Van Gogh amou o amarelo escrita por Sra Amontillado


Capítulo 1
Malicioso e maleável (Capítulo único)




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— Eu quero azul! – Exclamou a mais velha, animada e ansiosa.

Lucinda Rossi podia ainda não ver cores, mas sabia com precisão o significado e a sensação por trás de cada uma delas... Desde o vermelho mais intenso e sensual, até o azul mais profundo e misterioso. Seu maior prazer era tentar enganar aos olhos curiosos, fingindo que não só via as cores, mas também que não dependia de ninguém para isso! "Não preciso de uma alma gêmea!" ela costumava dizer, com certo tom de arrogância. E fazia questão de endossar suas falas ao mudar a cor do cabelo frequentemente.

— O azul mais azul que for possível! Intenso e profundo, mana! – Sorriu, ansiosa.

Sua prima, Mariana, revirou os olhos e soltou um risinho baixo e gentil. Já havia perdido as contas de quantas vezes pintara o cabelo de Lucy, e em todas era a mesma ladainha: de como era importante não demonstrar fraqueza, que as cores simbolizavam mais para ela do que qualquer outra coisa, e que a “droga da alma gêmea” poderia ir para os confins do inferno, desde que ela pudesse vislumbrar um pequenino raio de luz colorido... Mari tinha certeza de que era só questão de tempo para a prima mudar de opinião...

— Então é esse azul, Lu. – Respondeu a caçula, ainda sem entender a fixação da mais velha.

Para ela tudo tinha sido bem mais simples: Mari havia conhecido sua alma gêmea bem cedo, e não devia nem se lembrar como é ver em tons de cinza...

Mas Lucinda... Lucinda não tinha ideia de como o mundo era colorido, por mais que lesse inúmeros livros e artigos sobre. Ela até se apaixonara algumas vezes, mas depois de tanto quebrar a cara (e os chifres, diga-se de passagem), estava cansada de procurar e ter que esperar a sua maldita alma gêmea. Sua única certeza é que iria se agarrar firme cada pigmento de tinta ou fragmento de cor, assim que pudesse, independentemente de ficar ou não com a pessoa.

— E lá vamos nós... – Suspirou a ruiva, com o tubo de tinta na mão.

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Depois de uma longa tarde mexendo em cabelos (azuis e ruivos, ou cinza e cinza), ambas as garotas se arrumaram para sair. Iriam em uma lanchonete, encontrar o namorado de Mariana e possivelmente o irmão dele, que havia saído de uma academia militar recentemente.

Antes de partir, as garotas se olharam no espelho, ajustando os últimos detalhes da maquiagem e esperando dar a hora...

Lucinda estava com seu cabelo azul liso e longo batendo nas costas, enquanto usava uma jaqueta de couro preta, um short jeans de um azul também vibrante, uma camiseta de banda vermelha com preto e um coturno preto de couro, que tornavam a garota mais alta e esguia do que já era. Sua maquiagem estava como sempre: delineado, rímel e batom vermelho. Por mais que tudo estivesse em tons de cinza aos seus olhos, a azulada gostava de escolher bem a sensação que as cores passariam para os outros (ao menos para aqueles que conseguem vislumbrar as diferentes nuances e distingui-las com facilidade).

Já Mari parecia uma bonequinha de pano, com os cachos ruivos modelando o contorno de seus ombros claros, um vestido verde-água rodado, com manga de ombro a ombro e comprimento até as coxas. Usava uma sapatilha num tom parecido com o de seu cabelo e sorria enquanto retocava o gloss rosado em seus lábios. Sua altura mais baixa e seu sobrepeso não eram mais um incômodo há um bom tempo, por mais que as pessoas ao redor sempre encontrassem um modo de alfinetá-la. Ela sabia que as pessoas que importavam a amavam como ela realmente era, cada detalhe e cada defeito.

Ambas se olharam, e enquanto a ruiva admirava a combinação de cores ousada da prima (que ambas escolheram muito bem, por sinal), a azulada pensava apenas em qual cor gostaria de ver primeiro... Talvez o tom ruivo dos cabelos de Mari? Talvez o azul de seu próprio cabelo? Ou quem sabe o vermelho escuro e intenso de uma taça de vinho?

Para Mari havia sido mais fácil... Sua primeira cor fora o azul-claro da camiseta de sua alma gêmea, quando ambos tinham 12 anos e se conheceram numa aula de Educação Física do colégio.

Que idiotice pensar que pra mim seria fácil assim...

— Vamos? – Perguntou a ruiva, animada para ver seu amado.

— Vamos! – Respondeu a azulada, animada para exibir a nova tonalidade de cabelo (por mais que pra ela ainda fosse nada além de cinza).

Ambas partiram para a lanchonete. Já era noite quando saíram da casa e Lucinda pôs-se a admirar a Lua, pois, por mais que sua visão a deixasse acinzentada, a luz e silhueta da grande guardiã noturna a tornavam sempre acolhedora. E essa era uma das coisas que a azulada mais gostava de fazer: Admirar a lua e sentir seu brilho sobre a pele... Quando fechava os olhos ela quase que podia imaginar como seriam as cores do mundo ao redor sob a luz da lua... Como se tudo cintilasse e vibrasse na mesma frequência do satélite...

Após algumas quadras, ambas chegaram ao ponto de encontro, então entraram e escolheram sentar-se ao balcão, naqueles banquinhos altos que doíam a coluna (apenas para terem uma visão boa da entrada e reconhecerem quando os garotos chegassem). Não tiveram que esperar muito, pois logo o namorado (e alma gêmea) de Mari chegou. Shin Akayama, com ascendência japonesa, possuía os olhos castanhos mais gentis que a ruivinha havia conhecido em toda a vida, além do sorriso capaz de derreter icebergs inteiros.

— Boa noite, meninas... – Disse, quase que sorrindo com a voz e dando um beijo na bochecha de Mari.

— Fala, Shin. – Cumprimentou Lucy, fazendo um sutil aceno com a mão.

— Boa noite, amor... – Disse a caçula em tom baixo, acariciando a bochecha do rapaz.

Seu olhar doce parecia animado naquele momento, mas escondia certa preocupação ao fundo, algo que sua namorada notou instantaneamente. Seus cabelos pretos estavam alinhados como sempre: com muito gel e determinação em dobro, como o mesmo costumava dizer, e Shin certificava-se de passar a mão sobre ele para garantir que ficasse no lugar, como se tentasse manter o controle sobre o cabelo e também sobre os próprios problemas...

— Tudo tranquilo na sua casa, querido? – Indagou a ruiva, já esperando uma resposta negativa.

— Até onde dá, Mari... – Deu de ombros o rapaz, apoiando as mãos no balcão e soltando um suspiro baixo.

— O que foi dessa vez, primo? – Perguntou Lucinda, curiosa.

— Bom... Vocês sabem que meu irmão voltou do colégio militar, certo? – Hesitou, olhando de soslaio para a portaria. – O ponto é... Ele não contou a ninguém o motivo, e eu acabei descobrindo da pior forma...

— E qual foi o motivo? – Perguntou a ruiva preocupada, pois sabia que o garoto tinha uma tendência de absorver os problemas do irmão.

— Ele foi expulso de novo... – Disse Shin, em tom de resmungo, enquanto apoiava a mão na testa.

— Não brinca?! Mais uma expulsão pra lista do seu irmão? – Riu amarelo a azulada, tentando quebrar o gelo. – Essa é qual? A quarta ou a quinta?

— Na verdade foi a terceira – Disse uma voz grave, vindo de trás do grupinho. – Mas só porque eu não considero quando o colégio anterior me readmitiu.

Lucinda se assustou com a aparição repentina e, mal sabia ela que, o momento em que se virou para ver o tão falado “irmão problema”, ficaria marcado em sua mente pelo resto de sua vida...

 

Sua primeira cor...

 

Não era a azul...

 

Muito menos o vermelho...

 

E naquele momento ela entendeu...

 

O porquê Van Gogh amou o amarelo...

 

Seu primeiro vislumbre de cor fora um belíssimo par de olhos amarelos... E Lucy imaginava que, se o ouro fosse comercializado puro ao invés de em ligas, deveria ter exatamente aquela cor...

Exatamente aquela textura e sensação...

Os olhos daquele rapaz se assemelhavam a ouro puro, derretendo e solidificando constantemente, como num ciclo sem fim... Sua íris parecia se mover, como se em correntes de convecção insanas, com o dourado indo e vindo... Correndo em direção à borda externa e depois voltando para mais perto da pupila, apenas para, logo em seguida, correr de volta para fora, num percurso infinito.

Aqueles olhos pareciam tão maleáveis quanto o próprio ouro, como se seu dono os moldasse a seu bel prazer, apenas para assustar ou encantar quem parasse para prestar atenção. Apenas para... Chamar atenção...

 

Seu primeiro tom fora aquele dourado malicioso e maleável...

 

E isso significava que...

Não...

Ah, não...

 

— Prazer, Sho Akayama, mas pode me chamar de Demon. – Sorriu, estendendo a mão para cumprimentá-la.

 

Ela gelou, sem saber ao certo como reagir, apenas estendeu sua mão e cumprimentou-o de volta, apertando de leve a mão do rapaz.

Demon...

 

— Qual seu nome, azulzinha? – Disse ele, dando uma piscadela sacana, deixando evidente para a garota qual tinha sido a primeira cor dele...

 


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Notas finais do capítulo

Lucinda Rossi Rodriguez e Sho "Demon" Akayama (assim como os demais nesta história) são personagens originais.
Em breve pretendo postar mais histórias com eles (em diferentes universos alternativos).

Espero que tenham gostado ♥



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