Até você chegar escrita por Little Alice


Capítulo 9
I'm begging for you to take my hand and wreck my plans


Notas iniciais do capítulo

Oi, tudo mundo, como vocês estão?

Eu quero dedicar esse capítulo a Callie pela linda recomendação que ela deixou. Você não faz ideia do quanto fiquei feliz, porque essa história é o seu presente e a sua opinião é a minha importante para mim. É bom demais saber que você gostou do que fiz para você ♥.

Desejo a todos uma boa leitura! :)



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Now this is an open-shut case
I guess I should've known from the look on your face
Every bait-and-switch was a work of art

Rose não continuaria se lamentando. Ao menos, não mais. Durante algumas semanas, ela se permitiu viver aquele período de desilusão, se permitiu sofrer pelo que nunca aconteceria e se permitiu chorar tudo o que era necessário, na vã tentativa de extrair todo o veneno doloroso que havia se infiltrado em seu sangue. Porque sentir não era errado. Era só humano. Seu coração se quebrara em dois e ela entendia isso, viveu aquela dor. Uma hora, porém, tudo chega ao fim.

Da mesma forma como as alegrias eram finitas, aquilo também deveria ser. Ela tinha toda uma vida pela frente e os seus sonhos jamais estiveram tão perto quanto agora, ao alcance da ponta dos seus dedos. Rose ainda era Rose e ainda era inteira, a despeito do que muitas teorias românticas poderiam predizer. Poderia ser feliz ao lado de Scorpius, sem dúvida alguma, mas sempre soube ser feliz sem ele, também.

Naquela manhã de domingo, ela acordara com um pressentimento bom dentro de si. Sentia que aquele dia seria o começo do fim. Do fim de toda a dor que o amigo deixara para trás. Ela estava, enfim, disposta a isso. E com Burrow Hall novamente cheia, parecia fácil se sentir bem. Todos os seus tios e primos estavam ali, para o aniversário de vovó Molly. Ela não parava de observar o movimento da casa, que, a cada novo integrante que chegava, aparentava estar mais alegre, mais barulhenta e mais caótica, na perfeita energia da família Weasley.

Inicialmente, a festa seria em Londres, mas seus avós decidiram festejar a data na propriedade do campo e somente entre eles. Exatamente como os antigos saraus que preencheram sua infância e adolescência. Haveria música, danças, jogos de mímica e recitais de poesia. E, embora fosse o aniversário de vovó Molly, todos receberam dela um suéter de presente, com a letra do seu nome bordado.

Rose suspeitava que aquela mudança de planos acontecera por causa dela. Era uma tentativa de animá-la, de trazê-la de volta à sentimentos mais felizes, e sentia-se internamente grata por isso. Todos da sua família sabiam, agora, do seu falso noivado, mas nenhum membro parecia querer julgá-la ou condená-la. Ela tinha errado, certamente que sim, mas esse fato não precisava ser salientado a cada segundo e, tampouco, configurava-se como um motivo para ser menos querida.

Todos os dias, a garota agradecia aos céus por terem decidido ser discretos quanto àquele relacionamento, a notícia do noivado circulou apenas entre familiares, e isso impediu que fofocas maldosas se espalhassem por aí. No início, Rose conferia o periódico de Lady Skeeter regularmente, no anseio de ser ver mais uma vez alvo da sua ironia mordaz e injusta. Seu medo, contudo, foi morrendo aos poucos, ao perceber que nada acontecera.

A festa daquela noite, ao seu próprio olhar, parecia resplandecer em dourado puro. Candelabros de cristal iluminavam cada canto, o som das risadas se confundiam com o da música que tocava, as velas feitas por Rose exalavam um suave aroma de lavanda, vovó Molly não se cansava de tirar os filhos para dançar e de apertar as bochechas dos netos já crescidos ― já que, infelizmente, ainda faltava um mês para o seu primeiro bisneto nascer ― e Fred II brilhava com aquilo que fazia de melhor, comandando o piano com peças elaboradas e perfeitas, mas às vezes cedia o lugar para Mary Ann.

Ela se sentia contente ali, no meio de tudo e todos. De tantos rostos conhecidos e amados. Aquele era o tipo de diversão que Rose conseguia apreciar e sabia que o seu falso noivado poderia ter sido assim também, mas essa não era uma lembrança que queria desenterrar no momento. Não estava brava com Scorpius, nem mesmo o responsabilizava por nada, ninguém poderia ser considerado culpado por não corresponder sentimentos, isso apenas acontecia. Ela esperava um dia poder retornar aos bons termos com o rapaz; a amizade dele sempre lhe fora importante, mesmo quando estavam separados milhas e milhas de distância, mesmo quando ele parou de lhe responder. Ao menos, sabia que eles estavam bem, porque nunca houvera um motivo para não estarem. Naquele instante, contudo, não queria pensar sobre isso. Queria apenas aproveitar o que tinha diante dela.

Por isso, tratou de afastar quaisquer pensamentos a respeito e dedicou-se a prestar atenção no que Dominique lhe contava com bastante entusiasmo. A prima aparentava um tipo novo de felicidade depois de tanto tempo vivendo somente pela metade, se resignando a nunca ser quem nasceu para ser. Ela finalmente enxergava uma saída para si e para a sua alma gêmea. Se tudo desse certo, em breve as duas se mudariam para algum recanto remoto no interior da França e viveriam de aparências, como empregadora e empregada; não era o ideal, mas, pelo menos, poderiam ser um casal quando mais ninguém as estivessem vendo e isso era melhor do que nada. Os pais as apoiavam naquilo, o que era um fato um tanto surpreendente, mas muito bonito. Rose ficava genuinamente feliz com isso, como se a alegria renovada de Dominique pudesse renovar a sua própria.

― Rosie, você não quer abrir o recital de poesias? ― perguntou Roxanne, que havia se aproximado das duas, e, no momento, a mirava com expectativa. ― Ninguém mais quer ser o primeiro e você sempre foi maravilhosa nisso.

― Maravilhosa é um pouco demais ― riu-se.

― Maravilhosa é a palavra certa ― retrucou Dominique. ― Ela vai abrir o recital sim. Pode contar com isso.

Ela deu um empurrãozinho no ombro da prima, mas sorria, apesar disso. Há anos não fazia aquilo, porém, sempre gostou muito de recitar poesias. Rose podia não saber dançar tão bem, por ser desastrada demais, mas ler um texto que considerava bonito, instigante ou provocador em voz alta era algo completamente diferente. Era o tipo de atenção que poderia chamar para si. Só esperava não ter perdido o jeito, de todo modo. Quando Roxanne anunciou o início do recital de poesias minutos depois, a música cessou e, pouco a pouco, todos os integrantes da família se reuniram em um semicírculo no salão principal. Rose pressionou entre os dedos o livro com sonetos de Shakespeare que escolhera durante a tarde e caminhou até o centro. Todos os olhos estavam nela naquele instante, seus pais sorriam confiantes e Lily assobiava. Pigarreando, ela começou:

― “Se te comparo a um dia de verão, és por certo mais belo e mais ameno. O vento espalha as folhas pelo chão e o tempo do verão é bem pequeno. Às vezes, brilha o sol em demasia. Outras vezes desmaia com frieza. O que é belo declina num só dia, na eterna mutação da natureza. Mas em ti o verão será eterno…” ― Rose tirou os olhos do livro e, rapidamente, os levou até o público. Foi neste exato momento em que sentiu o coração quase parar novamente, porque ali estava Scorpius, de pé entre os seus parentes, com a atenção toda voltada para ela. Nem em mil anos, esperaria por aquilo. No entanto, Rose se recompôs, forçando um sorriso, e continuou a leitura, ignorando as batidas descompassadas em seu peito. Ignorando que ele estava tão perto de si. Outra vez.

 

 

― Você não vai entrar? ― perguntou um Albus irritado.

― E se ela não quiser me ver? ― ponderou Scorpius. Parado diante da porta, ele hesitava em dar o passo decisivo, o passo que o levaria diretamente até Rose; que o levaria para uma festa para a qual não fora convidado e que, talvez, dada às circunstâncias atuais, não fosse nem mesmo minimamente bem-vindo. Ele sempre participou dos saraus em Burrow Hall, eram instante bonitos e divertidos e que faziam parte de sua memória. Porém, ali estava Scorpius, quase dez anos depois, ciente de que tudo mudara e que possivelmente estragara todas as coisas com mentiras e omissões.

― Deus! Qual o seu problema? Só entra logo! ― O amigo balançou a cabeça, parecendo ainda mais impaciente do que antes. ― Eu estou começando a me arrepender de ter ido atrás de você, Scorpius. Deixa de ser idiota ― suspirou. ― A Rosie quer te ver. Bom… ok, ela pode não querer agora, mas vai querer quando você começar a se explicar. Então só faça as coisas direito dessa vez e diga a ela o que sente de verdade. ― E porque era Albus, acrescentou, com um riso debochado: ― E claro, não a peça em casamento como se esta fosse uma opção meramente aceitável.

Sentindo que não havia outra alternativa além daquela, Scorpius cruzou o limiar da porta. Não continuaria sendo um covarde que fugia de tudo que lhe tocava. Que fugia das suas obrigações, do seu nome e, agora, do próprio amor. As últimas semanas foram… difíceis. Ele quase não se lembrava dos dias, das horas e dos minutos passando. Tudo lhe parecia tão vago, até mesmo o correr inevitável do tempo. Estivera como que anestesiado. Não tinha Rose e não tinha a faculdade para ocupar-se. Só tinha um buraco enorme no meio do peito e um medo terrível de encará-la novamente e de ver o desprezo estampado em seus olhos castanhos. O verão dos dois tinha sido pequeno demais e isso era injusto em muitos níveis ― e, embora tudo tivesse sido uma farsa, ele o sentia como real. Realmente se apaixonara, realmente queria estar com ela. Porque agora era bastante claro para Scorpius: nunca houvera outra pessoa. Sempre fora e sempre seria Rose. 

O sarau parecia estranhamente silencioso, deu-se conta. Quando entraram, não havia mais música, mas Scorpius podia ouvir o som de uma voz vibrando pelos corredores. O seu coração deu uma cambalhota completa, pois sabia a quem pertencia. E mais outra cambalhota, ao vê-la no centro do semicírculo, tal como um anfiteatro grego, recitando um soneto de Shakespeare. Como no poema, ele sentiu que poderia comparar Rose ao verão naquele momento: com um vestido laranja ― o mesmo que ela dissera que nunca lhe cairia bem ―, com os cachos de mesmo tom levemente soltos e com todo o calor que deixava transbordar na leitura. Mas, talvez, ela fosse ainda mais bela. Exatamente como a poesia anunciava.

― “… Mas em ti o verão será eterno e a beleza que tens não perderás; nem chegarás da morte ao triste inverno. Nestas linhas com o tempo crescerás. E enquanto nesta terra houver um ser, meus versos vivos te farão viver”. ― Scorpius não conseguiu desviar os olhos nem por um minuto. Ele notou a hesitação dela ao percebê-lo ali, mas, forte como era, Rose continuou sem vacilar. Sua voz permaneceu a mesma, firme e doce ao mesmo tempo. Quando terminou, a garota fez uma rápida reverência, as bochechas mais coradas que o normal, e todos começaram a aplaudir com veemência a sua performance. Inclusive ele. Rose saiu e, em silêncio, se posicionou ao lado de sua prima Dominique.

Scorpius assistiu ao resto de todo o recital. Se algum Weasley percebeu sua presença ali ― e era provável que tivesse ―, não demonstrou ser contrário a ela. Talvez, no fundo, todos quisessem o mesmo que ele: que Rose e Scorpius se entendessem. De certo era uma bobagem pensar aquilo, mas preferiu se iludir. Diante de uma situação que exigia coragem, o melhor era manter consigo somente os pensamentos positivos. Já havia desistido da ideia de fugir, então era o que lhe restava. Rose participou algumas vezes mais, sempre resplandecente. Ele esperou até o final e até que não estivesse rodeada de parentes para aproximar-se.

― Rosie ― disse, curvando-se num gesto educado.

― Scorpius. ― Ela fez o mesmo movimento.

Eram como dois estranhos, embora fossem tudo menos isso, que não sabiam o que dizer um ao outro. Quando Albus o visitou dois dias atrás, obrigando-o a agir, ele começou a arquitetar esse momento em sua cabeça. Sabia o que deveria falar, mesmo que isso o colocasse em uma situação bastante vulnerável. Porém, estando ali, diante dela, com a atenção de Rose voltada toda para si, Scorpius sentiu a garganta secar. Foi salvo pela música, que se iniciou naquele exato momento. Uma valsa.

Ele então se lembrou do que Hermione Weasley um dia havia dito… sobre, às vezes, uma dança perfeita depender de um par perfeito. Sobre ser possível se sentir nas nuvens em um instante como aquele. Entendia que poderia ser difícil para Rose, que as chances de receber uma recusa eram infinitamente maiores, mas sentiu que precisava ao menos tentar, nem que fosse uma única vez.

― Quer dançar? ― indagou, estendendo uma mão em sua direção.

― Scorpius, você sabe que eu…

― Não é hora de deixar todo receio de lado? De tentar enfrentar os seus medos e perceber que um único momento não deve privá-la de algo para sempre? ― instigou. ― Só há nós dois e sua família, o que de mal poderia acontecer?

― Eu…

― Talvez seja diferente comigo ― enfatizou, encarando-a firmemente nos olhos e com um ar sugestivo, para que se lembrasse das palavras da mãe. ― Eu vou ter cuidado com você. Podemos parar quando quiser.

Segundos transcorreram sem que nada acontecesse. Quando enfim sentiu a mão dela se fechar sobre a sua, um claro sinal de que havia aceitado, de que se arriscaria com ele e por casa dele, Scorpius se sentiu como o homem mais feliz de toda a Inglaterra, possivelmente de todo o mundo também. Se pudesse se declarar em uma dança, ele o faria. Não sabia se era possível mostrar o que sentia em um momento como aquele, mas jurou que tentaria. Que daria tudo de si.

 

☾☽

 

Enquanto Scorpius a guiava pelo salão, com todos os olhares voltados para eles, Rose se questionou se tomara a decisão correta. Seu coração nunca batera tão rápido e tão descompassado e suas mãos soavam frio. Havia medo de errar, mas havia esperança em se livrar daquele medo. Scorpius e todos os outros estavam certos sobre aquilo: ela não deveria deixar um único momento conduzir o resto da sua vida, o que podia ou não podia fazer. Era o seu gesto de bravura, ainda que pudesse parecer tão insignificante em uma esfera maior e global. Além disso, não poderia negar, as palavras do rapaz mexeram com ela. Atingiram-na bem lá no fundo. Talvez pudesse mesmo ser diferente com ele. Talvez tudo pudesse ser diferente com ele.

 Sua memória resgatou o que o seu pai e o que a sua mãe uma vez disseram e Rose sentiu verdadeiramente que deveria arriscar. Que se arriscar era sempre a escolha certa quando se tratava de amor e de vida. Assim que pararam no centro do salão, a jovem ergueu o queixo e encarou Scorpius com firmeza. A música que soava por todo o ambiente de festa era a mesma que os dois tocaram no piano tempos atrás, em um dueto improvisado e engraçado. Parecia um sinal do destino. Ela suspirou profundamente e fechou os olhos por um minuto.

Com bastante cuidado, Scorpius segurou uma das mãos de Rose e, delicadamente, envolveu a cintura dela. Seu próprio peito estava à mil, queria viver aquele momento com ela e queria que fosse significativo de alguma forma. Algo dentro de si, como uma espécie de pressentimento, um recado que o próprio universo lhe soprava ao pé do ouvido, dizia-lhe que aquilo era importante. Provavelmente, mais do que importante. Ele, então, deu o primeiro passo, que foi seguido por ela. Juntos, os dois começaram uma valsa lenta e suave. Rose pareceu hesitante nos primeiros segundos, mas à cada nota musical, à cada passo que acertavam, seu corpo aparentava estar mais e mais solto. Ela estava mais solta.

Scorpius podia sentir isso; podia sentir pelo modo como seus movimentos pareciam mais leves, pelo modo como abriu um sorriso mínimo, mas que ia se alastrando aos pouquinhos, e pelo modo como conseguiram atingir uma sincronia não perfeita, mas que funcionava para os ambos, que fluía de um jeito muito único. Muito deles. De certa forma, era mesmo como estar dançando sobre as nuvens. Como estar no céu ou no próprio paraíso, não importasse a crença ou a definição que se desse a este último. Eles mantinham o olhar um no outro, fixamente; e Scorpius esperava que ela pudesse enxergar em seu olhar um pedido de desculpas e também o quanto a amava, como amiga e algo novo.

Sentindo que podia confiar sua vida nele, esta era uma emoção que flutuava no ar e que se impregnava em cada célula do seu corpo, Rose fechou os olhos e se deixou ser conduzida. Não era um sentimento de uma parte só, no entanto. Ele também podia confiar sua vida nela, era uma troca, a garota sabia. Segundos depois, no meio de um rodopio, abriu suas pálpebras lentamente e aconteceu. Aquilo que tanto ela quanto Scorpius, de alguma forma, já pressentiam quando iniciaram a dança, mas que ainda não havia se confirmado. O mundo congelou de repente. Tudo à volta dos dois havia parado. A música, as pessoas, o próprio tempo.

Só eles continuavam. A surpresa os levou a interromper a dança e, posicionando-se um diante do outro, se estudaram por um instante, antes de admirarem a explosão cósmica que começava a ocorrer ao redor. Scorpius, que nunca acreditara em amores místicos, porque não era permitido, porque existia uma maldição em seu sangue e não poderia lutar contra aquilo, admirou-se ao ver um brilho dourado descer sobre os dois. Rose, que se decepcionou com as próprias fantasias, que precisou se recriar quando a realidade das coisas a alcançou e que se fechou para o que era considerado uma benção em uma sociedade onde o amor já não reinava, porque ela certamente jamais seria agraciada como os seus familiares um dia foram, observou aquele mesmo brilho feito das estrelas mais celestiais envolvê-los e uni-los em um elo mágico. Eles voltaram a se encarar. Os olhos castanhos dela, os olhos acinzentados dele.

Assim, souberam.

Eles eram almas gêmeas.

 

☾☽

 


Wherever you stray, I follow
I'm begging for you to take my hand
Wreck my plans, that's my man

Quando a certeza daquilo os atingiu e nada mais restou, além daquele sentimento, além do que eram e nasceram para ser, o mundo voltou a girar. Como num passe de mágica, as estrelas se dissiparam, se recolhendo novamente no firmamento dos destinos alheios, e o salão tornou a resplandecer em música e movimentos de dança. Dessa vez, eles eram os únicos que não continuavam. Os únicos que estavam imóveis no centro do seu próprio universo, apenas se estudando e se estudando, o que não passou despercebido. Roxanne e o seu marido foram os primeiros a interromper a valsa, seguidos de James e Katherine, Teddy e Victoire e, então, Ron e Hermione.

Todos pareceram entender o que havia acontecido com Rose e Scorpius, porque todos, cada um à sua própria maneira, um dia experimentaram aquela conexão. Rose desviou sua atenção para os rostos sorridentes que os encaravam e sentiu que aquilo, talvez, fosse um pouco demais. Ela ainda precisava se entender, precisava entender o que sentia, agora que sabia de tudo, e precisava entender como Scorpius se sentia também. Como eles resolveriam as coisas.

Sem pensar muito, se virou e começou a andar a passos rápidos e largos pelo salão em direção a saída. Não se importou ao ouvir Scorpius chamando-a pelo nome. Apenas continuou caminhando. Como sempre, precisava de um pouco de ar fresco. Como sempre, precisava estar perto das flores. Precisava disso para colocar os próprios pensamentos no lugar, era sempre melhor quando se encontrava sozinha e quando não estava em um ambiente fechado; com a mente em um turbilhão, não conseguia evitar a sensação de sufocamento. Seu coração ainda batia forte dentro do peito, entre exultante e confuso.

 Ela não era uma única. Scorpius era sua alma gêmea. Ainda que o rapaz não o fosse, ainda que a conexão nunca houvesse se manifestado, isso não faria diferença alguma. De um jeito ou de outro, Rose ainda o amaria, porque ela já o amava antes e, nos últimos meses, aprendeu a amá-lo de outra forma. A garota se viu diante de sentimentos novos, que afloravam não como ervas daninhas, mas como as rosas mais delicadas e sensíveis, que precisavam ser cultivadas e cuidadas e que eram queridas demais.

Apesar de não mudar o seu coração, sentia que a nova situação mudava alguns pontos essenciais em sua vida. Era estranho pensar em si mesma como alguém que não era uma alma única. Rose se acostumara àquilo, criara planos e construira novos sonhos quando toda a esperança de algo diferente morreu dentro de si. Isso fazia parte dela agora e, para ser completamente honesta, se orgulhava de quem havia se tornado, alguém menos fantasiosa, menos dependente e mais madura, mais pé no chão. Embora o retorno de um pouco de fantasia nunca fosse ruim, ponderou.

De algum modo, percebeu, não deixava de ser uma alma única, mesmo que agora existisse Scorpius na equação. Ainda era única, não era uma alma repartida, que de repente encontrava a sua outra metade. Ela era uma alma inteira que possuía uma ligação especial e cósmica com outra alma igualmente inteira. Com Scorpius. Com seu melhor amigo de infância. Ela sorriu, enquanto os seus pés a guiavam pelos jardins de Burrow Hall.

Por felicidade, a conexão também transformava a percepção que um dia teve sobre os sentimentos dele. Durante os últimos dias, Rose pensou que talvez nunca pudesse ser correspondida. Que fora tola em se apaixonar, pois Scorpius não a considerava mais do que uma amiga e, pior, mais do uma escolha inteligente. Ela sofreu por isso, não havia como negar. Se o amor correspondido às vezes doía, porque isso fazia parte da sua própria natureza contraditória, um amor não-correspondido doía ainda mais, uma vez que sobre ele pairaria um grande “e se” e um eterno “jamais”, tudo ao mesmo tempo.

Sabia que se recuperaria eventualmente, mas não deixara de sofrer. Em vão. Porque ela era correspondida. Não fora a única tola, riu-se. Era o que aquela manifestação revelava, afinal. Além disso, no momento em que se encararam durante a dança, Rose pôde ler cada nuance do coração de Scorpius refletido em seus olhos de tempestade. A dor, a paixão, o desejo, o cuidado. Era provável que o seu próprio olhar confessasse o mesmo ao rapaz.

Seus pés a guiaram até o caramanchão, localizado entre as plantações de girassóis e as de gérberas. Ela se sentou em um banquinho de madeira e respirou fundo, acalmando seu coração. Nada estava resolvido e alguns dos seus planos de certo mudariam, principalmente àqueles que incluíam uma vida solitária, mas, no fundo, tinha ciência de que a emoção que predominava era a própria alegria. Ela estava feliz. Estava feliz porque sua alma gêmea era Scorpius ― nunca haveria, no mundo, alguém mais certo ― e estava feliz porque, com toda certeza, não amara sozinha e a possibilidade daquele amor se concretizar jamais pareceu tão próxima.

Não se passaram muitos minutos até que Scorpius a alcançasse ali. Ele entrou no caramanchão de maneira tímida e lentamente, sua postura um pouco preocupada. Rose fugira para os jardins para ficar só com os próprios sentimento, mas aquela interrupção não a incomodava. Aliás, era a única interrupção que seria bem-vinda no momento. Eles tinham que conversar. Ela precisava ouvir como ele se sentia e precisava falar também. 

Rose abriu um sorriso pequeno para indicar que estava tudo bem e Scorpius sorriu de volta, um pouco mais confiante. O gesto funcionara exatamente como um cumprimento silencioso. Ele se sentou ao seu lado.

― Você está bem? ― perguntou.

Ela riu, fraquinho.

― Você é minha alma gêmea ― foi tudo o que disse, mas ergueu uma das mãos e a levou até o rosto do rapaz, acariciando-o de leve, com movimento circulares do polegar. Ele fechou os olhos. ― Eu não sabia disso, mas o meu coração já era seu. Ele já estava apaixonado. Até você chegar, Scorpius, tudo isso parecia perdido para mim. Eu realmente não pensava em me apaixonar, era algo que já não fazia parte dos meus planos. Mas você atravessou o meu mar de desesperanças.

― Até você chegar, a ideia de me apaixonar era só uma miragem ― confessou Scorpius. ― Era só uma fantasia distante. Parecia uma dessas coisas que só aconteceriam com alguma sorte. Eu via os meus pais e pensava: “algum dia eu vou conseguir construir algo parecido com o que eles têm?”. Eu queria construir, queria mesmo, mas não sabia se seria possível. Talvez fosse apenas alguém condenado a um casamento de conveniência. Ter uma alma gêmea, então? Meu Deus! Nem nos meus melhores sonhos! Só que você apareceu e mudou tudo. Mudou até a maldição da minha família.

― O engraçado é que tivemos que passar por tudo isso para entender que éramos almas gêmeas. Não teria sido mais fácil e menos doloroso, se tivéssemos sabido antes? Porque nós precisamos fingir, precisamos mentir…

― Precisamos nos reaproximar ― interrompeu, alcançando a mão que Rose ainda mantinha em seu rosto e a envolvendo entre as suas. ― Quando nos encontramos na fonte de Eros, ainda não estávamos prontos para isso. Teria sido abrupto demais perceber que, de amigos de infância e de amigos distantes, ainda por cima, passávamos a almas gêmeas. Teria evitado mentiras e dores? Sim. Mas nós precisamos do tempo que levou para nos reaproximarmos. Para nos apaixonarmos. Querendo ou não, nós estivemos distantes por muitos anos e havíamos nos tornado desconhecidos um para o outro. Você fazia parte do meu passado, não do meu presente. As coisas ocorreram como deveriam, com todas as escolhas duvidosas e todos os erros inclusos.

― Você está feliz?

 

 

Se eu estou feliz? ― espantou-se Scorpius.

Como ela poderia sequer perguntar algo assim? A resposta para aquela indagação era tão óbvia, tão ao alcance dos dedos. Bastava olhá-lo. Bastava ver como mal podia conter o sorriso. Scorpius sentia que conseguira muito mais do que planejara naquela noite. Um milhão de dúvidas e receios habitavam o seu coração quando chegou. Tinha medo de que ela não o desculpasse, que o rejeitasse outra vez, que nem quisesse vê-lo ou ouvi-lo. Agora, no entanto, ele sabia que os seus sentimentos eram recíprocos. Rose estava apaixonada, seus corações pertenciam um ao outro, eles eram almas gêmeas.

Scorpius era o primeiro Malfoy, em gerações, a ter uma alma gêmea e isso era algo significativo demais. Os dois vieram, de fato, para quebrar tradições. No entanto, entendia a necessidade de Rose de uma confirmação. Às vezes, palavras eram necessárias. Em especial, considerando que até então ele não fora a pessoa mais corajosa do mundo e que estragara tudo com um pedido ridículo de casamento. Um pedido que não era nada digno dela.

Se eu estou feliz? ― repetiu. ― Esta noite eu estava disposto a implorar para que você segurasse a minha mão, exatamente como está fazendo agora, que me perdoasse e que simplesmente me aceitasse como seu. Eu desistiria de todos os meus planos, desistiria de voltar para Edimburgo, desistiria da Medicina, desistiria do meu sobrenome, o que não seria tão difícil, sejamos honesto, e desistiria de todo o dinheiro do mundo, se você me pedisse. Porque tudo o que eu queria, o que eu quero, é estar onde você está. É ter você. Se você quisesse ir para as Américas, eu iria junto. Eu a seguiria para aonde quer que fosse. Acho que felicidade é muito pouco para o que estou sentindo agora, inclusive. Eu estou mais do que feliz.

― Eu também estou ― riu Rose daquele jeito que Scorpius achava adorável, daquele jeito tão espontâneo que sempre terminava com um pequeno ronquinho. ― Também estou mais do que feliz. Ainda um pouco confusa, porque é tudo muito novo, mas exultante porque é você… E eu que queria que fosse você, Scorpius. Do fundo do meu coração, eu queria que fosse. Aliás, acho que você já destruiu alguns dos meus planos, como o de que não querer me casar e o de viver, na maior parte do tempo, quando não precisasse estar em Londres à negócios, em uma casinha bem simples no campo. Somente eu, Apolo, minhas flores e o meu laboratório. Só não sei se eu poderia desistir da minha perfumaria.

― Eu nunca pediria para que desistisse da sua perfumaria, Rosie. Embora, sim, estar comigo signifique desistir de uma vida simples e calma e aceitar um ducado de presente.

― Quebre meus planos então ― brincou, abrindo um sorriso tão radiante que Scorpius apenas quis abraçá-la naquele momento e, quem sabe, beijá-la, dando vazão a todo o seu desejo. ― Continue segurando a minha mão e quebre todos os meus planos. Eu posso ser uma duquesa por você. Posso assumir qualquer responsabilidade que esteja associada a isso. Pelo menos, posso dizer que estou disposta a aprender.

― Haverá simplicidade e calmaria também ― refletiu. ― Eu prometo isso. Além disso, ainda vai levar alguns anos até que se torne uma duquesa. Meu pai e minha mãe assumirão primeiro e, felizmente, ambos são muito saudáveis.    

― Melhor para mim. ― Os dois ficaram em silêncio por um tempo, apenas escutando o som de alguns pássaros noturnos e apreciando estar na companhia um do outro. ― Ah! Antes que me esqueça! Quero que saiba que eu nunca pediria que desistisse de qualquer plano. Por mais engraçado que seja todas essas declarações um tanto cafonas, amar alguém é apoiar as suas batalhas, certo? Você deve voltar para Edimburgo e terminar o seu curso. Eu vou esperar o tempo que for necessário. Enquanto isso, eu vou realizando os meus próprios planos por aqui. 

― Eu espero que sim. ― Scorpius levou a mão de Rose até os lábios. ― Seria apenas um ano, se eu não tivesse desistido desse semestre. Agora, levará um ano e meio. Você acha que o seu pai vai querer outra festa de noivado? Isso poderia nos separar por dois anos.

― Ele pode querer, mas essa festa vai acontecer em tempo recorde. Eu mesma vou garantir isso ― riu.

― Como vamos contar para os seus pais sobre…? Você sabe, sobre sermos mesmo almas gêmeas…

― Eles já sabem. Certamente todos os que estavam no salão puderam perceber, acho que não fomos muito discretos, Scorpius. Bom, de toda forma, ainda vamos precisar contar para os seus pais, acha que eles vão aceitar bem, depois de termos mentido?

― Eu sei que minha mãe vai amar e o meu pai aceita tudo o que a minha mãe ama. Quanto ao meu avô… Eu já posso visualizar o meu avô quando souber, ele ficará infeliz outra vez, se trancará no quarto em sinal de desgosto e me amaldiçoará pelo resto da vida.

― Acha que isso nunca vai mudar?

― Nunca.

― Nem mesmo quando os nossos filhos nascerem?

― Ah, estamos falando de filhos agora? ― perguntou, achando graça. Rose corou, mas Scorpius deu uma piscadinha e um empurrãozinho em seu ombro, que a fizeram rir. ― Eu não acho que ele possa ficar feliz com um herdeiro ruivo.

― Pode ser loiro.

― Não, eu prefiro ruivo. Como você. Laranja é a nossa cor favorita, lembra? ― Scorpius colocou uma mecha do cabelo dela para trás. ― Além disso, seria bom quebrar outra tradição da minha família. 

Rose gargalhou, se curvando um pouquinho para baixo. O rapaz ficava feliz em vê-la daquela maneira, divertida, leve, construindo planos que o incluíam, mas sem desistir dos seus antigos, tão importantes e tão delas. Ele olhou ao redor, o caramanchão ficava no meio de duas plantações. Uma delas de gérberas. Ele sorriu com a coincidência ― ou destino, quem poderia saber?

Gérberas estiveram presentes no começo de sua vida, o seu perfume lembrava as travessuras infantis, os momentos em que viveu em Burrow Hall, tal como se fosse um Weasley. Estiverem presentes no meio, quando se reaproximou de Rose e pôde conhecê-la uma vez mais, reconhecê-la em seus detalhes, enxergá-la para além do que era aparente e para além do que era passado, para então se apaixonar. E, agora, estariam presentes no seu futuro. Aquele momento marcava o início de um futuro. Ele colocou uma mão no bolso e tirou uma caixinha de lá. Havia trazido consigo aquele anel, por mais que não tivesse esperança em entregá-lo ainda naquela noite. Mesmo assim, o havia trazido, porque o seu coração sentiu que precisava. 

― Rosie ― pigarreou. Ela parou de rir e o encarou, atenta. ― Eu encomendei este anel um dia antes de voltarmos para a casa dos nossos pais. Foi logo depois que eu a vi na estufa e você me contou sobre as plantações de gérberas e sobre o perfume que costuma usar. Eu sabia que precisaríamos de um anel de noivado, por isso o encomendei. No entanto, quero que saiba, embora eu o tenha encomendado para um noivado falso, quando o escolhi não pensei nisso, só pensei em você, só pensei que queria que fosse especial, porque você é especial. Pensei em algo que lembraria Rose Weasley, a minha Rosie. Eu o escolhi com todo o amor que já tinha por você. Durante todo esse tempo, nenhuma das palavras, elogios ou gestos que tive foram uma mentira. Foi de coração, porque eu não podia evitar de te amar como amiga e não podia evitar de me apaixonar por minha amiga. Você não é minha escolha mais inteligente, Rosie, você é a escolha do meu coração e do meu destino. Você me aceita? Aceita este anel e tudo o que eu sou e que nós podemos ser?

Scorpius abriu a caixinha. Dentro, havia um anel muito delicado e único. O quartzo laranja imitava as pétalas de uma flor, enquanto o quartzo amarelo representava o seu centro. Olhando bem de perto, era possível ver os detalhes da pedra central; ela própria se multiplicava em florzinhas menores.  

 ― Uma gérbera ― arfou Rose. Seus olhos se encheram de lágrimas e, sorrindo, ela estendeu a mão esquerda na direção de Scorpius, em um claro sinal de sim. Um sim para o futuro dos dois.

Segurando-a entre as suas próprias mãos, o rapaz colocou o anel de noivado no dedo dela, em um movimento bastante lento. Era algo que queria prolongar e que queria apreciar com o devido cuidado. Algo que desejava gravar com toda força em sua memória, assim como a dança que compartilharam minutos atrás. Durante alguns segundos, eles apenas admiraram seus dedos entrelaçados e o anel, que simbolizava a união entre dois amigos, dois futuros amantes e duas almas afins. Então, no instante seguinte, ambos se encararam e sorriram um para o outro.

Rose e Scorpius agora sabiam: o amor deles estava inscrito nas estrelas, bem como no coração e no amanhã de cada um; e eventualmente transbordaria para além dos tempos. Havia esperança em seus olhos. Esperança de um princípio de vida.


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Notas finais do capítulo

Então, o que vocês acharam? Me digam nos comentários!

Quando escrevi esse capítulo, eu sinto mergulhei no açúcar. Ficou bem melosinho, mas penso que eles mereciam isso. Eles foram tão bregas um com o outro no final, porém, é o começo de um relacionamento e eles estão empolgados demais, com várias borboletas no estômago. Perceberam que, na cena da conexão, eu mesclei os dois pontos de vista? Foi o único momento em que fiz isso, durante toda a fic. Perceberam também que as luas estavam juntas? É bobeira, eu sei, mas são detalhes que queria destacar. Espero que tenham gostado desse final e que não fiquem chateados por não ter beijo (tivemos um quase beijo em um capítulo passado, mas não tivemos um beijo propriamente). Eu particularmente gosto e quis mesmo escrever algo mais singelo, mais como uma conexão de almas, de tal modo que nem precise de beijos para confirmar nada. É um romance histórico raiz, eu diria, afinal, também não tem beijos nos livros da Jane Austen e acho isso mais realista para a época do que as cenas que a gente sempre encontra em livros tipo Julia Quinn e afins HAHAHAHA. Ai ai. O próximo é só um epílogo, para fechar tudo de um modo mais cíclico.

Beijos e até a próxima :*



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