A vez de Lacey escrita por Camélia Bardon


Capítulo 7
Rosa


Notas iniciais do capítulo

cenas do capítulo de hoje:
— mais referências
— papagaios tagarelas
— amor de sobra



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Genevieve ainda brincava com Aidan apoiado em sua perna. Com a perna esquerda ela se apoiava no chão, e com a direita erguia-se e abaixava-se, fazendo com que o garotinho tivesse uma queda de gravidade divertida. Como resultado, Aidan gargalhava generosamente para a tia, e apreciou mais ainda a brincadeira quando a outra titia e a mamãe se juntaram à diversão.

Apesar de ser um homem sério, o príncipe Benjamin derretia-se com o filho – também, quem poderia culpá-lo? – e o jantar provou-se ser uma verdadeira festa. Era o momento para todos contarem de seus dias e dividir sorrisos calorosos. Logo se juntavam o rei e a rainha, joviais como sempre e interessadíssimos no progresso do neto. Nada era cruel, entretanto; com uma mãe musicista e um pai estrategista por natureza, o “pequeno Ben” prometia muito para seu futuro. Lacey sentia-se em meio a uma batalha intelectual, porém contentava-se em ser uma mera espectadora.

— É engraçado de se ver, não é? — Genevieve sussurrou, resgatando uma torrada ao lado de Lacey. — É incrível como conseguem debater ciências sem que seja maçante. Eu amo isso. Algum dia eu chegarei lá. Imagine se soubessem de nossas partes mágicas com o pátio de dança?

Lacey aquiesceu, escondendo um sorriso atrás de uma torrada. Genevieve o retribuiu, um tanto travessa. Estavam dançando ao ritmo de uma música diferente, e não se importavam nem um pouco. Permaneceram assim até que não houvesse mais forças em seus corpos e fossem obrigadas a dormir, nas camas de hóspedes do palácio.

Fallon despediu-se das irmãs com um abraço caloroso – e, é claro, Aidan abraçou suas pernas uma vez que ainda estava tentando enganar a mãe para apoiar-se em alguma coisa –, o que fez Genevieve ter os olhos marejados. “São os hormônios”, explicou a número 7, princesa e monarca interina, enxadrista profissional consagrada pelo rei Randolph e adorável bailarina. Lacey tinha a impressão de que ela usaria a desculpa dos hormônios para tudo a partir da descoberta.

Enquanto passavam por mais uma breve viagem de carruagem, desta vez dando meia-volta e virando “à esquerda”, Lacey prestou atenção a todos os tópicos de conversa que Genevieve ofereceu. Sua amostra de camélia foi devidamente prensada no caderno de anotações enquanto a irmã discorria de tributações de impostos e sobre uma mina que escavavam para auxiliar nas despesas do povo.

Como já dito, Genevieve continuava sendo Sua Alteza, porém Vossa Majestade nos domínios que foram concedidos no casamento. Uma vez que a Duquesa Rowena havia dado as costas para o reino – e sumido dançando sabe-se lá para onde! – e deixado o ducado “vago”, o Rei Randolph cedeu-o para que Genevieve e Derek cuidassem da aldeia que lá vivia aos arredores do castelo. Ao olhar para o tamanho considerável da antiga moradia da Duquesa, Lacey perguntava-se como a ganância podia invejar tanto um peixe maior quando já se tinha uma baleia. Tal comparação fez Lacey rir sozinha da própria imaginação fértil, ao passo que Twyla a observava com uma feição intrigada.

— Fallon disse que está arquivando flores, estou certa? — Genevieve indagou com um sorriso curioso. Lacey, que carregava seu caderno com a camélia recém-prensada, sentiu as bochechas ruborizarem com violência. — Vamos, não faça essa cara, estou te oferecendo mais uma. Nem posso pensar em dançar com os enjoos que estou tendo recentemente, e duvido que esteja interessada em aprender a jogar xadrez.

— Não mesmo — Lacey negou automaticamente. — Xadrez é muito inteligente e matemático. E, você sabe, eu sou meio burrinha.

— Ora essa! Que absurdo.

— Está bem, eu sou meio burrinha para xadrez. Para diferenciar tortas e jeitos diferentes de cair, eu sou muito inteligente.

Genevieve gargalhou, usando uma mão para cobrir a boca. Twyla miou em conjunto com a dona, balançando o rabo ruivo apenas por obrigação social.

— Você tem sempre as melhores colocações em piadas autodepreciativas, isso eu posso afirmar — Genevieve brincou de “roubei seu nariz”, fazendo com que Lacey o franzisse com uma careta cômica. — Então, se não posso lhe oferecer nem dança e nem xadrez, qual flor de meu estoque escasso no jardim posso oferecer a você, pequena Lacey?

Ela ponderou a questão. Abrir a caderneta ainda em rascunho estava fora de questão, uma vez que não queria estragar a surpresa da montagem final de seu livro de registros. Portanto, Lacey teve de usar de jogo de cintura para driblar a pergunta. Além disso, já havia dividido suas inseguranças uma vez com Genevieve; não o faria de novo nem tão cedo nem tão tarde.

— Por que não me mostra o que tem antes que eu possa sugerir alguma coisa? Não posso escolher algo que não conheço, não é verdade?

— Está certo. Esse foi um bom argumento. Podemos passear no jardim um pouco, que tal?

Lacey concordou animadamente. Logo as duas andavam de braços dados, contentes com a companhia uma da outra. Apesar de menor que o jardim que Lacey tinha em casa, o de Genevieve ainda era extenso e muito agradável. Por algum motivo, a altezinha conseguia figurar com tranquilidade Luke sentado num dos bancos, analisando alguma amostra de terra ou lendo algum volume agrícola com a tesoura de jardinagem pendendo para fora do avental. A boina estaria lá ou não? Não... O sol não estava alto. Isso fez Lacey pensar em como seus cabelos ficavam bagunçados sem aquela boina... Luke teria vergonha de se apresentar com eles? Mas qual seria o benefício de disfarçar algo inevitável?

— Lacey? — Genevieve abanou uma mão na frente do rosto da irmã, erguendo uma sobrancelha. — Nossa, parecia que você embarcou numa jornada para outro mundo! Está ouvindo o que estou dizendo, meu bem?

— Não, não... Desculpe. Acho que eu viajei mesmo. Pode repetir, por favor?

— Posso... Disse que tenho uma surpresa, mas só iria anunciá-la quando nascesse o pacotinho... Preciso pensar inclusive em nomes para o pacotinho, mas vamos nos concentrar na surpresa. Veja ali. O que há de diferente?

Lacey concentrou-se em olhar onde a irmã estava apontando com a cabeça. A cena parecia familiar aos olhos dela por conta do pátio de casa, porém foi apenas ao chegar perto que Lacey pode identificar o trabalho dos desenhos nas pedras dispostas no círculo do espaço. Era uma réplica perfeita do pátio de dança da Rainha Isabella, e matéria de tamanho e fidelidade aos desenhos entalhados. Apesar de ainda estar incompleto, contando com seis pedras de doze, Lacey podia visualizá-lo com facilidade.

— Ah, meu... Deus — Lacey sussurrou, agarrando-se mais ao braço da irmã. Seus olhos azuis marejaram sensíveis ao significado do lugar. Genevieve permitiu que a irmã se desvencilhasse do braço, e Lacey imediatamente aproximou-se da obra prima. — Está idêntico! Genevieve, é lindo!

Foi inevitável não rodopiar por entre as pedras, evocando a memória de onze anos atrás. Genevieve permaneceu observando com o mesmo olhar nostálgico, afinal de contas foi o começo de sua vida independente também. Se não fosse aquele jardim, suas vidas teriam corridos por rumos muito diferentes. Ao parar no lugar da última pedra, entretanto, Lacey não rodopiou três vezes como exigia a magia. Entendendo ter alcançado uma lembrança agridoce, Lacey afastou-se com cuidado.

— Eu queria tanto conservar uma parte da minha adolescência comigo agora que vou... — Genevieve não terminou a frase, preferindo acariciar o ventre em seu lugar. — Por tanto tempo achei que jamais teria filhos, e olhe agora! Sei que está ficando cansativo, mas é um verdadeiro milagre.

— Jamais seria um incômodo ouvir você, querida — Lacey sorriu sinceramente, oferecendo as duas mãos para conduzir a mais velha até o banco do jardim. — Quantas vezes você já me ouviu tagarelar quando eu era menor?

— Não esqueça que ainda tinha a parte de ajudá-la a subir nos lugares porque era muito pequena para fazer isso sozinha...

— Então! Por favor, pode falar o quanto quiser. Eu vou amar ouvir.

Genevieve abrandou a expressão, sorrindo bem mais tranquila. Apesar de ela ser muito corajosa e gentil, a princesa Genevieve era muito insegura. Às vezes era preciso segurar sua mão e relembrá-la o quão incrível era e o quanto já havia feito por todas as irmãs, independente se fosse um presente mágico ou tradicional. Não era nenhum sacrifício, uma vez que Genevieve era incrível, só se esquecia disso às vezes.

— Enfim. Eu... Queria que ele ou ela tivessem uma parte do nosso mundo, por mais que nunca vá sair de nós. Assim, se ele ou ela tiverem aptidão para dança, já terá um lugarzinho para praticar.

— Sei... Como se não estivesse usando de desculpa para também usar com o Derek.

— Talvez... — Genevieve gargalhou, corando. Apesar de já ser casada há tempos, continuava mantendo viva a alma de menina apaixonada. — Ah, pare com isso.

— Estava dizendo que queria sugestões de nomes para o pacotinho?

— Ah, sim! Eu não tenho ideia de nomes bonitinhos com A... Ashlyn e Fallon foram correndo na frente. O mundo é injusto, não é?

Foi a vez de Lacey gargalhar do drama da irmã. Espreguiçando-se, Twyla parecia pouco afetada pelas questões existenciais das humanas ao seu lado. No entanto, aceitou de bom grado o colo que Lacey oferecia. Um belo exemplar de tigresa, Lacey riu sozinha.

— Pensou em algum, para começar?

— Só para meninos... — Genevieve mordeu o lábio inferior, pensativa. — Pensei em Anthony. Ou August.

— August também pode ser um nome feminino, não pode?

—... Pior que pode. Pior que pode. Mas, não, não vou chamar minha filha de August.

— Muitas mulheres chamam as filhas de May... April... June...

— Ah, sim, vou considerar December se chegarmos aos quatro.

Lacey riu, corando até a raiz dos cabelos. Genevieve abanou uma mão em frente ao rosto, afastando a ideia antes mesmo que ela pudesse vir. Deu-se início então a um tête-à-tête rápido, porém decisivo:

— O que acha de Aurora? — Lacey sugeriu.

— Não sei... Parece muito fantasioso, a meu ver.

— Certo. Então... Anne?

— Anne? Não acha muito simples?

— Bem... E Anneliese? Está no meio termo. Não é simples e nem fantasioso.

Genevieve franziu a testa, pensativa. Twyla lhe lançou um olhar de curiosidade, apoiando a ideia. Por fim, após um momento de breve reflexão, ela aquiesceu com um sorriso sonhador.

— Anthony ou Annelise. Ambas me parecem opções muito agradáveis de repetir. Obrigada, Lacey.

Sentindo-se uma parte muito importante da história, Lacey sorriu de orelha a orelha, logo depois escolhendo deitar-se no ombro da irmã para apreciar a vista. Se prestasse bem atenção, conseguia figurar no banco oposto o reflexo de quando era mais nova e fazia exatamente os mesmos movimentos. Genevieve e Lacey sempre estiveram juntas apesar das diferenças de idade, e Lacey sentia-se grata por ela sempre ter estado ali. Querendo ou não, eram muito parecidas em estado de espírito.

— Genevieve... — Lacey começou, sussurrando sentindo a timidez quase lhe tampando a garganta. — Como soube que Derek era o homem certo para você? Como marido?

Genevieve surpreendeu-se com o tom da pergunta tão repentina. Mantendo a compostura, entretanto, Lacey olhou-a de baixo para cima.

— Bem... Eu acredito que foi quando percebi que ele era verdadeiramente gentil, e não me tratava bem apenas por eu ser uma princesa. Que ele estava disposto a me amar e também amar minha família, e não suportar vocês em nome do sentimento que sentia por mim. Entende?

— Courtney também a fez ler o livro favorito dela, não fez? — Lacey riu baixinho.

— Pior que fez. Mas ele é mais verdadeiro do que a ficção conta. O amor, pequena Lacey, não está em grandes sacrifícios, e sim em pequenos gestos.

— Como elaborar um sapato com maior cuidado?

— Sim, esse exemplo serve — Genevieve sorriu, acariciando os cabelos da irmã. Ela havia decidido não perguntar as motivações por trás da pergunta, mas já tinha sido adolescente um dia. Sua falta de sorte, entretanto, era não ter ninguém a consultar na idade dela e depender apenas de seus instintos para lhe responder os questionamentos do coração. — Também servem pequenos elogios, pequenas atenções... Não importa o quão sem graça acha que seja... A pessoa certa te colocará num pedestal acima da mulher mais perfeita da Terra.

Lacey assentiu com a cabeça, contente com o novo compêndio de informações. Genevieve pareceu ler através de seus pensamentos, e Lacey pensava ser melhor assim. Suspirando, ela brincou:

— E onde Félix está a uma altura dessas? Ele foi bem um cupido para vocês, acho.

— Provavelmente tirando um cochilo. Ele tem ficado mais preguiçoso com a idade, sabe?

— Sei bem... Como a Twyla aqui — Lacey sorriu de lado, acariciando a cabeça da gatinha ruiva em seu colo. — Vamos entrando para o chá?

— Oh, sim, por favor. Chá é uma coisa que não se recusa.

❀⊱┄┄┄┄┄┄┄┄┄┄┄⊰❀

Félix apareceu mesmo para a hora do chá. Acompanhante fiel do dono, que não dispensaria uma visita da caçula, o pássaro cantou e voou contente pelo salão. Quando Lacey foi abraçá-lo – afinal, a intimidade era diferente das dos demais cunhados –, Derek fingiu que as costas doíam, porém ainda assim a rodopiou no ar. Lacey gargalhou feito criança, nem um pouco constrangida. Apesar de ser um príncipe-rei interino, Derek sempre seria o humilde menino por quem todas as princesas haviam se apaixonado – em graus diferentes, é claro.

— Posso ensiná-la a fabricar sapatos se estiver interessada, Alteza — Derek contribuiu para a brincadeira.

— Ah, obrigada, Derek, mas tenho certeza de que eu daria um jeito de bagunçar mais do que fazer algo produtivo.

— E cantar? Posso ensinar você a cantar, princesa — Félix acrescentou solícito.

— Ela já sabe cantar, Félix. Todas elas cantam e dançam.

— Ih, é mesmo. Desculpe.

Lacey riu, acariciando a penugem macia do papagaio. Contente, o bichinho piou alto o suficiente para os ouvidos de Lacey arderem. Preferindo deixar o detalhe de lado, a altezinha tomou um gole de chá e voltou-se para a irmã com um sorriso travesso:

— Após “averiguar” seu jardim, Genevieve, já me decidi qual flor quero levar para casa de recordação.

— Ah, sim? Fique à vontade para colhê-la depois, querida.

— Sim! Por favor, eu gostaria de uma rosa cor-de-rosa.

Genevieve sorriu de orelha a orelha, aprovando a escolha da irmã.

— Ah, é a minha flor preferida de todas!

Pela segunda vez no dia, Lacey escondeu um sorriso atrás da xícara de chá. Sei bem disso, pensou ela maquinando uma página especial em sua caderneta de prensas.


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