Kenma era, definitivamente, aficcionado por jogos eletrônicos. Costumava virar noites a fio para concluir um game novo e realizar todas as suas platinas, o que por vezes fazia com que cochilasse durante as aulas, causando uma série de infortúnios como acabar na detenção ou ter seus pais convocados na escola.

Certa vez, a professora sugeriu que passasse com a psicóloga da escola, pois não era normal que não conseguisse ficar acordado em nenhuma das aulas. 

Apesar disso, era um excelente levantador e ótimo com probabilidades, o que o fazia ser um aluno disparado nas disciplinas de Exatas. Isso quando desejava estudar.

Kuroo sempre havia admirado esses traços no melhor amigo. Costumava lhe fazer companhia aos fins de semana quando Kenma se sentava diante do videogame após as aulas e só saía no início da manhã, muitas vezes esquecendo-se de realizar intervalos para funções básicas como comer ou ir ao banheiro. 

Pause não existia em jogos online, ele costumava dizer. E enfurecia-se quando alguém atrapalhava seu desempenho para scores perfeitos.

Havia sido de Kuroo a ideia para que começasse com streams online para que fizesse desafios ou realizasse tutoriais para outros jogadores. 

O que começou como um pequeno projeto dos dois, transformou-se em um grande canal. E embora Kenma não fosse uma pessoa social, para ele tornou-se simplesmente confortável conversar com a câmera ou com quem estava atrás dela. 

Kuroo aprendera a editar videos apenas para poder ser mais participativo nesse lado da vida de Kenma. Então, todas as sextas-feiras, o Kuroneko-chan lançava um novo video com dicas ou simplesmente desafios onde os participantes online podiam fazer desafios que Kenma sempre se propunha a cumprir.

Kenma estava especialmente ansioso para a sexta daquela semana. Uma grande  produtora de games havia pedido que fosse o Beta Tester de um novo MMORPG, ou seja, seria um dos primeiros jogadores a poder adentrar o mundo virtual e descobrir sobre suas funcionalidades. 

Ele e Kuroo combinaram de se encontrar às sete da noite na casa de Kenma depois de saírem do treino, o que lhe daria pouco mais de quarenta minutos para deixar tudo organizado. Com o final das provas, logo as férias de verão lhe permitiram muito mais tempo enclausurado no próprio quarto para dedicar-se unica e exclusivamente  ao vôlei e ao videogame. 

Pretendia chegar ao nível 100 antes que as aulas retornassem. E antes do acampamento de verao com a Karasuno onde veria Hinata. Não gostava de admitir o quanto aquilo lhe animava, pois o ruivo da Karasuno era uma das pessoas que mais o instigava a querer sair da inércia. 

Com Kuroo era diferente. O capitão adaptava-se ao seu ritmo, aceitava-o como realmente era. Talvez por isso fosse tão confortável estar em sua presença. Perdera as contas de quantas vezes havia dormido na casa de Kuroo e vice-versa. Eram vizinhos desde que havia se mudado para aquela região e passava tanto tempo sozinho que Kuroo era figurinha marcada ali.

Chegou em casa, deixando os sapatos no gekkan. 

— Tadaima. - murmurou, embora a única resposta recebida fosse o eco vazio. Já estava acostumado a isso, os pais viviam viajando a trabalho. 

Calçou as surippas e encaminhou-se para a cozinha onde viu algum dinheiro junto de um bilhete da mãe dizendo que voltaria apenas na segunda-feira. O pai já viajava desde a semana anterior. 

"Peça uma pizza. Não tive tempo de deixar nada pronto.

Mamãe."

— Nada novo sob o sol. - Kenma suspirou. A ausência dos pais sempre fora pontuada por presentes, a maioria deles videogames eletrônicos já que o pai era CEO em uma grande empresa de videogames. Talvez daí viesse  o próprio vício.

Tomou um banho rápido, ciente de que Kuroo chegaria a qualquer momento. Os músculos ainda estavam um pouco doloridos do treino. O sensei vinha pegando pesado ultimamente pois não queria que fizessem feio no acampamento contra a Karasuno. 

Tão problemático, pensou enquanto secava os cabelos úmidos com uma toalha. 

Subiu para o próprio quarto, deixando tudo organizado para a chegada de Kuroo. Havia comprado seus doces favoritos pois sabia que demorariam a noite toda naquilo. E agora também teriam pizza.

Não demorou muito para ouvir os toques leves no vidro de sua janela. Kenma olhou naquela direção, aproximando-se e levantando a janela. Kuroo passou abrindo um sorriso preguiçoso para Kenma.

— Sabe que pode usar a porta, não é? - Kenma questionou, as sobrancelhas arqueadas para o outro rapaz que coçava o nariz com o indicador. - Na verdade, é para isso que é feita.

— Janelas também são portas. - Kuroo deu de ombros. - Seus pais?

— Viajando de novo. - Se havia incômodo em sua voz, Kenma disfarçou. - Deixaram dinheiro para a pizza.

Kuroo arqueou as sobrancelhas.

— Qual foi a sua última refeição decente? - questionou ao ver as embalagens de doces e macarrão instantâneo na lixeira do quarto.

— Tenho preguiça de cozinhar, você sabe. - Kuroo revirou os olhos diante daquela afirmação. 

— Sabe que se continuar comendo essas porcarias vai ter um infarto aos quarenta, não é Kozu? - Kenma inflou uma das bochechas. - Que horas começa a live?

— Às nove, mas sério, vou pedir uma pizza. 

Era mais prático. E muito mais saboroso também. 

— Nada disso. - Kuroo apoiou as mãos sobre os ombros do menor, empurrando-o em direção à porta  do quarto. - Vai comer algo decente pela primeira vez na semana. Ou terei que obrigá-lo a fazer as refeições na minha casa?

O tom desafiador de Kuroo não deixou margem para dúvidas  em Kenma que apenas suspirou, dando-se por vencido. 

— Tudo bem, tudo bem. 

Kuroo sabia ser extremamente persuasivo quando queria.

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Na cozinha, Kuroo separou os ovos enquanto deixava o arroz fazendo na panela elétrica. Sentindo-se em casa, pegou o avental cor de rosa com uma estampa de panda da mãe de Kenma. 

— Sério? - Os lábios de Kenma se curvaram para cima  ao observar a imagem adorável de seu capitão em um avental tão delicado.

— Não posso arriscar sujar minha roupa, não é? - Kuroo deu uma gargalhada, estendendo uma vasilha para Kenma. - Aqui, quebre os ovos aqui dentro enquanto separo as coisas para o recheio do nosso omuraisu.

Kenma resmungou algo sobre a própria preguiça, muito embora tivesse começado a quebrar os ovos como Kuroo havia pedido. 

Tetsuro sorriu com leveza enquanto assoviava o hino da Nekoma, separando os ingredientes para o recheio. Começou a picar os legumes, observando Kenma concentrado na tarefa designada para si.

— Já pensou no que fará antes do acampamento? - Kuroo questionou muito embora já soubesse a resposta.

— Pretendo alcançar o nível 100 nesse jogo. O lançamento oficial é na semana que vem, mas se não encontrarmos bugs, os betas poderão manter a conta atual. Serão apenas 100 pessoas no pré-teste. - Kenma pescava as lasquinhas de cascas de ovo que tinham caído na vasilha com uma colher. - E você?

— Pretendo treinar, é claro. - Sorriu, orgulhoso de si mesmo. - Também preciso pensar nas inscrições das faculdades e vir garantir que você não foi tragado para nenhum mundo paralelo e fictício. - piscou. Kenma apenas revirou os olhos.

— Não vai me encontrar em uma pilha de mofo com cogumelos na cabeça, não se preocupe. - Deu de ombros, empurrando a vasilha na direção de Kuroo. - Aqui.

Kuroo olhou para os ovos boiando junto com pequenos pedacinhos da casca que Kenma não havia conseguido remover. Sorriu para aquilo, terminando o trabalho enquanto começava a bater os ovos devagar. 

— Tenho minhas dúvidas. Não se esqueça que já te carreguei para o hospital nas costas quando teve uma crise de desidratação severa por esquecer de comer e beber água para platinar o Dark Souls 2.

— Foi uma vez só.— Kenma fez um muxoxo, debruçando o rosto sobre os braços dobrados na mesa, observando Kuroo trabalhar.

O capitão da Nekoma deu um risinho baixo, inclinando-se para depositar um beijo na pontinha do nariz de Kenma, o que o fez corar fortemente. Não era tão dado a afetos, muito embora estivesse acostumado com o jeito despojado do capitão.

— Fica uma graça assim, sabia? - Kuroo piscou, afagando seus cabelos levemente. Começou a adicionar os ingredientes lentamente na mistura de ovos enquanto esperava frigideira atingir a temperatura ideal. 

Kenma observou suas costas enquanto Kuroo cozinhava. As coisas entre eles haviam evoluído de maneira natural. Como um jogo onde ao passar de fases, você destrava novos mods ou habilidades. 

Um  dia, eram conhecidos. Colegas que iam pela mesma rua na escola. De repente, Kenma fazia parte do time de vôlei da escola, tudo isso por conta de Kuroo. Passou a gostar do esporte mesmo que odiasse atividades físicas. Tornou-se uma diversão, sobretudo junto com Hinata, pessoa com quem rivalizava  mesmo que jogassem em posições diferentes. Tornaram-se grandes amigos ao ponto de querer 'subir de nível' com  Kuroo em seus treinos para que ele nunca mais chorasse após uma derrota vergonhosa. E um dia, sem que esperassem, se beijaram.

Bem, talvez sem que Kenma esperasse pois Kuroo parecia muito convicto das próprias ideias. Foi paciente, é claro. Mas quando o beijo aconteceu, pareceu simplesmente natural. Kenma compreendeu aquilo como um next level. Uma fase extra que havia destravado com Kuroo e somente com ele. Não gostava de contatos físicos, mas ao mesmo tempo a presença de Kuroo ao seu lado, o  calor de seu corpo e sua risada faziam com que se sentisse bem. 

Porque ele o aceitava como era. Nunca quis modificar nada em si. Nunca pediu que fizesse nada daquilo que não estava disposto e até mesmo se desdobrava para estar ao seu lado.

— Um iene pelos seus pensamentos. - Kuroo retirou-o de seus devaneios empurrando o prato de  omuraisu em sua direção. Kenma observou o desenho de um gatinho feito com ketchup sobre o omelete fumegante.

— Nada de mais. - Kenma deu de ombros partindo os hashis. - Estava pensando que upamos de nível.

— Eh? - Kuroo cruzou os braços, observando Kenma com curiosidade. O levantador corou de leve, coçando a bochecha e desviando o olhar.

— Sabe como é... com esse lance de namorados. - A palavra ainda soava estranha aos próprios ouvidos, mas era gostosa de dizer. - Itadakimasu. 

Começou a comer antes que Kuroo dissesse algo constrangedor que o deixaria vermelho como um pimentão. Mas ao invés disso, o capitão apenas sorriu. Um sorriso enorme e bobo enquanto se sentava diante dele para  comer também. 

— O que foi? - perguntou após um longo período de silêncio, seriamente incomodado que Kuroo não tivesse implicado consigo.

— Estou apenas pensando em como sou sortudo por ter você 

Ali estava o Kuroo que conhecia. Kenma corou, murmurando qualquer coisa incompreensível antes de voltar a comer.

Era simplesmente certo tê-lo por perto.

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Kuroo gostava de observar Kenma enquanto gravava seus videos. Ele se transformava em uma pessoa mais leve, dono das próprias palavras em um assunto que dominava  completamente. Era simplesmente divertido estar ali e vê-lo em ação mesmo que não tivesse  capacidade alguma de evoluir naqueles jogos. Havia tentado algumas vezes, mas paciência não era sua maior virtude.

O vídeo foi um completo sucesso de visualizações. Kenma apontou alguns erros que precisariam ser corrigidos antes da versão oficial, mas o jogo seria um completo sucesso. Disso tinha certeza. 

Quando terminaram a gravação, atacaram os doces previamente comprados por Kenma e encerraram a noite embaixo dos edredons de Kenma enquanto observavam as estrelas da janela.

— Estava aqui pensando, Kozu. - Kuroo chamou sua atenção fazendo com que Kenma desviasse o olhar das estrelas para si. - Já que está pronto para avançar pro próximo level, o que acha de fazermos isso juntos?

Kenma arqueou as sobrancelhas, curioso.

— Vem comigo pra Tokyo. - pediu baixinho, a boca tão próxima da de Kenma que podia sentir o ar morno sobre o rosto. - Quando se formar. Estarei um ano à frente, conseguirei um trabalho paralelo com a bolsa de estudos para poder bancar um apartamento pra nós.

Os olhos de Kenma  se arregalaram. Tokyo era uma realidade distante. Haviam ido para lá apenas por conta das Nacionais. Sentiu o coração palpitar, o sangue se concentrar nas bochechas.

Mas estranhamente não estava com medo.

— Fala sério? - Kenma perguntou com certo receio. Sabia que Kuroo jamais brincaria com algo tão sério, mas ainda assim...

— Muito sério. - Kuroo puxou-o pela nuca, roubando-lhe um beijo terno apenas para afirmar o que dizia. - Vou entender se quiser esperar, mas acho que estamos prontos para isso. - Sorriu.

Avançariam juntos. Como uma equipe.

— Eu vou. - disse por fim. - Mas apenas porque você não consegue tankar sozinho. 

Kuroo sorriu em resposta. 

Tendo Kenma ao seu lado, poderia derrotar qualquer chefe, poderia vencer qualquer dungeon. Derrotaria qualquer desafio rumo ao próximo level.