Ah, se tu soubesses... escrita por Clarisse Hugh


Capítulo 1
Ah, se tu soubesses...




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Simon está tendo um pesadelo.

Não é exatamente uma cena incomum no topo da Torre dos Mímicos.

Baz já presenciou momentos similares a este um milhão de vezes ao longo dos anos em que ele e Snow dividiram um quarto, mas por algum motivo esta noite parece impossível dar-lhe as costas e ignorar sua respiração acelerada e seus choramingos.

Talvez porque há pouco tempo era ele quem se encontrava num pesadelo próprio, trancado num maldito caixão e tendo de enfrentar seus piores medos e inseguranças.

Talvez porque o garoto de ouro lhe oferecera a informação de que sua mãe o Visitara e se oferecera para ajudá-lo a encontrar seu assassino, apesar dos anos de animosidade entre os dois.

Ou talvez simplesmente porque Baz Pitch estava desesperadamente apaixonado por ele.

Queria poder acordá-lo, acomodá-lo nos braços e cobri-lo de beijos. Cada toque de seus lábios um feitiço de amor para curá-lo de todas as dores. Mas o filho de Natasha Pitch sabia que aquela era uma realidade inventada. Tanto quanto tinha certeza de que, se houvesse a mínima chance de um futuro como aquele para si... Crowley, ele queimaria como as chamas em seu sangue, invocadas tão facilmente mesmo que perigosas para um vampiro como ele.

Diante do ensejo de ter Simon Snow a seu lado, Baz seria incansável.

Invencível.

Impossível.

Balançando a cabeça como que a livrar-se desses pensamentos, o garoto de cabelos negros senta-se em sua cama com os pés para fora do colchão, tomando cuidado para não fazer barulho, ainda que tenha ciência do quão profundamente seu autoproclamado inimigo costuma dormir. Seria preciso algo bastante abrupto para despertá-lo.

Tendo a escuridão da noite e a ausência de qualquer testemunha a seu favor, Baz decide se permitir ser afável. Carinhoso como só consegue ser em sua própria mente e coração.

Por falar em carinhoso...

Mordendo os lábios, numa clara demonstração de sua incerteza, o herdeiro das Famílias Antigas se aproxima tentativamente da cama onde o Escolhido se encontra, ainda irrequieto e claramente desconfortável em seu sonhar.

Sentando-se na beira do colchão, fazendo o possível para mal o tocar e não afundar o material, de modo que Simon perceba alguma mudança. Espera meio minuto para ver se sua presença será notada, a própria respiração um tanto acelerada, ele todo pronto para usar sua velocidade superior caso seja necessário.

Diante de nenhuma mudança aparente, entretanto, Baz inspira profundamente e leva sua mão – trêmula – em direção aos cachos acobreados de seu amado. Toca os fios com reverência e a mais leve das pressões. Faz cafuné em seu cabelo como se acarinhasse todo seu corpo.

Notando a si próprio consumido de emoção e tendo certeza de que aquela se trata de uma oportunidade única, Tyrannus Basilton Grimm-Pitch vence o nó que embarga sua garganta e nubla seus olhos já cinzentos para forçar uma canção sussurrada de seus lábios, na esperança de que – inconscientemente – as palavras embebidas naquele gostar tão profundo cultivado em seu peito acalmem o sono de Simon.

— Meu coração, não sei por quê. Bate feliz quando te vê. E os meus olhos ficam sorrindo. E pelas ruas vão te seguindo. Mas mesmo assim, foges de mim...

Ele se recusa a chorar aos pés da cama de Snow, mas aquela é uma batalha mais difícil do que qualquer prova de Palavras Mágicas ou até mesmo uma luta contra uma das criaturas enviadas pelo Humdrum. Num soluço incontido, ele prossegue, um fio de voz naquele quarto iluminado apenas pela lua cheia:

— Ah, se tu soubesses como eu sou tão carinhoso e o muito, muito que te quero. E como é sincero o meu amor, eu sei que tu não fugirias mais de mim...

A respiração de Simon se suspende por um instante e então estabiliza-se um quase nada. Traçando os lábios do rapaz adormecido suavemente com a ponta dos dedos, Baz quase ri diante da possibilidade daquela fornalha humana descobrir seus sentimentos verdadeiros. No mínimo, ele seria acusado de estar tramando algum plano terrível e na pior das hipóteses...

Bem, a pior das hipóteses não era assim tão absurda em seu futuro e envolvia fogo, uma espada em seu peito e – com sorte – talvez um único beijo.

De consolação.

De purificação.

De despedida.

— Vem, vem, vem, vem... Vem sentir o calor dos lábios meus. À procura dos teus.

“Eternamente à procura dos teus”, ele queria acrescentar, pois para Baz Pitch simplesmente não havia mais ninguém.

— Vem matar essa paixão. Que me devora o coração. E só assim, então, serei feliz, bem feliz. Serei feliz, bem feliz. Serei feliz, feliz...

O vampiro sabia ter abaixado suas barreiras de proteção ao se permitir aquele momento, mas o que não antecipara era ter ficado tão sobrecarregado com a intensidade de seus afetos que não perceberia Snow acordando no processo.

Ao fim do cantar sussurrado do último verso, olhos absolutamente azuis se abrem e o fôlego de Baz fica suspenso no ar. Não há como se esconder ou negar a situação que se encontra e ele não sabe o que esperar e Simon o encara tão atentamente como se o visse pela primeira vez e...

Com um meio sorriso tranquilo no canto dos lábios, o Escolhido desvencilha seu braço direito dos lençóis e busca pelos dedos pálidos tocando-lhe os cabelos, trazendo-os em direção a sua boca e depositando um beijo nas costas de sua mão.

Boquiaberto, Baz observa Simon mover-se em direção à parede, abrindo espaço na cama e indicando o lugar vago como um convite.

— Admito que não sei direito o que eu tô fazendo e acho que nós dois temos perguntas. – O herdeiro do Mago, profere com a voz rouca de sono, sendo inclusive interrompido por um bocejo. – Mas vamos deixar para amanhã, okay? Por agora, só fica aqui comigo, está bem?

Sempre, o vampiro poderia responder, mas ainda não era o momento.

Talvez pela manhã...

Sem acreditar no encanto que aparentemente se apossara de sua vida, Baz acomoda-se ao lado de seu amado e os dois se entregam a um sono abençoado de felicidade.


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