Como roubar um beijo escrita por Finholdt


Capítulo 1
Onde uma coisa leva a outra


Notas iniciais do capítulo

Eu amo tanto Sakura, sério.



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Que Sakura era uma romântica incorrigível, todo mundo sabia.

Desde muito nova, ela e Tomoyo assistem filmes românticos e suspiram pelos protagonistas, trocando risadinhas. São tão lindos! Como não amar histórias de amor? Não é atoa que ela achava que estava apaixonada pelo Yukito quando criança.

E era por isso que, mesmo aos meros dez anos de idade, Sakura nem pensou duas vezes sobre o que significaria ter seu primeiro beijo com Syaoran quando eles estavam ensaiando para a peça de Bela Adormecida. Coisa que acabou não acontecendo porque bem na hora uma carta apareceu. Ela nem pensou duas vezes sobre isso. Princesas eram beijadas e ela estava sendo fiel a peça, e daí que tecnicamente nunca tinha feito isso? Não era nada demais, afinal, era só o Li-kun.

E depois, na própria peça, Sakura também não hesitou em inclinar sobre o rosto absolutamente vermelho de Syaoran para depositar um beijo no garoto. Coisa que também acabou não acontecendo, novamente graças a uma carta. Sakura não sabia se estava aliviada ou decepcionada sobre isso, era tão confuso!

Mas agora eles têm treze anos e aparentemente estão na linha tênue entre ainda ter inocência de criança e as curiosidades e desejos de adolescente. Agora, Sakura se encontra em um círculo no banheiro feminino da escola com as amigas, cada uma cochichando para a outra sobre paixonites e namoricos.

— Chiharu-chan, é verdade que você e o Yamazaki-kun se beijaram no festival? — A voz de Naoko tirou Sakura de seus devaneios.

Sakura arregalou os olhos, virando a cabeça tão rápido para encarar a amiga que foi uma surpresa ela não ter torcido o pescoço no processo. Chiharu, para seu crédito, nem sequer corou.

— Ainda não, estou pensando se vamos nos beijar na semana esportiva. Sabe, ou para comemorar uma vitória ou para consolar uma derrota.

— M-m-mas vocês não são novos demais para pensar nisso? — Perguntou Akiho, parecendo tão mortificada quanto a própria Sakura.

— Idade não tem nada a ver com isso. — Chiharu bravamente acenou com a mão, como se dispensando as indagações da colega. — Yamazaki-kun e eu estamos juntos desde sempre, nós apenas não falamos com todas as letras sobre isso. Mas eu quero que meu primeiro beijo seja com ele e eu tenho certeza de que aquele mentiroso também quer que seja eu.

Sakura olhava para a amiga com respeitoso assombro. Sua surpresa deve ter estado muito visível, pois Chiharu começou a rir quando olhou para ela.

— Ora, Sakura-chan, logo você parecendo tão chocada? E o Li-kun?

Naquele momento, Sakura poderia jurar que seu coração parou de bater.

— O-o-o que tem ele?!

Será que alguém estava sabendo de algo sobre o Syaoran? Mas não é possível, o Syaoran certamente também não beijou ninguém porque eles... Eles...

Sakura foi poupada de entrar dentro da própria cabeça com esses pensamentos errantes quando Naoko respondeu.

— Bem, vocês dois estão sempre juntos que o Li-kun voltou da China! Sem falar do climão que rolou na peça do festival Nadeshiko. Afinal, vocês estão namorando ou não?

Na-namorando...

— Nós não... — A voz de Sakura não passava de um sussurro. — Não falamos sobre isso...

Tomoyo estava estranhamente silenciosa, um brilho estranho, quase melancólico nos olhos.

— Vocês não se beijaram naquela peça da Bela Adormecida na quarta série? Vocês eram os protagonistas! — Exclamou Naoko atônita.

Chiharu franziu a testa.

— Sabe que eu não me lembro muito bem dessa peça? Eu lembro da Sakura-chan se inclinando sobre o Li-kun e depois eu lembro de me livrar da fantasia nos bastidores no fim.

Sakura começou a suar, por mais motivos que um.

— Hahahah!! — Havia um leve toque de histeria em sua voz. Há quantos anos Sakura nem sequer pensou sobre isso? Como explicar que ela não beijou Syaoran porque bem na hora o teatro ficou inundado pela escuridão? Deveria mentir e dizer que tudo ocorreu normalmente? — É que sabe o que é... Eu... Nós...

— O Li-kun virou o rosto na hora, então a Sakura-chan beijou só a bochecha dele. — A voz melodiosa de Tomoyo se fez presente pela primeira vez desde que começaram a conversar.

Sakura estava tão aliviada que seus joelhos fraquejaram.

— E-exatamente! Então eu não... Ainda... Sabe...

— Ah! — Piscou Naoko, um pouco surpresa. — Não sei porque eu presumi que vocês já tinham se beijado, se não pela peça então pelo menos pelo namorico de vocês.

— Pelo jeito que eles ficam se olhando, acho que é normal presumir algo assim. — Riu Akiho suavemente.

As únicas que não estavam rindo eram Sakura e Tomoyo.

— Bem, e o que vocês estão esperando afinal? — Perguntou Chiharu, curiosa.

Não havia malicia ou maldade nos olhos castanhos de Chiharu, apenas carinho e curiosidade genuína. Foi apenas por isso que Sakura parou para realmente pensar a respeito do seu relacionamento com Syaoran e formular uma resposta. Se ao menos o sangue descesse do seu rosto e sua garganta aliviasse o suficiente para as palavras saírem!

— Acho que todo mundo tem o seu próprio ritmo de fazer as coisas. — Novamente Tomoyo salvou Sakura de responder, sua voz anormalmente baixa. — Somos novos, mas não tão novos assim, e cada um faz e sente as coisas de um jeito. E não há nada de errado nisso. Beijar é algo que você deveria fazer apenas porque se sente pronto para isso, como você, Chiharu. Não existe uma obrigação só porque você está em um relacionamento, e se alguém te pressiona para fazer algo que não está confortável, então você nem deveria estar com essa pessoa para começo de conversa.

Houve um breve silêncio entre as meninas, quebrado apenas pelo assobio de Naoko.

— Como sempre Tomoyo-chan sendo a voz da razão. Você tem algo para compartilhar com a gente?

— Mesmo se tivesse, eu não me sentiria confortável de discutir sobre isso. Ia querer guardar como um segredo pelo menos por enquanto.

— É justo. — Akiho concordou com a cabeça. — Não sei se eu iria querer falar sobre isso também.

— De qualquer forma, o evento esportivo é nesse final de semana e eu só estava pensando como conseguir um momento sozinha com o Yamazaki-kun e queria pedir ajuda. Sabem de algum lugar onde posso ter privacidade?

— Você pode ir para a nossa sala, acredito que vai estar vazia já que todos vão estar no ginásio e na quadra. — Respondeu Naoko, os olhos brilhando como sempre fica quando ela está pensando em histórias. — Isso é tão romântico, é como um dos livros que eu sempre leio. Engraçado, nunca escrevi um romance antes... Acho que vou me inspirar em vocês.

Sakura foi poupada de falar algo, graças a Deus, pelo sinal batendo. Rapidamente, cada garota saiu do banheiro e voltou para a sala de aula. Sakura deu um passo a frente, ainda se sentindo tonta com a avalanche de memórias e pensamentos errantes e indagações que nunca antes haviam passado pela sua cabeça, quando foi parada por Tomoyo, que segurou seu pulso tão levemente, Sakura mal sentia a mão da amiga.

— Sakura-chan, eu falei sério sobre a parte de estar pronta. Vai me contar quando você der o seu primeiro beijo, né?

— Claro, Tomoyo-chan! — Exclamou. — Você também vai me contar, né?

Novamente aquele olhar estranho, sereno e melancólico, passou pelos olhos escuros de Tomoyo.

— É claro, Sakura-chan. Você é minha melhor amiga.

— E você a minha!

XXXXXXXXX

Touya sabia que havia algo errado no minuto que passou pela porta.

Hoje era uma das raras noites em que Touya estava de folga e podia jantar em casa e ele estava disposto a aproveitar. Olhou para o calendário, se certificando que era mesmo a vez dele de fazer o jantar e foi até a cozinha avaliar os ingredientes disponíveis.

Era um pouco difícil fingir naturalidade enquanto um par de olhos o encarava com tanta firmeza e por um segundo Touya se perguntou se é assim que aquele bicho de pelúcia se sente.

Enfim, que seja, não vai ser Touya quem vai dizer alguma coisa primeiro. A monstrenga que se decida e fale de uma vez.

— Você já comeu? — Ele perguntou da cozinha.

Hoee! — Ela exclamou, surpresa por ele ter falado com ela. A tonta provavelmente achou que estava sendo discreta. — N-não! Estava te esperando.

Ele acenou com a cabeça, mostrando que entendeu, e não disse mais nada. Sua irmã ficou em silêncio também, mexendo as mãos nervosamente enquanto roubava olhadas em direção de Touya. Ele estava extremamente tentado em bagunçar o cabelo dela simplesmente para ela tirar aquela expressão preocupada do rosto, mas Touya sabia que seja lá que a preocupava, era algo que ele precisava levar a sério. Vagamente se perguntou se seria necessário dar uma surra no moleque e se endireitou assim que o pensamento o ocorreu.

Ora essa, mas porque diabos ele pensou naquele moleque do nada? Será que...

— Nii-chan. — Sakura começou e se interrompeu, o rosto ficando perigosamente rosado.

Seja lá o que Sakura está querendo falar com Touya, ele realmente, realmente não acha que quer saber.

— Desembucha de uma vez, monstrenga, ou você só sabe grunhir e rosnar?

Ela o olhou irritada, como ele esperava.

Eu não sou monstrenga! — Ela sibilou, furiosa. — Eu vou fazer quatorze anos em alguns meses, até quando vai continuar me chamando de monstrenga?!

Nem me lembre. Pensar em Sakura crescendo era simplesmente errado.

— Para sempre, porque é o que você é. — Ele respondeu no lugar.

A expressão de assassinato no rosto normalmente tão angelical de sua irmã seria até engraçada se não fosse direcionada a ele, então Touya já se preparou para o chute que ele sabia que estava para vir.

Não veio.

Ele espiou a irmã mais nova e viu ela respirando fundo, como para se controlar. Com a expressão dura, ela o olhou diretamente nos olhos e Touya teve a súbita vontade de dar meia volta e sair de casa.

— Nii-chan, você é adulto.

— Muito bem observado. Gastou quantos neurônios para chegar nessa conclusão? — Talvez se ele a irritar o bastante, Sakura desista de falar seja lá o que for.

Infelizmente, ela o ignorou.

— E você já namorou antes.

Ah, meu Deus.

Touya devia ter matado aquele moleque quando teve a chance.

Ele sabia que sua expressão era calculadamente vazia, e fez força para não reagir bruscamente, porque ele sabia bem que não poderia se responsabilizar pelos seus próximos atos dependendo das próximas palavras que sair de Sakura.

— Quantos anos você tinha quando beijou pela primeira vez?

É isso, Touya refletiu quase distante, hora de gastar meu réu primário.

— Vinte. — Era mentira, obviamente, mas ela não precisava saber disso.

Sakura franziu a testa, como se não acreditasse nele, mas ao mesmo tempo não entendia porque ele mentiria sobre isso.

— Tomoyo-chan tinha razão quando disse que cada um tem seu ritmo, mas nossa, não achei que você fosse tão lento.

Ah, mas isso era demais vindo logo da lerdeza em pessoa.

— Mas que história é essa afinal? — Ele perguntou enfim, engolindo o quem eu preciso dar uma surra que estava na ponta da língua.

— Nada. — Ela corou violentamente, como se só agora ocorresse a ela o tipo de conversa que ela iniciou com o irmão mais velho. — Deixa para lá! Não é nada.

Por um lado, Touya realmente queria que essa conversa toda acabasse logo e eles fingiriam que nada aconteceu enquanto ele pesquisava diferentes formas de se livrar de um corpo em seu quarto. Porém.

Porém, ele sabia que havia alguma coisa incomodando-a e se ele podia a ajudar de alguma forma...

— Nem vem, agora você desembucha de uma vez.

Sakura mordeu o lábio, franzindo a testa.

— É só que as meninas estavam falando sobre isso... Primeiro beijo... E não acho que eu teria coragem de perguntar pro papai.

— Então resolveu perguntar pra mim.

Ela suspirou tão alto que Touya se perguntou há quanto tempo exatamente ela estava remoendo isso. Ao mesmo tempo, ele não queria saber.

Touya a encarou por um longo momento, tentando decidir o que dizer além dos incoerentes você não tem nem que cogitar essas coisas até os trinta anos, melhor ainda, depois que eu morrer e pelo menos ela está perguntando para mim ao invés de ir diretamente para aquele moleque. Felizmente, Sakura esperou pacientemente ele organizar seus pensamentos. Seu rosto estava completamente vermelho, mas aquele olhar determinado nunca a deixou. O que, pensando friamente, foi o único motivo dele ter suspirado e respondido ao invés de simplesmente dar meia volta e a evitar completamente.

— Tudo bem, eu não tinha vinte anos. Mas a minha idade é irrelevante, o importante é só que foi com alguém que eu gostava e confiava na época. É diferente pra todo mundo.

Sakura franziu a testa, contemplativa.

— Então é sim algo importante. Acho que eu nunca tinha pensado demais sobre o significado disso, porque eu sempre estou vendo nos filmes e animes.

Touya respirou fundo, desesperado para aquela conversa acabar logo. Nessas horas ele sentia tanta falta da mãe que era uma dor física.

— Só é importante se você quiser que seja. Nem todo mundo leva a sério. Não vou dizer para você o que você devia sentir sobre isso, é algo que você tem que decidir sozinha. — E porque Touya é Touya, ele não resistiu em acrescentar: — Se é que você é capaz de pensar tanto para decidir.

Ela o olhou feio e se recusou a dignar isso com uma resposta.

— Certo. Obrigada pela ajuda, nii-chan.

Ela lhe deu as costas então e Touya pode deixar a aura negra o cercando enfim sair de si, o rosto tão fechado que ele sabia que se o Yuki estivesse ali, ia enfiar a mão entre suas sobrancelhas e fazer algum comentário sobre rugas permanentes. Suspirou fundo, cobrindo o rosto com a mão e pensando em Yuki para se acalmar. Se ele fosse preso por assassinato, quem ia cuidar daquele cara? Ele e Sakura não podem ser deixados sozinhos. Certo. Certo.

Touya só vai cuspir no próximo café que servir para aquele moleque e ficar em paz com isso.

XXXXXXXXX

Em seu apartamento, Syaoran encarava sem realmente ver o seu dever de casa.

Ele franzia tanto a testa que temia se dar uma dor de cabeça, mas era difícil relaxar quando a Sakura passou o dia todo o evitando.

No início ele achou que era impressão sua. Eles conversaram de manhã antes da aula e depois almoçaram juntos normalmente. Foi só depois que as meninas levantaram todas ao mesmo tempo que Sakura parou de olhá-lo nos olhos. Se tivesse sido só uma vez, tudo bem, mas na saída da escola, que eles sempre andam juntos!, Sakura simplesmente murmurou que precisava correr e saiu em disparada, sem nem espera-lo para sair do edifício.

Ele estava tentado a mandar uma mensagem para Daidouji para perguntar se aconteceu alguma coisa, mas algo lhe dizia que era melhor ficar na sua.

Ainda assim. Ele não gostava nada disso.

Se preocupar com Sakura era tão natural quanto respirar. Não importava que ela era tecnicamente a portadora de magia mais poderosa viva, tudo o que Syaoran pensava, desesperadamente, é que ele precisava protegê-la e ajudá-la. O que dificultava um pouco quando ela estava o evitando. Por quê? Será que ele disse alguma coisa? Tentou lembrar das coisas que conversaram naquele dia, mas nada veio em mente. Não conversaram nem mesmo sobre magia para justificar esse tipo de reação!

Seu único alento era que a presença mágica de Sakura estava quente e relaxante como sempre.

— Argh! Chega! — Resmungou, se levantando.

Não ia conseguir nada se remoendo. Ele iria até a casa dela e eles irão conversar. Há essa altura do campeonato, eles já passaram por coisas demais para um esconder alguma coisa do outro. Seja lá o que for, eles vão resolver isso como sempre resolvem tudo – juntos.

Syaoran pegou as chaves, calçou os sapatos e sacou a espada.

— Alada!

O costumeiro sentimento de culpa por usar as Cartas Sakura bateu por um momento. Ele evitou pensar demais nisso, uma crise de cada vez. A carta se materializou à sua frente e o encarou por um momento, como se esperando por instruções. As cartas Sakura nunca agem imediatamente com ele, como se precisassem de um momento para lembrar que sua mestra não estava mais ali.

— Pode me ajudar? — Ele pediu humildemente.

Alada assentiu com a cabeça, concordando, e se transformou, dando-lhe asas.

O trajeto até a casa amarela dos Kinomoto foi relativamente curto. Até hoje ele se impressionava como a cidade era pequena, onde você podia ir a qualquer lugar a pé. Era de se esperar que por ter crescido em um lugar tão grande como Hong Kong ele fosse achar a pequena Tomoeda entediante – e não se engane, ele achou sim quando se mudou. Mas a verdade é que Hong Kong jamais poderia se comparar com Tomoeda, porque era ali que Sakura morava. E ela, acima de tudo, é que era sua casa.

Pousando na árvore que fica de frente a janela do quarto de Sakura, ele hesitou por um minuto. Ele não pode simplesmente ir entrando! Esse é o quarto dela! Mesmo antes, ele sempre evitava entrar aqui. Parecia errado, como se ele estivesse invadindo um espaço que ele tinha nada que entrar. Quando Kerberus e ele trocaram de corpo, Syaoran tolerou quinze minutos ali dentro antes de sair em disparada para qualquer outro lugar.

Um passo de cada vez, primeiro ele precisava notificar Sakura de que ele estava ali. Sacou o celular e mandou uma mensagem, pedindo para ela vir até a janela.

HOEEEEEE! — Um grito ecoou em algum canto dentro da casa, seguindo de um baque tão alto que Syaoran ficou imediatamente alarmado.

Vozes soaram, uma frenética e a outra... Preocupada? Irritada? Syaoran estava começando a desconfiar que ele deveria ter ido pela porta da frente, mas ele não queria lidar com o Kinomoto ou, deus do céu, se apresentar ao pai de Sakura assim, no meio da noite e sem nem um presente.

— Já falei que tá tudo bem! — A voz de Sakura ecoou, o mais próximo de exasperada e irritada que Syaoran ouviu desde que eles eram rivais e logo ela apareceu no quarto, batendo a porta.

Syaoran recuou, fazendo uma careta. Ai, ai, ai, por que ele sente que acabou dando mais trabalho do que deveria? Enfim, tudo isso foi deixado de lado assim que Sakura olhou para ele e abriu um dos seus largos sorrisos, que poderiam iluminar qualquer escuridão.

O coração de Syaoran falhou uma batida por um momento, como sempre acontece quando ele a vê. Era involuntário, assim que ela sorria para ele, ele sorria de volta. Como não?

Ela se aproximou até a janela, a abrindo, mas ele não fez movimento algum para entrar.

— Ei! Não que eu não esteja feliz em te ver, mas aconteceu alguma coisa? Devo acordar o Kero-chan ou o Spinel?

Então as bolas de pelo estavam dormindo, menos mal. Não queria conversar com a Sakura com uma plateia.

— Você está bem? — Ele perguntou, sem rodeios.

Sakura pareceu surpresa com a pergunta.

— Estou sim. Por quê? Acabei criando alguma carta de novo? — Ela parecia preocupada.

— Não. A cidade está em quieta, então não. Estou perguntando sobre você.

De repente, pela primeira vez desde que ela apareceu pela porta, ela pareceu envergonhada. Mordeu o lábio e desviou o olhar para o lado, o rosto de coração ficando três tons mais rosado.

Naturalmente, Syaoran acha que Sakura é a garota mais bonita em todo o mundo, mas tem algo sobre ela corada que a deixa ainda mais deslumbrante. É uma visão que quase o faz desejar que Daidouji estivesse ali para tirar fotos e mandar para ele depois. Não que isso venha ao caso agora.

Sakura parecia em um tipo de dilema interno, provavelmente se decidindo como ou se falaria sobre seja lá o que a está preocupando com ele. Syaoran imediatamente se preparou, franzindo as sobrancelhas, seu corpo entrando em modo batalha pronto para a defender de tudo e todos.

— Suponho que seja mesmo melhor eu falar disso contigo, afinal você está envolvido na história.

Alarmes soaram em sua cabeça.

— Entra, seus joelhos já devem estar dormentes de tanto ficar nessa árvore.

Ah, não. Não. Não não não não não. Isso é uma péssima ideia, sem falar de altamente inapropriado e os joelhos dele estavam nada dormentes, isso era nada se comparado com o treinamento dele com o Clã Li e-

...E ela o olhou com aqueles grandes olhos verdes e Syaoran se viu passando pela janela antes mesmo de registrar suas ações. Droga.

Certo, ele só vai evitar olhar o resto do quarto. É só um quarto. Comum. Nada demais.

A Sakura dorme aqui, aqui é o santuário dela, é onde ela se sente mais confortável, eu estou onde ela-

Syaoran decidiu interromper seus pensamentos bem aí e focou toda a sua atenção no rosto dela, a encarando com tanta intensidade que Sakura teve que tampar a boca para soltar sua gargalhada.

— M-me desculpa, é que você está me encarando tão sério! Me deu até deja vu do seu primeiro dia de aula.

Sem graça, com o rosto quente, Syaoran forçou seus traços a relaxarem, mas deve ter feito algum tipo de careta, porque Sakura riu de novo, tampando a boca com as duas mãos agora.

— Sakura, você está me matando aqui! — Ele sussurrou indignado. — Para de me enrolar e me conta logo o que aconteceu.

Isso a fez diminuiu o sorriso, desviando o olhar de novo e Syaoran imediatamente se arrependeu de ter sido tão brusco. Bem que suas irmãs vivem o chamando de grosso.

— Desculpa. — Ele murmurou, arrependido de ter saído de casa. — É que você parecia estranha na escola e fiquei preocupado. Podemos conversar amanhã... Desculpa mesmo.

Ele deu um passo para voltar para a janela, mas Sakura o parou, agarrando sua camiseta.

— Não é algo... ruim... acho... Só meio constrangedor. — Ela não o encarava nos olhos e não o soltou.

Ele a encarou.

— É que... Acho melhor eu falar tudo de uma vez. — Ela respirou fundo, como se para tomar fôlego. — Você lembra da peça que a gente teve que atuar juntos?

— Qual delas?

Ela deu uma risadinha nervosa.

— A primeira.

Syaoran imediatamente fechou a cara, desolado e irritado só de lembrar daquela experiência mortificante. Nunca mais, repetiu seu mantra de forma fervorosa, nunca mais.

— Você foi uma princesa linda. — Ela repetiu, tentando consolá-lo.

Se fosse qualquer outra pessoa dizendo isso, Syaoran ia exigir retaliação. Mas era Sakura, e não havia um grão capaz de provocar dentro dela, então ele apenas suspirou, forçando as memórias para trás.

— O que tem a peça?

Sakura novamente mordeu o lábio, envergonhada. Ela abriu e fechou a boca algumas vezes, juntando coragem para falar. Syaoran estava ficando nervoso já! Que diabos é tão sério que a deixava nesse estado?!

— É que... É que... Sabe o que é... Eu acabei reparando... Sabe... Que aquela peça não... Nós não...

Ele esperou, incerto. Sabia que Sakura precisava de mais alguns momentos para organizar seus pensamentos e agonia era latente.

— A peça foi interrompida pela carta Clow. — Ele atalhou.

— Sim. — Ela o olhou aliviada antes de desviar o olhar de volta para um ponto acima de seu ombro. — V-v-você lembra qual c-cena a gente tava quando tudo ficou escuro?

— É claro, foi bem quando você ia- — A voz de Syaoran morreu, choque e vergonha o nocauteando de tal forma que ele ficou sem fôlego.

Sua alma deveria estar abandonando o corpo. Ele mal conseguia ousar lembrar daquele momento, uma luta diária consigo mesmo sobre os e se. Sempre que suas memórias caíam sobre aquela torturante peça, ele sentia uma necessidade física de beber muita água e apagar qualquer cenário em que as cartas não apareciam. E agora... Agora ele estava no quarto da Sakura, no meio da noite, sendo questionado sobre algo que ele não sabe bem se está psicologicamente preparado para responder.

Então! — Sakura exclamou, num fiapo de voz, em um tom que deixou claro que ela entendia muito bem o motivo dele ter perdido a capacidade de formar frases.

Por quê? Por que por que por quê?! Por que ela desenterrou isso do nada?! Não é atoa que ela mal conseguia encará-lo na escola, ele mesmo está tendo dificuldades de olhar para qualquer outra coisa além da escrivaninha dela.

— Me ocorreu — Ela começou com a voz estrangulada, como se estivesse forçando as palavras para fora. Novamente, Syaoran ficou admirado com a coragem dela. Ele jamais conseguiria falar novamente. — que nós nunca... Sabe... Nem na peça e nem... Nem... Enfim...

Depois, sua mente completou, desnecessariamente.

— E e-e-eu fiquei pensando... Se nós não... Ou se eu devia... — A voz dela foi morrendo até por fim seus lábios pararam de se mexer.

Syaoran estava desesperado. Ele precisava falar alguma coisa, qualquer coisa, ele não podia deixar a Sakura sozinha no meio desse dilema, não quando ela estava fazendo uma expressão tão aflita que o fazia ter vontade de chorar e a colocar num potinho protegido de todo o mal do mundo. Se ao menos ele conseguisse soltar esse maldito nó na garganta! Seu rosto certamente irá derreter também.

Será que assim que o grande Li Syaoran irá morrer? De ataque cardíaco no quarto da amiga por quem ele por acaso é apaixonado ao ser questionado se eles deveriam se beijar ou não?

Seria bem anticlimático.

E então, porque Sakura claramente é a única que ainda tem suas funções em ordem, ela se estapeou, segurando o rosto com as duas mãos, subitamente preocupada.

— Não quero que você pense que estou te apressando! Eu não sei nem se você quer! Não sei nem se eu quero! Ai ai ai, não foi isso que eu quis dizer, é que eu-

Syaoran agarrou o pulso dela, que gesticulava loucamente enquanto sua agonia visivelmente crescia.

— Sakura. — E Syaoran está muito orgulhoso de si mesmo por ser capaz de falar palavras completas, infelizmente o nome dela era o limite de suas habilidades no momento enquanto ele enfrenta a taquicardia.

— Syaoran-kun. — Ela sussurrou, olhando para a mão dele.

Eles ficaram um momento em silêncio, cada um tentando organizar os próprios pensamentos e como voltar a conversar como dois seres humanos normais.

— Syaoran-kun. Você já...?

E aqui a língua de Syaoran realmente não poderia falhar com ele, as palavras se atropelando com a necessidade de falar de uma vez, não deixando nem uma brecha de segundo para ela cogitar qualquer coisa diferente.

— N-não, nunca.

Syaoran não se interessava por essas coisas e não importava quantos visgos Meylin tentava esconder em uma emboscada para conseguir o que queria, ele simplesmente não iria fazer isso se não fosse com alguém que ele genuinamente amasse.

Bem. Então.

— E-eu também não. — Ele já suspeitava disso, mas era bom ouvir mesmo assim. — V-você teria sido o primeiro naquela peça.

Pensamentos violentos o inundaram, onde ele não conseguia se decidir se queria que tivessem se beijado naquela peça simplesmente para acabar logo com isso e não ter mais que lidar com a vergonha e ansiedade da expectativa. Mas por outro lado, não é um alívio que eles vão poder compartilhar tal coisa - primeiro beijo sua mente corrigiu desnecessariamente – na mesma página? Sem ele confuso e em negação sobre seus sentimentos e – o mais importante – sendo correspondido? Sakura ainda gostava do Yukito naquela época, estava completamente alheia ao constrangimento de Syaoran e não havia pensado duas vezes ao inclinar sobre ele tanto no ensaio quanto na peça.

Certamente, Sakura iria preferir que tal coisa fosse mais especial, certo? Ela merecia ao menos isso. Syaoran planejava fazer tal coisa depois que eles estivessem oficialmente namorando. Se ao menos ele conseguisse fazer o pedido! Parecia uma conspiração, toda vez que eles saíam em um encontro alguma coisa acontecia e ele não conseguia falar.

— Eu sou tão lenta... — Ela falou baixinho, olhando para baixo. Algo no tom dela o fez a encarar, preocupado. — E se eu demorar demais tentando descobrir e me entender de novo? Parece que estou sempre te fazendo me esperar para te acompanhar.

E se tem alguma coisa capaz de fazer Syaoran superar seu absoluto constrangimento, é a visão de Sakura chateada.

— Sakura, você é o amor da minha vida. Eu posso te esperar por uma vida inteira porque eu estou apaixonado por você. Você vai ser a minha primeira. A última. A única.

Assim que as palavras saíram de si, Syaoran sentiu todo o seu corpo em chamas. Não podia acreditar no que disse! Não que não fosse verdade, ele não se arrependia de nenhuma palavra porque era tudo real, mas meu deus não é como se ela precisasse ouvir! Isso porque ele está tentando juntar coragem para a pedir oficialmente em namoro fazia semanas!

Ela o encarou por um minuto, momentaneamente sem palavras. Isso estava ficando recorrente entre eles, Syaoran fazendo uma de suas declarações e a deixando absolutamente sem chão. Talvez seja por isso que Sakura resolveu o deixar sem palavras também, porque em um impulso ela simplesmente segurou seu rosto e encostou seus lábios contra os dele.

Simples assim.

Macio, a mente dele conjurou por cima de toda a gritaria que estava inundando sua cabeça. Os olhos dele estavam arregalados e não importava que algum lugar dentro dele dizia que os olhos deveriam estar fechados, Syaoran era incapaz de ter qualquer pensamento coerente.

Eles ficaram assim, os lábios pressionados contra o outro, por alguns segundos, antes de se afastarem. Syaoran ainda tinha os olhos arregalados, o coração batendo de forma tão desenfreada que um canto distante de sua mente começou a se preocupar com sua saúde. Sakura permaneceu com os olhos fechados, como se prolongando o momento em sua mente e isso era demais, demais.

— Por que fez isso? — Essa era a voz dele?

— Você não gostou? — Sakura parecia preocupada, como se estivesse se arrependendo de sua impulsividade.

E não importava quanta vergonha ele sentia, Syaoran simplesmente não podia deixar esse mal entendido passar.

— Eu não disse isso. É que... Eu achei... Eu planejei... — Ele respirou fundo, para se centrar. — Achei que essas coisas precisavam de uma ocasião especial.

Ela deu uma risadinha, o rosto tão vermelho que era possível que o sangue jamais saísse de suas bochechas.

— Eu não preciso de ocasião especial ou lugar especial. É você quem faz isso ser especial.

As palavras dela o acertaram como um taco no estômago, roubando todo o seu ar.

— Eu... Eu... — Seu orgulho, normalmente tão grande, parecia levemente ferido. De repente, ele não queria estar tão atrás de Sakura. — Sakura, você será minha namorada?

Sakura abriu os olhos, arregalando-os de tal forma que eles poderiam cairr das órbitas.

— Namo-!

Ela parecia incapaz de falar.

Qualquer que tivesse sido aquela sensação de ousadia foi embora do corpo de Syaoran bem mais rápido do que ele esperava. Controle de danos, faça controle de danos!

— E-eu quis dizer!! V-v-você quer ser minha n-n-n-namorada?

Muda, Sakura simplesmente balançou a cabeça concordando. Avidamente.

O coração de Syaoran errou uma batida. Duas. Ele estava tão feliz que se encontrava incapaz de articular palavras. Simplesmente esticou a mão e segurou a de Sakura, apertando-a levemente.

— Então eu sou o seu namorado. — Ele murmurou, tão feliz que poderia estar flutuando.

— E nós somos velas tentando dormir! — A voz irritante de Kerberus se fez presente, vindo da gaveta onde Syaoran sabia que ele dormia.

— Deixa os meninos! Não vê que eles estão tendo um momento?! — A voz de Spinel Sun era seca como sempre.

E essa era a deixa de Syaoran para ir embora. De repente ele ficou extremamente consciente de que ele era um adolescente de 13 anos escondido no quarto da namorada no meio da noite.

Sakura lançou um olhar cortante para a gaveta, ressentida, e a visão era tão estrangeira vindo logo de Sakura que Syaoran começou a rir.

— Eu te vejo amanhã. — Syaoran disse, feliz.

— Boa noite, Syaoran-kun. — Sakura sorriu um dos seus deslumbrantes sorrisos, roubando mais um pedacinho de seu coração para si.

— Boa noite, Sakura. — Ele se despediu e foi para a janela.

Syaoran pulou a janela para a árvore do lado e olhou última vez para Sakura, que sorria tanto, ele tinha certeza de que ela vai ter dificuldade para dormir depois.

Ele sabia porque provavelmente vai passar pela mesma coisa.


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