Águas de Junho escrita por Camélia Bardon


Capítulo 1
Um coração de contos de fadas


Notas iniciais do capítulo

Oie! Tudo bem com vocês? Espero que sim ♥
A one funciona tanto como independente quanto como spin-off da shor fic "A vez de Lacey". Aqui a gente tem um momento fofo de interação antes de toda a treta de A Princesa e a Plebeia.
A música de inspiração pra ela é "Raining at Midnight in June", da Gemyni. O link pra ela está nas nota finais, se quiserem ouvir!
Sem mais delongas, boa leitura!



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Anneliese detestava tempestades. Pior ainda, ainda tempestades no meio da noite, recheadas de raios que faziam a terra estremecer, dos clarões que rasgavam o céu ao meio e do vento uivante que sempre chocava as janelas umas nas outras. Tempestades diurnas eram até aceitáveis, mas tudo no escuro se tornava automaticamente aterrorizante.

A princesa tinha plena ciência de que aquele era um medo irracional. Estava muito bem protegida dentro dos muros do palácio – proteção essa reforçada pelas cobertas erguidas até o nariz –, Anneliese podia muito bem se cobrir até a cabeça, mas a ideia de não ter nenhuma noção do que acontecia no exterior era ainda mais aterrorizante do que as tempestades em si.

De que adiantava se convencer de que aquele era um medo irracional, se ele continuava vivo e em plena atividade dentro de si ao menor incentivo? Continuava sendo um medo. E Anneliese era uma garota corajosa... Ou, ao menos, era o que gostava de aparentar.

Havia uma única pessoa no mundo para quem Anneliese não conseguia mentir. E esse alguém muito provavelmente estava numa das acomodações dos empregados, plenamente adormecido para repor as energias e dar-lhe aulas bem disposto no dia seguinte.

Anneliese reprimiu um suspiro.

Suas pernas moveram-se no automático. Serafina, a gatinha felpuda, miou em compaixão à dona. Anneliese acariciou sua cabeça e partiu ao armário buscar um robe que lhe cobrisse a camisola. Já Serafina abriu mão de seu amor pela humana para permanecer em sua caminha confortável. Anneliese não a culpava.

Ao abrir a porta, Anneliese levou dois sobressaltos. O primeiro se deu pela lufada de ar frio que golpeou seu corpo. O segundo veio do choque de encontrar Julian – tutor, melhor amigo e algo mais apenas em seus sonhos – parado bem em frente à sua porta, segurando uma lamparina e...

— Oh — Julian sorriu um tanto constrangido, erguendo o que parecia ser uma caneca de leite quente...? — Boa noite, Alteza... Eu achei que gostaria disso...

Anneliese sorriu, sentindo o canto dos lábios trêmulos. Era muito difícil demonstrar vulnerabilidade.

— Eu adoraria, Julian. Eu... Entre, por favor...?

Apesar de Julian ser o único a ter permissão para entrar no quarto da princesa, ela ainda o dava o benefício da dúvida. Julian pareceu ter lido suas intenções mais profundas – fique, por favor, preciso de você—, porquanto que sequer hesitou em passar pelas portas com muita seriedade. Deixando a lamparina sobre a escrivaninha cheia de livros, Julian seguiu-a pelo quarto carregando a caneca de leite como se fosse algo sagrado.

— Apareceu na hora certa, Julian — a princesa suspirou, sentando-se na beirada da cama pálida como uma folha de papel. Um trovão iluminou o céu, fazendo com que ela se encolhesse mais um pouco. — Hoje a noite está anormalmente longa...

— Faz bastante tempo que não temos uma dessas — Julian franziu os lábios. — Até os animais estão agitados... Com exceção de Serafina, é claro.

À menção de seu nome, a gatinha miou com preguiça. Julian acariciou sua cabeça, limitando-se a dar um sorriso de escanteio.

— É... Estou preocupada com o restante do reino lá embaixo...

Julian ergueu uma sobrancelha, bem quando Anneliese tomava um gole da bebida. O líquido esquentou-a de dentro para fora, relembrando-a da sensação revigorante da infância. Lambendo os lábios para livrar-se da espuma, ela indagou num tom cômico:

— O que foi? Por que é que está me olhando desse jeito?

— Nada, é só que você mesma está apavorada, ainda sobra tempo para se preocupar com seus súditos?

Anneliese deu de ombros, um tanto acanhada.

— Eu sempre penso neles em primeiro lugar, Julian... Se não tenho permissão de vê-los, ao menos posso pensar neles. Tudo que faço ou penso, querendo ou não, é visando o melhor para eles...

Julian sorriu, olhando-a com um carinho discreto. Era ótimo que ela estivesse olhando para a caneca de leite do contrário ele não teria como se defender. Seu coração apenas sairia pela boca.

— Isso já a classifica como uma monarca bem mais zelosa e compassiva do que os reis e rainhas que já regeram esse lugar. Você será uma rainha esplêndida, Anneliese.

Finalmente, ela olhou-o com um sorriso doce. Julian sempre sabia o que dizer. Era simplesmente adorável.

— Espero que isso ainda demore muitos anos para acontecer — Anneliese riu de maneira abafada.

— Ah, sem dúvidas!

Ambos compartilharam uma risada cúmplice, bem como um olhar significativo. Julian também esperava que demorasse muito tempo para que o habitual “Alteza” se transformasse em um permanente “Majestade”. Era bem provável que sequer tivesse o direito de continuar ali depois que Anneliese se tornasse uma majestade.

De qualquer maneira, ser pessimista por antecipação faria com que ele não aproveitasse da ocasião. Por isso, Julian apenas tomou a caneca de suas mãos e colocou-a sobre a escrivaninha. Em seguida, Julian fez um gesto amplo em direção à cama.

— Seria bom descansar um pouco, Alteza... A chuva já vai passar... É só... Fechar os olhos e deixar o leite quente fazer a sua parte.

Anneliese assentiu com a cabeça, um tanto tensa. Julian acompanhou-a até a cama, sentando-se na ponta da cama de Serafina. Iluminado pela luz da lua – refletida pelo sol, Anneliese relembrou com um sorriso –, tudo parecia mais pacífico do que alguns minutos antes.

— Vai ficar aí? — Anneliese sussurrou, escondendo-se debaixo das cobertas.

— Vou, até pegar no sono. A vela está ova, não vai apagar durante esse tempo.

Anneliese desejou que ele ficasse para sempre. E ficasse ao seu lado durante as tempestades, fossem elas quais fossem. Anneliese podia realizar isso em seus olhos – afinal de contas, tinha um coração de contos de fadas –, porém...

Às vezes, ela pensava que havia grandes chances de trocar todas as riquezas que tinha para ficar mais tempo ao lado de Julian.

— Obrigada — ela sussurrou, virando-se para ele na caminha ao seu lado. Sua expressão de pavor tinha dado lugar a um sorriso doce, indiferente ao caos exterior. — Boa noite, Julian.

— Boa noite, Alteza.

Não tardou até que ela dormisse.

Quem é que se lembraria de tempestades quando havia um cavalheiro armado de uma lamparina e uma caneca de leite quente para lhe proteger?

Acima de tudo, em seus sonhos, ela desejou que Julian a chamasse apenas de Anneliese.


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Notas finais do capítulo

música: https://youtu.be/ojK3V-qyUBI
história derivada (finalizada): https://fanfiction.com.br/historia/801325/A_vez_de_Lacey/



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