Segunda chance escrita por Laura Vieira, WinnieCooper


Capítulo 32
Capítulo 31




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/802880/chapter/32

 


Foi tudo um sonho, um conto de fadas, Catarina só conseguia concluir isso, um sonho tão bonito, cheio de cheiro, gosto, sensações, de felicidade e que agora a realidade parecia lhe enfiar um punhal em suas costas. Ela caminhava com a filha até seu apartamento e se perguntava se conseguiria esquecer tudo e voltar a viver seu sonho.

— Mãe, o que aconteceu? Você não parece bem. - Clara perguntou.

Catarina deixou que uma lágrima caísse de seu olho ao mesmo tempo a limpando. Não sabia se a lágrima era de tristeza, se a lágrima era de raiva, se a lágrima era de frustração pelas injustiças do mundo em que vivia. Talvez a soma de todas as sensações.

— A realidade está me apunhalando, filha.

Limitou-se a responder, chegando enfim em frente ao prédio, o letreiro sobre a revista feminina faiscando e o ódio dentro de si só crescendo.

— E tudo começou por aqui… - ela completou seus pensamentos em voz alta.

Ela não ia ficar parada, não ia ficar calada, Serafim estava merecendo. Puxou Clara pela mão e anunciou:

— Você está autorizada a jogar tudo o que ver pela frente no jornalista que sempre está querendo acabar com nossa família. - Clara deu um sorriso de lado empolgada e concordou com a cabeça. Catarina a guiou para dentro da revista.

Vários homens trabalhavam, um costurava num canto tentando a todo custo acertar um ponto no crochê, outros digitavam nas máquinas novas de escrever fazendo barulho, outros conversavam entre si sobre uma nova pauta para a revista, então ela encontrou Serafim, sentado com as pernas esticadas em cima da mesa, estava com o jornal de domingo na mão e lia com um sorriso nos lábios uma parte específica do papel.

Catarina sorriu de lado, pegou um cinzeiro, fez que sim para Clara que alcançou um copo, as duas jogaram os objetos ao mesmo tempo no dono da revista.

— O que é isso?! - Serafim exclamou abalado com o ataque. Olhou para o lado tentando identificar quem era o autor. Foi quando viu o rosto de Catarina perto de si, estava raivoso e decidido.

— Isso é para representar o começo dos ataques que estou sofrendo por causa de você e suas matérias em jornal falando sobre mim!

Clara alcançou outro copo e o atirou perto da cabeça de Serafim e bem longe de sua mãe.

— O quão baixo você pode chegar ao ponto de tirar uma foto minha sem minha autorização, só para estampa-lá na matéria para enfim conseguir que eu perdesse meu emprego.

— O que está dizendo?! - perguntou assustado sentindo outro objeto de vidro quase o acertar na cabeça. Clara parecia insaciável lhe atirando copos.

— Não seja hipócrita! - Catarina gritou brava. - Assuma o que fez! Nunca superou o fato de eu ter escolhido o Petruchio para me casar no lugar de um covarde como o senhor!

Clara atirou outro copo que dessa vez passou por um triz em sua cabeça. Serafim engoliu um grito de medo e disse se encolhendo na cadeira.

— Catarina, controle sua filha!

— Clara está bem controlada, ela está errando a mira de propósito, acredite.

— Eu juro que sou um grande admirador de sua família e de sua determinação em trabalhar fora para se sustentar, mesmo sendo rica.

— Pare de mentir! - Catarina gritou ao mesmo tempo em que ela e Clara atiravam dois vasos quase o acertando. - Só saiba que nunca passou pela minha cabeça casar com o senhor, um ganancioso que sempre só quis dar o golpe do baú em mim.

— Minha admiração pela mulher que é sempre foi verdadeira.

— O senhor não chega ao dedo mindinho do pé do Petruchio! Eu juro que a próxima vez que estampar minha vida num jornal sem a minha autorização e ainda com uma fotografia, eu não venho te ameaçar com vasos não, eu te levo a justiça!

Serafim arregalou os olhos observando ela e Clara pegarem outro vaso.

— Pode acertar dessa vez, filha. - Catarina a autorizou ao mesmo tempo em que as duas acertavam a cabeça dele com o vaso. - Passar bem!

Ela segurou a mão de Clara que sorria diante do jornalista desorientado. Ambas deixaram a redação da revista. A jovem parecia feliz, mas sua mãe não.

Catarina chegou em seu apartamento, desabou no sofá e começou a chorar. Não aguentou mais, todo peso do mundo parecia estar desabando em suas costas. A dor da realidade lhe atingia de forma aguda.

— Mãe… o que aconteceu? - Clara sentou ao lado dela no sofá. Tinha se sentido tão bem em fazer aquilo com a mãe, pareciam melhores amigas por um momento, queria entender sua dor.

— Ser mulher separada nesse mundo machista é tão difícil, eu tive que me demitir hoje por causa de várias injustiças. E eu amava trabalhar lá, me sentia tão bem lá. - desabafou enfim com a filha sentindo ela lhe abraçar pela barriga e deitar sua cabeça em seu peito. - Não quero nunca que sinta a dor que estou sentindo, quero te poupar desse mundo horrível que me machuca agora.

Clara sentiu-se mal por ter passado metade da manhã chorando no banheiro por um motivo tão idiota comparado ao sofrimento da mãe.

— Eu sou tão boba mãe. - confessou triste.

— Por quê?

— Passei a manhã toda chorando no banheiro da escola.

— Chorando por quê? - Clara sacudiu a cabeça envergonhada, mas prosseguiu.

— Fiz um quadro pro Miguel, eu queria presentear ele com um presente único, que só ele soubesse o significado e esperava que fosse o suficiente para ele me perdoar.

— E…?

— E então eu confirmei, ele está mesmo namorando a Elisa, estavam se beijando. Ao mesmo tempo que os vi se beijando eu senti meu coração se despedaçar e uma vontade louca de chorar que… - Clara sentiu lágrimas voltarem a cair de seus olhos, Catarina deixou que ela deitasse em seu colo e acariciou seus cabelos vendo ela chorar. - Eu me sinto tão mal em estar triste por algo tão banal. Mas eu não consigo evitar de chorar. Eu só penso que eu cheguei tarde demais para pedir desculpas para o Miguel. Agora nem amiga eu posso ser dele.

— Ah filha, sua dor não é banal… - Continuava a acariciar nos cabelos enquanto Clara chorava em seus joelhos. - Você sabe que nunca acreditei no amor, mas isso porque minha mãe não teve sorte no amor em que ela viveu com meu pai, mas eu sei que sua dor por perder o seu primeiro amor assim, não é banal. - ela acariciava os cabelos dela enquanto a via triste.

— Como faço pra sufocar isso dentro de mim?

— Amor assim a gente não sufoca filha, a gente sofre, a gente chora, nunca esquece, a gente espera ele se transformar.

— Se transformar em que?

— Às vezes tristeza, às vezes amargura, mas na maior parte das vezes ele se transforma em uma grande saudade… Saudade do que foi, do que poderia ter sido. - Catarina dizia saudosamente o que fez Clara levantar de seu colo e a encarar.

— Me diz como… como se tivesse vivido isso.

— De certa forma eu vivi isso com seu pai, durante quinze anos.

Clara abaixou a cabeça, pensou que a mãe jamais superou seu amor por seu pai nos quinze anos que viveram na Europa. Se ela não conseguiu, como conseguiria?

— Se você não conseguiu isso durante todo esse tempo, como eu vou superar o Miguel, meu melhor amigo e o único que me entende? Eu sinto tanta a falta dele.

Ela voltou a chorar e a deitar no colo da mãe. Catarina não soube o que lhe responder, talvez ela pudesse lhe dizer que ela era jovem e que tinha muitos amores ainda para viver, mas ela não acreditava muito nisso. Por hora deixou que ela chorasse sua dor enquanto ela remoía a sua, consolavam uma a outra, foi quando se lembrou de seu pai.

— Eu preciso te contar uma coisa. - Catarina sussurrou depois de minutos. Clara ergueu seu rosto a encarando. - Seu avô está mal, o médico não deu mais que alguns dias de vida pra ele.

— O que? - Clara sentiu seu coração se apertar ainda mais. Viveu tantos anos longe de seu pai que seu avô fazia o papel paterno para ela. - Eu nunca imaginei que a doença dele era tão grave.

— É estranho pensar na morte tão perto. - Catarina concordou com a filha. - Vá comigo conversar com ele, fique perto dele um pouco minha filha. Sei que seu avô foi importante para você. - Clara concordou automaticamente com a cabeça. - Você tem uma qualidade que eu não consigo ter, consegue ser carinhosa com as pessoas quando quer, eu nunca consegui abraçar meu pai como você abraça o seu pai hoje com tanta naturalidade. - Clara entortou seu rosto observando a mãe, de fato ela nunca conseguia demonstrar carinho com facilidade como ela. - Eu vou com você, acredito que com você vai ser mais fácil para mim. - Concordou com a cabeça, esperou a mãe trocar a roupa para irem juntas pegar um carro de aluguel.

xx

— Cadê sua irmã? E sua mãe? - Petruchio estranhou a falta das duas. Júnior subiu na carroça pensativo e calado.

— Minha mãe se demitiu. Vi Clara indo embora com ela quando isso aconteceu. - respondeu ainda sem encará-lo.

— Catarina se demitiu? Mas ela falou nessa manhã mesmo que gostava de vir trabalhar, aconteceu alguma coisa?

— Aconteceu. - Júnior confirmou com a cabeça lembrando do pai de Ana, tantos acontecimentos de uma vez ainda o assombravam. - Um pai de aluna foi estúpido com ela.

— Estúpido com sua mãe? Como?

Júnior encarou o pai confuso. Queria lhe explicar, mas ainda estava tentando entender tudo.

— Ele gritou com minha mãe, culpou ela, quase bateu nela. Foi horrível.

Petruchio sentiu seu coração se apertar em preocupação com a ex-mulher. Ergueu as rédeas mandando o cavalo andar, só queria encontrar Catarina.

xx

— Vovô! - Clara exclamou angustiada quando viu o avô deitado em sua cama. Ele estava mais inchado que a última vez que o viu, seus olhos estavam fechados e parecia não ter forças para simplesmente abri-los.

Catarina e Joana observaram Clara se aproximar dele e o abraçar deitado pela cintura.

— Eu não sabia que ele estava tão mal. - Catarina confessou a Joana sussurrando.

— O começo da vida é lindo, o final triste e nada bonito de se assistir.

Catarina sacudiu a cabeça agoniada. Clara relou no rosto do avô que abriu os olhos como se fosse um sacrifício enorme fazer esse simples ato.

— Minha neta mais velha. - a voz de Batista saiu fraca e muito baixa, mas todos que estavam no cômodo conseguiram identificar suas palavras. - Nasceu até mesmo antes de seu irmão.

Clara sorriu sentindo as lágrimas voltarem a invadir seus olhos, aquele dia estava sendo fácil chorar.

— Vovô, por que é tão teimoso? Eu tenho certeza que não quis ir fazer o tratamento nos Estados Unidos para economizar dinheiro. - tentou lhe dar uma bronca, mas sua voz estava chorosa.

— Infelizmente a medicina não avançou o suficiente para me salvar.

Clara negou com a cabeça, prosseguiu falando:

— Pois eu vou vender todos os meus vestidos caros da Europa que o senhor me deu, estou pintando quadros, posso vender vários para ajudar e tem meu pai. Eu ajudo ele nas vendas da loja de laticínios, posso pegar algum dinheiro por essas vendas, vou juntar dinheiro e te mandar para lá, o senhor querendo ou não…

Batista deu uma risada fraca.

— É Isso, está decidido, o senhor sempre foi como um pai para mim durante tanto tempo, não vou te abandonar agora. 

Catarina sentiu seu coração se apertando cada vez mais em ver Clara conversando com o avô, pensou no quanto o pai havia representado a figura paterna para ela durante quinze anos, mesmo a distância. Precisou sair do quarto e deixar a filha a sós com ele, assistir tudo lhe machucava. Joana foi atrás dela sorrateiramente e a observou com os olhos fechados em tristeza.

— A preocupação de seu pai sempre foi você.

Catarina abanou negativamente ainda de olhos fechados.

— Essa informação só me deixa com raiva Joana. É como se eu sempre tivesse sido um fardo para ele.

— Imagine a situação, você partindo com uma filha, mulher separada, sozinha, ele sabia que todos os caminhos que iria percorrer não seriam fáceis.

— Ele só me sustentou na Europa esses anos todos por causa do nome dele. - Abriu os olhos encarando Joana brava.

— Sim, mas também para te proteger. - respondeu Catarina calmamente o que a desarmou. - Ou está sendo fácil encarar as línguas do Brasil?

Catarina olhou para o lado evitando encará-la, de fato o dia havia lhe dado um belo bofetão quanto a poder dos mais abastados e machismo logo de manhã.

— Ele leu a reportagem no jornal, ele viu que o jornalista Serafim havia exposto toda história de sua família lá, se encheu de preocupação e foi falar com Petruchio.

— Por quê? - Odiava o fato do pai sempre agir por trás sem ela saber de nada.

— Porque ele não quer te ver sofrendo. Porque ele sabe que é praticamente impossível uma mulher separada como você se erguer na sociedade, porque ele sabe que Petruchio foi o único homem que amou na vida, porque ele quer que seja feliz, que tenha um casamento feliz, como ele teve no final da vida.

Catarina deixou que uma lágrima caísse de seus olhos, toda pose na defensiva se extinguiu. Abanou a cabeça afirmativamente.

— Vou dar a paz que ele precisa para partir desse mundo. - respondeu a Joana.

Catarina adentrou novamente o quarto, Clara parecia mais animada, mesmo ainda chorando para falar. Lhe contava as cores que usava para seus quadros e narrava sua vida na fazenda, o avô sorria fracamente, os olhos estavam fechados, a fragilidade parecia tocável.

— Clara, me deixe falar com ele? A sós? - pediu. A filha concordou com a cabeça, mas voltou sua atenção para o avô.

— Não vou embora, logo volto para não te deixar sozinho. - o beijou na testa e passou pela porta a trancando.

Catarina finalmente estava a sós com o pai.

— Não é justo tudo o que fez comigo durante minha vida!

Ela queria chegar calma, benevolente, lhe falar palavras de consolo e dizer que podia partir em paz que tudo estava bem. Mas suas frustrações gritavam sozinhas, ela não podia mentir a si mesma e nem para o pai.

— Catarina, minha filha… - Sussurrou abrindo os olhos a encarando em pé no meio do quarto.

— O senhor vai morrer e ainda continuar palpitando em minha vida? É isso?!

— Eu só… eu só quero garantir seu…

— Papai entenda! O dinheiro seu não pode controlar o mundo, não pode controlar a vida. Olhe pra você! Nem todo seu dinheiro lhe salvou. Acha mesmo que uma suposta herança só vinda a mim se me casar novamente vai me ajudar? Vai me impulsionar a fazer algo? - ela estava frustrada e ainda com a história da herança na garganta. Queria abraçar o pai, dizer que tudo ficaria bem, mentir que estava feliz e com um emprego, mas não conseguia.

— Nunca quis te comprar, nunca achei que sua vida estivesse à venda. Só fiz o que fiz pensando no seu bem.

— É a principal desculpa dos homens, "fiz o que fiz pensando no melhor". Olha o mundo em que vivemos! Estamos no meio de uma guerra por causa de um homem que só queria "o bem maior". - Catarina parecia inconformada e irredutível.

— Os filhos nunca crescem para um pai. Eu não quero que fique sozinha nesse mundo, minha filha.

Catarina suspirou cansada diante da fala dele, ela também sentia que os filhos nunca cresciam, se preocupava com Clara e Júnior como se fosse crianças, apesar de estar ainda frustrada diante do absurdo que o pai havia feito, não podia ficar até o último momento brigando com ele.

— Eu não estou sozinha. - respondeu calmamente. - Petruchio está dando uma segunda chance para que possamos enfim ter uma família. E… eu… - engoliu em seco, mas prosseguiu. - …tenho um emprego em que gosto e me sustenta antes que volte a morar com Petruchio. Estou sendo independente e estou amando viver essa nova fase da minha vida. Estou ótima!

Ela agachou perto do pai que mantinha os olhos abertos ouvindo tudo o que ela falava, parecia tão difícil para ele viver.

— …Para mim é tão difícil demonstrar meus sentimentos… - confessou. - O senhor foi um péssimo pai, mas ao mesmo tempo um pai maravilhoso. Não pense que vou ficar choramingando no velório pensando que foi um santo, não vou! Sempre avarento, enganou Joana e meus irmãos por mais de dez anos, pensava no senhor e na política antes de enfim assumir o amor… - Batista riu fraco diante da sinceridade da filha.

— O amor da Joana nesses quinze anos que vivemos juntos me salvou, me fez viver. Eu sei que o amor pode te fazer viver também… - ele respondeu a ela.

— Como eu disse, eu não sei demonstrar meus sentimentos, mas quero que saiba que sou grata a você, apesar de todos os erros que cometeu. Obrigada por tudo. - ela lhe abraçou chorosa, Batista acariciou seus cabelos como ela fizera com Clara há pouco. - Eu estou vivendo meu amor com Petruchio, vou construir minha família, vou ser feliz. Se sua preocupação sou eu, pode partir em paz.

Catarina deixou que lágrimas silenciosas caíssem de seu rosto, ficou abraçada em silêncio com o pai aproveitando talvez o último momento com ele. A maior demonstração de afeto e carinho que já tinham vivido juntos.

xx

Petruchio finalmente descobriu onde Catarina estava, passou pelo apartamento dela e descobriu por Filomena, através de um bilhete, que ela estava na mansão do Batista com a filha. Fazia tanto tempo que não pisava naquele lugar. Lembranças do passado vieram à tona. Aquela casa lhe lembrava o dia em que perdeu Catarina.

Petruchio conversou com Joana que explicou tudo o que estava acontecendo. Clara o abraçou chorando e ele tentava somar as informações em sua cabeça, mas a conta parecia difícil.

— …seu Batista tá morrendo? - sentiu Clara o apertar no abraço ainda chorando quando ele enfim entendeu tudo. - Eu não sabia que ele tava tão mal.

— Joana eu vou no quarto dele. - Júnior anunciou subindo as escadas de dois em dois degraus.

Assim que Júnior abriu a porta, viu a mãe abraçada com o avô abalada. Catarina encarou o filho na porta e se levantou.

— Seu neto está aqui papai. Eu já vou. - ela anunciou beijando o topo da cabeça do pai que no momento estava de olhos fechados.

Catarina se aproximou de Júnior e o abraçou, sussurrando em seu ouvido.

— Converse com seu avô um pouco, lhe conte sobre qualquer coisa, se despeça dele.

Júnior olhou a mãe preocupado, mas concordou com a cabeça. Catarina saiu do quarto deixando o filho a sós com seu pai. Desceu as escadas um pouco tonta, foi quando viu Petruchio na sala conversando com Joana, com Clara agarrada em sua cintura.

— Clara, venha para a cozinha comigo, vou te preparar um chá. - Joana segurou na mão da jovem que concordou com a cabeça. Ambas saíram da sala deixando Petruchio e Catarina sozinhos.

Ele se levantou do sofá e se encaminhou para perto da escada. Catarina desceu os degraus restantes e o abraçou chorando copiosamente em seus braços. Era tão bom o abraçar e se sentir protegida em seus braços.

— O que tá acontecendo meu favo de mel? - Petruchio sentia seu coração se apertar em vê-la triste daquele jeito, não era acostumado a vê-la tão triste.

Catarina queria lhe contar, suas frustrações com sua recente demissão, os gritos preconceituosos que ouviu do pai de Ana naquela manhã, as ameaças caladas de Heitor, o quanto sofreu com a perseguição de Serafim a ela no jornal, a fragilidade do pai lhe abalando e completando seu dia. Mas não conseguia fazer nada a não ser chorar.

— O que meu pai foi falar com você? Esses dias em que te procurou?

Petruchio saiu um pouco do abraço que mantinha com ela, acariciou suas bochechas limpando algumas lágrimas incessantes.

— As únicas conversas que sempre mantive com seu pai foi a seu respeito. Ele me pediu para cuidar d'ocê quando ele partisse. Mas eu tava com tanta raiva d'ocê por ter mentido sobre a Clara que eu joguei na cara dele que só queria se livrar de um problema jogando ocê pra mim.

Catarina confirmou com a cabeça, imaginou certo o pedido do pai.

— Eu te peço para conversar com ele, fale que estamos bem, que eu não estou mais sozinha. Acalme o coração do meu pai para ele poder partir em paz?

Petruchio concordou com a cabeça. Minutos depois abriu a porta do quarto. Reparou no filho ao lado do avô, lhe contava a história da asa quebrada do passarinho que tinha consertado há pouco tempo.

— …Olhe vô, eu sei consertar muito do bem bicho, passe um tempo na fazenda que conserto o senhor rapidinho. Médico nenhum tem conhecimento de coisa boa como a gente que mora no campo.

Batista sorriu para o neto apertando sua mão estendida ao seu lado na cama.

— Eu tenho certeza que seu conhecimento de mundo é melhor que muita medicina por aí. É um orgulho para mim ter um neto como você.

Júnior apertou seus olhos impedindo que lágrimas viessem, queria distrair o avô que parecia estar aguentando lágrimas demais nos últimos dias.

— Filho, quero falar com seu avô.

Júnior levantou, ainda olhando o avô.

— O senhor não vai se livrar de mim tão fácil, volto aqui pra contar do dia que ajudei a fazer um parto, o bezerro quase que morreu.

Batista concordou com a cabeça fracamente, mas ainda sorria. Petruchio esperou que ele batesse a porta atrás de si e se encaminhou para perto do ex-sogro. Não sabia como começar a falar.

— A morte de perto, como é me assistir morrendo? Está feliz meu genro?

Petruchio negou com a cabeça.

— Meus filhos estão sofrendo, a mulher que amo está chorando. Estou triste, seu Batista. Mas não pense que minha tristeza apaga tudo.

Batista notou que ele não havia lhe corrigido na palavra "genro" e percebeu que admitiu que amava Catarina.

— Ainda lembro do senhor me empurrando Catarina para casar como se ela fosse um fardo, lembro de todas as exigências, do quanto pediu para eu fingir ainda estar casado para a sua reputação, lembro do desespero de me empurrar Catarina poucos dias atrás com a desculpa de que éramos uma família.

Batista deixou que ele falasse, mas suas palavras ecoaram dentro de si, de fato devia ter sido difícil para Petruchio todos esses pedidos.

— Um pai só quer o melhor para seus filhos.

— …Lembro também do senhor cuidando da Catarina a distância, lembro de sendo um avô pro meu filho esses anos todos não o renegando, sei que cuidou de Clara como um pai. Eu não sou completamente rancoroso em relação a tudo o que fez.

Petruchio fez uma pausa, se posicionou ao lado da cama.

— Eu amo sua filha seu Batista, com todo meu coração, sei que ela me ama também. Nóis vamo construir nossa família, mesmo tardiamente. Eu não vou abandonar ela, se isso estiver te preocupando, pode partir em paz.

Batista apertou a mão estendida do genro em agradecimento. Sorriu fracamente, era um final de certa forma feliz para toda sua história com Petruchio.

xx

— …Joana, qualquer novidade, qualquer uma, boa ou má, nos avise. - Catarina pediu depois de passar a tarde toda na casa do pai com os filhos e Petruchio. Estava anoitecendo e iam embora.

— Mãe, eu quero ficar aqui, mais perto do meu avô. Me deixa? - Clara pediu a encarando.

— Se ela ficar eu também quero, tenho certeza que meu vô vai querer ouvir mais histórias. Talvez possa o ajudar.

Catarina encarou os filhos suplicantes e depois Petruchio que não sabia o que lhe responder.

— Deixe que eles fiquem Catarina, vai ser uma alegria e uma vida para essa casa. - Joana falou.

— Podem ficar. Não precisam ir para a escola amanhã, fiquem perto do avô de vocês e ajudem Joana também. - Catarina anunciou fazendo eles sorrirem um pouco, mesmo diante do momento triste.

Nas despedidas, enquanto Clara abraçava Petruchio e lhe falava para cuidar de Carijó em sua ausência da fazenda, Júnior abraçou a mãe preocupado.

— Ocê tá bem mãe?

— Estou sim filho.

— Eu ainda não tirei a imagem daquele homem da minha cabeça, será que a Ana tá bem?

Catarina acariciou o rosto de Júnior, se sentiu privilegiada em ter um filho como ele.

— Vamos dar um passo de cada vez, fique perto de seu avô, lhe dê o consolo que ele precisa para partir. Depois eu te prometo que vamos libertar a Ana desse pai tirano dela.

Júnior concordou com a cabeça um pouco aliviado em saber que a mãe também não tinha esquecido aquela história.

Quando enfim subiram na carroça para irem embora, Petruchio não conseguia parar de analisar Catarina, estava ao seu lado tão triste, ombros caídos, rosto cansado, olhos fundos, tão frágil. Subiu com ela no apartamento quando pediu para pegar uma mala de roupas para levar à fazenda.

Catarina estava pensativa organizando a mala, odiava o momento em que vivia, perdeu o emprego que tanto amava por causa de homens brancos e poderosos, o fantasma de Heitor lhe rondava a encarando como lhe alertando para tomar cuidado, Serafim e sua eterna frustração pela rejeição do passado lhe estampando em jornal, seu pai quase morrendo lhe lembrando que sem ele, ela não teria conseguido viver durante toda sua vida. E também tinha Petruchio, parado à sua frente, preocupado. Apesar de Petruchio não ser seu problema, pelo contrário, sua solução, para ela era tão absurdo pensar que estava indo para a fazenda ser feliz. Como ela poderia se refugiar numa realidade que não condizia com sua atual situação e fingir que o mundo não desabava ao seu lado?

— Eu não posso ir para a fazenda com você. - anunciou de repente.

— O que? - Petruchio perguntou confuso.

— Eu perdi meu emprego, joguei vasos no Serafim, vi meu pai praticamente morrer na minha frente. Eu não posso ir na fazenda com você e esquecer tudo como se fosse a solução. Não posso jogar meus problemas para debaixo do tapete.

— Catarina, ocê tá ouvindo o absurdo que tá me falando? Não faz sentido nenhum. - Petruchio tentou chegar perto dela, mas a mulher deu dois passos para trás.

— Para você não faz! É homem, homens nunca sabem como é difícil lutar todos os dias como mulher.

— Está me culpando de alguma coisa, é isso? - Petruchio estava confuso, mas começando a se irritar com ela. - Como eu querer cuidar d'ocê pode ser algo ruim?

— Eu vou para a fazenda, vou ser feliz em seus braços, vou sentir um calor no meu coração e o dia seguinte a realidade vai me jogar um balde de água fria. Eu não quero mais mentir a mim mesma.

— Catarina, olha o que tá me dizendo… como pode ser ruim ocê se sentir bem no final de um dia péssimo? Deixa eu cuidar d'ocê na fazenda. Deixa? Quero entender o porquê se demitiu da escola. Tô preocupado.

Ela o encarou triste, queria sim se sentir protegida em seus braços, mas também tinha a ânsia em seu peito de se mostrar uma mulher forte, vencendo sozinha sem o apoio de um homem, e isso Petruchio jamais entenderia.

— Vou ficar na casa que aluguei para morar, vou arranjar outro emprego, vou voltar a ser independente e depois eu posso voltar para você.

— Ocê voltando para mim quando é conveniente? Acha que sou o que? Um objeto que resgata quando quer?

Para ela Petruchio era sua solução, seu refúgio, sua alegria… Mas…

— Eu acabei de prometer pro seu pai que ia cuidar d'ocê.

— Eu também prometi a ele que ia ser feliz com você.

— Então o que tá acontecendo agora? Nesse momento? Eu não sei o que pensar!

— A vida está me desafiando. E eu não vou me esconder em seus braços para não encará-la. - no meio de todos seus objetivos, talvez ainda estivesse o medo no fundo que Heitor descobrisse que ela estava morando com Petruchio de novo.

— Pois então se quer, fique sozinha. Não sou um cachorro para voltar correndo quando ocê me chamar!

Ele saiu porta a fora batendo-a frustrado. Catarina desabou na cama exausta.

— É melhor assim. - tentou se convencer.

Perdeu o emprego, viu-se julgada no jornal por simplesmente lutar para viver, passou uma tarde penosa vendo seu pai se definhar em sua frente e finalizou o dia fazendo Petruchio ficar com raiva de si. Estava de volta para a realidade, não vivia mais um conto de fadas.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Segunda chance" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.