1812 — Interativa escrita por Holtzmann


Capítulo 8
Capítulo VI


Notas iniciais do capítulo

Olá, como vocês estão? Espero que bem!
Vim aqui lançar - após meu speedrun para quitar todos as respostas de comentários que estava devendo a vocês - mais um capítulo desta história que estou amando tanto escrever! E espero que vocês estejam gostando de ler tanto quanto. Eu não tenho muito o que dizer desta vez. Então fiquem com o capítulo e boa leitura!



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Londres, 1812

 

Beatrice não estava tendo um dia muito agradável.

O dia estava terrivelmente quente e havia uma quantidade exagerada de pessoas ao seu redor, embora estivesse num espaço amplo e não fechado. Além disso, não estivera em seus planos iniciais estar ali. De fato, ela só aceitara ir com Zachary pois não lhe apetecia ficar em casa sozinha, somente na companhia de seu pai. Na noite anterior eles haviam tido uma discussão, mais uma que rondava entre a velha questão de casamento – o casamento dela, que ele almejava mais que tudo.

O ponto era que Beatrice não queria casar-se. Ao menos, não naquele momento. Era como se seu pai não pensasse. O seu ano de luto por sua mãe ainda não se findara e, mesmo que tivesse findado, como ela poderia pensar em algo como casamento quando ainda juntava os cacos que Dylan deixara para trás? Seu pai não sabia sobre ele, é claro. Ninguém sabia, além de ambos os envolvidos, o que ocorrera na América. E Beatrice evitava pensar sobre isto sempre que possível.

Era a primeira vez que passaria uma primavera sem sua mãe. Triz passara anos sem puder desfrutar da estação ao lado dela, mas naquele ano parecia tremendamente injusto e sofrido que não pudesse caminhar até uma campina ao seu lado, e fazer um piquenique como aquele para o qual fora com Zachary, somente com ela, seu pai e seus irmãos. E Bea saudara a nova estação com uma espécie de desejo que não conseguia exprimir em palavras. O desejo de que a vida retomasse seu curso, talvez, e se tornasse mais que uma mera existência delicada, fadada a suportar as ventanias cruéis do destino e dos infortúnios.

Ou talvez o desejo de que a vida começasse, embora aquela ideia fosse absurda, pois tinha quase vinte e três anos e já havia debutado e perdido sua mãe. Existiam dias que pareciam meses, e semanas que pareciam décadas. Não era mais uma menina que sonhava com irrealidades tolas e fora de alcance. Ela queria casar-se um dia, mas não poderia pensar em coisas como aquela naquele momento.

E se havia algo que tinha aprendido, era a não agir de acordo com as emoções.

Ela lera em algum lugar que cada pessoa tinha uma forma particular de lidar com o luto. Henry, seu irmão mais novo, lidara com ele de seu modo silencioso e discreto. Zachary lidara expelindo tudo na boemia; ele bebia e ficava com mulheres e agia irresponsavelmente, pois essa era a forma que encontrara de lidar com a dor.

E Beatrice... Bom, Beatrice escrevia.

O local escolhido para o piquenique era uma grande clareira gramada junto a extremidade de um enorme lago, a certa distância da casa da anfitriã - uma tal Lady Keeping, Condessa Viúva de Arnott. Havia uma pitoresca ponte de pedra de três arcos que unia suas bordas. Abaixo dela corriam as agitadas águas de um rio que desembocava no lago. No centro da ponte, onde Beatrice tinha parado por um momento nas primeiras horas da tarde, junto com Zachary, via-se o fluxo agitado do rio originado por uma cascata situada entre as árvores junto a este.

No outro lado do lago havia um pavilhão octagonal de madeira. Alguns dos convidados sentavam-se dentro do edifício, admirando a vista, conversando animadamente e rindo com vontade. A maioria das conversas de modo geral giravam em torno das últimas festas que haviam ocorrido, e daquelas que todos esperavam com impaciência e antecipação que ocorressem durante o resto da temporada.

Ela estava sentada numa das mantas forradas, segurando uma cópia de seus escritos preferidos de Olympe de Gouges e folheando-o distraidamente, quando seu irmão começou a se aproximar. O assistira concentrar toda sua atenção numa jovem dama que encontrara mais cedo, e agora estava retornando na companhia não só dela, mas como de outra jovem e de um homem que os seguia um pouco atrás.

Bea suspirou discretamente. O que você aprontou desta vez, Zach?

— Triz, deixe-me lhe apresentar as encantadoras Senhorita Dashwood e Senhorita Bianchi. E o irmão da Senhorita Dashwood, o Visconde Bedwyn. — seu irmão fez uma ampla saudação em direção às duas jovens, assim que pararam de frente a ela e Triz forçou-se a se levantar para saudá-los.  

Uma era loura, de olhos claros e pele corada. A outra era uma beldade de cabelos acobreados e olhos intensamente verdes, uma aparência que a destacava e diferenciava. Beatrice não precisou olhá-la mais de uma vez para notar que aquele provavelmente seria o diamante da temporada. Ambas lhe cumprimentaram sorrindo abertamente. Então Bea voltou-se por fim ao homem que as acompanhava. E todo o sangue em suas veias congelou.

Céu santo.

O sujeito inclinou a cabeça educadamente, mas por um momento Beatrice esqueceu-se dos bons costumes que tinham-lhe sido ensinados e não repousou a mão na que ele estendeu. Seu estômago apertou. Quando o homem endireitou-se e recolheu o braço novamente, seus olhos encararam-na e isso só serviu para que seu estado de perturbação triplicasse de intensidade. Olhos de maresia, o pensamento cruzou sua mente distraidamente, em meio ao seu crescente pânico. Pensou que poderia estar enganada. Tinha que estar enganada. Estava escuro, não estava? Ele poderia ser parecido, mas... Não podia ser...

Sua mente era bastante prática e racional. Triz costumava pensar em todas as possibilidades plausíveis diante de uma situação, sempre calculava todos os riscos e raramente era pega de surpresa por algum desenrolar inesperado. Ela ficou ali, parada, com a boca ligeiramente aberta como um peixe estúpido, pensando em como o mundo era um lugar pequeno e cruel e Deus uma entidade mais cruel ainda, até que despertou com a voz que somente confirmou todos os seus temores:

— Senhorita Rodwell. — ele disse, abrindo um sorriso cálido em sua direção. — De repente, este dia me parece muito mais quente e alegre.

Não havia dúvida. Ali estava ele. A testemunha de sua mentira descuidada, um dos personagens de sua noite de ilusão.

Ela nunca poderia imaginar que o encontraria novamente. Como poderia? Estava num evento e num ambiente completamente impróprios à sua classe, nem em todos os seus mais criativos sonhos poderia imaginar que alguma criatura de sangue azul pensaria em ir àquele lugar. Mas ali estava ele. Como um fantasma de outra dimensão de repente encaixado naquele ambiente ao qual não deveria pertencer.

Suas roupas em nada se pareciam com os trajes simples e abarrotados que estava usando na livraria. Vestia-se com um bom gosto intocável, mas sem ostentação. Na verdade, parecia que seu valete tinha literalmente embutido ele na sua jaqueta de fina lã azul e nas suas calças marrom-escuras. Era alto e aparentava estar em boa forma, como se levasse uma vida vigorosa. Debaixo da clara luz do sol, ela percebeu que seu cabelo era quase dourado, com leves ondulações um pouco desordenadas. Quando ele sorriu, seus dentes se revelaram perfeitamente brancos e alinhados, se destacando contra a pele. 

Mas o que prendia a atenção não era isso, e sim seus olhos. Eram muito azuis, diferentes dos de sua irmã. E perturbadores. A questão era, e Beatrice levou mais tempo do que o habitual para notar isso, talvez por ainda não ter se recuperado inteiramente do susto inicial em vê-lo, que aqueles olhos não a encaravam diretamente. Eles miravam num ponto um pouco acima de sua sobrancelha.

A mão direita dele segurava uma bengala. Ele a agarrava com firmeza tranquila, mesmo com a Senhorita Bianchi apoiada em seu braço esquerdo.

Foi aí que ela notou que o objeto não era um mero adorno. Aqueles olhos não a enxergavam.

As duas jovens que rodeavam o Visconde riram com vontade do elogio ridículo e exagerado que ele tinha lhe oferecido. Beatrice não recordava de ter reconhecido um homem tão perfeitamente atraente. E não recordava de algum dia ter desejado tanto não encontrar com alguém. A senhorita Bianchi, particularmente, gravitava perto dele como se fosse o único homem importante no mundo. Uma opinião com a qual ele provavelmente concordava.

Ela era uma pessoa bastante observadora. E reconhecia um homem frívolo e vaidoso assim que o via, um homem tão absorto em sua gloriosa pessoa que supunha que toda mulher que encontrasse cairia a seus pés. O Visconde era claramente um sedutor, mais apaixonado pelos próprios encantos do que pelas pessoas em si. Era perceptível pelo modo como sorria e agia, fazendo tudo e todos ao seu redor caírem em adoração evidente. Especialmente as mulheres.

E por mais que ela realmente não devesse se permitir fazer julgamentos tão rápidos e tão pouco lisonjeiros quando não contava com quase nada em que se basear, Beatrice era incapaz de não sentir uma profunda antipatia por ele. Por estar ali. Por ter desejado ir àquele maldito evento de classe média ao invés de dar um passeio de carruagem com alguma das dezenas de mulheres que definitivamente teriam ficado encantadas em acompanha-lo até o inferno, se tivesse feito o convite com aquele sorriso com o qual sorria agora em sua direção.

Mas como poderia condená-lo? Ela não deveria ter ido àquela biblioteca. E agora estava metida naquela enrascada, com a única testemunha de seu crime à sua frente.

Mas ele não enxerga. Não pôde ver meu rosto. Talvez ele se quer lembrasse do ocorrido. Certamente aquela noite não passara de mais uma noite de diversão que ele passara com seus companheiros. Ela certamente não parecera mais que outra mulher no meio da multidão. Começou a ver uma luz no fim daquele túnel. É claro que ele não lembraria, aquela noite não poderia ter sido tão significativa para ele como fora para ela.

No entanto, suas esperanças só duraram um instante.

— Milorde. — murmurou, recobrando sua serenidade e controle habituais. Foi incapaz, no entanto, de conter a antipatia e o desdém no próprio olhar, embora o sujeito nem pudesse notar como o encarava.

Nada no rosto dele mudou. Continuou sorrindo afavelmente, aparentemente completamente alheio a todos os sentimentos conflitantes que cruzavam a mente de Triz naquele momento. Mas isso só até Zachary estender o braço em direção à Senhorita Dashwood.

— Nutria a esperança de que me honrasse com sua companhia num passeio de bote, senhorita Dashwood? — seu irmão abriu um de seus sorrisos arrasadores em direção à bela jovem. — E você também, senhorita Bianchi. É claro que num dia bonito como esse, não posso me negar a admirar duas belezas tão estonteantes.

A senhorita Bianchi riu deliciosamente. Mas a senhorita Dashwood ergueu uma única sobrancelha, voltando-se em direção a seu irmão, receosa tanto quanto animada.

— Will? — indagou, com o rosto corado e feliz.

O Visconde deu batidinhas em sua mão, anuindo.

— Claro que deve ir, Ceci. — entregou o braço da irmã à Zachary. — Aproveite. 

Haviam quatro botes, desenhados para ser ocupados somente por duas pessoas, a que remava e um passageiro, mas Zachary não pareceu se queixar enquanto ia até o lago com as duas damas. Triz balançou a cabeça. O enfrentaria mais tarde sobre isso. Uma coisa era aprontar com viúvas e outras mulheres experientes no assunto do flerte e do envolvimento, outra completamente diferente era mexer com uma dama jovem e tão inexperiente.

Mas esse se revelou como sendo o último dos problemas com os quais ela teria de se preocupar.

— Senhorita Rodwell. Parece que nossas companhias nos deixaram. Que acha de darmos nós um passeio? — o Visconde voltou-se em sua direção. Mas agora parara de sorrir. Somente a encarava, ou encarava a sua orelha, mais especificamente. Foi nesse momento que ela soube.

Ele lembra.

Embora não pudesse explicar como, nem pudesse imaginar pior sorte que aquela. Após serem apresentados, ansiava poder escapar com Zachary e se afastar, mas ele precisava ter ido atrás das jovens belas e adoráveis e deixado-a completamente sozinha afogando-se em sua própria tensão. Embora seu irmão não soubesse, é claro, o que estava se passando ali. Quando ele perguntara sobre sua noite, ela só dissera que tinha sido boa. Nada mais. Naquele momento, arrependeu-se disto.

Contudo, talvez pudesse virar a maré à seu favor. Estar com aquele homem por alguns minutos poderia ser o suficiente para dissuadi-lo de nunca mais falar sobre seu inesperado encontro. É, ela poderia fazer isso. Poderia enfrenta-lo e convencê-lo a manter a boca bem fechada.

Olhou para o Visconde contrariada, e enlaçou suas mãos com firmeza em suas costas antes dele ser obrigado a lhe estender o braço. Até que lembrou que ele não poderia adivinhar que fizera aquilo e começou a caminhar, torcendo para que seu movimento o alertasse do fato. Ele seguiu a seu lado, somente segurando a bengala, tateando-a suavemente na grama. Não agitava a mão livre à sua mente nem andava hesitantemente. Era como se fosse uma pessoa com a visão completamente normal.

Depois de percorrer a metade do trajeto até a borda do lago, afastando-se do centro da comoção do piquenique, conforme Beatrice calculou, o Visconde abriu a boca antes que ela mesma pudesse fazê-lo:

— Que dia mais esplêndido, não acha? — perguntou, como se desejasse quebrar o gelo. Olhou-a abrindo um sorriso; ou melhor, olhou a aba de seu chapéu, que estava à altura de seu ombro.

— Com certeza.

Triz caminhava muito rígida, mantendo as mãos atrás das costas. Pensava numa maneira direta e clara de como trazer à tona o assunto daquela noite na biblioteca. Não gostava de muitos rodeios. Mas estava retraída. Não queria levantar o tema somente para descobrir que, afinal, estava equivocada, e que todos os sinais que notara tinham sido somente fruto de sua crescente paranoia e temor de ter sido descoberta. Para sua sorte, ou azar, foi ele quem continuou guiando a conversa:

— Tem razão. — o Visconde disse, por fim, após um par de minutos mais em silêncio absoluto. — Sua presença não faz com que este dia seja mais quente e alegre, Senhorita Rodwell. Foi um comentário estúpido aquele que eu fiz.

Ela o encarou, atônita. Mas então voltou a permitir que a aba do chapéu encobrisse seu rosto novamente.

— Sim. — disse, duplicando sua contribuição à conversa.

Ele deu um risinho, como se tivesse sido incapaz de se conter.

— Foi meu coração — declarou, pressionando a mão livre teatralmente sobre o peito. — que ficou mais quente e alegre.

Triz comprimiu os lábios. Ele estava falando sério? Ou somente estava exagerando de propósito, fazendo graça?

— O coração, milorde — começou a replicar. — não é mais que um órgão que temos no peito.

— Com a função de uma bomba, sim. — Lorde Bedwyn concordou. — Mas essa é uma visão muito pouco romântica, não acha? Não existe nenhuma parte de nós que consiga de sentir reconfortada e alegre diante da mais genuína beleza, senhorita?

Beatrice não queria responder. Não sabia nem como faria isso. Ou aquele sujeito era muito mais tolo do que pensara a princípio, ou estava caçoando dela. Diante dessas duas possibilidades pouco agradáveis, ela decidiu mudar de assunto:

— Como notou que seu elogio não tinha me agradado, milorde?

Ele ergueu as sobrancelhas, embora não tenha parado de caminhar.

— Você quer dizer apesar de não poder ver seu rosto, madame? Bom. Notei que demorou um tempo exagerado para me responder. E, quando o fez, não havia nenhum sorriso em sua voz. Na verdade, seu tom estava mais seco que os desertos indianos. — o homem deu uma risada.

Triz foi pega despreparada pela sua franqueza. Um cavalheiro comum teria feito algum comentário ameno, afim de não soar indelicado ou ofender à dama, por mais desagradável que ela estivesse sendo com ele. Mas ali estava o Visconde, deixando claro que notara sua indelicadeza e parecendo se divertir com ela.

Lembrou como ele se comportava perto das outras pessoas, espalhando seu encanto e seus sorrisos inconsequentemente.

— Você zomba das sensibilidades mais delicadas, Milorde.

Ele inclinou a cabeça, como se esperasse que ela acrescentasse algo mais. Mas Beatrice continuou calada.

— Me considera incapaz de ter essas sensibilidades, senhorita? É isso que está insinuando?

— Não me atreveria a supor tal coisa.

— É óbvio que sim. É o que está fazendo agora mesmo. — Lorde Bedwyn suspirou. — Me ouviu fazer um elogio exagerado e estúpido e agora conclui que não tenho qualquer sentimento digno, só emoções frívolas. Em troca eu a olhei, e mesmo sem enxerga-la, percebi você muita séria e com esse ar de reprovação. E senti que estava adentrando no mais divertido momento do meu dia.

— Agora caçoa de mim, Milorde.

— Me perdoe, senhorita Rodwell. É que feriu profundamente meu coração, esse órgão que temos no peito, essa bomba de sangue. Logo eu, que fiquei tão satisfeito em finalmente saber seu nome.

Ali estava. Afinal, não estava errada. Triz fechou os olhos por um momento, traçando um plano na cabeça.

— Milorde. — parou de caminhar. Estavam em algum trecho da beira do lago. Haviam pessoas seguindo seu exemplo e caminhando, mas estavam longe o suficiente de qualquer um para serem devidamente ouvidos. — Eu agradeceria se não falasse comigo com esse tom. Não sei como respondê-lo e, de qualquer modo, não quero responder. Não gostaria que no futuro voltasse a falar comigo, nem sobre a noite na biblioteca, nem sobre nada. Insisto que não fale sobre isso para ninguém.

Clara. Franca. Direta. Quanto mais rápido terminasse aquilo, mais rápido poderia se desvencilhar dele e guardar somente para si a memória daquela noite preciosa, sem ter medo de tê-la arruinada por alguma palavra fofocada erroneamente.

O Visconde pareceu refletir por um momento. Mas não a encarava. Seu rosto estava voltado para o lago, onde os botes deslizavam para a água, como se pudesse vê-los. Inclusive o de Zachary com as duas jovens.

— Tem medo que eu conte a alguém que estava lá, madame? — indagou, muito baixo. — Não se preocupe, não farei isso.

Triz permaneceu um minuto mais encarando-o com firmeza, como se para garantir que estava sendo honesto. Embora ele não pudesse vê-la de qualquer jeito.

— Mas — no momento em que o homem voltou a falar, ela sentiu seu estômago gelar. — não acho que poderá me evitar para o resto de sua vida, como talvez queira. Pelo jeito, seu irmão prendeu a atenção em minha irmã. E ela estará sob minha responsabilidade por estes dias. De modo que provavelmente nos encontraremos de novo.

— Não precisa falar comigo só porque talvez me encontre em algum lugar.

— Então toda vez que nos vermos de novo devo fingir que só vejo o ar? Ou melhor, que não vejo o ar? Temo que qualquer um que nos visse me consideraria imperdoavelmente grosseiro. Então a cumprimentarei com um aceno de cabeça e farei um comentário sobre o esplêndido dia que está fazendo, evitando qualquer conversa mais profunda. — ele abriu um sorriso, então. — Parece bom? Poderá suportar isto?

Beatrice nem tirou um tempo para processar tudo o que ele dissera. Só respondeu, consideravelmente mais aliviada:

— Sim.

— Prometo não dizer nada, então. — ele virou-se me sua direção, substituindo o sorriso por uma expressão atenta. — Visto que esta é a última vez que serei permitido a fazer isso, posso lhe perguntar: gosta mesmo de escrever?

Triz parou por um momento. Mas realmente achou que ele cumpriria com a promessa que acabara de fazer. E, de   qualquer modo, não lhe diria nada do que ele provavelmente já teria assumido naquela fatídica e abençoada noite:

— Muito. — respondeu, prontamente. — É a profissão que teria escolhido, se tivesse mais liberdade para tal.

— Então quer dizer que desistiu deste sonho em particular?

— Não. Definitivamente não. Não fui feita para a vida ociosa da nossa classe, Milorde.

— Insinua que eu levo uma vida ociosa, então, senhorita Rodwell? — o homem indagou, dando outra risada. — Fala muito seriamente, mas tem uma língua bem mordaz.

— Só respondi sua pergunta, Milorde. Não era uma insinuação sobre você.

Não especificamente, ao menos. Triz não duvidava que ele fosse como a maior parte da nobreza inglesa. Parecia ser, embora isso de modo algum explicasse por quê estivera presente na noite da conversazioni. Teria algum interesse verdadeiro em artes? Ou só fora lá para acompanhar seus amigos? Aliás, seriam aqueles amigos nobres também? A curiosidade aflorou dentro de Triz com força. Mas ela acabara de dizer com todas as palavras que não queria conversar nem conhecer mais aquele homem, não fora?

Batucou os dedos ansiosamente na saia de seu vestido. Então, diante das lembranças daquela noite, foi assaltada por uma questão que a estava assombrando desde que percebera que ele a reconhecera:

— Milorde, como me reconheceu se...

— Nunca vi seu rosto? — ele concluiu, solicitamente. Mas não pareceu minimamente ofendido pela questão, como talvez pudesse ficar. — Quando se é cego, senhorita Rodwell, seus outros sentidos restantes é quem carregam a responsabilidade de enxergar por você. Meus dedos são meus olhos. E meu nariz e ouvidos são os aliados que ampliam meu campo de visão.

Ela raciocinou em suas palavras, francamente fascinada pelo modo como ele falava. Não parecia considerar sua cegueira uma deficiência, embora fosse exatamente isso.

— Me reconheceu pela voz, então? Mesmo com tantas pessoas falando ao mesmo tempo?

— Pela voz. Pelo cheiro. — ele abriu um meio sorriso de desculpas. — Acredito que tenha se vestido de um modo a passar despercebida em meio a classe trabalhadora, mas usou o mesmo perfume caro que está usando hoje, madame. Certamente ninguém naquele lugar notou seu cheiro. Mas eu, me perdoe se isso a constrange, notei assim que se sentou a meu lado. E confirmei que era você hoje quando começou a me tratar com antipatia.

Ela quis perguntar mais. Não se lembrava de antes ter tido a chance de conversar com alguém que não enxergasse e que estivesse tão disposto a falar abertamente sobre isso. Se perguntou o que teria causado a cegueira do Visconde. Se perguntou quanto tempo fazia. Se era temporária ou permanente. Se ele já teria se adaptado a isto ou ainda lutasse contra o fato. Não tivera uma boa primeira impressão dele, e ainda estava francamente desconfiada, embora ele tivesse garantido que não voltaria a dizer nada a ninguém sobre a noite na biblioteca.

Mas sua curiosidade, aquela coisa pulsante e vívida que era incapaz de controlar, estava começando a consumi-la.

Foi justo nesse momento que Zachary decidiu encostar o bote na margem, ajudando suas duas contentes e encantadas acompanhantes a descerem. O Visconde, provavelmente ouvindo suas vozes risonhas, voltou em sua direção e engatou numa conversa educada e interessada com o pessoal. Ouviu atentamente os relatos animados da senhorita Bianchi e riu junto com sua irmã, tomando ambas as jovens no braço novamente.

Só restou a Beatrice se unir a eles.  

 

 

— Deveríamos fugir, senhora.

Foi o que Agatha sussurrou no ouvido de Khaleesi, quando a carruagem começava a estacionar em frente à casa. O veículo fora enviado pelo Comandante naquela manhã, pouco após o desjejum. Por sorte, Agatha tinha preparado tudo com antecedência na noite anterior, logo após Khaleesi conta-la muito vagamente sobre a primeira conversa que tivera com seu noivo.

Seu noivo. O termo ainda a deixava ligeiramente enjoada. Só repeti-lo mentalmente era o suficiente para fazer seu estômago embrulhar de tanta angústia. Mas ela sabia que, se parasse para refletir demais sobre as razões para tudo aquilo deixa-la tão mal, não seria capaz de se conter e acabaria deixando-se levar pelas próprias emoções. E esta não era uma opção. Agatha a dera abertura para isso no momento em que começou a ajuda-la a preparar-se para a dormir; falou com aquela sua mansidão e solicitude de sempre, sem ser intrometida, mas ainda assim sendo convidativa.

Khaleesi teria dado tudo para se jogar em seus braços e lamentar audivelmente tudo o que acabara de acontecer. Teria a abraçado e expelido todos os pensamentos que rondavam sua mente naquele momento, e ainda naquela manhã, após terem-na impedido de desfrutar de uma noite decente de sono. Teria dito o quanto seu futuro marido era um homem arrogante, inescrupuloso e sem qualquer mínimo sinal de bondade ou calor em sua pessoa. Teria falado como ele a dissera, entrelinhas, que não esperava apreciá-la. E nem esperava que nutrissem qualquer tipo de vínculo que fosse, embora fossem estar casados logo.

Khaleesi nunca fora de esconder nada de Agatha. Ela era sua melhor amiga. Não, era mais, era uma irmã, embora a servisse como dama de companhia. Ela sempre contara tudo a ela, mas não fora capaz de falar mais que poucas e vagas palavras sobre aquele que fora seu primeiro encontro com o homem com o qual logo se casaria. Pois sabia que, se começasse a falar, corria o sério risco de desmoronar.

E ela não podia desmoronar.

Abriu um fraco e pesaroso sorriso em direção à sua criada e mais fiel confidente.

— E para onde iríamos? — indagou.

A moça tombou a cabeça lateralmente, fingindo pensar.

— Eu não sei. — admitiu. Então abriu um sorriso encorajador, segurando sua mão com força. — Para qualquer lugar que a afastasse das garras desses abutres que estão esperando-a bem ali, talvez?

Khal permitiu-se dar uma risadinha, embora não estivesse nem um pouco apta a gracejos. Não podia exprimir como era grata por tê-la por perto naquele momento. Sua mãe partira naquela manhã, e embora claramente receosa em deixa-la sozinha naquele momento, não dissera nada que evidenciasse o quão não desejava partir; É claro que não. Sabia que ela a amava, mas ela era a síntese da classe e da responsabilidade. Sempre ensinara a Khaleesi a ter uma postura bem parecida.

Não importava. Khaleesi sabia que ela estaria ali se pudesse. E, mesmo que este não fosse o caso, não estava completamente sozinha. Tinha Agatha.

— Eu terei que enfrentar os abutres, queira eu ou não. — respondeu, olhando pela janela as figuras paradas em frente à Casa Beaumont, que era mais uma dentre as imponentes e imensas mansões que estavam de um dos lados de uma praça grande e elegante.

O cocheiro abriu a porta para que ambas descessem. Quando seu pé alcançou o primeiro degrau da escadaria, Khaleesi pôde ver melhor os rostos que a aguardavam. O Comandante estava ali, mas ele era o único rosto minimamente conhecido. O acompanhavam outro cavalheiro, uma dama e duas crianças. O cavalheiro era mais velho, parecia mais perto da casa dos quarenta que dos trinta, mas tinha um cabelo castanho escuro farto e bem penteado e olhos de uma cor parecida, decorando um rosto comum e sóbrio.

A mulher ao seu lado deveria estar na casa dos trinta, mas era pequena, loura e muito bonita. Sua pele era pálida e junto ao seu cabelo claríssimo, dava a impressão de que era feita de mármore. E ela era bela como uma estátua de mármore. O único sinal de que era humana eram seus olhos; de um azul muito intenso e elétrico. Embora não parecesse em nada com o Comandante, alto e de cabelos escuros, era claro que era sua irmã.

O Comandante foi o primeiro a se aproximar. Os outros dois adultos o seguiram, e uma das crianças, o menino que devia estar na casa dos quatro anos, veio no encalço, enquanto sua irmãzinha vinha no colo do cavalheiro de rosto pacato. Que provavelmente era seu pai.

— Madame. — o Comandante a cumprimentou com educação polida. Mas só isso. — Me deixe apresenta-la a minha irmã, Morgan, Lady Beaumont, a seu marido Lorde Beaumont e a seus filhos, Jasper e Edith.

— É um prazer finalmente conhecer a noiva de Barclay. Madame. — Lorde Beaumont inclinou-se sobre a mão que lhe estendeu. — Me surpreende que tenha escolhido tão rápido, Gillingham. Isso foi bastante repentino. Ou só foi você que foi muito discreto e nos escondeu sua paixão secreta por meses?

Gillingham. Este era o sobrenome do Comandante, então. Khaleesi notou, com certo espanto, que antes não o conhecia. Na verdade, também não sabia seu primeiro nome. Iria casar-se com aquele homem e se quer sabia seu nome.

O Comandante não riu diante da óbvia tentativa do Conde de fazer uma piada. Nem mesmo esboçou um sorriso.

— Podemos dizer que foi paixão à primeira vista. — disse secamente, por sua vez. Então, voltando-se ligeiramente na direção de Khaleesi, completou: — Nos casaremos este fim de semana, por meio de Licença Especial. Não há motivo para se demorar.

— Mas você... — Khaleesi começou a rebater de imediato, mas calou-se antes de completar. Seus olhos cruzaram-se firmemente com o do Comandante.

Este fim de semana.

Ele não a avisara disso antes. Embora fizesse todo o sentido e ela já supusesse que não levaria muito tempo. Seu pai deveria estar bastante ansioso para oficializar aquela união e o Comandante...

Não há motivo para se demorar.

— Situação espinhosa esta, não? — murmurou Lorde Beaumont, após um momento em que nada mais foi dito por nenhuma das partes.

— Você sempre teve o terrível hábito de tomar indecisões impensadas, meu irmão.

Lady Beaumont a olhou de cima a baixo após suas primeiras palavras, a analisando minuciosamente. Seu porte era muito parecido com o do irmão; ela caminhava como se fosse uma deusa nórdica, acostumada a ser adorada. Encarava Khaleesi com óbvia cautela, como se a estudasse. Se a aprovou ou não, não poderia dizer, mas cumprimentou-a educadamente, embora sem sorriso nos olhos ou no rosto, e manteve uma conversa amena consigo enquanto estavam no saguão e os criados subiam carregando suas coisas para o quarto onde ficaria hospedada.

Khaleesi não recordava da última vez que desejou tanto correr para um quarto e esconder-se. Não porque sentia-se intimidada por aquelas pessoas. Diante de sua condescendência, ela só sentia mais e mais vontade de enfrenta-las. Mas sentia-se inexplicavelmente cansada e, por consequência, nem um pouco apta a enfrentar aqueles dragões naquele momento. Só queria isolar-se e esperar até que...

Bom, até o que? O dia de seu casamento?

Aquela definitivamente não era uma boa ideia.

Agatha concordou com isto. E talvez tenha sido essa a razão pela qual Khaleesi não emitiu nenhum protesto quando, durante o almoço naquele dia, Lady Beaumont sugeriu que fossem à Bond Street fazer algumas compras e arranjar seu enxoval um tanto quanto em cima da hora. Tinha como vantagem o fato de já ter um guarda-roupa bastante adequado, mas aparentemente era quase uma obrigação que uma noiva comprasse roupas e acessórios novos antes de seu casamento.

Deste modo, passou toda a tarde na Bond Street, onde experimentou uma atordoante quantidade de roupas adequadas a todas as ocasiões imagináveis. Foram-lhe mostrados volumes de figurinos e mais figurinos, rolos e mais rolos de tecido e uma infinidade de rendas, botões, fitas e faixas. Nunca fora contra a atividade de comprar novos trajes. Que mulher era? Mas, de algum modo, somente foi capaz de sentir-se como uma esponja que gradativamente foi-se saturando de tanta água. A única coisa capaz de aliviar minimamente esta sensação foi a presença e as contribuições de Agatha.

O Comandante acompanhou as três até lá, mas não permaneceu por perto. Desapareceu cinco minutos depois de deixa-las na primeira loja, mais ou menos, para destinos desconhecidos e só reapareceu mais de cinco horas depois. Cinco. Lady Beaumont sugeria, aconselhava e opinava, embora sempre esperasse Khaleesi dar a palavra final antes de comprar determinado tecido ou vestido. Não parecia particularmente animada, mas também não parecia aborrecida. Ela estava ali e estava cumprindo com o que deveria fazer, por cortesia, como futura cunhada de Khaleesi. Só isso.

Tudo foi muito atordoante e um tanto deprimente, talvez porque devesse ter sido empolgante. Mas não fora. Ou talvez tivesse sido só exaustivo demais.

Quando retornaram para casa, Khaleesi estava não só mentalmente, como também fisicamente cansada. Como se não fosse suficiente, mal tinha subido as escadas quando ouviu o característico som de rodas de carruagem sacolejando próximas. Olhou o veículo que se aproximava. Tinha um brasão que Khaleesi foi incapaz de reconhecer gravado em sua lateral.

— De quem se trata? — indagou Lady Beaumont, olhando o irmão.

— Pertence ao Visconde Bedwyn. — ele respondeu. Sua testa estava franzida. Mas parecia haver algo em seus olhos, costumeiramente opacos, que Khaleesi foi incapaz de detectar do que se tratava. — Vou descer e recebe-lo. Talvez queira vir comigo, senhorita Augustenborg?

Não. Ela não queria. Não importava-se com quem era o Visconde Bedwyn, e nem queria se importar. Mas então o Comandante acrescentou:

— É um conhecido meu. Do exército. Os dois são.

Ela não notara que havia outra pessoa dentro da carruagem. E saber que eram soldados assim como o Comandante diminuiu ainda mais seu desejo de conhece-los. Mas, quando notou, o Comandante já desistira de espera-la e descera as escadas afim de abrir a porta da carruagem. Ele posicionou pessoalmente os degraus de acesso, sem aguardar para que o cocheiro o fizesse.

O primeiro homem a descer deveria ser mais velho que o Comandante. Assim como Lady Beaumont, deveria estar na casa dos trinta anos. Era alto e bem apessoado, com um cabelo muito escuro e olhos azuis parecidos com o de seu noivo. Mas enquanto os olhos de seu noivo eram cruéis como o oceano ártico, os olhos daquele homem eram como os mares quentes das américas. Ele se vestia com roupas muito modestas, embora estivessem em bom estado. Definitivamente não era da aristocracia.

O segundo homem que o seguiu era mais jovem que os outros dois. Tinha o cabelo muito louro e era muito bonito. Um dos mais bonitos homens que Khaleesi já vira. Ele desceu depressa, sem dizer nada, e agarrou o Comandante num abraço forte. Seu rosto se contraiu, mas ele não se afastou do aperto. Khaleesi observou a cena, aturdida, e ficou ainda mais desconcertada ao notar quanta emoção havia nos olhos daquele homem quando ele encarou seu noivo:

— Ah, Aiden, seu bandido. Eu nunca pensei que você seria tão rápido em arranjar uma esposa. Assim que Levi me contou, eu precisei vir correndo para lhe dar um soco. E para vê-la, é claro. Ou melhor, não vê-la. — ele deu uma deliciosa gargalhada, então posicionou uma bengala que até então Khaleesi não notara que estava segurando e apoiou-a no chão.

Em seguida, como se sincronizados, os três homens se voltaram na direção dela. Três pares de olhos a encararam diretamente, embora só dois aparentemente pudessem enxerga-la.

Por algum motivo inexplicável, por um momento Khaleesi achou que aqueles homens eram ainda mais intimidantes que a irmã e o cunhado de seu noivo. Porque claramente havia carinho entre eles. Foi honestamente um choque terrível notar isto; Que havia afeto naquele meio, e uma imensa intimidade cujas proporções ela sentia que só estava começando a compreender. Embora não soubesse ainda a origem dela. Khaleesi simplesmente teve uma forte impressão de que aqueles homens, quem quer que fossem, compartilhavam um mundo com seu noivo, um mundo do qual ela obviamente estava excluída.

Não deve esperar amor.

Nem mesmo uma afeição fingida.

Por um brevíssimo momento, de uma maneira quase imperceptível, parecera que o Comandante mudara diante de seus olhos. Talvez não por inteiro, mas algo nele soara diferente do homem que até então ela conhecera. O vazio gélido desaparecera de seu olhar. E, naquele instante, de forma nada razoável, ela se ressentiu daqueles homens. Era a noiva dele e até então não recebera aquele olhar... Aquele olhar que dizia era esperada, até que era desejada por perto.

Não estava sendo justa, é claro. Aqueles homens não tinham nenhuma culpa de nenhuma daquelas mazelas que tinham-na acometido. Não tinham culpa que ela estava sendo forçada a casar-se. Não tinham culpa por seu noivo aparentemente ser o tipo de homem que ela aprendera a desprezar. E não tinham culpa por ela não ser minimamente estimada por ele, enquanto eles obviamente o eram. Muito.

Além disso, pareciam pessoas boas. Pessoas das quais ela poderia vir a gostar em algum momento. Mas aquele momento não era agora.

— Senhorita Augustenborg. — a voz do Comandante – Aiden— a arrancou de sua própria mente. — Deixe-me apresenta-la o Visconde Bedwyn e o Senhor Holroyd.

— Pode me chamar de William, madame. — o Visconde, o homem bonito e bronzeado, tateou e subiu os primeiros degraus da escadaria. Parou quando acidentalmente sua bengala atingiu a ponta do sapato de Khal. — Ah, me perdoe. Superfícies irregulares são o maior inimigo de um cego.

— Não há problema. — conseguiu responder, por fim. — Olá, Milorde. Sir Holroyd.

— Ah, não sou Sir algum, moça. — o Senhor Holroyd disse. Então inclinou-lhe a cabeça servilmente. — Sou somente um mero médico. Nada mais.

Um médico. A informação a distraiu. Não tinha imaginado que o Comandante, em toda sua arrogância ducal e evidente percepção de que o mundo existia única e exclusivamente para servi-lo e obedecê-lo, aceitaria relacionar-se com alguém de uma classe inferior. Talvez estivesse enganada sobre isso? Ou talvez o Senhor Holroyd fosse a única exceção da regra? Se era, por que o era?

Mas ela não tinha energia ou ânimo para caçar a resposta para aquelas perguntas naquele momento. E ainda sentia-se profundamente ressentida e magoada, embora não houvesse razão lógica para tal. Ela não se importava com o fato do Comandante evidentemente preferir a companhia de seus companheiros a dela. É claro que preferia. Ela nem se quer sabia seu nome, pelos Deuses, e certamente ele também não deveria saber o seu.

Mas importava-se com o fato de que seu futuro marido não o fazia. É claro que se importava. Como poderia não se importar?

As palavras de Agatha voltaram à sua memória de repente.

Deveríamos fugir. Ela dissera isso a Erik, um milhão de anos antes. E aquelas tinham sido palavras que precederam uma esperança. A chance de uma felicidade duradoura e indizível, pela qual ela ansiara por muito tempo.

Mas, naquele dia, tinham precedido o completo oposto.

— É um prazer conhece-los, cavalheiros. Mas estou bastante cansada após uma tarde longa de preparativos para meu casamento com o Comandante, então devem me perdoar, mas preciso recolher-me para descansar.

E partiu, sem aguardar que alguém respondesse suas palavras.


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Notas finais do capítulo

Então, o que acharam? Me digam aqui embaixo
Xoxo!



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