Academia de Poderes Inúteis escrita por Creeper


Capítulo 1
Isso não é a puberdade


Notas iniciais do capítulo

Olá! Aqui se inicia uma nova história, espero que gostem!



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Em alguma cidade do estado de São Paulo, 2018

“Somos diferentes à nossa maneira”.

É isso o que muitos dizem. Mas no meu caso, eu realmente era diferente.

Não lembro ao certo como aconteceu, apenas sei que poucos dias após meu aniversário de quinze anos eu tive uma descoberta no banheiro. E não era do tipo  “puberdade”, estava mais para “eu soltei fogo pela boca ao espirrar”.

Esse episódio repetiu-se até eu estar convicto de que aquilo não era fruto de minha imaginação, até porque as golas chamuscadas de minhas camisetas comprovavam tudo. O mais estranho é que meu corpo adaptou-se a tudo isso naturalmente sem que eu sofresse queimaduras.

Minha mãe e irmã entraram em um estado de perplexidade e a partir daí eu passei a frequentar mais consultórios médicos do que a escola. Segundo as notícias, eu não era o primeiro com esse problema.

— O caso de jovens manifestando habilidades não naturais vem se tornando cada vez mais frequente. Não há nada que explique essas ocorrências, os médicos e cientistas estão em busca da origem e de uma possível cura para esse fenômeno. A única informação que temos é que todos os jovens afetados estão na faixa etária de quinze anos. — a repórter na televisão anunciou.

— Por que não dizem logo que vocês são mutantes? – Stefanie mudou de canal, colocando em um jogo de futebol.

— Stef! – mamãe a repreendeu de dentro da cozinha.

— Eu vou espirrar em você. – ameacei.

— Tenta a sorte, fedelho. – ela provocou.

Na verdade, eu já havia feito aquilo (por acidente) resultando em um novo corte de cabelo para ela e um traseiro dolorido por semanas após os chutes que levei. Sabia que a entrada dela no muay thai foi uma péssima ideia, uma vez que ela já era agressiva por natureza.

Desinteressado no jogo de futebol na sala, voltei para o quarto que dividia com Stefanie, retomando a atenção à minha tarefa de alimentar Nata e Cacau, as duas porquinhas-da-Índia rechonchudas da casa. Escutei um miado manhoso vindo da porta e ao virar a cabeça por cima do ombro, conclui que a gata siamesa também queria ser alimentada.

— Já cuido de você, Cleópatra. – certifiquei-me de que estava tudo certo com o cercadinho das porquinhas. 

Retornei para sala, fechando a porta do quarto ao sair.

— Onde está o Floquinho? – procurei ao redor.

Eu realmente precisava forçar minha visão para encontrar um gato branco no meio de diversos vasos de samambaias, quadros de pinturas sem sentido e tecidos de estampas gritantes jogados em todos os móveis. Uma cauda peluda e branca balançou detrás de um dos vasos suspensos fazendo-me suspirar de alívio. 

Fui interrompido pela figura de baixa estatura que entrou na sala, a princípio silenciosa, mas que logo pigarreou para atrair a mim e Stefanie. 

— Tenho uma surpresa para você na cozinha, Norte. Venha também, Stef. – minha mãe pronunciou sorrindo e suas marcas de expressão se realçaram.

Lancei um olhar curioso para Stefanie que de maneira indiferente deu de ombros e levantou-se do sofá para nos acompanhar.

Assim que pisei na cozinha, a primeira coisa com a qual me deparei foi uma infinidade de balões coloridos e um bolo com decoração brega em cima da mesa. Repassei mentalmente todas as datas comemorativas possíveis, porém, não encontrei nenhuma que desse motivo para aquilo. 

Foi quando notei um envelope discretamente aberto apoiado em um copo, aguardando para ser (re)aberto. Procurei por mamãe vendo como seu sorriso de orelha a orelha e as mãos agitadas tentavam me incentivar a pegá-lo. Coisa boa não era. 

O papel perfeitamente dobrado formava pontas que podiam facilmente cortar os dedos. Puxei a carta para fora dando um fim ao suspense que havia se criado.

Caro cidadão,

É possível que você já tenha descoberto sua habilidade incomum, não se preocupe, nós existimos para ajudá-lo a lidar com essa descoberta.

Nós do R.C.E. (Resolvedores de Casos Específicos) fundamos o projeto Academia de Progresso Ideal, o qual consiste em manter os jovens especiais em um local de estudos, onde poderão dar andamento ao Ensino Médio e sucessivamente regulados, evitando assim possíveis conflitos ou acidentes em nossa cidade.

As aulas começarão em 13/08/2018, tempo o suficiente para terminarmos os preparativos da academia, tornando-a o melhor lugar para nossos futuros alunos estudarem e morarem temporariamente em um sistema de internato.

Para realizar sua matrícula, basta comparecer ao escritório da R.C.E. com documentos de identificação e responder a uma entrevista de controle. Caso haja recusa quanto ao ingresso na Academia de Progresso Ideal, o responsável legal pelo aluno deverá pagar uma multa e enviar uma carta ao escritório como justificativa.

Atenciosamente,

Resolvedores de Casos Específicos.

 

Geralmente não se fazem festas em comemoração a enterros, então por que tinha balões espalhados pela cozinha se aquela carta era a materialização da desgraça? 

Encarei minha mãe, aguardando que dissesse com todo o seu entendimento materno dos meus sentimentos um claro e espontâneo: “é claro que você não vai para essa academia, querido”, contudo, o que recebi foi:

— Isso é demais, não é? Devemos arrumar tudo para sua ida!

— Eu não quero ir. – falei prontamente. De algum modo, havia entrado na defensiva.

— O quê? – mamãe piscou os olhos castanhos, atônita. 

— Eu não quero sair da escola para ser tratado como experimento em um lugar desconhecido. – cruzei os braços e desviei o olhar automaticamente.

Um silêncio pesado se instalou no ambiente, criando uma atmosfera extremamente tensa. Deve ter se passado um minuto até que o peso em meus ombros me obrigasse a deixar de analisar o piso azulado para enfrentar o semblante chateado de mamãe que imediatamente abalou-me. 

— Posso cortar o bolo? – Stefanie pegou uma faca e enfiou-a na camada grossa de glacê branco. 

Eu e minha mãe observamos a garota se servir enquanto um tentava evitar o contato visual do outro. Cada segundo que se passava tornava aquele lugar mais desconfortável.

— Escute, querido... Você não será tratado como experimento, vários jovens que irão para lá serão iguais a você. – mamãe colocou a mão no peito.

Caminhei até a porta que levava ao quintal e apoiei-me no batente ainda de braços cruzados, avistando o terrário do Bergamota. Fingi estar conferindo o estado do jabuti por um breve momento, apenas para tentar fugir um pouco da conversa com mamãe.

— Suponhamos que… Isso seja verdade. Não quero deixar minha rotina para viver outra completamente diferente. – minha voz vacilou ao argumentar. Virei a cabeça por cima do ombro, fitando minha mãe.

Eu não tinha aquilo que chamam de uma vida excepcional, costumava ir a uma escola comum, frequentar lugares comuns e fazer coisas comuns. Mesmo assim, gostava do jeito que as coisas iam e tinha medo de que mudassem.    

— Me desculpe, não pensei no seu lado. – a mulher suspirou pesadamente. – Eu… Vou agora mesmo ligar para o escritório e perguntar qual é o valor da multa. – ela se retirou da cozinha.

Outro momento de silêncio se fez presente antes de minha irmã aumentar o peso em minha consciência.

— Você sabe que a mãe não tem dinheiro, né? – Stefanie perguntou séria. 

Já fazia um tempo desde que mamãe havia sido demitida de seu emprego em uma loja de tecidos e as contas ficaram apertadas. Stefanie ajudava com algum dinheiro que ganhava limpando o salão de beleza da tia Célia aos finais de semana, mas em compensação eu não fazia nada.

— A multa não deve ser tão cara assim. – falei incomodado e voltei para perto da mesa, apesar de não ter vontade nenhuma de comer bolo.

Cinco minutos se passaram e mamãe voltou cabisbaixa, segurando fortemente um lenço entre os dedos delicados. Acompanhando seus passos, nossa idosa “salsicha” Siri presenteava-nos com o som de suas patinhas batendo no piso.

— E então? – indaguei apreensivo.

— É praticamente o valor do que costumava ser o meu salário. – mamãe encolheu os ombros.

— O quê? Não podem cobrar isso só porque eu não quero me matricular! – exclamei indignado.

Mamãe sentou-se pesadamente em uma das cadeiras, apoiando seus cotovelos na mesa e escondendo o rosto entre as mãos. Seu coque desmanchava-se aos poucos, deixando mechas castanhas e grisalhas caírem em sua testa. Siri deitou-se em seus pés parecendo igualmente chateada.

— Eles me explicaram que deixar um adolescente sem conhecimento de como utilizar essas habilidades pode ser prejudicial aos demais. É a medida que adotaram para fazer com que a maioria aceite se matricular nesse projeto. – ela suspirou cansada. – Acho que posso pegar dinheiro na poupança e…

Não. Não. Não. 

Mordi o lábio inferior, aflito ao reparar na tamanha frustração que exalava de minha mãe. Praguejei contra o R.C.E. inúmeras vezes em pensamento, amaldiçoando-os pelo simples fato de existirem.

Vi passar pela minha cabeça todos os momentos em que mamãe sentou-se naquela mesma cadeira para abrir os envelopes de contas e fazer inúmeros cálculos em um caderno para saber o que conseguiria ou não pagar. Mexer no dinheiro da poupança era nossa última opção para tudo.

Não suportaria ver minha mãe passar por mais aperto, por isso anunciei de punhos cerrados: 

— Tudo bem. Eu irei. 

E foi assim que eu entrei para a Academia de Progresso Ideal que mais tarde seria chamada de Academia de Poderes Inúteis. 


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Notas finais do capítulo

E acabamos por aqui, mas nos veremos no próximo capítulo de "Academia de Poderes Inúteis", até mais!
Beijos.
?”Creeper.