Academia de Poderes Inúteis escrita por Creeper


Capítulo 5
A maldição do líder


Notas iniciais do capítulo

Mais um sábado, mais um capítulo de Academia de Poderes Inúteis! Agradeço a quem está acompanhando a história e desejo-lhes uma boa leitura, bora lá XD



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Nossos risos cessaram abruptamente e nos ajeitamos em nossas cadeiras quando uma inspetora passou pelo corredor, colocou a cabeça dentro da sala sem dizer nada, anotou algo rapidamente em sua caderneta e por fim desapareceu de nossas vistas.

—  Bom, eu terminei. – Yara arrancou a folha de seu caderno e levantou-se dando batidinhas em seu short-saia preto de listras brancas.

— Já? Eu nem comecei. – me debrucei na carteira sem ânimo.

— Não tenho muita coisa para falar sobre as aulas. A menos que eu acrescente detalhes, do tipo “ter conseguido ser banida do grupo das Super Gatinhas”. – ela sentou-se na mesa larga em frente à lousa. – Acidentalmente toquei na blusa da Bianca e acabei mudando-a de cor. Elas iam gravar um vídeo de coreografia ou algo assim e aparentemente eu estraguei tudo. – deu de ombros.

— É por isso que ela estava tão irritada… – refleti. – Podia ter sido pior, você podia ter chamuscado o cabelo dela. 

Yara cruzou os braços e me observou atônita por uns segundos antes de dizer:

— Soube que ela ficou louca pelo resto do dia procurando alguém que conseguisse consertar o cabelo dela. 

— Vai que existe alguém que produza um shampoo milagroso com a própria saliva. – coloquei o cotovelo na carteira e apoiei o rosto na mão. – Tá, isso seria meio nojento.

— Na minha turma de filosofia tinha um garoto que transformava o dedo em uma chave de fenda minúscula. E na aula de biologia uma garota esguichou água pelo nariz. – Yara ponderou. – Não deve ser tão difícil haver alguém que possa fazer algo no cabelo da “gatinha”. – fez aspas com os dedos e depois cruzou os braços.

— Vamos esperar pelos próximos stories dela. – dei um sorriso de canto.

— Ah, também fui expulsa do Nova Era. Me sentei com alguns dos membros em uma das aulas e tive uma pontuação baixa no jogo de cores. Já que esse jogo era em grupo, eles acabaram perdendo “por minha causa”. –  ela bufou. – Sendo que sequer foi pelo meu poder. – balbuciou contida.

Lembrei-me do que ela me contou na saída do esconderijo da União Rebelde. Resolvi prestar meu apoio, expondo um pensamento que prendi durante o dia inteiro.

— Para quem prega dar uma chance aos poderes, eles não são de dar chances aos usuários. –  cruzei os braços atrás da cabeça e pressionei as costas no encosto da cadeira.

Houve uma pausa na conversa até que Yara a retomasse.

— Ninguém está se importando de verdade. –  ela rangeu os dentes. –  Nem os adultos, nem os alunos. A única coisa que querem é nos manter sob controle até conseguirem explicar a situação. Mas ninguém liga para o nosso bem estar de verdade.

Torci a boca tentando formular uma resposta à altura. Querendo ou não, aquilo parecia ser o mais próximo da verdade, já que fomos praticamente jogados naquela academia sem o mínimo de preparo. Para os adultos não passávamos de problemas. Para os alunos apenas números em seus grupos.

Pensei na minha mãe e na pequena comemoração que ela preparou quando eu recebi a carta do R.C.E. 

Ela não me vê como um problema, né?”, engoli em seco. “Não, claro que não.”, balancei a cabeça negativamente, afastando qualquer devaneio que fosse me deixar pirado.

Minha reflexão foi interrompida quando um objeto voou do lado de fora da janela, caindo duramente no interior da sala e rodopiando pelo piso. Estáticos,  encaramos o pedaço de pano branco amarrado em uma pedra enquanto nos perguntamos quem teria jogado aquilo ali.

Yara agarrou o tecido pela ponta, livrando-se da pedra e esticando-o.

— “Esse é o exato pensamento de um rebelde.” –  ela leu em voz alta e depois me mostrou a péssima caligrafia espalhada no pano com a mesma caneta permanente dos bilhetes que recebi durante o dia.

— Não me diga que ela arrancou isso do próprio uniforme. –  levantei as sobrancelhas.

— Sim, eu arranquei. 

Me virei na direção da voz a tempo de ver Ienaga apoiando suas mãos no parapeito da janela e erguendo seu corpo para adentrar a sala. Manchas vermelhas e fumegantes espalhavam-se por todo o seu rosto, dando-me a impressão de que aquilo doía. Percebi que a barra de sua camiseta estava rasgada.

— Argh. –  ela fechou a janela e uniu as cortinas em um puxão. – Desvantagem vampírica, caso não se lembrem. – tocou seu rosto e fez uma careta de dor em seguida. Além das manchas, também tinha olheiras escuras.

— Sabe que podia ter usado a porta, né? –  usei o polegar para apontar o lugar.

— Não seria tão legal jogar a pedra pela porta. – Ienaga retirou a blusa xadrez que usava para se proteger. As manchas começaram a diminuir gradativamente e a fumaça se dissipou. 

— Se não pode se expor ao sol, onde ficou o dia inteiro? –  Yara indagou jogando o pedaço de pano de volta para a dona.

— No esconderijo da União, é claro. – a líder agarrou-o no ar e cruzou os braços. – Mas o Miguel me encontrou quando eu saí para beber água e me disse para vir à recuperação. –  revirou os olhos. 

— Espera, então como ficou me mandando aqueles bilhetes irritantes? – espalmei as mãos na carteira e me levantei indignado.

— Eu tenho meus métodos. – ela sorriu de canto, gabando-se.

— Fui eu.

Virei minha cabeça para a porta que havia acabado de ser fechada, tendo Eduardo encostado em sua superfície.

— É, claro, foi ele. – Ienaga agitou a mão.

— Oi, Norte. – ele deu um sorrisinho e acenou adoravelmente. – Saudades?

Engasguei com minha própria saliva e voltei os olhos para o meu caderno em branco.

— De qualquer forma, já pensaram se vão entrar ou não para o nosso grupo? – a líder questionou. 

— Não. – eu e Yara dissemos em uníssono usando um tom apático.

— É, vamos ter que apelar. – Ienaga juntou os dedos e os estralou em sequência.

A garota de coques e eu nos entreolhamos em uma falha tentativa de nos comunicarmos através de semblantes confusos e quase aflitos.

— Não precisa nos bater, já estamos em um grupo! – falei automaticamente.

— Bater? – Ienaga e Eduardo perguntaram perplexos.

 – Estamos? – Yara fez uma careta de descontentamento.

— Sim, estamos no grupo dos Deslocados, ora. – passei a mão por meus cabelos e mandei uma piscadela discreta para Yara. – Hã… Você não ia nos bater? – encarei Ienaga.

 – O quê? Eu só levanto os punhos para o governo. – a líder colocou as mãos nos bolsos da calça. – Eu pratico piano, tenho o costume de estralar os dedos. – não pareceu muito contente em dizer isso. 

 – E quanto a apelar? – Yara argumentou.

 Um sorriso dançou nos lábios pálidos de Ienaga. Ela ergueu os braços em um ato de inocência e andou calmamente até Eduardo.

 – Aguardem, espíritos rebeldes. – ela acenou e abriu a porta.

Eduardo piscou um olho e saiu junto a garota, deixando o ar estagnado e preenchendo o corredor com o som das solas de sapato contra o piso lustroso.

— Ela percebeu que não fez a recuperação e só veio aqui encher linguiça? – Yara olhava para a porta nada impressionada.

 

>>>

 

Abri a porta do meu quarto permitindo que um pouco de iluminação entrasse no ambiente sombrio e abafado. Seguindo a brecha de luz, escutei um chiado de insatisfação vindo do amontoado de cobertores na cama da direita. Pelo amor de Deus, estava marcando 30 ºC lá fora e Kaíque se mantinha debaixo daquele ninho fazendo sabe-se lá o que. 

— Cara, precisamos abrir a janela. – atravessei o quarto, tropeçando em uma peça de roupa a cada passo. – Esse lugar está fedendo a cadáver. –  reclamei.

— Não é para tanto, eu tomei banho. Ontem. Depois que você dormiu. – Kaíque afastou as cobertas e esfregou seus olhos, as olheiras roxas contrastando a pele pálida de quem precisava de vitamina D. 

— Fala sério. – meus ombros caíram. Abri a janela e arrastei as cortinas, sentindo o vento quente bater em meu rosto e trazer o cheiro da grama. Fiquei um tempinho com os braços cruzados no parapeito, deixando a brisa secar meu suor e balançar os cabelos. 

— Você causou muito hoje, né. – ele cruzou as pernas em estilo borboleta, encostou o cotovelo no joelho e sustentou o rosto com a mão. 

Na minha concepção, Kaíque havia participado das aulas pela manhã e depois se enfiou no quarto pelo resto do período. Dentre todas as pessoas, não esperava que logo ele soubesse sobre meu fracasso de dia.

— As notícias correm. – o garoto deu de ombros ao notar meu silêncio. 

Não quis falar sobre aquele assunto em específico, por isso ignorei-o momentaneamente e sentei-me na minha cama para retirar os tênis.

— Eu pensei um pouco. Faço parte do seu grupo agora. – revelei.

— Oh, seja bem-vindo. – ele sorriu de canto. – Deslocados é o lugar de encaixe para todos que não se encaixam. 

Me permiti sorrir. Como Yara havia dito, era a opção mais aceitável, principalmente porque me senti melhor depois de ouvir o lema do grupo. Parecia bom para mim.

Tomei um banho frio antes que o banheiro coletivo ficasse muito cheio e depois pude cair na cama e responder às mensagens de mamãe sobre meu bem estar. 

 Mãe: Como foi seu primeiro dia, querido? [16:46]

 Eu: Foi bem. [17:01]

 Mãe: Céus, fico tão feliz! [17:03]

Eu não podia deixar ela saber.

A manhã veio feito um tapa: o despertador berrou e estremeceu, mas o que realmente me assustou foi a figura de Kaíque de pé ao lado de minha cama, encarando-me fixamente. 

— Q-Que foi? – minha voz saiu arrastada.

— Sabe o que é mais legal no grupo dos Deslocados? – ele inclinou a cabeça.

Balancei a cabeça negativamente ainda tentando assimilar as coisas. Por que ele estava me dizendo aquilo às sete e quarenta da manhã?

— É que podemos trocar de líder muito fácil. – Kaíque agachou-se de modo que nossos rostos ficassem nivelados.

— E isso é legal para você? – semicerrei os olhos, confuso.

— Sim, principalmente quando há reuniões de líderes. – ele desviou o olhar. – Sabe, os grupos precisam entrar em consenso dia sim dia não.

— Hã… Se você diz. – bocejei.

— Só queria te avisar que… – Kaíque tocou em meu ombro. – Você é o líder agora. – voltou a encarar-me, dessa vez sorrindo.

Demorou exatos dois segundos para eu absorver a informação e processá-la em um grito de surpresa. Ergui o torso bruscamente, acordando de vez.

— O quê?! –  joguei as pernas no chão.

— Exatamente. É assim que passamos a liderança. Basta tocar no ombro de algum deslocado e repetir o que eu disse. – ele afastou-se rapidamente como se eu tivesse uma doença rara. – Boa sorte. A reunião é na hora do almoço na sala de informática.

— Não pode fazer isso comigo! – cheio de afobação, caí no chão. – Eu não quero ser líder!

— Bobeou, dançou, garoto espirro. – Kaíque pegou sua mochila e deixou o quarto. Só então reparei que ele já vestia o uniforme. 

— Volta aqui! – levantei-me rapidamente e tentei correr atrás dele, esquecendo-me que usava samba-canção e camiseta.

Na metade do corredor, observei Kaíque parar, girar nos calcanhares e gritar:

— Ei, galera, o loirinho ali é o novo líder dos Deslocados!

Os garotos que saíam de seus quartos lançaram olhares assustados para mim e automaticamente deram um passo para trás.

— Ah, garoto espirro, repassar a liderança é como brincar de pega-pega… Estando manco. – meu colega de quarto avisou com um sorriso provocativo. – Será que você consegue se livrar disso antes do almoço?

— Filho da p… – rangi os dentes e cerrei os punhos.

Instintivamente encarei o restante dos garotos, os quais voltaram para seus quartos feito o diabo fugindo da cruz. Uma raiva súbita me consumiu e eu chutei o batente de nossa porta, me arrependendo instantaneamente por estar descalço.

— Eu vou te pegar, seu desgraçado fedido! 

Nem que aquela fosse a última coisa que eu fizesse.

 

>>>

 

Cheguei no refeitório em uma velocidade absurda. Sabia que aquela criatura não conseguia passar tanto tempo sem comer. Conforme eu andava, o restante dos alunos iam se afastando de mim, praticamente subindo nas mesas para que não corressem o risco de serem tocados. Bufei irritado e larguei minha bandeja em um lugar vazio, engolindo tudo sem mastigar.

— Você está com sangue nos olhos. 

Emburrado, procurei a fonte da voz, encontrando Yara terminando de beber um achocolatado em caixinha. Um reflexo passou por minha mente e eu fiz menção de me mover.

— Se tocar em mim, morre. – ela esmagou a caixinha sem piedade. O material teve sua cor marrom absorvida por verde-musgo em poucos segundos. 

— Então você já sabe. – expirei frustrado.

— É, todo mundo sabe. – Yara deu de ombros. – Kaíque anunciou por cada canto que passou. 

— Norte! 

Uma figura feminina parou em minha mesa, seus movimentos faziam sua mochila rosa-bebê chacoalhar de um lado para o outro. Ela ofegou e ajeitou os óculos que eram novidade para mim.

— Soube que agora é líder dos Deslocados. – Ana Carolina engoliu em seco.

— Veio me parabenizar? – arqueei uma sobrancelha, azedo. 

— B-Bem, não. – ela ruborizou. – Eu vim dizer que essa é uma boa oportunidade para você passar uma nova impressão para as pessoas. – incentivou. 

— Ah, sim, ele passou uma ótima nova impressão chutando a porta do quarto e entrando nesse refeitório igual a um maníaco. Tá certinho. – Yara afirmou.

Ana Carolina torceu o nariz e as bochechas ficaram ainda mais vermelhas. Não pude evitar de perceber que ela encarava uma banana deixada por alguém na outra mesa, semicerrando os olhos algumas vezes.

— Pode ir comigo na reunião. Não é tão ruim ser líder, você vai ver. – pigarreou voltando a atenção para mim.

— Se tudo der certo, eu terei passado essa maldição adiante até a hora do almoço. – franzi o cenho, determinado.

Mas é claro que tinha tudo para dar errado. Se no dia anterior já me evitavam por medo de serem chamuscados, a situação piorou ainda mais com todos me tratando feito um animal de espécie desconhecida. Por todas as aulas que passei, procurei por algum sinal do Kaíque, o que se fez impossível: o garoto desapareceu do mapa.

A aula antecessora ao almoço foi de educação física, a qual tive junto de Yara.

— Ainda não repassou a liderança? – ela fazia alguns alongamentos a dois metros de mim. 

— Ninguém nem se aproxima. – bufei exausto. Tentei correr atrás de alguns garotos do Deslocados mais cedo, todavia, eles eram mais rápidos. A última vez que caminhei longas distâncias foi para jogar Pokémon Go com a Stefanie. Correr nem se falava. – Parece que estou com peste.

— O Kaíque tocou em você. Então é quase isso. 

Senti algo acertar minha bochecha provocando um pequeno incômodo. Varri o chão com os olhos, achando uma minúscula bolinha de papel amarelo. A desamassei sem muita animação, percebendo se tratar de um post-it que tinha uma mensagem em caneta preta permanente.

 

Isso não aconteceria se

Meu rosto foi acertado outra vez. A bolinha saltitou pelo piso áspero da quadra, a agarrei e li seu conteúdo.

você se juntasse

Mais uma bolinha, dessa vez em minha testa. Esfreguei a pele, procurando pela origem daqueles papéis.

à União Rebelde.

Por fim, a última bolinha ficou presa em meu cabelo. A abri de mau humor.

(Desculpa, o papel é pequeno)

 

— AH, MAS QUE SACO! – berrei exaltado.

Todos os pares de olhos presentes na quadra caíram sobre mim, incrédulos. O professor soprou seu apito, nem parecia estar a 15 minutos encostado em uma pilastra conversando com a professora de ginástica. 

— Henrique Barbosa, sem gritar! – ele fez alguma anotação em sua prancheta.  Eu ia matar um, ah, mas eu ia.

 – Henrique? – Yara indagou curiosa.

— É, eu tenho um nome normal. – bufei e continuei a me alongar.

— E qual a necessidade do esquisito? – ela provocou.

— Não te interessa. – rangi os dentes e mal consegui me manter equilibrado em um único pé.

Eu não contaria aquela história para Yara.

— Eu tive uma ideia. – ela comentou. Mantinha seu olhar fixo em um ponto enquanto segurava um de seus pés nas costas, executando com perfeição o que eu não conseguia.

— Vai me ajudar? – perguntei de mau humor.

— Se você tiver força de vontade. – Yara trocou de pé.

— Desculpe, esqueci isso em casa. – dei um pulinho e troquei também, ainda tremendo pela falta de equilíbrio.

— Eu percebi que existe uma hierarquia entre os grupos. E acredite se quiser, em uma academia que existe as Super Gatinhas, a União Rebelde consegue ficar abaixo delas. 

Observei algumas garotas do Super Gatinhas passeando pela quadra com as mãos nas cinturas e seus rabos-de-cavalo bem feitos balançando de um lado para o outro. Parte dos garotos distraiam-se de seus alongamentos para babar pela altura dos shorts-saias delas. Bianca não estava ali, na verdade, não a havia visto em nenhuma aula, apesar dela ter postado um storie mostrando seu novo corte de cabelo.

— Então, é fato que os outros três grupos não gostam da União Rebelde. – Yara me olhou de soslaio. – Você agora é líder de um. Se conseguir a aprovação dos outros dois, vocês podem acabar com a União Rebelde.

A surpresa foi tanta que eu perdi totalmente o equilíbrio e caí de bunda no chão duro da quadra.

— Eu não quero acabar com eles, apenas quero que parem de me encher o saco. – rebati de olhos arregalados. – Céus, o que tinha naquele seu achocolatado?– fiz uma careta de dor. 

— Se eles são extremos, é preciso tomar medidas extremas. – Yara voltou o pé ao chão, colocou as mãos na cintura, esticou uma perna e dobrou o joelho da outra.

Levantei-me e copiei a posição da garota, ouvindo 37 partes diferentes de meu corpo estalarem. Reparei no seu relógio de pulso onde marcava-se 11:50, o que queria dizer que faltavam 20 minutos para o almoço. Meu destino estava decidido, eu teria de enfrentar a reunião.

— Yara. – chamei. Ela me fitou de soslaio. – Quer ser vice-líder?

A verdade é que eu estava com medo de ir sozinho. 

— Não tenho muito o que fazer no almoço. – percebi que ela desviou o olhar. – Vou apenas como suporte. 

— Muito bem, é hora de jogar queimada. Quero dez em cada time. – o professor apitou para chamar a atenção dos alunos.

Yara endireitou a postura e apertou os elásticos de seus coques.

— Ei, Norte, não leve “queimada” para o sentido literal. – ela exclamou e dirigiu-se ao centro da quadra onde os times estavam sendo formados.

Eu faria o favor de acertar a cara dela. 

 

>>>

 

Almocei tendo um saco de gelo pressionado na bochecha. Yara havia queimado a bola em meu rosto, o que causou sua desclassificação e minha saída do jogo. 

— Termine logo de comer. – Yara bateu o garfo em seu prato vazio. O objeto teve sua cor metálica sugada por um tom estranho de laranja.

— Eu faria isso se não estivesse com dor. – afastei o prato, sem apetite.  – Tudo o que você toca muda de cor? – fiquei curioso quanto ao seu poder.

Ela prendeu o talher nos dentes. 

— Basicamente. – respondeu em um murmúrio.

Notei que a bola branca que usamos na queimada não mudou de cor uma vez sequer.

— E por que a bola não mudou? Você foi uma das que mais a tocou. – coloquei o saco de gelo na mesa. Minha bochecha encontrava-se vermelha e dormente.

— Há duas cores que não consigo mudar. – Yara olhou para suas próprias mãos. – Branco e preto. Eu e meu pai fizemos um teste em casa quando eu manifestei o poder e descobrimos isso.

— Pelo menos assim você não fica com o uniforme de uma cor diferente todos os dias. – apoiei as mãos na mesa e ergui-me. – Ou as pessoas pensariam que você faz parte das Super Gatinhas. – zombei.

— Cruz-credo. – Yara encolheu os ombros. – Falando nisso, você não devia estar na reunião?

Inspirei e expirei fundo inúmeras vezes. Franzi o cenho e torci a boca. Ah, que morte horrível.

— Acho que estou pronto. Vamos.

A sala de informática não ficava tão longe do refeitório então chegamos rapidamente. Na porta havia a frase “Em reunião” em uma folha de papel colada por fita adesiva. Pensei se deveria bater, mas Yara precipitou-se e girou a maçaneta, adentrando o local.

Fomos imediatamente envolvidos pelo frio do ar condicionado e encarados por três pessoas, as quais três delas eu conhecia: Felipe, Ana Carolina e Bianca. Todos mantinham-se distantes um dos outros e não pareciam trocar muitas palavras.

— Estão atrasados. – Felipe murmurou de braços cruzados. Ele era mais baixo do que eu me lembrava.

Escutamos um baque surdo vindo da janela fechada. Meia dúzia de pombos batiam contra o vidro, espalhando suas penas pelo ar. 

— Argh. – o garoto cobriu sua boca e encolheu-se no lugar, os cabelos pretos caindo em seus olhos verdes.

— Ha, você não pode nem falar sem atrair esses bichos. – Bianca atiçou. Pelas meias arrastão e o batom preto concluí que o estilo do dia era gótico. 

Felipe murmurou algo que foi abafado por seus dedos, mas pela sua expressão raivosa, ele estava xingando a garota de todos os palavrões que ganham bipe na televisão.

— Que bom que você veio, Norte. – Ana Carolina sorriu gentilmente. – Ah, escolhemos nos sentar assim para que nossos poderes não afetem uns aos outros. – gesticulou.

Troquei olhares com Yara que deu de ombros. Me sentei em uma das cadeiras giratórias perto da porta e a garota foi para o fundo, contornando as bancadas que sustentavam os computadores novinhos. 

— Acho que podemos começar. – Felipe sussurrou e observou o relógio de ponteiro acima do quadro branco. – Já passou três minutos do combinado, se alguém tinha de chegar, chegou. – puxou uma pasta de plástico de cima da bancada. 

Cada um tomou uma atitude (ou não): Ana Carolina encolheu os ombros, Bianca começou a lixar suas unhas e Yara procurou por mim, arqueando uma sobrancelha. Dei de ombros, vendo no que aquilo iria dar. Até que não estava sendo tão ruim quanto eu pensava.

— Vamos iniciar as mediações. – Felipe pegou uma folha de papel de dentro da pasta.

A vice-líder da Nova Era esticou-se em sua cadeira para conseguir me passar um pedaço de papel rosa que continha uma bela letra cursiva:

 

“É um tipo de ranking de coisas boas e ruins. Se forem ruins, o líder precisa tomar uma providência na reunião.”

 

 – O grupo com mais reclamações foi o… Deslocados. – Felipe ganhou um semblante afiado.





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Notas finais do capítulo

Todo dia o Norte se ferrando de um jeito diferente.
Kaíque não é flor que se cheire, literalmente, ashausahu.
Enfim, até semana que vem com o Capítulo 6 (29/05): Saiba o que quer e me responda.

Beijos.
—Creeper.



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