ATO XIII

— Você está enganada. – A viu hesitar, como ele hesitava em encontrar as palavras. – Querer ir é diferente de precisar. Eu não sabia disso antes.   

Hermione abaixou os olhos e os ombros, parecendo pensativa por um longo instante. O cenho franzido e os olhos distantes, provavelmente perdidos no passado, que nunca ficara para trás.

Essa era a realidade, na verdade. A vida havia seguido para ambos, com suas famílias, seus objetivos, seus arrependimentos, tornando-os aqueles que agora se encaravam em silêncio a uma mesa de distância, mas, ao menos para Draco, restava aquela ponta solta do passado, sempre ligando-o ao algo efêmero que foram, sempre em aberto à espera de uma oportunidade para ser explorada.

Não pensava nela – e neles – com frequência. Aprendera que, de nada adiantaria, contemplar, fosse com lamento fosse com saudade, o caminho que poderia ter seguido. Porém, quando acontecia era quase asfixiante, exatamente como já haviam sido sob a realidade maior de quem eram e do momento que eram.

— Draco... – Ela questionou em tom baixo, o olhar castanho dolorido e cansado. – Porquê está fazendo isso agora?

Se encostando à própria cadeira no instante em que o novo pedido dela chegou, abaixou os olhos para o tempo da mesa, onde os dedos claros e compridos amassavam cada vez mais a cada segundo as pontas de um guardanapo de papel, sob a ansiedade do que fazia ali. E o que fazia ali?

De fato, havia sido há muito tempo. Já não eram as mesmas pessoas, o que talvez até apreciasse por certo ponto de vista, mas fitando-a à sua frente de novo, como nunca teve a oportunidade de fazer em todos aqueles anos, conseguia chegar à conclusão de que poderiam reparar o tempo.

— Eu... Eu não sei, talvez... – Deu de ombros, pestanejando. Nunca ninguém o fizera pestanejar como Hermione Granger, ponderou sem conseguir forçar um sorriso amargo. – Não seja tarde para começar de novo.

Ela pareceu imediatamente surpresa, a respiração suspensa e os olhos arregalados nos dele, absorvendo-o, como também fazia a espera de uma resposta. Ela costumava amá-lo muito, talvez o suficiente para isso.

ATO IV

Esfregando os olhos e bagunçando os cabelos com sono, seguiu pelos corredores de pedra, amaldiçoando a própria ideia de sair da cama àquela hora. O caminho até a cozinha era frio demais, apesar de sequer ser tão tarde assim. O vento que adentrava as janelas de pedra sem qualquer proteção vibrava em seus ossos e pele.

Além disso, tudo o que queria era evitar a decoração inevitavelmente natalina da estação. O irritava ter que passar o feriado na escola, sob o pomposo fingimento pacífico de alguns professores e poucos alunos, que por motivos diversos ficaram em Hogwarts. Sua família não estava morta, mas no atual cenário não fazia questão alguma de comemorar o Natal com eles.  

— Você demorou dessa vez.

Se voltou imediatamente à voz para encontrar Granger tranquilamente sentada sobre o parapeito de uma das grandes janelas do primeiro andar. Claramente usava um pijama, mas estava agasalhada com luvas e touca. Ao seu lado, uma garrafa térmica e um copo pequeno. Em seu olhar, um brilho desafiador refletido na sobrancelha arqueada e no queixo altivo, embora parecesse muito pacata com os pés cruzados como uma menina.

 Com um suspiro rendido, após absorver a presença inesperada, fez o caminho de volta até onde ela se encontrava.

— Não devia estar em casa ou com quem quer que seja? – Escondeu as mãos nos bolsos do moletom negro, os dedos se apertando mais tensos do que gostaria enquanto ela dava de ombros.

— Tinha um compromisso com Minerva. – Ela alcançou o copo ao lado da garrafa e tomou um gole. – Aceita?

Anuiu sem nada a dizer, apenas alcançando o copo que ela oferecia, se aproximando do parapeito – se aproximando dela. Não sabia como reagir ao beijo e à própria Granger. Tudo o que menos esperava naquele ano era ela e ela estava sendo... Demais. Tudo o que vinha com ela parecia mais do que o esperado, mais do que conseguia administrar, inclusive o que sentia a respeito da situação como um todo – e dela.

— E quanto a Cicatriz?

Indicou rapidamente com os olhos antes de levar a bebida a boca e apoiar os cotovelos no parapeito logo ao lado da garota, estreitando os olhos para procurar o que ver na escuridão e não ter que olhá-la ou sentir a pressão dos olhos castanhos sob si.

— Já não dói tanto. Continuei usando o que indicou como um emplastro. Obrigado, Malfoy. – Ela respondeu se inclinando na sua direção pra abaixar o tom. – Foi mesmo sua única boa ação do ano?

Apertou os lábios, sentindo todas as nuances de sabor do Café Irlandês – mesmo a forte baunilha e a canela que terminantemente não gostava – para evitar um breve riso.

— Sim.

— Está me evitando. – Não foi uma pergunta e, por um instante, enquanto sentia a brisa fria embaçando os olhos contra a escuridão, se perguntou se ela tinha a mania de realmente verbalizar tudo. Sim, a havia evitado o quanto podia nas últimas semanas, mas não fazia questão de confirmar o que era óbvio e, aparentemente, Granger não precisava disso. – Tem funcionado?

— Me colocando contra a parede, Granger? – Ajeitou a postura para lançar um olhar ferino a ela, que não pareceu muito impressionada. Aparentemente, esperava que agisse exatamente daquela forma e, por isso, apenas meneou a cabeça sem quebrar o contato visual. – Eu disse que estava tentando ficar sozinha comigo.

— Bem, eu estava... Hoje.

Tudo o que ela dizia era de forma quase impassível, como se fosse tão prática que não precisasse se preocupar com ‘eles’. Bufou, com um aceno negativo de cabeça quase incrédulo, encaixando o copo sobre a garrafa térmica. Queria saber o que ela pensava. Queria saber se ela não pensava quão errado soava aquele flerte, considerando quem eram.

O que sentia era confuso e o que acontecia ali, totalmente incerto, mas, agora que a tinha novamente na sua frente, tudo o que conseguia pensar em como ficava bonita sob a luz do archote longe o suficiente para que a iluminação não os constrangesse, perto o suficiente para ver como mordia o lábio inferior em ansiedade e como os olhos brilhavam de uma forma... Diferente, num brilho que ainda não havia sido direcionado a Draco em qualquer momento de sua vida, que não conseguia associar a qualquer outro.  

Em meio a um suspiro, tentou retomar a própria linha de raciocínio, os dedos se enrolando um dos cachos que caía sobre o ombro. A textura dos fios da qual se lembrava não era sequer próxima da que sentia ali novamente. Era mais fácil quando não tinha esse tipo de conhecimento sobre ela, quando ainda eram mais inimigos do que qualquer outra definição do que poderiam ser.

Era mais fácil quando a boca dela não se assomava à dele com tanta facilidade.

Soava familiar, mesmo o breve suspiro que já parecia costumeiro antes de suas línguas se encontrarem. Não sabia se ela tinha alguma ideia disso, mas a forma como beijava, calma e lentamente lasciva, era como se fizessem isso há anos. Os dedos que seguravam o rosto bem delineado seguiram para a nuca após descartar a touca em qualquer lugar num movimento displicente só porquê queria mais acesso aos cachos castanhos.

As pernas dela, antes cruzadas no ar, se abriram para recebê-lo e, mesmo sob todas aquelas roupas de inverno, não havia pudor algum na forma como subiram aos seus quadris, sob a capa, para que o corpo instintivamente se alinhasse ao seu. A sentiu ofegar em meio ao arrepio que percorria a ambos e se afastou para olhá-la, apreciando a visão bagunçada dos cabelos armados ao redor do rosto abalado.

— Não há possibilidade de isso terminar bem, Granger.

Murmurou a única convicção que ainda mantinha contra os lábios molhados, as respirações quentes se misturando tortuosamente no pouco espaço restante ali, afinal ela era inteiramente quente e só conseguia se acostumar mais e mais à essa realidade.

— Não. Provavelmente, não.

Ele estava perdido – mas, talvez, não sozinho – na maior insanidade de sua vida.