Ritmos que se desencontram escrita por Counter


Capítulo 1
Se eu não puder dançar, não é a minha revolução


Notas iniciais do capítulo

Olá! Como vocês vão?

Essa pandemia se tornou bem tensa pra mim e acho que compartilhar minhas histórias com alguém vai me fazer bem, haha.

Espero que gostem!



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O frio serpenteou por dentro de suas roupas, seu cachecol marrom fazendo pouco para esquentar seu pescoço. Suas orelhas e nariz queimavam com a sensação congelante, o guarda chuva tremeluzindo denunciava o calafrio constante.

Uma poça de água encharcou completamente seus tênis e Bella trincou os dentes e tremeu mais com a sensação, o arrependimento começando a sussurrar sobre a má ideia que teve baseada em sua insistência.

O estúdio de dança, imponente como sempre, a encarava como uma intrusa, o contraste dela mesma com a construção em estilo Art Déco, com sua coloração de marfim, dividido por elementos e curvas ornamentais.

Com os dedos brancos e trêmulos, Bella bufou quando deixou suas chaves caírem duas vezes antes de finalmente conseguir firma-las entre a palma molhada.

 “Le studio de ballet d'Yve, le meilleur talent vient de vos pieds et virevolte”

As palavras douradas encravadas na porta do estúdio já estavam desgastadas pelo tempo, mas ainda carregavam o mesmo peso que por tanto tempo significou muito para cada solista. Como um mantra, a simplicidade do significado fortalecia aquilo que todos precisavam saber, qualquer um era capaz e nada era complexo o suficiente.

Bella destrancou a porta, seus movimentos ansiosos e animados para o que viria a seguir. Ela serpenteou por entre os corredores, ignorando as espaçosas salas destinadas a grandes ensaios e se direcionou ao espaço de testes.

A porta rangeu horrivelmente ao ser aberta, o ambiente se tornando mais uma despensa do que necessariamente uma sala de treinamento que algum dia já tinha sido.  Ela passou reto pelo enorme espelho e as barras de suporte, sua atenção focada no piano marrom desgastado logo ao canto.

Ao sentar em frente ao instrumento, Bella tirou as partituras úmidas no bolso da calça e as equilibrou em sua frente, e então, depois de abrir e fechar as mãos para se livrar do frio, seus dedos alcançaram ansiosamente as teclas do piano, o som retumbando pelo espaço de maneira calmante.

Lá, Do, Mi.

O acorde tão familiar acariciou seus ouvidos, suas mãos posicionadas já nem precisavam ser lembradas do movimento, como se tudo fosse tão natural e ela tivesse nascido fazendo a mesma melodia tocar diversas vezes.

Do Re Mi Fa Sol La Si 

“O dedo um da mão esquerda no dó central e os outros quatro dedos nas notas seguintes, o mesmo na mão direita. ”

Os ensinamentos básicos são incrustrados nela mesma como se fossem um outro sentido que tivesse desenvolvido, ou na sua situação, uma compensação de algo que faltava.

E então, como se algo implodisse dentro de seu peito, seus dedos automaticamente mudaram de posição e bateram nas teclas com mais força, mais intensidade, mais amor do que ela jamais previu. Como se fosse ela fazendo votos de amor para Odette e não Siegfried.

Porém, antes que conseguisse terminar o que seria o último ato de sua própria dança imaginária, algo a interrompeu, um barulho familiar da porta que ela mesma tinha destrancado ser aberta por outra pessoa.

Foi insatisfatório não tocar a última frase na partitura, mas o nervosismo de ser pega engoliu a sua ânsia musical e a fez se esconder atrás do piano. Aquela sala do estúdio era particularmente escura e pouco usada e Bella rezou para que a pessoa a ignorasse e procurasse um lugar mais decente.

Mas isso não aconteceu.

Bella trancou a respiração quando as luzes parcas foram acesas, se encolhendo logo ao lago do piano e no canto da parede. Ela não poderia estar ali de madrugada e se fosse Yve ela se sentiria extremamente decepcionada consigo mesma por entristecer a mulher que lhe acolheu.

Porém, mesmo que vários tipos de pensamento a afligissem nenhum deles se tornou realidade. Bella notou por debaixo do piano as sapatilhas da bailarina, seus pés apontados para o espelho, a música suave ressoando na pequena sala.

A bailarina em questão demorou alguns minutos para começar a dançar e Bella se perguntou quanto tempo permaneceria escondida. Dito isso, ela esticou seu pescoço para enxergar o que tinha acontecido, porém foi pega de surpresa com o exato início da dança.

Seus dedos, braços, pernas, um conjunto em sincronia, com uma memória muscular afiada para que todos os movimentos sejam corretamente desenvolvidos.

Yve, a dona do local, sempre a ensinava sobre o básico do ballet, como se Bella algum dia fosse se descobrir interessada. Os cinco movimentos sempre lhe pareceram complicados demais para ela, principalmente se fossem colocados em uma dança como a que estava presenciando agora.

Porém, a complexidade em conjunto com a técnica necessária para o ballet não parecia afetar e alcançar o mínimo de aflição na mulher em sua frente, como se aquilo não pudesse ser chamado de dança.

Não, aquilo era como um diálogo, um arsenal de letras e palavras nunca ditas, como se a mulher em sua frente tivesse se transformado em um pássaro, exatamente como deveria. Não eram passos de dança e sim expressões, como uma comunicação, como o seu dedo um da mão esquerda no dó central e os outros quatro dedos nas notas seguintes, ela não estava pensando.

A simplicidade do pensamento não encaixava em seus movimentos.

Bella se imaginou pensando algum dia tocando para alguém assim. Algum dia ela iria se debruçar sobre as teclas e seria apreciada e traduzida a uma dança. Algum dia ela seria proibida a errar o ritmo pois não dependia somente dela e sim da dançarina ao seu lado.

Algum dia não seria somente ela.

A música acabou e Bella se viu encolhida atrás do piano.

Ela não foi descoberta, mas gostaria de ter sido. Gostaria de ter sido convidada a tocar para essa bailarina em particular.

No fim, ela juntou suas coisas e trancou o lugar, toda a sua arrumação passando completamente despercebida, sua atenção em sua memória mais recente.

Algum dia a bailarina apareceria novamente e talvez ela fosse corajosa o suficiente para se apresentar.

***

No dia seguinte, Bella parecia flutuar em sono. Tendo passado a noite toda pensando na bailarina misteriosa, toda a sua atenção foi focada em cenários imaginários e anotações em suas partituras.

Porém ao chegar no estúdio de dança, o ambiente que normalmente murmurava música e se desenvolvia em passos parecia que tinha se transformado em uma comoção generalizada.

Logo na entrada do estúdio estava a sala principal, a que era usada para grandes ensaios e para bailarinas com suas audições prestes a ocorrer, mas, contrapondo tudo isso, nesse dia a sala estava completamente vazia, a não ser pela única bailarina ensaiando.

Bella não era a única com o sentimento de estranhamento e curiosidade, visto que grande parte dos alunos estavam observando.

— O nome dela é Alice e ela é a nova bailarina. – 

Bella pulou ao ouvir a frase sussurrada em seu ouvido, seus olhos pousando no adolescente sorridente ao seu lado. Jacob ainda não estava com suas roupas de bailarino, ao invés disso usava uma calça jeans, camisa e um moletom, e mesmo com roupas tão confortáveis, ainda era perceptível os braços fortes e longos e sua boa postura.  Seu sorriso aberto com dentes estupidamente brancos e olhos cor de avelã brilhavam em uma alegria matinal.

— No seu intervalo a observe dançar, ela é ótima. – Sorriu empolgado.  – E tem uma incrível personalidade também.... Ai! – Exclamou ao receber uma cotovelada nas costelas. – Não desse jeito!  - Se defendeu ao notar a expressão zombeteira de Bella.

“Deve ser realmente estressante com tantas pessoas olhando”

Bella sinalizou e Jacob assentiu e deu de ombros.

— Sim, bem, ela foi convidada pela própria Yve, acho que por isso ela se tornou tão impressionante. – Coçou a nuca.

Bella assentiu em concordância, de fato, todos os dançarinos ali tinham se esforçado ao máximo para terem aulas naquelas salas, mas serem convidados? Yve não era do tipo que convidava.

“Enfim, você vai estar livre depois das cinco? Quero mostrar para você uma coisa”

— Hoje eu tenho um ensaio com uma parceira diferente, mas acho que vai ser possível. – Jacob assentiu fazendo charme. – Sempre livre para você. –

Bella revirou os olhos e cutucou as costelas de Jacob novamente, que desviou e fez uma careta.

— Agora, preciso ir! Bom trabalho! – Um beijo rápido em sua bochecha e escapou com passos de bailarino. Bella riu, seu peito trovejando silenciosamente e seus ombros subindo e descendo ao observar Leonardo na ponta dos pés.

***

O padrão sempre foi o mesmo, primeiro as laterais, suas mãos se esforçando contra os rodapés, logo depois o meio, o ziguezague do esfregão no chão fazendo seus braços queimarem pelo ato repetitivo. E então novamente, com o cloro queimando seus olhos e narinas, ela finalmente terminaria.

Olhando em volta, parecia sinceramente satisfatório o resultado final.

A porta da sala do auditório se abriu, e todo o padrão com o esfregão, em conjunto com o cloro se foi em pisadas insistentes e barulhentas.

— Ela é muito argumentativa, eu simplesmente não consigo falar com ela! – 

O estrondo da voz do solista preencheu o eco do corredor. Bella se endireitou com os olhos arregalados em surpresa. O ensaio tinha terminado mais cedo?

Suas mãos abandonaram o esfregão, sua palma em conjunto com seus dedos formando frases que suas cordas vocais eram incapazes de vocalizar novamente.

“Senhorita Yve novamente?”

— Não! Não! – Ele exclamou, a irritação insistente fazendo com que ele jogasse sua bolsa para longe. Bella observou o montante de tecido chocar contra a parede e fez uma careta ao notar o cloro e a água que tinha usado para limpar o chão ser absorvida, quantas vezes mesmo o padrão teria que ser repetido?

— Bella você está me ouvindo? – Jacob avançou em sua direção e ela assentiu, suas mãos em punho subindo e descendo em um sim silencioso, sua sobrancelha franzida em concentração. – Eu não entendo o que ela está pensando, é como se tudo o que eu fizesse fosse defeituoso.

A explosão de irritação pareceu deixar Jacob mais cansado do que já estava e Bella notou que ele não tinha ajeitado suas coisas como de costume, ele ainda estava com suas roupas de bailarino

“Sinto muito por isso”

Jacob soltou um suspiro impaciente e assentiu, seus dedos massageando as têmporas em um gesto estressado.

— O nome dela é Rosalie. – Ele murmurou um pouco mais ameno. – Ela veio de Port Angeles, junto com Alice, para ter aulas com a Yve. – Suas costas descansaram contra a parede, seu cenho se franzindo em tristeza. – Ela....

Mas antes que Jacob terminasse de falar, uma interrupção adentrou o corredor da mesma maneira abrupta.

— Jacob, eu falei com ela, podemos voltar, por favor? –

Bella tinha bastante apego por Yve, dona do estúdio de dança e antiga bailarina. Ela tinha quase sessenta anos, mas ainda continha os mesmos membros longos e firmes da dançarina que já tinha sido algum dia, suas expressões duras por tantos anos exigindo muito de si mesma e dos outros encarando os dois adolescentes no corredor.

— Oh! Olá Bella. –

Bella sorriu, se abstendo da comunicação pois sabia que Yve nunca a entenderia.

  - Sinto muito por não ter conseguido segurar Jacob na minha sala. – Balançou as sobrancelhas de maneira engraçada, mandando um olhar questionador para o bailarino logo após. – Agora, vamos? –

Jacob franziu o cenho e assentiu, os passos largos enquanto entrava imediatamente dentro da sala.

— Ah mas veja só a bagunça que ele fez. – Yve balançou a cabeça em desânimo. –

Bella somente balançou suas mãos na tentativa de desqualificar quaisquer problemas, um sorriso tranquilizador cruzando seu rosto enquanto pegava a mochila do dançarino e arrumava suas coisas.

— Rosalie tende a ser uma pessoa difícil e até alguém centrado como Jacob é capaz de se desestabilizar. – Ajeitou o vestido boho de tom verde pastel, seus dentes castigando os lábios em uma expressão pensativa. 

Bella apertou a alça da mochila em um gesto ansioso. Era incomum que as expressões de Yve fossem tão desanimadas daquele jeito e ela nunca quis tanto se comunicar com alguém quanto agora.

— Eles estão ensaiando um Gran Pas de Deux. – O seu sotaque francês se tornou mais proeminente. – Jacob é um ótimo parceiro, porém o problema é quando ele está sozinho, Rosalie acredita que ele não está fazendo da maneira como deveria. –

Bella levantou as mãos, mas automaticamente parou, o cenho franzido enquanto assentia, Rosalie parecia essencialmente uma pessoa exigente, mas que em vista do desânimo de Yve, cansativa também.

A mulher mais velha somente balançou os ombros e suspirou, estendeu sua mão para acariciar as bochechas de Bella e sorriu tristemente.

— Se eles soubessem da sua situação, não ficariam tão chateados. –

Bella abriu a boca em reflexo, porém o silêncio que sempre acompanhava o gesto afundou-a em mais frustração.

Ela queria dizer que Yve não precisava se preocupar, dizer que estava tudo bem, dizer que Jacob superaria isso e Rosalie entenderia o ponto de vista de todos.

Em sua angústia para palavras de conforto, Bella tirou suas partituras do bolso de trás da calça e enfatizou, balançado as folhas de papel em frente a mulher mais velha.

— Oh, você quer tocar para mim mais tarde? –

Bella assentiu avidamente.

— Você sabe que não precisa, você passa o dia inteiro limpando e organizando. –

Bella bufou em discordância, seus olhos conflituosos de como passar a sua real vontade para a mulher em sua frente.

Yve riu.

— Tudo bem, tudo bem, mais tarde, certo? –

A adolescente parecia que iria saltar de felicidade, mas o momento foi interrompido por barulhos de discussões.

— Você é um completo INÚTIL –

As duas mulheres encolheram os ombros ao ouvir a voz estridente de Rosalie ressoar pelos corredores.

— Isso é SIMPLES, SIMPLES! Como você é incapaz de fazer isso? –

O rosto de Yve endureceu, toda a suavidade fornecida por Bella desapareceu em vista dos gritos.

A mulher mais velha girou os calcanhares e, com passos largos, adentrou a sala e fechou a porta com força, o som da discussão sendo imediatamente abafado pelo estrondo.

Deixada sozinha no corredor, a adolescente se viu focada novamente em seus afazeres, seus pulsos forçando o esfregão por todo o caminho  do corredor novamente.

Sinceramente, todo o trabalho que Bella precisava fazer já estava devidamente feito, limpar os banheiros, as mesas do refeitório e o mais importante, os espelhos. Yve adorava espelhos bem limpos e cristalinos e havia uma questão de respeito e necessidade de agrado que sempre a fazia se esforçar mais.

Bella levantou os olhos para encarar o relógio de madeira na parede e suspirou quando viu que ainda faltavam duas horas para o ensaio de Jacob acabar. Particularmente inquieta naquele dia, ela estava ansiosa para mostrar o que tinha desenvolvido no piano nos últimos dias.

Mostrar suas músicas para ele sempre fazia com que algo borbulhasse em seu estômago, como se tocar fosse muito mais doce com os sorrisos empolgados e as expressões maravilhadas que Jacob expressava durante toda a música.

Ele era, intitulado por si mesmo, um admirador não tão secreto.

 

***

Soltando um suspiro, Bella guardou todos os materiais de limpeza na sala no final do corredor do primeiro andar, seus olhos encontrando o seu tão estimado piano, seus dedos formigando, pedintes por alguma melodia que se tornara tão viciante.

A paciência se tornou necessária quando a adolescente notou que não poderia se refugiar naquela pequena sala pelas próximas madrugadas. Não, ela tinha responsabilidades que precisavam ser atendidas. Além disso, as dores nas costas e juntas eram uma evidência da falta de descanso, seu comportamento privativo de sono sempre a levava naquele exato ponto de exaustão.

Porém, ela não conseguia impedir. Como se ela estivesse numa rotina que a impedia de fazer o que realmente queria, como se fosse fadada a viver algo que odiava e atender expectativas que nem ao menos escolheu.

Aquela exaustão em seus ombros e juntas eram o resultado de sua angústia, como se ela se recusasse a basear sua rotina em algo estritamente necessário e sim em algo que precisava.

Era como se ela fosse aprisionada por um feiticeiro durante o dia, sendo forçada a se comportar da maneira como deveria, e somente durante algumas horas da noite, de suas madrugadas debruçadas naquele piano em específico, ela desenvolvesse sua própria personalidade, seus próprios sonhos aprisionados, suas vontades, seus desejos e amores.

Mas, não existia um Von Rothbart em sua vida, somente ela mesma a quem culpar, de ter nascido em circunstâncias desfavorecidas e um espírito fraco para lutar contra.

Se endireitando e com seu material de trabalho devidamente arrumado, Bella cruzou a sala, seus olhos se cruzando por um momento em sapatilhas de balé que não estavam lá inicialmente.

Seus pés fincaram no chão, os olhos levemente arregalados por lembranças que jurou que fossem sonhos.

Aquelas sapatilhas, poderiam ser?

Bella sentiu a amargura atingir seu âmago. Se a sala fosse melhor iluminada, se ela não estivesse atrás do piano, se ela não estivesse de costas, Bella saberia quem era, saberia para quem tocar, ela teria um rosto.

Quem era a bailarina?

toc toc

A porta rangeu ao ser aberta e Bella teve que desviar seus olhos e pensamentos da sapatilha.

O rosto sorridente de Jacob apareceu.

— Meu ensaio terminou, vamos? - Quaisquer resquícios de desgosto ou irritação que Rosalie tinha provocado haviam desaparecido. Bella se sentiu aliviada com aquilo, consciente de quão importante era para ele.

Assentindo, Bella sorriu de volta, pronta para mostrar suas músicas e comer o máximo que poderia.

Jacob estendeu as mãos e Bella riu ao pega-las.

— Vou salvar você das janelas sujas e das mesas do refeitório cheia de comida, vamos minha princesa! - 

Bella observou com carinho a maneira como suas mãos pareciam tão claras e pequenas em comparação com as de Jacob, como os dois se distinguiam tanto de si mesmos. Em comparação com a pele negra dele, a sua era branca de maneira inconveniente o suficiente para ser suscetível a qualquer tipo de marca, e enquanto Jacob tinha seu cabelo curto para se tornar apenas uma mancha em sua cabeça, Bella tinha paciência com seus cachos marrons.

— Vamos a lanchonete do senhor Wilson comer um grande pedaço de hambúrguer? -

Cheeseburguers!"

Jacob gargalhou sobre a maneira como a palavra foi gesticulada rápido e os olhos de Bella se empolgaram com a ação.

— Ótimo, vamos encher a nossa barriga de massa e queijo enquanto você me mostra as suas composições. -E suspirou, passando a mão na nuca dolorida. - Sinceramente? Estava ansioso para isso, hoje foi especialmente difícil. -

Bella lançou um olhar empático, lembrando dos gritos irritantes e histéricos de Rosalie.

— Ah, merda. - Exclamou de repente. - Esqueci minha bolsa! - Olhou para Bella com os ombros comprimidos. - Você me espera? -

Bella assentiu e sorriu pacientemente. Jacob deveria estar bem ansioso ao ponto de esquecer a própria bolsa. Yve e Rosalie em conjunto eram ótimas testadoras de nervos e tímpanos.

Jacob acariciou seu ombro e deu as costas, fazendo seus passos de bailarina como sempre.

E Bella riu, como sempre.

A adolescente bufou sorridente, colocou as mãos nas bochechas coradas, sentimentos que não deveriam estar ali borbulhando em seu peito. 

— Tendo um bom dia? –

O sorriso de Bella morreu ao som da voz logo ao seu lado. Olhos verdes enérgicos encararam seu rosto, como uma avaliação que ela entendeu o significado mas preferiu ignorar.

O homem era alto e magro, usava calças de moletom, regata e um casaco de algodão aberto. Ele, da mesma maneira que Bella, destoante do lugar, e pelos olhares impressionados e confusos, ele estava possivelmente procurando alguém.

— Você sabe onde fica a sala de ensaios? Preciso falar com a Rosalie. –

Rosalie? A nova bailarina?

Bella o observou pensativamente e sinalizou.

“Olá meu nome é Bella”

Ela ignorou a surpresa que cruzou o rosto do homem, acostumada com a reação das pessoas ao conhecê-la.  

— Ah... você é surda? –

Ela somente negou e apontou discretamente para a sala em que Rosalie possivelmente se encontrava, que no caso, eram quatro portas atrás dele, no final do corredor.

— Desculpa, você não entendeu? QUER QUE EU FALE MAIS ALTO? –

Ah.

Bella não era medrosa, introvertida de fato, mas ela definitivamente sabia lidar com situações nas quais a sua mudez era o problema central. Ela sabia entender aquele olhar de confusão e pena, aquela inferioridade que fazia seu peito afundar e seu corpo automaticamente se encolher em apatia.

“Ouço você muito bem”

Ela sinalizou, sorrindo da melhor maneira que pode ao fazer todos os gestos calmamente e logo depois apontou novamente.

O homem tombou a cabeça em confusão e algo descrito como aversão cruzou seu rosto. 

— Pessoas assim não deveriam usar aparelhos auditivos? Ou sei lá, saber escrever? Ia facilitar a vida de todo mundo. – E riu de maneira relaxada, não levando a sério o que tinha acabado de falar, como uma piada para aliviar o seu próprio nervosismo.

Com um amargo na boca, Bella levantou as mãos para tentar se comunicar novamente. Nesse tipo de situação, o que mais a irritava era o fato de que ela dependia da boa vontade de outras pessoas para ser entendida e se isso não ocorria, ela virava a espectadora do próprio desconforto.

— Cala a boca, ela é muda, não retardada. –

As palavras foram proferidas de maneira rude. A voz feminina e suave destoando sobre o que tinha acabado de ser dito.

Rosalie era alta, muito alta e, ao se posicionar ao seu lado, Bella a achou incrivelmente intimidadora.

— É que ela ficou gesticulando, como eu vou saber o que significa? – O tom de voz dele ainda era meio leve, brincalhão, como uma barreira de defesa para possíveis acusações.

Era somente uma brincadeira no final, não era? Alguns sorrisos simpáticos e palavras de desmerecimento enfeitavam bem e deixavam todos confortáveis.

Rosalie olhou para ela e Bella foi pega de surpresa ao ser encarada tão de repente. A bailarina em sua frente definitivamente não era tímida, confiança e arrogância brilhavam de suas bochechas magras, do seu nariz longo e fino e da boca arredondada. Ela ainda estava com suas roupas do ensaio com seu collant de manga curta e leggins. 

— Dá próxima vez, manda ele se ferrar em língua de sinais. –

O que?

Rosalie soltou um sorrisinho superior e se virou para o homem novamente.

— Uma namorada como essa, devo dizer. – O homem riu e entrelaçou suas mãos com as da bailarina. Os dois se beijaram rapidamente para logo depois o desconhecido murmurar algo para Rosalie, que revirou os olhos e a encarou de soslaio.

— Desculpe por ele. -

“Tudo bem”

Bella sinalizou, mesmo sabendo que possivelmente os dois não entenderiam.

Rosalie não reagiu ao sinal, somente se virou e caminhou, em conjunto do namorado, para fora do estúdio.

— Quem era o cara? -

Jacob apareceu ao seu lado com a bolsa pendurada no ombro, os olhos preocupados em sua direção.

"Ninguém, vamos! Estou com fome!”

A preocupação desvaneceu para ser substituída por diversão, Jacob colocou um braço ao redor de seu ombro.

— Primeiro passo: Cheeseburguers duplos! - Leonardo cantarolou, sua voz ecoando no corredor amplo.

Bella revirou os olhos e sorriu, suspirando. Sim, ela precisava comer e descansar.

 

 


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Notas finais do capítulo

Espero que vocês tenham gostado, uma boa semana!



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