O Lugar que só nós conhecemos escrita por Shinoda Yuuka


Capítulo 1
Capítulo único




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Houve um tempo em que Byakuya não gostava de falar sobre sonhos.

Desde muito jovem, o Kuchiki sonhava com a mesma coisa; o mesmo lugar. Um jardim tipicamente japonês, enfeitado por árvores de todos os tipos. Pétalas da cor rosa quebravam o verde do local, sendo espalhadas pelo chão ou na copa de grandes cerejeiras e pessegueiros. Uma ponte de madeira interligava o jardim com a entrada de uma casa rústica, construída do outro lado de um lago resplandecente. Era uma imagem linda, Byakuya poderia descrever seus detalhes com perfeição.

Na medida em que ia crescendo, o lugar e o sonho em si sofriam algumas alterações. Às vezes era noite, ás vezes o sol havia acabado de nascer. Ás vezes, Byakuya conseguia andar pelo jardim, admirando as flores tão belas. Outras vezes, ele só ficava parado em um ponto, olhando ao redor, como se procurasse alguém. E depois que conheceu Hisana, Byakuya deixou de estar sozinho no sonho.

 Hisana foi seu primeiro amor, e por muito tempo pensou que seria o único. Conheceu a mulher no último ano de faculdade, quando ela o procurou para falar sobre uma pesquisa do seu curso de artes. Byakuya gostava do jeito meigo de Hisana, da forma com que seu cabelo balançava quando o vento estava forte e também do quanto ela era apaixonada por arte. Sua simplicidade e dedicação eram admiráveis também. Tudo sobre ela fazia Byakuya pensar no quanto a própria vida era monótona e sem graça. A paixão um pelo outro nasceu de forma natural, crescendo cada vez mais. Casaram-se algum tempo depois que o homem se formou na faculdade, sendo felizes até os últimos dias de Hisana.

Durante os anos em que viveu junto à mulher, o sonho de Byakuya fora muito agradável. Hisana estava sempre com ele no jardim florido, ás vezes passeando com ele entre as árvores, outras vezes dançando graciosamente junto ao vento e as pétalas de cerejeira. Ela usava um quimono bem comprido e azul. Sempre era dia. Ela sempre sorria. Byakuya sempre estava feliz.

Hisana se foi no primeiro dia de primavera no ano em que completariam seis anos de casados, deixando um grande vazio na vida do Kuchiki. A mulher esteve doente e debilitada por muito tempo. Seu esposo ficou com ela até o último suspiro, dando todo o seu amor para retribuir o brilho e felicidade que ela trouxe para sua vida.

Quando ela morreu, Byakuya se fechou para o mundo. Tudo era perturbador sem ela, inclusive enfrentar sua família preconceituosa e controladora. Os Kuchiki nunca apoiaram o casamento deles, pois o homem era prometido desde a infância à filha de sócios de seu avô. Além do mais, Hisana era de origem humilde, órfã, tendo apenas uma irmã mais nova como família. Os Kuchiki também obrigaram Byakuya a estudar ciências contábeis e, posteriormente, direito, sendo estas as carreiras recorrentes na família há décadas. Seus pais e avós eram pessoas horríveis, mas não dava a mínima para eles quando Hisana estava ao seu lado. Agora que ela havia partido, sua situação em relação à família ia de mal a pior. Viver todos os dias sem Hisana era doloroso e triste.

Mas as noites eram bem piores, pois seu sonho recorrente havia se tornado pesadelo.

Começava igual a todas as outras vezes. O jardim bonito e florido em um dia ensolarado, onde Hisana caminhava e dançava sorridente. Então, o vento se fortalecia, varrendo as pétalas de cerejeira do chão. O sol desaparecia sem mesmo o crepúsculo vir. Era agora noite no jardim, estava frio e as cores desapareciam gradativamente. O som dos pássaros cantando havia sido substituído por um silêncio doloroso. Hisana havia desaparecido com o vento. Byakuya tentava gritar seu nome, mas a voz não saía. Uma dor tomava conta de seu peito, sendo insuportável ao ponto de fazer o homem despertar de seu sono, ás vezes no meio da noite. Ás vezes, gritando. Sempre chorando.

Com o passar do tempo, Byakuya foi se acostumando com sua vida. Trabalhava no escritório de advocacia da família, sem reclamar ou discutir com o pai e o avô. Fazia o que eles mandavam sempre, cumprindo as regras como um bom Kuchiki deveria fazer. Ia a jantares com a senhorita Oshiro Manami, a mulher que a família decidiu que seria sua noiva. Era frio com ela, tratando-a como uma parceira de negócios, sendo esta sua visão dela. Á noite, o homem tomava um remédio forte para dor, depois deitava a cabeça no travesseiro, já sabendo o que aconteceria em seu sonho. Acordava no outro dia, sempre muito cedo, antes de o sol nascer. Trocava a roupa de cama molhada pelas lágrimas, depois se arrumava para o trabalho, começando tudo de novo.

 De vez em quando, coisas boas aconteciam com Byakuya. Visitar a irmã mais nova da falecida esposa, por exemplo, era sempre bom. Tratava a jovem com carinho, sendo uma das poucas a proporcionar algum tipo de felicidade para o homem. Como ele e Hisana não tiveram filhos, Rukia era a única pessoa que lembrava a mulher. Elas eram parecidas, na voz e na aparência. Já a personalidade era completamente diferente.

Outra coisa boa que o homem tinha era os amigos. Jushiro, Shunsui e Yoruichi eram colegas da faculdade que praticamente forçaram a amizade com o Kuchiki. Os três eram mais velhos, gostavam de farra e contar histórias de bêbado. Eram do tipo de gente com quem Byakuya não se relacionaria normalmente, mas todos eram muito amigos, sendo até divertido estar na presença deles. Claro, morreria antes de admitir aquilo em voz alta.

Apesar de sempre ser confortável estar na companhia de Rukia ou um dos amigos, Byakuya nunca conseguiu ser verdadeiro com eles. Seu verdadeiro eu estava escondido atrás de uma máscara de indiferença, incapaz de se libertar dali. A pressão da família. A dor da perda. Os pesadelos. Tudo de ruim sobrepujava as poucas coisas boas que a vida ainda lhe proporcionava, tornando-o um homem triste e solitário dentro de seu casulo.

E Byakuya viveu dessa maneira até encontrar, pelos corredores de uma escola, um rapaz de cabelos vermelhos e sorriso brilhante.

Ukitake Jushiro, um dos poucos amigos de Byakuya, era professor de Marketing em um cursinho de Administração. O homem sempre falava com paixão de sua profissão, o que deixava Byakuya inquieto, curioso, interessado. Demonstrou aquele interesse apenas quando a oportunidade surgiu. Em uma conversa, Jushiro disse que estavam procurando um professor temporário de contabilidade. Byakuya se ofereceu imediatamente, surpreendendo a todos, inclusive a si mesmo.

Era a primeira vez em anos que o Kuchiki fazia algo que não foi “incentivado” pela família. Adorava a ideia de passar a outras pessoas aquilo que sabia, proporcionando conhecimento àqueles que o buscavam. Aventurou-se em dar aulas por um período de duas semanas, apenas como uma experiência. Depois, pediu o emprego permanente no curso, encontrando pela primeira vez na vida a felicidade profissional. Byakuya aprendeu a amar aquela profissão, continuando nela paralelamente ao trabalho no escritório de advocacia. Criou os próprios métodos de ensino, se empenhando para ser um professor digno para seus alunos.

Os alunos. Conviver com eles era a parte mais difícil de seu trabalho. Todos eram jovens, diferentes e quase sempre desajuizados. Nem todo mundo tinha interesse no curso em si, quase ninguém gostava daquela matéria específica. Alguns deles falavam demais. Outros dormiam o tempo todo. E existiam alunos que sequer apareciam nas aulas. Byakuya, que era um homem frio, cético e disciplinado, tinha sua paciência testada todos os dias por aqueles jovens. Agia mais rígido do que o comum com eles, passando a ter má fama no curso; seus apelidos variavam entre “shinigami” e “Professor Snape”, mas ele não tinha ideia do que esse último significava.

De vez em quando, um aluno ou outro se mostrava diferente dos demais. Gostava desses jovens interessados em sua matéria, que participavam das aulas e o respeitavam. Era sempre bom passar seu conhecimento, ainda mais para pessoas que realmente desejavam receber tal conhecimento.

Em meio a todos esses tipos de alunos, existia um muito excêntrico, tanto na aparência, quanto no jeito de ser. Abarai Renji se encaixava na categoria de alunos que tinha sede de aprender, assim como também naqueles que dormiam na sala de aula. O curso era à noite, e por isso Renji sempre chegava um pouco atrasado, aparentando estar cansado de um provável dia de trabalho. Byakuya não se importava quando ele abaixava a cabeça e fechava os olhos.  

Certo dia, quando as aulas chegaram ao fim, Byakuya permaneceu em sala, esperando que o garoto ruivo despertasse de um sono profundo.

— Você perdeu a explicação sobre os Princípios Tributários — disse ele, sem olhar nos olhos do aluno. O Kuchiki folheava alguns papéis, vendo apenas de soslaio seu aluno erguer a coluna e se espreguiçar.

— Desculpe por dormir na sua aula, professor — pediu com sinceridade. Renji já estava de pé em frente à mesa do mais velho. — Vou pegar a matéria com o Ichigo e tentar estudar em casa...

— Por que está sempre tão cansado, Renji? — Byakuya olhou-o nos olhos agora. Notou suas feições surpresas, admirando-as um pouco. Talvez ele tenha estranhado seu interesse repentino.

— Eu trabalho até as seis em um restaurante — respondeu, sorrindo um pouco. — Eu moro longe do trabalho, daí acordo bem cedo pra pegar o metrô.

— Entendo. — Byakuya encerrou o assunto, voltando sua atenção aos papéis.

Renji era exatamente quem parecia ser: um jovem dedicado aos estudos, trabalhador e muito cansado. Com certeza deveria ser cheio de sonhos na bagagem, afinal realizava tantas coisas ao mesmo tempo. Além disso, o garoto era de uma educação admirável. Sempre fora tratado com respeito por ele, ás vezes de forma desnecessária e exagerada.

 — Boa noite, professor. — A despedida fez o Kuchiki abandonar seus devaneios. Os olhos cinza do mais velho foram parar na imagem do rapaz novamente, não se surpreendendo ao encontra-lo sorrindo.

Quando o ruivo se virou para ir embora, Byakuya agiu sem pensar.

— Renji, espere — chamou, talvez um tanto alto. Byakuya guardou suas coisas dentro da pasta, deixando apenas alguns impressos sobre a mesa. Recolheu tudo e foi até Renji, que o esperava na porta. Entregou ao aluno os papéis, depois passou direto por ele. — Venha comigo.

— Sim, senhor! — O ruivo deu uma olhada no que o professor havia entregado. — Isso é...

— O impresso da matéria de hoje. Escrevi algumas observações e explicações para que possa estudar melhor sozinho. Contudo, se alguma dúvida surgir, pode vir falar comigo. Terei prazer em ajuda-lo.

— O senhor não precisava... — Renji se interrompeu quando viu Byakuya parar de caminhar. O olhar cinza atravessou o ruivo, que de alguma forma estranha, entendeu o que significava. — Obrigado, professor!

— Não há de quê.

Naquela noite, Byakuya levou Renji de carro até sua casa. Já era tarde, o ruivo perdera o último trem para Arakawa, bairro onde morava. A escola era em Shibuya, assim como o restaurante em que o ruivo trabalhava, e toda essa distância implicava no pouco tempo que o ruivo tinha para estudar, trabalhar e se locomover entre esses locais. Byakuya entendia e admirava seu esforço. O ruivo aceitou sua carona de bom grado, dormindo por todo o percurso no banco do passageiro. O professor dirigiu com cautela, tomando cuidado para não perturbar o sono de seu aluno.

— Oh, eu moro ali, naquele prédio. — Renji despertou do sono profundo, indicando ao mais velho onde era sua casa. Sua voz saiu adoravelmente sonolenta. Quando o carro foi estacionado em frente ao apartamento, o ruivo soltou o cinto de segurança. — Obrigado mais uma vez, senhor. Não sabe como me ajudou hoje!

Byakuya apenas o olhou e acenou com a cabeça, sentindo-se um pouco tonto. Renji tinha um sorriso muito brilhante. Deu boa noite quando o aluno saiu do carro, depois partiu para sua própria casa sem olhar para trás. Seu coração estava aquecido. Já sua mente, um pouco confusa.

Depois daquela noite, o sonho recorrente de Byakuya deixou de ser um pesadelo.

O jardim florido era constantemente tomado pela escuridão desde que Hisana se foi. Quando começou a lecionar, a frequência dos sonhos apenas havia diminuído; contudo, ainda eram pesadelos dolorosos. Na noite em que levou Renji para casa, Byakuya teve o sonho novamente. O jardim estava belo, florido e Hisana caminhava entre as árvores. Mas dessa vez, o vento não a levou embora. Ela só o olhou e sorriu, antes de prosseguir seu caminho para além dos campos de cerejeira. A escuridão não veio. A dor também não.

Byakuya passou a ter um aluno favorito. Sabia que era injusto com os outros, mas não podia e nem queria evitar. Renji tinha mais vigor a cada dia, questionando e demonstrando interesse nas matérias. Ele só dormia quando a explicação havia terminado e os exercícios estavam prontos. O Kuchiki ficava na sala quando o ruivo dormia além do horário, deixando-o aproveitar o descanso até quinze minutos depois do fim da aula. Quando esse pequeno tempo terminava, Byakuya o acordava, depois oferecia uma carona.

— Renji. — Iniciou uma conversa durante a carona, certa noite. — Hoje ouvi alguns de seus colegas dizerem coisas sobre mim.

— Quem disse o que? — O ruivo ficou curioso. Olhava o professor franzir as sobrancelhas enquanto ainda olhava a estrada, tornando seu semblante mais assustador do que o normal.

— Madarame... — Byakuya disse o nome do aluno, sentindo-se inquieto. — O ouvi dizer claramente que minhas aulas eram as únicas tediosas do curso. E o rapaz que anda com ele, Ayasegawa, disse algo sobre eu precisar aprender com o professor Zaraki, que possui métodos diferentes de ensino.

Renji ouviu atentamente o que o outro dizia, conseguindo imaginar os amigos dizendo tudo aquilo (em palavras mais informais, é claro). Quando o carro parou em frente ao prédio do ruivo, Byakuya suspirou pesadamente, depois olhou para o mais jovem.

— Minha aula é realmente a única tediosa do curso? — perguntou, franzindo a testa. Parecia preocupado. — Seja sincero.

— Bom, na verdade... — Sem jeito, o rapaz levou a mão até a própria nuca, fazendo uma careta em seguida. — Contabilidade é bem chato ás vezes.

Byakuya arregalou os olhos por uma fração de segundo, e depois olhou novamente para a estrada.

— Entendo — disse, inclinado a encerrar o assunto. Não parecia muito feliz com a resposta de seu melhor aluno. — Não sabia que meus métodos eram... chatos.

— Senhor, não são seus métodos. — Renji riu um pouco, tendo novamente o olhar cinza em si. — A matéria não é muito sedutora, digamos assim. Seus métodos são ótimos! Todo mundo entende bem por causa disso.

— Realmente acha isso?

— Claro! — E mais um sorriso. — O professor Zaraki dá aula de Redação Técnica e vive passando filme. Não tem como comparar. Quer dizer, não existem filmes sobre Tributação e DVA. Se existisse seria horrível...

Byakuya olhou o ruivo nos olhos pelo que pareceram longos segundos, antes de esticar os lábios e sorrir. Deu uma risada breve, tapando a boca com o punho fechado. Os olhos cerraram-se. Quando notou que estava sendo encarado com vigor pelo mais jovem, o professor ficou envergonhado. As maçãs do rosto ficaram vermelhas imediatamente. Suas feições comumente indiferentes não conseguiram sobrepujar a vergonha. E também à leve felicidade.

— Você tem razão — disse o Kuchiki, tentando soar como de costume. Seus olhos estavam fechados. Conseguiu ouvir o barulho do cinto de segurança sendo solto. — Renji...

Os dois voltaram a se olhar. O silêncio prevaleceu por algum tempo, assim como uma vergonha vinda dos dois lados. Nenhum deles parecia querer ir embora, mas nenhum deles conseguia dizer alguma coisa.

— Obrigado pela carona, senhor — Renji disse, finalmente. Ele sorriu e, mais uma vez, deixou Byakuya tonto. As bochechas rosadas e os olhos estreitos quase fechados eram adoráveis.

Quando o ruivo fez menção de abrir a porta do carro, o Kuchiki segurou levemente seu pulso, impedindo-o se sair.

— Renji — repetiu, o nome saindo de forma gentil, tão diferente do comum. — Obrigado. Fazia tempo... que eu não conseguia rir dessa maneira.

Era verdade. Byakuya nunca sorria. A amargura de sua vida o impedia de ver as coisas da maneira que via antes. A felicidade não alcançava totalmente seu coração, por isso, seus sorrisos eram raros. As risadas não existiam. Talvez, a última vez em que riu assim foi quando Hisana ainda estava viva.

— O senhor deveria sorrir mais. — Renji ousou na fala, assim como em uma ação: levou a mão até um dos ombros do professor, apertando de leve. — Fica mais bonito quando está feliz.

O coração do Kuchiki acelerou. Não conseguiu dizer nada quando o ruivo saiu do carro, sorriu e lhe desejou boa noite. Encontrou-se sozinho em seu carro, completamente envergonhado e estranho. Antes de ir embora, o homem tapou o rosto com as duas mãos e se encolheu, sentindo a pele queimar. Havia ficado tão feliz que não sabia como lidar com aquilo.

E naquela noite, o sonho havia mudado um pouquinho. Depois que Hisana desaparecia entre as árvores, o crepúsculo chegava. O céu estava alaranjado, contrastando com as pétalas rosa das cerejeiras e pessegueiros. Depois, Byakuya olhava para o lado, vendo repousar ali uma camélia, tão vermelha e brilhante, que o fazia lembrar-se de alguém.

Renji proporcionava a Byakuya sensações e vontades cujo homem havia esquecido com o passar do tempo. Um exemplo era a admiração por outro alguém. O professor Kuchiki gostava da personalidade animada do rapaz e do jeito engraçado de falar ás vezes. Não era novidade seu fascínio pelo vigor e vontade de aprender que o Abarai demonstrava, a perseverança e dedicação. Sua simplicidade era a parte favorita, além dos olhos castanhos cheio de determinação.

Além de tudo, Byakuya não era tratado por Renji como um simples professor. Já ouviu da boca do rapaz que era considerado mais do que isso; era uma meta para alcançar, um exemplo a ser seguido, um profissional digno de apreço. Já ouviu essas coisas de outras pessoas, mas nunca significaram tanto para o Kuchiki. Mas para Renji, Byakuya era mais. Um homem gentil e de bom coração, que merecia ser mais feliz. Renji tentava vez ou outra dizer alguma besteira durante as caronas, só para tentar ouvir o som da sua risada novamente. Quase sempre conseguia.

Byakuya dava aula de contabilidade apenas no primeiro módulo do cursinho. Quando esse período chegou ao fim para a turma de Renji, o professor se sentiu um pouco incomodado. Não acreditava que as coisas mudariam em relação ao que foi construído entre eles; a amizade, admiração e a gentileza. No entanto, o mais velho perderia seu melhor aluno. Sentiria saudades mão levantada e das perguntas animadas, da comemoração exagerada quando tirava notas altas nas provas, da cabeleira ruiva no fundo da sala quando ele tinha sono.

Depois da última aula do módulo, Renji não havia dormido além do comum. O ruivo esperou que os outros alunos fossem embora. Quando se encontrou a sós com o professor, o jovem foi até ele com uma caixa em mãos.

— Professor — chamou acanhado, tendo a atenção dele imediatamente. — Eu... comprei isso para o senhor.

Byakuya ficou surpreso. Recolheu o restante de suas coisas com um pouco de pressa, depois recebeu a caixa das mãos de seu melhor aluno. Queria recusar o presente, dizendo que não era necessário que o ruivo se incomodasse com ele. Contudo, sua máscara perdia as forças diante do outro. Só conseguia ser sincero com ele. Agradeceu com um sorriso, sentindo-se aquecido quando ouviu a voz animada dizer que aquela era sua forma de agradecer por todo seu tempo de aulas.

Dentro da caixa simples, havia um cachecol esverdeado, aparentando ser de uma ótima qualidade. Os dedos finos do professor tocaram o tecido, sentindo a maciez sob sua pele. Parecia uma peça caseira, como aquelas que Hisana fazia antes de falecer. Um sorriso verdadeiro surgiu no rosto do Kuchiki, que corou com força quando voltou a olhar o aluno.

— Obrigado, Renji. — Byakuya sentiu que dizia aquelas palavras com muita frequência. — Eu gostei de verdade do presente.

— Que bom! Eu fiquei preocupado que não o agradasse. — Renji sorriu largo, para depois olhar ternamente para o mais velho. Agiu de forma impetuosa ao se aproximar mais do mais velho. Levou as mãos grandes até a caixa, segurando o cachecol. Ele agiu com cautela quando pegou o tecido e colocou em volta do pescoço pálido, agindo carinhosamente o vesti-lo com a peça. — Está frio hoje...

Byakuya olhava o homem ruivo, sentindo calor espalhar gradativamente por todo seu corpo. Achava irônico o fato de receber um presente que servia para aquecer, quando toda a presença do rapaz ruivo lhe abrasava. O vermelho que o representava tão bem, sua pele em tom moreno, manchado pelas tatuagens tão intensas. Gostava de olhar o corpo forte mais alto que o seu talvez mais do que deveria. Sua personalidade brilhante, assim como seu sorriso, tiravam o fôlego do professor. Era como um sol, quente e acolhedor. Byakuya sentia-se como a noite fria de seus sonhos, sendo invadida por raios intensos e ofuscantes.

Sem jeito, o professor ofereceu carona novamente para o ruivo, que aceitou sem hesitar. Andaram lado a lado vagarosamente até a saída da escola, sem proferir uma palavra. Byakuya roçou os dedos frios de leve em uma das mãos de Renji, sentindo uma vontade forte de segurá-la. Controlou-se bem, mantendo seus anseios para si mesmo. Não conversaram também durante o percurso de carro até Arakawa, o clima mantendo-se inquieto.

Quando estacionou em frente ao prédio velho e desbotado, o silêncio foi cortado.

 — Vou sentir falta da sua aula — confessou o ruivo.

— Pensei que contabilidade fosse chato — Byakuya comentou com bom humor. Olhou-o nos olhos e sorriu. — Vou sentir falta de ensiná-lo.

O clima manteve-se terno ali naquele carro. Uma sensação de despedida pairou sobre eles, mesmo que não fosse a intenção. Ainda se veriam nos corredores da escola, depois das férias. Byakuya ainda poderia dar carona para Renji, que provavelmente dormiria em uma sala nova até além do tempo. O mais velho entre eles suspirou, tocando o cachecol verde que protegia o pescoço do frio.

 — O senhor pode passar qualquer dia no restaurante — Renji disse de repente. Estava sem jeito falando aquilo, mas o convite era verdadeiro. Queria continuar vendo o professor, mesmo durante as férias.

— Aguarde-me então. — Byakuya foi imediato. — É uma promessa.

O aluno sorriu, ansioso para a tal visita. Soltou-se do cinto de segurança, pronto para sair do carro, quando, novamente, foi surpreendido pelos dedos frios do Kuchiki. Sua mão foi tocada levemente, e desta vez, o toque foi prolongado. Logo, a mão de Byakuya também estava quente.

— Renji — chamou, criando novamente um contato visual intenso. A mão do mais velho soltou a alheia, para subir até o pescoço, fazendo um carinho ali. Depois, Byakuya segurou o maxilar tão masculino e se aproximou do rosto que gostava, levando os lábios até a bochecha. Beijou sua face rapidamente, para depois se afastar. — Obrigado, novamente.

— Na-não há de quê...

O rapaz finalmente saiu do carro, meio atordoado, desejando boa noite ao professor. Byakuya observou-o até sua silhueta desaparecer prédio adentro, lembrando-se de respirar só quando deixou de ver a cabeleira ruiva. Estava envergonhado, sentindo um calor alastrar da cabeça aos pés. Não era homem de agir por impulso, mas não conseguiu se segurar. Seu coração batia forte, pedindo para que tomasse alguma atitude. Da última vez em que aquele tipo de coisa aconteceu, foi quando...

z Hisana — monologou, quase como se tentasse falar com a mulher. Byakuya costumava demonstrar seus sentimentos à esposa daquela forma, beijando seu rosto quando ela menos esperava. Era um ato bobo, mas nunca deixou de fazê-lo.

Naquela noite, o sonho mudou mais uma vez. Era fim de tarde no jardim, e Hisana estava longe, entre as cerejeiras. Ela olhou nos olhos de Byakuya, sorriu e acenou, como em uma despedida. Quando desapareceu, o homem olhou para o lado, vendo uma cabeleira ruiva. Era Renji, vestido com um quimono preto, sentado sobre a grama ao lado de uma espada. O jovem sorriu, olhando para o sol, que se punha ao longe. Em suas mãos havia uma camélia vermelha.

Byakuya acordou na manhã seguinte depois das nove horas. Arregalou os olhos ao se dar conta disso, pois sua rotina nos últimos anos o impedia de dormir até tão tarde. Depois do fim dos pesadelos, o homem acordava depois do nascer do sol, mas não naquele horário. Apesar de surpreso, Byakuya não deu muita importância àquele fato.

Não dormia bem assim há anos.

Byakuya sempre procurava por Renji durante as férias. Passava “casualmente” pelo bairro dele, oferecendo carona para o trabalho ou chamando-o para tomar um café. Apreciava sua companhia ainda mais do que antes, aproveitando cada segundo dela. Estar com o jovem era confortável o suficiente para que agisse como sempre quis, sem as máscaras. Era verdadeiro, sorria quando tinha vontade, dizia as coisas que queria, sem medo de repreensão. Sua vida só teve tal brilho e alegria quando foi casado.

Agora, o Abarai sabia de Hisana. Byakuya contou a ele sobre a esposa, como foi feliz ao seu lado e em como foi doloroso perde-la. Foi em uma noite em que trouxe o ruivo para casa, quando as aulas chegaram ao fim. Acabou ficando triste quando contou da luta da mulher contra o câncer, e sem querer deixou que aquele sentimento tomasse conta. A garganta doeu por segurar as lágrimas. Renji pegou na mão do mais velho e entrelaçou os dedos, tentando confortá-lo. Byakuya suspirou antes de deitar a cabeça sobre o ombro do outro e chorar, sendo a primeira vez que o fazia na frente de outra pessoa.

Renji agora o conhecia. Sabia quem era o verdadeiro Kuchiki Byakuya, todos os seus lados, as fraquezas e defeitos. Era mútuo, pois o ruivo também compartilhava detalhes de sua vida ao mais velho, que adorava ouvir as histórias. Renji sonhava em abrir o próprio restaurante, por isso procurou entender melhor sobre negócios. Era um cozinheiro caprichoso, mesmo que não aparentasse por sua aparência intensa.

A personalidade agradável, a aparência tão bonita, suas vivências tão fortes para uma idade tão jovem. A dedicação, empenho, talento e zelo por seu trabalho e estudo. Byakuya se via perdido nos detalhes que compunham a pessoa que Renji era, e quando se deu conta, já estava perdidamente apaixonado por ele.

Admitia ter demorado a entender seus próprios sentimentos, mas preferia ter certeza primeiro. Byakuya nunca se imaginou gostando romanticamente de alguém como Renji, pois se parasse para pensar, ele era o total oposto de quem Hisana fora. A moça era meiga, tímida e não gostava de extravagâncias. Seus cabelos pretos curtos contrastavam com uma pele clara; Byakuya ás vezes temia tocá-la, tão frágil era sua aparência. Ela era da sua idade, gostava de música clássica como ele, as artes eram sua paixão. Era tão baixinha que encaixava perfeitamente em seus braços durante os abraços.

Mas Renji era diferente. Um homem, bem mais alto e mais jovem que si. Os cabelos vermelhos eram longos, chegando até metade das costas quando soltos. As tatuagens tribais espalhadas pelo dorso, os músculos definidos e o rosto de traços fortes davam a impressão de que ele era intimidador. As roupas eram ás vezes coloridas, que somada aos acessórios que usava constantemente, montavam sua aparência excêntrica e intensa. Sua pele era morena, contrastando com a sua tão pálida. Os olhos castanhos eram estreitos, e de vez em quando, sentia as pernas tremerem só de ser olhado por eles.

A diferença entre os dois se fez notória certa noite, quando foi beijado por Renji pela primeira vez.

Byakuya levou Oshiro Manami para jantar no restaurante onde Renji trabalhava. Estava decidido a concluir sua “relação” com a mulher, que nunca foi nada além de negócios. Com seus trinta e três anos de idade, o Kuchiki pensou que já estava velho demais para manter um noivado arranjado apenas porque sua família achava que deveria. O jantar foi breve e amigável, onde nenhum dos dois temeu as consequências daquela “quebra de contrato”.

— Professor Kuchiki! — Renji exclamou surpreso quando viu o mais velho do lado de fora do restaurante.

O homem estava escorado no Lexus preto, com um terno no corpo e um cigarro entre os dedos. Os cabelos estavam presos em um rabo de cavalo, sendo a primeira vez em que o jovem o via daquele jeito. Sem pensar, Renji se aproximou do outro. Estava imaginando se ele o esperava. Era madrugada de sábado para domingo, e era sempre naquele horário que largava serviço no fim de semana. Byakuya sabia disso.

O Kuchiki pensou em elogiar a comida, enaltecendo mais uma vez o talento culinário do aluno. Também sentiu vontade de contar sobre o jantar com Manami, e de como o noivado deles havia sido definitivamente rompido. Mas ao invés de puxar qualquer assunto, Byakuya permaneceu imóvel, com as costas apoiadas no carro. Tragou o tabaco mais uma vez, direcionando os olhos cinza ao mais jovem.

— Se importa se eu fumar também? — Renji perguntou, tirando um cigarro do bolso. O professor apenas acenou com a cabeça, observando os movimentos do outro. O corpo alto se aproximou vagarosamente, perigosamente com o cigarro nos lábios. O rosto se inclinou para baixo, chegando bem perto até que a ponta de seu cigarro encostasse ao de Byakuya, aproveitando do fogo para ascendê-lo.

Os dois ficaram ali, aproveitando o clima da madrugada quente e da companhia um do outro. Depois de um longo tempo, Renji quebrou o silêncio.

— Quem era a mulher que estava com o senhor hoje?

— Minami... — respondeu, soltando a fumaça entre os lábios. Jogou o cigarro no chão e o apagou com pé, mesmo não sendo algo que faria normalmente. Estava com pressa. — Encerramos um negócio de anos hoje. Não pretendo vê-la outra vez. Se eu tiver sorte, claro.

— Entendi. — Renji tragou mais um pouco. — É isso que você diz quando termina um relacionamento?

— Acredite em mim. Aquilo não era um relacionamento.

Byakuya sorriu, achando graça. Renji apagou o cigarro, depois chegou bem perto.

— Estava esperando por mim? — A voz rouca do ruivo tocou diretamente os ouvidos do Kuchiki, fazendo-o arrepiar da cabeça aos pés. Estavam a poucos centímetros de distância, os olhares fixos um no outro.

— Sim — respondeu com sinceridade. Sem querer, olhou para a boca do mais alto. Naquele momento, pensou que a pergunta do outro não era direcionada apenas ao fato de estar esperando-o terminar o serviço no restaurante. — Eu... precisava ter certeza.

— Então, você tem certeza agora?

Byakuya levou uma das mãos até o rosto de Renji, como fez no último dia em que deu aula a ele. Acariciou o maxilar com a ponta dos dedos e chegou perto até que a distância entre eles fosse inexistente. O professor trouxe o rosto para mais perto, tomando seus lábios em um beijo tão esperado.

Beijar Renji fora a coisa mais intensa que havia feito na vida até então. A intimidade que cultivou junto a ele até aquele dia permitiu que ambos agissem como bem entendiam, evitando delicadezas e receios. A mão grande do mais alto agarrou a cintura do professor, trazendo-o para mais perto com um puxão. Com as pernas trêmulas, Byakuya se apoiava nos ombros largos, tentando acompanhar o ritmo do outro. A boca quente quase o engolia, a língua molhada invadindo sem pedir permissão. Podia sentir o gosto forte do tabaco e menta. As costas eram pressionadas contra a carroceria do carro, o corpo robusto se debruçando contra o seu.

Byakuya quis rir quando a mente lhe pregou uma peça, fazendo-se lembrar do dia em que ele e Hisana trocaram seu primeiro beijo. Fora de dia, em um parque bonito. Confessou seus sentimentos depois a tomou nos braços com gentileza, selando os lábios de forma doce.

Agora, estava nos braços de outro homem, sendo agarrado intensamente quase no meio da rua. Renji soltava sua boca ás vezes para selar seu rosto, depois o pescoço. Sem forças para reagir a qualquer coisa, Byakuya apenas deixava que ele fizesse o que queria, agarrando a camisa listrada para descontar as sensações. Só não esperava que o ruivo fosse parar abruptamente o que fazia, privando o mais velho de seu calor.

— Me diz... — Renji disse, soando tão alto que assustou um pouco o mais velho. — Por que isso pareceu tão familiar?

Era verdade. Não só o beijo parecia familiar. Tudo que viveu com Renji até aquele dia, sua paixão por ele que nasceu e cresceu tão naturalmente. Parecia certo. Nunca soube o porquê, sequer ligava para isso. Byakuya riu, para depois descansar a cabeça no peito de Renji. Colocou os braços em sua volta, recebendo o mesmo gesto em retorno.

— Quem se importa com isso? — O professor disse risonho, extasiado, sem poder conter o quanto estava feliz. Quase gemeu quando recebeu um carinho no topo da cabeça. — Renji...

— Sou eu.

— Se eu disser que estou apaixonado por você vou soar redundante?

— Sim, mas quem se importa com isso?

Se olharam brevemente, trocando um beijo um pouco mais lento dessa vez. Não foi naquela noite que confessaram seus verdadeiros sentimentos em palavras. Também não foi naquela noite em que começaram a namorar, ou fizeram sexo pela primeira vez. Naquela noite, Byakuya levou Renji para casa como de costume. Quando chegaram na casa do mais jovem, despediram-se com mais um beijo intenso e molhado. Depois, mesmo que estivesse morrendo de vontade de aceitar o convite que Renji fez de subir e... conhecer seu apartamento, Byakuya apenas seguiu caminho para a própria casa.

Naquela noite, o sonho foi o mais belo de todos. Parecia a memória de uma noite feliz, quando o jardim estava enfeitado com lanternas por toda parte. Byakuya estava diante de Renji, que estava vestido com o quimono preto como das outras vezes. Ele tinha em mãos o cachecol verde, muito parecido com o que havia ganhado na vida real. O ruivo o vestiu com a peça, assim como acontecera fora dos sonhos. Em seguida, beijou sua testa, e sussurrou um “eu te amo”, sorrindo.

Kuchiki Byakuya aprendeu a amar Abarai Renji sem esforço. Amava seus defeitos e qualidades, amava o quanto ele se esforçava para deixa-lo feliz. As demonstrações de afeto aconteciam dos dois lados de forma intensa; gostavam de se beijar nos corredores da escola quando não tinha ninguém olhando. Visitavam-se agora, indo além de toques comuns quando estavam completamente sozinhos. Byakuya aprendeu a amar de maneiras diferentes quando estava com o ruivo, alcançando a plena felicidade.

Graças ao seu segundo amor, Byakuya mudou, sendo mais verdadeiro com outras pessoas próximas. Enfrentou sua família sem medo, encerrando os assuntos de casamento arranjado e o emprego tedioso no escritório de uma vez por todas. Apresentou Renji aos amigos e à Rukia, sendo claro ao dizer qual era a posição do ruivo em sua vida.

A naturalidade com que amava Renji era assustadoramente familiar, ás vezes. Já haviam conversado sobre isso, pois era algo muito recíproco. No entanto, o assunto não ia muito pra frente, visto o quão cético era o homem mais velho. Apesar disso, achava bonitinho quando o jovem dizia que eram almas gêmeas.

Byakuya apenas contou a Renji sobre seus sonhos dois anos depois de começarem a namorar. Nunca falava daquela parte de sua vida, que por muito tempo foi incômoda e dolorosa. Não achava que era relevante mencionar os sonhos até que seu ex-aluno, e agora namorado, começou um assunto, certo dia.

— Você acredita em destino, ou coisas assim? — Renji perguntou. Estavam na casa do mais velho, conversando depois de um jantar espetacular feito pelo ruivo.

— Sim... e não. — Byakuya soou estranho. Pensou um pouco no assunto antes de continuar. — Predestinação nunca foi algo que acreditei. No entanto, algumas coisas me fazem questionar isso.

— Como o quê, por exemplo?

— Você.

Renji achou, por alguns segundos, que aquilo fora só uma fala romântica, mas depois se lembrou de quem foi que a proferiu. Tentou decifrar o mais velho com o que conhecia dele, mas não conseguiu pensar em nada.

— Eu sonhei com algo estranho essa noite. — Renji começou a falar, despertando um interesse ainda maior em Byakuya. Endireitou-se no sofá e olhou nos olhos cinza. —Estávamos nós dois, diante desse vasto campo de cerejeira. Não ria do que vou dizer, mas... aquela cena parecia mais uma...

— Uma memória — interrompeu, já impaciente. Byakuya tremia, ficando nervoso com mais aquela coincidência. — Descreva o lugar.

— Era um jardim típico de uma casa grande e velha. Era muito bonito e florido. Tinha cerejeiras por toda parte e uma árvore cheia de flores vermelhas estava atrás de nós dois. Você usava uma dessas atrás da orelha.

Apesar de poucas diferenças, o local descrito por Renji era o mesmo de seu sonho recorrente. Ficou todo arrepiado quando ouviu o namorado dizer aquilo, perdendo a fala por algum tempo. Contou então a ele sobre seus sonhos, como aconteciam desde pequeno e como foi mudando à medida que as coisas foram acontecendo. Descreveu Hisana, os pesadelos e o vermelho que surgiu quando Renji entrou em sua vida. Quando acabou de falar, seu lado cético adormeceu por completo.

— Eu não acredito em coisas assim... — começou o Kuchiki, quase não acreditando na besteira que iria dizer. — Mas a maioria desses sonhos assemelha-se a memórias. É como se eu tivesse vivido todos aqueles momentos.

— Eu entendo o que quer dizer. — Renji chegou mais perto do mais velho, abraçando-o. — Sei que deve estar achando que está louco. Mas, Byakuya, eu também vi esse lugar. Isso não quer dizer alguma coisa?

— Não sei. — O Kuchiki desistiu de tentar entender. Fechou os olhos, focando na lembrança de como era o jardim de seus sonhos. O calor que Renji o proporcionava naquele momento era muito real, assim como imagens que cortavam a mente como memórias. — Eu quero ir até lá um dia...

— Hm? — murmurou o ruivo, que também havia fechado os olhos e imaginado o jardim. — Aonde você quer ir?

— Ao lugar que só nós dois conhecemos.

E no primeiro dia da primavera, quando o aniversário de morte de Hisana chegou, Byakuya viu aquele lugar fora de seus sonhos.

Renji acompanhou o homem quando visitou o túmulo da mulher. Ao contrário dos anos anteriores, ele não parecia tão deprimido em ir até aquele ali naquele dia. De mãos dadas, passearam pela cidade. O ruivo disse que queria leva-lo a um encontro especial. Conversaram durante um caminho extenso, falando sobre tudo que não fosse onde estavam indo.

 Depois de um tempo, os dois chegaram até um parque repleto de cerejeiras. As flores ainda estavam começando a nascer, mas mesmo assim era possível ver algumas pétalas rosa voando junto ao vento. Alguns casais e crianças passeavam pelo lugar, dando a impressão de que ali era cheio de vida. Ao longe, podia se ver pessegueiros mais floridos. À medida que andavam, conseguiam ver um lago resplandecente, onde algumas carpas pulavam. Renji só parou quando chegou a uma árvore solitária, onde algumas flores vermelhas desabrochavam timidamente.

— Eu sei que não é como você imaginava… — disse o ruivo, sentindo-se envergonhado. Segurou agora as duas mãos do mais velho, olhando-o nos olhos. — Mas quando eu vi esse lugar, eu não consegui parar de pensar que...

— É aqui.

Byakuya deu mais uma olhada ao redor, sentindo-se esquisito. Reconhecia a velha camellia mesmo que não estivesse florida. O pequeno lago, mesmo sem a ponte. As cerejeiras, que eram em menor quantidade do que se lembrava. Olhou para algumas crianças brincando além do lago, imaginando que deveria ter uma casa ali. O coração batia forte, transmitindo uma emoção forte que transbordava os olhos.

— É aqui — repetiu choroso, olhando Renji agora. — Você consegue sentir também?

— Sim. — O ruivo guiou Byakuya levemente até a camellia, fazendo-o encarar a árvore. — Como é possível?

O sol fraco começava a sumir no horizonte. Byakuya viu os raios atingirem o namorado, que estava de frente para a árvore. Aquela imagem era brilhante demais para os olhos sensíveis do Kuchiki, que jurou estar vendo coisas. Uma camélia caiu da árvore, e Renji a segurou antes que atingisse o chão. Ao olhar as mãos do rapaz, viu que uma linha tão vermelha quanto a flor estava amarrada ao mindinho dele. Seguiu o fio com os olhos, até perceber que a outra ponta estava amarrada no próprio dedo. Piscou uma, duas, três vezes até que aquela linha desaparecesse.

— Eu estou sonhando de novo? — lamentou, olhando fixamente para a própria mão.

 Foi então que o vermelho vivo dos cabelos de Renji apareceu novamente em sua visão. O namorado sorria daquela forma brilhante, que aquecia o coração de Byakuya. A cintura foi agarrada e em seguida, sua boca foi tomada por um beijo leve e abrasador. O calor não era um sonho; não era uma lembrança. Renji estava ali, sua presença era real.

— Eu te amo — disse o ruivo assim que soltou os lábios finos. O crepúsculo que os banhava tornou tudo muito familiar. De repente, Renji só queria dizer uma coisa. — Eu serei seu, e apenas seu, até o fim.

As palavras atingiram Byakuya, que despreparado, soltou as lágrimas que estava segurando desde que chegaram ali.

Por que parecia que já ouviu aquilo antes?

— Eu também o amo, Renji. — Abraçaram-se, e o sol desapareceu por completo no horizonte. — Daqui, até depois do fim.


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