade de aguentar mais do que deveria para sua idade. Eles sorriem um para o outro no silêncio e na escuridão da noite, selando, de certa forma, esse tipo de compreensão mútua como um segredo que eles guardarão para sempre.



Zuko revelou mais do que esperava para ela. Ele culpa a própria casa na ilha e como ele subestimou o quanto as memórias de infância o afetariam, ele se sente exposto, de repente subjugado com o quanto sente falta de momentos familiares, de se sentir feliz. Mas é bom falar e a forma como Katara escuta e parece entendê-lo faz com que Zuko sinta que pela primeira vez está sendo visto.

 

13.

 

O grupo todo entra numa rotina tão natural que é como se estivessem lá há meses. Zuko e Aang sempre treinam algumas horas antes e depois do meio-dia e Katara intercala lutas com Toph ou Sokka e Suki. Ela fica até surpreendentemente maravilhada quando vê que Zuko distribuiu as tarefas e convenceu Toph a realizá-las. Era bom não ser tachada como a chata pela primeira vez. Mas é quando Zuko chega no meio de uma discussão que ela estava tendo com Toph, Sokka e Aang e diz o quanto a ideia deles de visitar o festival de jogos da cidade era estúpida e atrairia atenção desnecessária que ela se sente aliviada por não ter que carregar o peso de ser a única responsável por todos.

 

Ela e Zuko facilmente entram num acordo para treinar durante os crepúsculos e os amanheceres. Era bom que eles treinassem um contra o outro, principalmente considerando que seus elementos em batalha ofereciam os maiores desafios um para o outro, dado seu caráter oposto. Além disso, nesses horários seus poderes estavam mais equilibrados e a luta era mais justa

 

14.

 

Eles aceitam a ideia potencialmente idiota de Sokka de assistir à peça que conta a história da tragetória deles até aqui. É irritante e constrangedor em várias partes, Katara odeia particularmente a forma estupidamente esperançosa que ela foi retratada, mas o mais constrangedor de tudo é a insinuação que os roteiristas fizeram sobre ela e Zuko nas cavernas de Ba Sing Se. É pior ainda pensar que o modo como verdadeiramente aconteceu pode ter uma interpretação muito mais sugestiva do que a peça apresentou. Ela se sente corar e se vira para Toph ligeiramente, propositalmente evitando os olhos dele.

 

Aang também está incomodado com a peça e ela vai atrás dele para consolá-lo, ela sabe bem como a opinião dos outros o afeta. O que ela encontra, porém, não é o que ela esperava. Ela se sente pressionada com a maneira como ele questiona se as coisas na peça eram reais, se ela o via como um irmão e depois se sente incomodada com a forma que ele exige que ela responda porque eles não estão juntos depois de se beijarem no dia da invasão. Encurralada, ela quer dizer a ele que não se sente assim, que não é assim que ela vê a relação deles, mas ela sabe que ele fugiria voando como sempre faz e isso tem um risco muito alto de expô-los. Eu não sei, Aang, estamos no meio de uma guerra ela se ouve dizendo, as palavras da vidente se repetindo em sua cabeça e deixando-a confusa sobre tudo, além disso, eu me sinto muito confusa sobre… Se é seu destino, por que ela sente que isso não parece certo? Eu te amo, mas não assim, é o que ela quer dizer e não diz. Porque não sabe lidar com isso, porque ela se importa com ele e com os sentimentos dele, e não quer magoá-lo dessa forma. Aang a beija, então, e ela se afasta repentinamente, muito irritada com o desrespeito dele por sua vontade. Ela corre dali, sem notar os olhos dourados que a seguem.

 

15.

 

Está escuro quando eles voltam e todos escapam para seus quartos, amuados com o fim da peça. Aang parece mais desanimado que os outros e rapidamente escapa para poder ficar sozinho, Katara sente um pouco de pena dele, mas ainda está irritada com o desrespeito dele de antes.

 

É lua cheia e ela ainda não se sente pronta para dormir, não quando ela pode praticamente sentir toda a água ao seu redor cantando para ela. Zuko também está ali, olhos na lua como se ela tivesse um segredo que ele tenta e não consegue desvendar. Ela pode quase senti-lo, se tiver concentração suficiente, o sangue correndo pelas veias. Você quer treinar? ele oferece, a voz baixa carregada pela brisa suave. Ela quase vibra com isso, animada pela possibilidade de canalizar toda essa energia que de outra forma a deixaria acordada até o nascer do sol. Mais do que isso, depois do final horrível que a peça teve, ela quer sentir que está fazendo algo, que está evoluindo, se preparando, que eles vão conseguir derrotar o Senhor do Fogo. Ótima ideia, ela responde e então acrescenta, um sorriso escorregando nos lábios, mas é lua cheia, acho melhor se preparar. Ele ri um pouco disso e eles param frente a frente, sorrisos brincando nos lábios.

 

É bom treinar com ele porque o fogo, como seu elemento oposto, oferece dificuldades que ela geralmente não tem quando enfrenta terra ou ar. Eles lutam acirradamente por vários minutos, e depois caem sentados no banco da fonte, ela tendo derrotado-o como avisou. Ele elogia a dobra dela, genuinamente admirado com a habilidade e criatividade dela em usar a água como arma. Ela conta para ele sobre como aprendeu praticamente todo o básico sozinha, não tendo nem professor e nem materiais para aprender, sobre como lutou para se aperfeiçoar e como agora tudo isso vinha tão naturalmente para ela como se fosse sua respiração. Ele sorri para ela, impressionado, e explica que ele não era tão bom dobrando o fogo, pelo menos não tão bom quanto sua irmã, mas que ele passou seus anos do exílio focado em se aperfeiçoar, aprender mais sobre os limites de seu poder. Ele conta como sua relação com o fogo mudou, como antes era sobre buscar raiva e ódio para alimentar sua dobra e como agora ele busca seu poder na vontade que tem de transformar a realidade, de mudá-la para melhor. E eles ficam ali, sentados ombro a ombro, compartilhando em voz baixa suas histórias sobre como aprenderam a dobrar os elementos que foram-lhes presenteados pelo sol e pela lua.





16.

 

O aviso de Zuko de que eles não podem derrotar o Senhor do Fogo após o cometa de Sozin traz um efeito de responsabilidade finalística em todos, menos em Aang. Ele sabe que precisa matar o Senhor do Fogo e não quer de forma alguma fazer isso, mas também não conhece nenhuma solução alternativa. Conforme o breve tempo que eles tem passa, o estresse dele aumenta mais e ele se recusa a ouvir as opiniões que os outros têm.

 

A pressão da chegada do cometa diminui a paciência de Katara e ela sente raiva de Aang quando ele continua a se recusar a aceitar a ajuda que eles oferecem. Ele não dá nenhuma abertura, se recusa a conversar sobre e grita quando alguém faz uma tentativa e ela sente sua irritação crescer. Depois de uma briga particularmente intensa, em que Aang se afasta para se isolar como o habitual, ela está pronta para ir atrás dele, dizer-lhe que essa não é uma guerra só dele e que ele tem que aceitar ajuda, mas Zuko a impede. A mão quente dele no ombro dela a puxa para trás e ele calmamente diz a ela que Aang precisa desse tempo sozinho. É um pouco surpreendente, talvez, a maneira como ele conhece Aang agora, mas isso ajuda a mente dela a clarear e ela respira fundo, tentando se acalmar. O comportamento de Aang é no mínimo esperado, normal. Ele foi criado sob a visão de mundo pacifista dos monges e ele é novo, ainda não aprendeu a lidar com suas emoções sem fugir quando se sente encurralado. O peso da guerra a atinge novamente e ela se sente fraca, triste pelo o que Aang precisa enfrentar sendo tão novo, cansada pela responsabilidade que todos eles precisam carregar.

 

Zuko, no entanto, parece inabalável e ela se vê se aproximando dele em busca de força e apoio. E no dia seguinte, quando eles precisam se reorganizar em sua busca por Aang antes de partirem para sua missão, ela ainda busca a ajuda dele e ele oferece isso, organizando todos e trazendo uma boa solução para perseguirem.

 

17.

 

Zuko sente ansiedade e animação com a perspectiva de encontrar seu tio. Ele teme verdadeiramente que seja tarde demais, que ele cruzou uma linha e agora Iroh tenha realmente desistido dele, mas ele também quer mostrar ao tio como ele mudou, como ele está diferente. Como ele finalmente descobriu o que quer e está fazendo o que faz sentido para ele. Iroh ficaria orgulhoso?

 

Ele espera que sim e por isso se senta por horas ao lado da cama do tio, esperando que ele acorde. Quando Iroh o abraça com lágrimas nos olhos, Zuko sente seus próprios olhos queimarem. Iroh foi como um pai para ele por tantos anos e aqui está o que ele mais queria em todo esse tempo: o orgulho, a aprovação e o amor de seu pai. Ele podia sentir tudo isso dentro dos braços do tio.

 

18.

 

Quando seu tio diz que ele não pode enfrentar Azula sozinho, Katara parece a escolha óbvia como parceira. Isso é tão claro que ela já está olhando para ele, esperando que ele peça. Ele lembra de como ela agarrou a mão dele na taverna no Reino da Terra, enquanto procuravam June e caíram no meio de uma briga. Lembra de como eles são muito bons lutando juntos, tomando um barco de guerra sozinhos, combinando os elementos opostos perfeitamente de modo que um cubra os pontos fracos do outro. É o equilíbrio perfeito, yin e yang. Sol e lua. Eles sorriem.

 

19.

 

Zuko se prepara para enfrentar o golpe do raio de Azula. Ele se lembra da fluidez dos movimentos de Katara e invoca para si mesmo essa fluidez e leveza, pronto para receber o raio e- ele percebe então que a atenção de Azula se desvia no último momento e ela lança o raio, mas não nele, na direção de…

 

Ele não pensa exatamente sobre o que está fazendo, sua mente totalmente focada em impedir que Katara seja atingida pelo raio. Ele pula na frente, recebendo o impacto do raio no peito com toda a intensidade. Ele pode sentir a eletricidade percorrer seu corpo e ele entra e sai da consciência, vagamente ouvindo Katara gritar seu nome. Ele se força a se levantar, para tentar ajudá-la, Azula agora está perseguindo-a, mas ele mal consegue se mover.

 

20.

 

Katara sente que mal pode respirar enquanto vê o raio de Azula vindo diretamente para ela e sendo interceptado por Zuko, que cai desacordado com a força disso. Ela não tem muito tempo para absorver tudo, porém, porque no instante seguinte Azula está vindo em sua direção e o Cometa de Sozin deixa sua dobra de fogo, que já é forte, ainda mais intensa.

 

Labaredas azuis queimam ao redor dela, muitos metros para cima, mas isso não a assusta. Ela conhece seus poderes e desliza para longe das chamas, sentindo de onde vem o fluxo de água, onde ela pode encontrar maior quantidade para dobrar. E ela encontra a sua resposta, atraindo Azula para o lugar que ela precisa e conseguindo finalmente pegá-la numa pedra sólida de gelo. Azula é acorrentada então e Katara permite ceder por um instante, momentaneamente esgotada pelo esforço, antes de correr de volta para Zuko.

 

Ele parece péssimo, mas olha para ela com olhos dourados cheios de preocupação. Por ela, ela percebe e isso quase a faz chorar. O corpo dele sofre espasmos constantes pela eletricidade e ela se abaixa, revestindo as mãos com água e curando-o.

Obrigado, Katara, ele murmura quando ela termina e ela sente que suas lágrimas finalmente derramam. Acho que eu é quem deveria te agradecer, Zuko, ela responde suavemente e ele se força a levantar, sentando-se frente a ela e encarando-a com uma intensidade que faz com que ela perca uma respiração.

 

“Você está bem?” Ele murmura, mas a voz dele tem um grau de urgência, de preocupação, enquanto ele procura por ferimentos de queimaduras nela.

 

“Eu estou” ela o tranquiliza e segura o rosto dele, incapaz de se afastar, de se desviar dos olhos dourados. “Zuko-” ela sente a voz quebrar e respira fundo, tentando de novo, “Zuko, você poderia ter morrido, por que você fez isso?” Ela pergunta o que gritou na mente dela desde o momento em que ele foi atingido, sua voz aumentando com a urgência de sua preocupação.

 

Há uma sugestão de um motivo implícito que ela tenta não considerar, mas quando ela olha para os olhos dele novamente, ela pode ver isso ali. Está escrito claramente na maneira feroz que ele olha para ela, na preocupação que ele nem tenta esconder, no afeto suave e na vulnerabilidade que ele não se importa em mostrar e em tantas outras coisas que ela se sente atordoada demais para analisar agora.

 

“Eu não poderia te deixar morrer” ele responde simplesmente, embora esteja ali sentado e indefeso, com todas as emoções expostas em seus olhos.

 

21.

 

Existe uma inevitabilidade em tudo isso, da mesma forma que, assim como na história de Oma e Shu, os amantes representavam lados opostos de uma mesma guerra e se encontraram no meio. No fato de que ele e ela dominam elementos opostos e como eles representam os dois cosmos mais importantes para os seres humanos. O sol e a lua. O equilíbrio entre duas forças, yin e yang.

 

22.

 

Zuko deixa seus olhos percorrerem o rosto de Katara e ele pensa, ali, que ela nunca esteve tão bonita. Banhada pela luz dourada, os olhos límpidos e desesperados, olhando para ele com uma espécie feroz de preocupação, de cuidado. Ele respira fundo e deixa que sua mão percorra o rosto dela, aquecendo-o. Ela se inclina ao toque dele e isso faz com que seu coração acelere ainda mais.

Ele se aproxima lentamente, cuidadosamente, observando as reações dela. Ela respira fundo e então o puxa em sua direção, delicadamente encontrando seus lábios com os dele.

O beijo deles é temperado pelo desespero do que eles acabaram de viver, mas carrega a promessa límpida de tempos melhores, de felicidade e paz. E amor.

 

23.

 

Oma e Shu se conheceram na divisão entre suas aldeias, que eram inimigas e estavam em guerra. Eles não podiam ficar juntos, mas porque o amor deles era forte, eles encontraram um jeito. Eles descobriram uma forma de dobrar um elemento à sua vontade e construíram um labirinto de cavernas onde somente eles conseguiam encontrar o caminho um para o outro. Um dia, o homem morreu na guerra entre as duas aldeias. A mulher então usou seu poder com a dobra de elemento para construir um novo mundo. Por ele. Por ela. Por eles. E porque o amor deles era tão forte, que superava até a morte, eles continuaram juntos, em outras vidas, em outros lugares, em outros momentos…

 

24.

 

Diz-se que a lenda da lua e do sol é triste, porque a lua não pode se aproximar do sol sem apagá-lo e o sol não pode se aproximar da lua sem evaporá-la. Zuko e Katara desafiaram isso, porém. A união entre eles foi o mais importante símbolo do novo mundo que surgiu após a Guerra dos Cem Anos. A representação de algo até então inconcebível, impensável. A união entre dois lados irreconciliáveis, entre os elementos que separados são opostos, mas que juntos trazem equilíbrio.


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Notas finais do capítulo

Então, é isso. Alguém uma vez disse que você termina de assistir ATLA e precisa escrever uma fanfic e essa é a minha obra resultante desse sentimento.

Acho que preciso dizer que essa história é um recorte de sentimentos que Zuko e Katara sentiram em momentos específicos e que não retrata completamente a visão que eles tinham sobre os outros personagens ou situações. Os outros personagens não foram muito aprofundados ou explorados por conta desse formato que escolhi, além disso, tenho que dizer que não vejo o Sokka da maneira como a Katara retratou e tenho certeza que nem a própria Katara tem essa visão. Como eu disse, foi o recorte de um sentimento ruim em um momento muito específico.

Com essas considerações feitas, gostaria muito de saber o que você achou da história e da forma que retratei os sentimentos deles. Em algum momento eu quero tentar expandir isso então sua opinião será valiosa.

Obrigada por ler!

se quiser conversar, minhas contas no twitter são @iacikalire ou @urisewithemoon



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