Como Você Está? escrita por Lady Murphy


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Inspirada na música Why We Ever por Hayley Williams. Essa história não era originalmente Everlark. Escrevi pensando em um casal real, mas não me senti muito confortável em fazer isso com pessoas reais, então cá estamos. Aproveite.

P.S Enquanto estiver lendo sugiro que ouça a música HYD (também da Hayley Williams) que inspirou o título da Fanfic.



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Ela estava acordada mesmo que seus olhos ainda estivessem fechados. Ela manteve a respiração baixa e esperou. A porta abriu com aquele rangido estranho e ela ouviu passos arrastados pelo carpete. Ele tentava não fazer muito barulho ao atravessar o quarto em busca de suas coisas, ela sabia. Então, ela fingiu não perceber que ele estava ao pé da cama a observando. Ela podia sentir o turbilhão de pensamentos em sua cabeça. A expressão de seu rosto. A inclinação exata de suas sobrancelhas franzidas.

Mas ainda assim ela queria poder abrir os olhos para ver a bagunça de cachos que com toda a certeza ele exibiu. Ela queria estender a mão para que ele ligasse seus dedos. Ela queria pedir para ele ficar. Ela queria poder convencê-lo. No entanto, ela teria que ouvir todo o discurso da noite anterior ser repetido, cada tentativa de dissuadi-lo sendo esquecida por mais meia dúzia de argumentos.

Metade das razões faziam sentido. O restante, ela apenas engoliu como um comprimido amargo. Eles eram amigos, amigos de longa data. Ela havia saído de um relacionamento complicado e um divórcio sofrido. Ele não queria arriscar perder o que eles tinham. Ela podia mudar de ideia algum dia, ele disse. Essa parte doeu como um corte debaixo do pé. Ela reprimiu o desejo violento de chamá-lo de covarde. Ele não era um covarde, ela sabia bem disso. Mas ele estava sucumbindo ao medo e não era de seu feitio. Nos últimos anos, ela navegou por muitos momentos sombrios que a levaram de um lado ao outro. Álcool. Autossabotagem. Greve de fome. Ela mergulhou de cabeça no concreto mais de uma vez e em algumas delas por livre espontânea vontade. Não era algo para se orgulhar, mas estava feito. 

Então, havia ele. Seu melhor amigo sentado do outro lado da sala com aquele cigarro entre os dedos contando uma piada velha que a fez rir como se estivesse ouvindo pela primeira vez. O cachorro dela parou aos pés dele e brincou com os cadarços de seus sapatos e de repente tudo pareceu muito óbvio. Ele sorriu, os olhos apertando de maneira infantil. Ela passou pelo inferno antes daquela noite. Todos os seus momentos dolorosos foram como costelas quebradas ou membros sendo arrancados, o último deles na figura de seu ex marido. Ela os relembrou e os destrinchou mais cedo no escritório de seu terapeuta. Eram como abrir feridas sob sua pele sensível. Ela chorou. Ela também aprendeu a superar.

Ele a chamou por aquele apelido bobo dos tempos de escola e perguntou o que ela queria para o jantar. Nada vegetariano, ele implorou de brincadeira. Ela jogou uma almofada nele. Mais tarde, eles se sentaram na varanda. O inverno foi embora. A brisa fresca permaneceu. Ela havia tomado banho naquele dia depois de uma semana sonhando com afogamentos e enchentes. Ele ligou para avisar que iria visitar o irmão e passaria para vê-la, então ela tomou coragem e encarou o chuveiro, não sem tremer em seus ossos. Ela o fez beber o chá de ervas que ela cultivava no quintal como parte de sua terapia. Ele preferia café, mas bebeu mesmo assim.

Ela observou seu perfil enquanto ele falava sobre a nova casa na árvore dos sobrinhos. Os cílios dele eram injustamente longos para um cara. A barba rala cobria o rosto que exibia espinhas na adolescência. E o sorriso era igual a tantos outros que ele já dirigiu a ela, mas aquele por algum motivo a fez sentir algo diferente. Ele a convidou para ir visitá-lo no fim de semana. Ela aceitou e o envolveu em um abraço que quase a levou a chorar. Então, ela o beijou. Um toque rápido de lábios. Os seus rachados pelo tempo e os dele com gosto de cigarro. Ele largou as chaves do carro e ficou por uma semana.

Eles compartilharam uma cama durante esse tempo. Sem mais. Apenas beijos inocentes e toques medidos. A conversa era fácil até que o elefante entrasse na sala. Eles não discutiram sobre o que aquelas noites dormindo lado a lado significava. Ou sobre a extensão dos beijos que trocavam. Amigos ou amantes? O que eles eram?

Na última noite dele em sua casa, ele encontrou a caixa. Aquela com as coisas do seu ex marido. Aquelas que traziam lembranças boas. Aquelas que contavam apenas metade da história de seu casamento, gravando os seus momentos felizes. Ela ia devolver. Ela só não sabia como ou quando. Ele não tocou na caixa. Ele apenas fechou a porta do armário e desceu as escadas. O assunto voltou ao jantar. Comida vegetariana. "Eu tenho que ir." Ele disse. Ela parou a colher a meio caminho da boca. "Você não precisa." Foi tudo o que ela respondeu.

Ele passou a mão pelos olhos, apertando-os como se estivesse tentando afastar alguma sombra por trás deles. "Você pode ficar comigo." Ela falou olhando para o prato colorido.

"Faz apenas um ano." Ela sentiu as palavras dele como um tapa. Então era sobre isso?

"É tempo o bastante para mim." Era mentira. Ela mentiria se isso o fizesse ficar.

"Não dá para superar 10 anos em 12 meses." Ele esqueceu totalmente a comida.

Ela encontrou os olhos dele.Dez anos. Uma década sufocando debaixo d'água. Ela passou uma década tentando fazer funcionar. Começou com uma traição. Ela era a outra, mas era jovem demais para ver além da superfície de sua paixão. Então, vieram outras. O perfume diferente nas roupas dele. As noites em que ela passaria esperando o marido chegar em casa apenas para encontrar o bilhete de motel amassado nos bolsos das calças no dia seguinte. A culpa que ela sentia por não ser o suficiente. O pedido de casamento que ela não devia ter aceitado. O vestido branco que ela não devia ter usado. A pessoa que ela devia não ter amado.

O amor ainda estava lá, preso no passado. Ela ainda amava quem conheceu quando tinha apenas 18. A memória envelhecendo melhor do que os momentos. Mas ela estava começando a emergir de volta. O ar voltando aos poucos para seus pulmões. Ela lembrou das discussões. Das acusações. Dos cacos de vidro espalhados pela sala. Das palavras odiosas. Das outras mulheres. De sua mãe. De seu padrasto abusivo. Nem tudo que amamos, nos faz bem. Ela estava deixando ir todo aquele sentimento velho. Ele estava certo, foram 10 anos, mas ela estava pronta para seguir em frente.

"Eu gosto de verdade de você. Não como amigo. Não como alguém que te conhece desde o colégio. Mas isso é muito novo. Esses sentimentos. Não é saudável. Para nenhum de nós dois." Ele estava tentando convencê-la. Ele estava tentando se convencer.

"Eu sei."

"Talvez seja uma coisa boa você ficar sozinha por um tempo."

"Eu não quero ficar sozinha. Eu quero você. Bem aqui, comigo." Seus olhos estavam úmidos, ele não podia vê-la chorar.

"Ainda somos amigos. Eu ainda vou estar aqui como seu amigo." Ele já havia decidido. Ela tentou mais um pouco. Mas, bem, não funcionou. Tudo que restou foi a promessa de mais uma noite dividindo uma cama. Ele podia ter dormido no sofá pela distância. Ele dormiu de costas para ela. Ela fez o mesmo com relutância.

O carro dele saiu da garagem enquanto ela descia as escadas. Ela não tomaria banho naquela semana. Estava frio. Ela se sentia fria.

Alguns dias depois, sentada na varanda com a xícara de chá quente em uma mão e o celular equilibrado na outra, ela enviou uma mensagem para seu amigo com quem ela dividiu a cama por algumas noites. Aquele em quem evitava pensar quando imaginava alguém a abraçando. Aquele que ela ainda podia sentir o gosto dos lábios. Ela não devia gostar do cheiro de cigarro, mas isso a lembrava do cheiro das roupas dele. Ela queria vê-lo. Quando ele viria visitá-la novamente?

 

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Notas finais do capítulo

Se você chegou até aqui, obrigada.



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