Sobre as flores e as cores de abril escrita por JN Silva


Capítulo 8
Capítulo 8


Notas iniciais do capítulo

Olá pessoal!
Perdão pela enorme demora. Do ano passado para este, muita coisa aconteceu na minha vida pessoal, precisei me retirar por um tempo, para me cuidar e tratar de outras prioridades.
Mas agora, estou de volta com as postagens dos capítulos. Sei que não conseguirei postar mensalmente, como era minha intenção no início, mas espero ao menos não demorar tanto mais kkk
Gostaria muito de agradecer pelos comentários gentis no último capítulo, me deixaram muito feliz ♥
Sem mais delongas, desejo a todos uma boa leitura!



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Durante o café da manhã que se seguiu, o coronel não dissera palavra. O médico, tampouco puxara assunto. Não havia nada a ser dito, de nenhuma das partes: o coronel, de feição séria e ensimesmada, estava tomado de preocupações a respeito da saúde da filha. Bernardo, por sua vez, mantinha-se em silêncio, não só em respeito ao sofrimento da família, mas também porque tinha a própria mente povoada de pensamentos. Naquele momento, no entanto, suas preocupações eram mais técnicas: a mente do moço divagava pelas várias coisas que havia lido em seus livros nos últimos dias (algumas das quais, haviam lhe despertado sérias suspeitas), pelo quadro geral de sintomas que havia detectado na paciente, e, por fim, a tentativa de estabelecer uma relação entre as duas coisas. Um esclarecimento total de suas dúvidas e suspeitas, só uma bateria de exames clínicos poderia proporcionar. E para tal, a paciente precisaria ter um mínimo de condições físicas e de energia, não só para suportar a penosa ida até a cidade, a um laboratório, como também para não se enfraquecer ainda mais pela retirada de fluidos corporais. Sua intenção era poupá-la o máximo possível de qualquer desgaste físico desnecessário. Portanto, seria necessário esperar um pouco mais, até que a alimentação adequada e o repouso surtissem algum efeito na disposição da paciente. Se a tal enfermidade, entretanto, era algo que podia esperar, o doutor não sabia dizer.

Ao terminar a primeira refeição da manhã, Bernardo saíra da casa, à procura de Tião. À frente da casa, algumas galinhas, criadas soltas, andavam livremente, ciscando aqui e acolá alguma coisa com a qual pudessem se distrair. Aos fundos da casa, fora das vistas de terceiros, ficavam os criadouros de animais, paióis e outras estruturas diretamente relacionadas à produção e sustento da fazenda. Trabalhadores do coronel se movimentavam para lá e para cá, a todo o momento, absortos em suas próprias funções.

Sebastião se encontrava mais à frente, próximo ao chiqueiro dos porcos. Com o facão que tinha na mão, cortava algumas abóboras em pedaços grandes, atirando-os aos animais famintos. O grunhido e os roncos dos animais podiam ser ouvidos à distância. Bernardo caminhou até ele calmamente, observando o movimento em torno da propriedade.

— Bom dia... – disse o rapaz ao se aproximar.

O homenzinho se virou ao ouvir sua voz.

— Dia, dotôr. Dano umas vórta? – brincou, enquanto voltava-se ao seu ofício.

— Pois é... – o médico sorriu diante do gracejo, enquanto observava ao redor. – Pelo o que estou vendo, a vida parece começar bem cedo por aqui...

— É, na roça é ansim memo... nóis levanta antes do crariá do dia. A hora que o sór nasce, nóis já tá na labuta faiz tempo – comentou o outro, em leve tom de brincadeira.

Em poucos instantes, no entanto, o bom humor esvaneceu do rosto do homem e sua expressão se tornou mais preocupada.

— I a minina, dotôr, cumé qui tá? Inda agora pôco a Rosa falô qui ela acordô ruinzinha, coitada...

— Teve uma ligeira queda de pressão e uma crise de vômitos, mas intervimos a tempo – explicou o doutor. – Ela está melhor, descansando, não precisa se preocupar...

— Ah, bão. Menos már, né?

— Sim. Escuta, Tião, você vai à cidade hoje ou por esses dias? – perguntou o rapaz.

— Num sei, dotôr, depende do coroné. Purquê? – respondeu o homenzinho enquanto atirava mais alguns pedaços de abóbora dentro do chiqueiro.

— Eu gostaria de lhe pedir um favor, se não for incomodar...

— Uai, é só falá...

— Tenho uma carta para ser postada no correio. Poderia fazer isso para mim, por gentileza?

— Cráro, dotôr. Pódexá cumigo...

— Eu lhe agradeço... - disse o rapaz, tirando do bolso do paletó o envelope e algumas moedas e passando-os para as mãos de Sebastião, que rapidamente meteu-os no bolso da calça.

— É pra arguma moça que o sinhô dexô esperano, pur aquelas banda? – perguntou Tião, com uma risada brincalhona.

O médico sorriu junto, aproximando-se mais do chiqueiro e encostando-se na beirada, para observar os animais a comer.

— Não, Tião. Eu não deixei ninguém esperando por mim...

— Será, dotôr? Bem apanhado e istudado qui nem o sinhô, garanto que dexô uma ruma de minina suspirano pur lá... – brincou Tião.

— Bom, se tinha alguma, eu nunca fiquei sabendo... – respondeu o rapaz, bem-humorado. – É para meus pais. Eles me pediram para colocá-los a par de minha situação logo que chegasse por aqui.

— Tá certo, dotôr... – disse Tião, ainda a sorrir. – Eu tô só amolano o sinhô...

— Sim, eu sei...

O rapaz permaneceu ainda um tempo mais na companhia de Tião, observando os arredores da propriedade. Tendo terminado de picar as abóboras, Tião pôs-se a misturar uma porção de fubá e farelos a uma lata de lavagem, encaminhando-se em seguida para dentro do chiqueiro, para dispor a mistura dentro dos cochos.

Bernardo já estava para se retirar e fazer o caminho de volta, quando uma ideia lhe passou pela cabeça.

— Escuta, Tião, posso lhe fazer uma pergunta?

— Inté duas, dotôr... – respondeu o homenzinho, distraído, saindo do chiqueiro e trancando a portinhola.

— A senhorita Laura costuma ser sempre assim? Quieta, reservada?

— Uai, dotôr... não – disse Tião, sem entender a pergunta. – Pur quê?

— Por nada... – disse o médico, abanando a cabeça displicentemente. - Estivemos conversando por um momento ontem. Ela me pareceu um pouco triste, desanimada. Estive pensando sobre isso.

— As vêiz é pur causa de tá duente, num é? – sugeriu o homenzinho, depositando a lata no chão e limpando as mãos em um pano velho, pendurado sobre a beirada do chiqueiro.

— Não sei, talvez... – considerou o rapaz. - Mas o estranho é que ela me pareceu não se importar muito com a própria cura, com sua recuperação. Como se sua saúde não valesse mais a pena. Achei esta atitude um tanto inesperada...

— Deve di sê imprensão sua, dotô... – disse Tião, caminhando lentamente, pondo-se a fazer o caminho de volta juntamente com Bernardo. – In todo caso, o que sempre cunheci da fia do coroné, é uma minina alegre, tranquila, de bem ca vida... inté achei ingraçado du sinhô falá dela desse jeito: quéta, tristonha. Nunca me alembrei dessa ansim...

— É mesmo? – disse o médico, instigando-o a falar mais sobre o assunto.

— É o que eu tô falano, dotôr. Óia, eu trabaio nessa fazenda tem pra mais di trinta ano. Vi essas duas minina nascê, crescê, virá moça. Nessi tempo tudo, sempre cunheci a minina Laura ansim: alegre, sabida, aventurêra. Artêra, quando criança... – disse o homenzinho com uma risada nostálgica.

O médico sorriu junto.

— O sinhô pricisava de vê, dotôr, aquele pinguinho de gente correno pur esses campo, atrais de siriema... – continuava Tião, com um largo sorriso no rosto. - O coroné ficava danado cuéla, cum medo dela pisá narguma cobra, no meio desses capim arto. E quem disse que a bichinha iscutava?

O sorriso de Sebastião exalava ternura e saudade, conforme sua memória vagueava pelas lembranças. Chegava a ser algo bonito de se olhar. Bernardo ouvia-o atentamente, sorrindo com leveza diante da narrativa.

— Ela adorava os fiotinho que nascia aqui na fazenda: us potrinho, cabrito, bizerro, leitão, as ninhada de pintinho, pato, cuêio... vivia garrada n’êis. Dava inté dó, tadinha, quando era dia de abatê argum bicho pur aqui... eu tinha qui pôr ela no colo e saí andano por essas istrada, distraíno ela, que era pr’éla num escutá os berro...

— Posso imaginar... – disse Bernardo, com um leve sorriso.

— A minina Teresa era mais crescida. Essa sempre foi mais tranquila, ajuizada deisde novinha. Ela ajudava a tomá conta da irmã mais nova. As duas se gostava tanto, o sinhô pricisava de vê... i si gosta até hoje, né? Só que agora, dispois que casô, ela foi morá pra longe. Acho inté que deve sê um pôco disso qui a minina Laura tá sintino farta...

— É, pode ser... – ponderou o rapaz. – Não a conheço tão bem ainda, não saberia julgar a causa de seu desânimo. Eu apenas fiquei um pouco surpreendido com o que vi e ouvi ontem. Cheguei a pensar se seria um traço natural de sua personalidade, mas pelo o que você acabou de me contar, vejo que isso não se aplica.

— Pois é, dotôr...

— O que eu me questiono é: para onde foi toda essa vivacidade? Alguma razão deve ter existido para a mudança de comportamento...

Tião lançou um olhar ao longe, para o horizonte.

— A minina Laura tem um ispírito livre... sempre teve – disse, pensativamente.

Por fim, após uma breve pausa, completou, mais para si mesmo do que para Bernardo:

— É... tem passarim que se aborrece quando é preso numa gaiola.

— O que você disse? – perguntou Bernardo, sem entender a suposição.

— Nada não, dotôr. Bobáge minha... – disse o outro, parando próximo a um feixe de lenha no chão. – Bão, se o dotôr num si incomodá, eu priciso continuá meu serviço. O dia tá puxado pur aqui. Mais tarde nóis proseia mais.

— Claro, fique à vontade – disse Bernardo. - Também preciso voltar para dentro, vim somente para lhe pedir o favor.

— O dotô fique sussegado, sua carta tá in boas mão... – disse Tião, de modo cortês.

— Bom, mais uma vez: obrigado. Nos vemos mais tarde... – disse Bernardo, ao se despedir.

— Inté, dotôr.

O rapaz voltou para dentro da casa, rumo ao seu quarto. Precisava continuar a estudar, se quisesse chegar num diagnóstico plausível. A conversa com Tião havia lhe esclarecido algumas coisas. A insinuação que o outro fizera por último, no entanto, dava o que pensar.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado!
Esses dias estive ouvindo algumas músicas que refletem bem a atmosfera desta história, gostaria de compartilhar com vocês. Uma delas é a belíssima instrumental "Fronteira", do Almir Sater. Vale a pena ouvir durante a leitura :D
Se vocês quiserem posso ir sugerindo mais músicas, cada vez que postar um novo capítulo.
Um grande abraço e até o próximo capítulo! ♥



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