Like a Vampire 4: Endgame Volume 2 escrita por NicNight


Capítulo 8
Capítulo 7- Lágrimas traiçoeiras




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Narração Nikki

Com mais um soco, o saco pareceu que ia voar e bater na parede.

Felizmente a corda o prendeu, e ele só balançou.

Alonguei meus braços pra trás antes de desferir mais um soco.

Eu sentia meu cabelo começando a grudar na minha testa pelo suor, e meu corpo claramente estava quente demais considerando o fato de eu estar no meio da fortaleza nevada.

Uma forma de descontar o estresse e aquecer meu corpo? Eu topava.

Dessa vez dei um chute forte no saco, quase hesitando quando eu vi o tecido parecer a beira de um rasgo.

Inspirei, a boca entreaberta.

A verdade é que eu estava muito estressada nos últimos dias. Ainda mais do que eu normalmente estava. Chegava a ser sinistro.

Os últimos meses haviam sido bizarros. A real é que desde que havia chegado na Mansão Sakamaki, não havia tido um dia normal.

Mas isso era outra questão.

Desferi mais um soco.

Ok, precisava ser honesta consigo mesma. A maior parte dessa raiva era descontada nas Hudison. O que eu sabia que não era lá muito justo.

Eu sabia que eu não estava em posição de reclamar sobre como elas me tratavam. Não depois de eu ter não só apoiado o "sumiço" de Daayene, mas também ter defendido as Creedley por isso.

Não que minhas irmãs pudessem se achar muito melhores. Foram submissas a situação por meses, e quando pensaram em reagir já era tarde demais.

Mas agora até nossa família estava desmontando.  Karma existia então, eu acho.

Mais um chute.

A real é que, se fosse eu no lugar das 3, estaria igualmente puta. Talvez até mais. E se conhecia bem minhas irmãs, provavelmente a fortaleza estaria destruída caso fosse com elas.

Pensando assim, as Hudison estavam sendo muito que gentis só indo embora daquele lugar. Parte minha conseguia admirar isso.

A outra estava estressada. Porque ainda acreditava fielmente que Cousie devia saber o que é melhor pra fortaleza. Não só é líder, como está bem preparada pra lidar com crises e guerras, e era rainha.

Alguma parte disso devia servir pra alguma coisa.

Mesmo que tivesse que sacrificar alguma coisa por isso.

—Nikki?- Ouviu uma voz suave a chamar de trás de si.

Disparou mais um soco antes de se virar na direção da porta, dando de cara com Anna Hudison.

A garota estava usando um moletom largo, diferenciando bastante do meu top com uma calça de ginástica.

Ela arregalou de leve os olhos, parecendo um pouco envergonhada.

Quando percebi que íamos completar uns 30 segundos de silêncio desconfortável, acabei por ceder:

—…Precisa de alguma coisa?

Anna piscou algumas vezes, parecendo se lembrar apenas agora que ela que havia me chamado primeiro.

—Er, sim, na verdade.- Anna pigarreou- É só que… eu tenho uma coisa p-pra te mostrar. Pod…poderia vir?

A encarei, questionando por que Anna estava gaguejando tanto de novo.

Achei que já tivéssemos passado dessa fase.

—Só… só se você qu…quiser.- Anna encolheu os braços nas mangas longas.- Cla…claro.

Tive que impedir meus olhos de se arregalarem quando notei que Anna estava gaguejando porque estava com medo.

Olhei pra sua figura levemente encolhida e retraída, as bochechas coradas e os olhos arregalados e distantes.

Ela nem me encarava nos olhos.

—Claro.- Forcei a minha voz pra ser o mais amigável possível. Talvez tenha ficado bem falsa, mas, é, escolhas da vida.- Você quer que eu troque de roupa ou…

Anna deu de ombros.

—Eu vou… te esperar do lado de fora.

Ela nem me deu tempo pra concordar ou retrucar e já estava do lado de fora de novo.

Pra pernas tão pequenas, essa família certamente era muito veloz.

Acabei me trocando totalmente, colocando uma roupa de frio. Eu bem que queria um banho, porém nem sempre temos tempo pro que queremos.

Esse era um caso fajuto dessa regra que eu acabei de inventar.

Encontrei a Hudison mais nova do lado de fora da sala de treino, e não parecia muito impaciente.

Eu podia fazer um trilhão de comentários, mesmo. Podia até repetir tudo que eu já havia falado sobre as Hudison.

Mas naquele momento em específico me toquei de que aquele comentário seria totalmente idiota e ínutil, então mantive tudo pra mim mesma.

Deixei Anna ir mais na minha frente, chegando a reduzir os tamanhos dos meus passos pra ela conseguir ir antes.

Eu a seguia pouco atrás, enquanto andávamos pelos corredores da fortaleza sob os olhares curiosos e sussurros nada discretos dos criados.

Pra ser justa, havia sido assim desde… muito tempo. Não duvidaria nada se Cousie tivesse, sei lá, um mandato falando que as Hudison não eram mais convidadas de honra da patrulha.

Eu ouvi Brunna reclamando pra Sofie sobre isso, e não pensei muito na época.

Estando do lado de Anna quando isso acontecia… trazia uma perspectiva bem desconfortável sobre a situação.

Como alguém que foi obrigada a ser chamada de "irmã da princesa" por anos, eu posso dizer que "irmã da louca" é um nome bem pior.

—Pra onde estamos indo?- Falei mais alto, tentando intimidar uns criados futiqueiros ao lado.

—Você vai ver.- Anna respondeu ainda mais baixo- Por que você tá gritando? Essas paredes tem ouvidos, sabia?

Touché da sua parte, Anna. Acontece que fazer os ouvidos me escutarem é sempre meu objetivo.

Franzi o cenho pra ela quando saímos da fortaleza, encarando uma neve surpreendentemente mais amena.

O clima havia melhorado nos últimos dias.

—Vai piorar.- Anna disse como se lesse meus pensamentos- Brunna diz que neve amena é sinal de inverno bravo.

Não questionei o sentido daquilo.

Fomos caminhando por mais um tempo, até chegarmos na porta de madeira do templo.

Franzi o cenho de novo:

—Eu não sou religiosa.

—…Eu…eu sei.- Anna se assustou- Mas é que… entra. Entra pra você ver, é melhor

Abri a porta, meio hesitante. O pequeno corredor com o altar no meio estava ali, exuberante como sempre.

Olhei pra Anna, como se questionando o que exatamente ela queria que eu visse.

A Hudison negou com a cabeça, e instruiu um corredor que fica detrás do altar.

Segui a garota, e me encontrei em grande confusão quando eu vi minhas irmãs esperando nesse mesmo corredor.

Olhei questionadora pra Anna.

—Finalmente alguém chegou!- Sarah comemorou- Pode me explicar o que caralhas está acontecendo agora, Aninha?

—É. Eu fiquei bem assustada quando a Brunna só chegou me puxando falando que tinha uma coisa pra me mostrar urgentemente.- Sofie completou.

—E aí você chegou em mim fazendo a mesma coisa.- Sarah a lembrou.

—Bem, eu só fui avisada pela Marie berrando no meu ouvido pra eu acordar logo.- Victoria enfiou as mãos nos bolsos.

—São três da tarde.- Lua pareceu confusa.

Eu estava prestes a abrir a boca pra retrucar quando Anna falou:

—Talvez… vocês descubram mais rápido o que é se só entrarem ao invés de ficarem discutindo?

Eu e minhas irmãs nos entreolhamos, e finalmente eu tive a iniciativa de abrir a porta detrás dela de forma mais delicada possível.

A porta rangeu, e o barulho fez eu a mover ainda mais devagar.

O lugar que se exibiu era consideravelmente iluminado, mas cortinas meio grossas cobriam as janelas.

Brunna e Priya estavam paradas, parecendo terminar de organizar algo.

Anna passou na minha frente e pigarreou, chamando a atenção das irmãs.

—O que está acontecendo?- Sofie foi entrando, e todas as outras meninas foram logo depois aos poucos.

O chão estava bem limpo, e alguns arcos pequenos de pedra e vidro estavam espalhados pelo chão, cheios de flores e algumas inscrições.

—É… um presente nosso.- Brunna deu de ombros- Mais ou menos. Achamos que seria meio… de mau tom só sair sem fazer nada.

Observei calmamente as pequenas marcações de pedra polida e vidro no chão. Não era a coisa mais exuberante ou bem feita do mundo, mas as flores davam um certo… ar da graça.

Tive que estreitar meus olhos pra conseguir ler alguns dos nomes.

"Akira Akemi: XXXX- 2021"

—Achei que ficaria meio ruim se colocasse o ano de nascimento oficial dela.- Priya opinou- Faria parecer que foi uma idosa que morreu. E eu não queria isso.

Concordei lentamente com a cabeça. Minhas irmãs iam se espalhando pra ver algumas das outras placas.

"Daayene Hudison: 2002-2021"

Senti como se uma pedra houvesse sido jogada no meu estômago lendo os anos ao lado do nome.

Um ano mais nova que eu.  Poucas semanas mais nova do que Lua.

Lua estava ao meu lado, e eu pude ver ela engolindo em seco. Coçou os olhos por trás do óculos.

Se eu conhecia bem minha irmã, eu diria que ela estava bem… culpada.

—A gente deixou umas pra fazer… caso alguma coisa aconteça.- Anna continuou.

—E vocês são todas bem-vindas na nossa nova casa. Apesar de tudo.- Brunna suspirou- Se precisarem de comida, teto ou… só companhia mesmo.

Sofie deu um pequeno sorriso:

—É… bem bonito. Obrigada.

—Não é só isso.- Priya pigarreou- Marie, eu fiz… uma coisa, pra você.

Marie semicerrou os olhos.

Ela foi levada a um outro canto do cômodo de teto de vidro, e nós nos aproximamos lentamente.

"Bebê Herbert Sakamaki
Filho de Marie e Laito, pra sempre em nossos corações."

Senti mais um pesar no meu coração.

Os olhos de Marie estavam vidrados, meio marejados.

—A gente não sabia… se tinha um nome.- Anna explicou.

—Não. Não tinha.- Marie respondeu- Eu nunca… me preocupei em pensar em um nome.

Victoria abraçou de lado a irmã.

—A gente só queria agradecer por tudo.- Brunna respirou fundo- Mesmo com nosso…péssimo histórico dos últimos meses… A gente não pode ignorar tudo que passamos nos últimos anos, e o quanto vocês nos ajudaram.

Concordamos lentamente com a cabeça.

—Vocês nos ajudaram a nos sentirmos em casa mesmo num mundo mágico.- Anna falou meio baixo- E estranho. E… cheio de gente estranha e esquisita.

Dei uma pequena risada com isso.

—E pra que isso fique bem claro, todas vocês são muito mais do que convidadas pro meu casamento. E eu espero que venham.- Brunna sorriu.- Mas eu não vou ressentir ninguém se não vier. Mesmo.

Marie sorriu de leve.

—Muito obrigada, meninas. Vocês não sabem o quanto… significa pra mim. - Marie estava chorosa.

—Pra todas nós. E pro resto da patrulha.- Sarah completou.- Assim eu espero.

Por alguns segundos de silêncio, tudo parecia bem.

Tudo parecia ter voltado a como era antes.

Uma pena que aquele sentimento não passava de uma mentirinha bem contada.

 

**
—Acho que vou sair.- Coloquei um casaco por cima do meu pijama.


—Pra onde?- Shu me perguntou.

—Ahn… Nenhum lugar em específico. Acho que eu tô meio nervosa, preciso gastar energia.- Retruquei- Ah, não me olha assim. Só porque você é um urso que hiberna depois de comer não significa que todos nós somos iguais.

—Bom ponto.- Shu se afundou na cama- Mas não demora muito e não vai muito longe, já tá tarde. E cheio de neblina.

—Você não precisa se preocupar comigo.- Eu ri.- Se tem uma coisa que eu sei, é cuidar de mim mesma.

—E disso eu não duvido nem um pouco.- Shu murmurou.

Eu dei uma risada baixa e dei um beijo na cabeça dele antes de sair pela porta.

Os corredores estavam bem solitários e escuros, o que não era incomum, mas continuava sendo bizarro.

Coloquei as mãos nos meus bolsos, sentindo um pouco de frio vindo pelas janelas levemente entreabertas.

Realmente, o clima havia piorado nas últimas horas.

Fui passeando de cabeça baixa, um pouco nervosa com toda a situação do escuro e o frio.

Andei por fora da fortaleza, esperando que o ar frio limpasse meu sentimento de mau presságio.

Expirei o ar pela boca, vendo a pequena fumacinha sair dos meus lábios.

Assim que passei pelo pequeno templo, vi a porta entreaberta.

Eu quase dei um passo pra atravessar direto pela porta de madeira, mas um arrepio que percorreu meu corpo todo me paralisou.

Encarei a porta entreaberta umas dez vezes, antes de finalmente decidir entrar pela segunda vez no dia.

Tudo parecia bem normal, as luzes meio apagadas, porém nada de… estranho.

Mas algo não me deixava só ir embora. Meu coração estava batendo forte.

Andei lentamente pelo templo, buscando algo que valia a pena analisar.

Depois de vasculhar todo o pequeno altar, fui andando quase de costas pelo corredor do templo.

Me assustei ao ver a fresta iluminada do memorial.

Quando eu havia saído, estava bem fechado. Claro, alguém mais podia ter vindo prestar suas condolências. Talvez Sol, um dos Mukami ou Laito.

Mesmo assim, a curiosidade falou mais alto que eu.

Andei um pouco mais rápido até chegar na segunda porta, e o abri o mais silenciosamente possível.

Assim que pude observar direito o memorial, senti a minha mão cobrir minha boca pra abafar um grito.

Claro, ele estava normal. Pelo menos uma parte dele.

Mas a pedra que marcava o nome da Daayene…

Falar que estava destruída seria um elogio. Os detalhes de vidro estavam totalmente quebrados, a pedra totalmente lascada e irregular. O nome incrustado já estava basicamente ilegível, coberto por uma tinta vermelha e preta sinistra. As rosas que ficavam ao redor estavam totalmente rasgadas, deixando apenas os caules com poucos espinhos exibidos.

Meus olhos estavam arregalados, eu estava paralisada.

Entrei totalmente no comôdo, prestando atenção que literalmente nenhuma outra parte do memorial estava destruída. Muito menos naquele nível de horror.

Passei os dedos pela pedra de Daayene, sentindo a rispidez do material que hoje mais cedo eu havia visto sendo tão… suave e belo.

Quem seria capaz de tal crueldade? Especialmente com um morto?

Presa nos meus pensamentos, eu só me despertei quando vi a porta batendo atrás de mim.

Me virei totalmente, assustada. E encontrei uma Priya igualmente arrasada.

—O que… o que aconteceu aqui?- Ela carregava um buquê de flores, mas suas mãos começaram a tremer tanto que eu questionei se conseguiria manter essa ação por muito tempo.

—Priya!- Eu basicamente saltei, meu coração a mil- Priya, eu juro que não fui eu. Eu nunca seria capaz de uma coisa dessas. Tá certo que eu não sou a pessoa mais agradável e tals mas eu não sou mesquinha a esse ponto de…

Eu falava tão rápido que mal sobrava tempo pra respirar.

Priya não falou nada. Não deu um passo. Simplesmente estava paralisada, as pernas parecendo gelatinosas.

—Priya.- Eu fui até ela, finalmente- Precisa acreditar em mim.

Priya permaneceu em silêncio. Dessa vez, os mínimos segundos calada foram seguidos por ela desmoronando no chão.

Eu fiquei sem reação por breves segundos, mas o barulho agoniante de seu choro me fez despertar de novo, e eu me agachei do lado dela.

Seu cabelo preto estava jogando pra frente, então eu não conseguia ver seu rosto. Estava de joelhos no chão, com as palmas espalhadas perto do pé e os braços trêmulos.

O buquê já estava caído ao seu lado, e ela parecia estar tentando falar alguma coisa, mas seu tom era tão agudo e seus soluços eram tão rápidos que nada podia ser entendido.

Meio envergonhada, eu fiz o meu máximo de colocar meus braços ao redor do seu tronco.

Claro, eu não gostava muito de abraços. Mas acredito que aquilo era o mínimo.

Priya pareceu surpreendentemente receptiva ao abraço, e apoiou seu rosto no meu ombro enquanto continuava a chorar.

—Er…- Fiquei sem ideia do que falar.- Não sei quem fez isso, mas é uma pessoa bem cruel.

Priya se afastou um pouco, colocando seu cabelo pra trás. Eu finalmente pude ver o rosto molhado, os olhos brilhando de tristeza. Sua boca estava levemente vermelha e inchada pelo choro.

—Quer que eu pegue uma água?- Ofereci.

Ela negou com a cabeça, respirando fundo pra conseguir falar:

—Desculpa…- Ela fungou- Eu só tô… tão cansada.

Dei um tapinha encorajador nas costas dela.

—Todo dia que eu ando pelos corredores dessa fortaleza…- Priya continuou, seus olhos não focando em mim- É um pesadelo. É um lembrete de tudo que eu tinha… e não consegui proteger.

Novas lágrimas voltaram a escorrer pelo rosto.

—Você não sabe como é ir pra cama todo dia e não conseguir dormir. Por trás desse corretivo todo eu tô parecendo uma zumbi.- Priya continuou.- Eu não tenho nada pra mim aqui. Nada. Nada que valha a pena, pelo menos.

Eu estava prestes a retrucar, mas ela continuou.

—Eu não consegui proteger a minha irmãzinha. Eu sei que tecnicamente a culpa não é minha, mas eu não consigo não achar que eu não podia ter feito mais, sabe?- Ela enxugou os olhos- Talvez se eu não tivesse virado mão da rainha e olhasse mais pra ela, eu teria conseguido entender o que estava acontecendo.

—Eu tenho certeza que a Daayene nunca te culpou.

—Talvez não. Ela não era dessas.- Umedeceu seus lábios- Sabe, Nikki, não é todo mundo que tem a chance de ter um pai legal, uma mãe legal ou um tio legal. Minhas irmãs são tudo que eu tenho. A única coisa que eu prometi é que eu ia tirar elas da vida de merda que elas levavam na casa dos meus pais, e olha a porra que isso virou.

Ela chorou mais.

—Não é justo.- Priya negou com a cabeça- Eu preferia que fosse eu que tivesse morrido. Preferia que eu fosse a perseguida, que me mandassem pra um culto ou sei lá o que. Acho que doeria menos.

Eu a observava, suas palavras saindo tão genuinamente e cheias de tristeza que eu não tinha coragem de interromper.

—Como alguém consegue ser tão cruel ao ponto de não deixar eu ter uma última lembrança da minha irmã. Eu nem sou religiosa, mas eu queria só um lugar de paz pra eu poder pedir pra ela estar no céu ou o que for que exista nesse sentido. Eu só queria um lugar onde as pessoas não falassem comigo.

Ela voltou a soluçar.

—Podemos tentar achar quem fez isso. Você mostrou pra mais alguém?

Ela negou com a cabeça.

—Mas tenho quase certeza que boa parte dessa fortaleza sabe. Não tem como guardar um segredo por muito tempo se você é observada o tempo todo.

Dei um tempo pra ela respirar fundo.

—Sabe, de vez em quando eu vou no quarto dela e abro os armários. Só pra eu sentir o perfume doce e enjoativo dela de novo.- Priya deu uma risada fraca.- Eu sei que é bobo, mas de vez em quando eu fecho os olhos e parece que eu consigo ouvir a risada dela.

—Não é bobo.- Eu consolei.- Eu era bem nova quando a minha mãe morreu, mas eu me lembro das outraz meninas. A Vic e a Marie dormiram no quarto dela por dias. A Sarah e a Sofie gostavam de usar uns casacos dela. Eu e a Lua… não tinha nada pra gente, mas eu senti um vazio enorme dentro de mim.

Priya me encarou, o nariz vermelho.

—Eu não sei o que seria de mim se eu perdesse a Lua.- Admiti.

Bem, se era o momento confissão, que fosse de verdade, pelo menos.

Nós duas ficamos em silêncio por pouquíssimo tempo antes da porta ser basicamente arrombada (de novo)

—Oy, quando eu falo pra não me deixar falando sozinho…

Yuma parou na frente da porta, finalmente encarando eu e Priya sentadas no chão.

A Hudison abaixou o rosto rapidamente, limpando os olhos com as costas da mão.

Yuma cerrou os olhos, olhando pra mim de forma questionadora.

Eu apontei pro memorial de Daayene com a cabeça.

A expressão de Yuma foi de confusão a raiva em um segundo:

—MAS QUE PORRA É ESSA? QUEM FEZ ESSA DESGRAÇA?

—Yuma…- Priya tentou chamar.

—NIKKI, VOCÊ SABE ALGUMA COISA SOBRE ISSO?

Neguei com a cabeça, levemente nervosa pelo claro estresse do Mukami.

—Yuma, gritar não vai ajudar em nada.- A voz de Priya era consideravelmente mais baixa agora, comparada a de Yuma.

O rapaz respirou fundo, claramente no limite da raiva:

—Tem razão. Vou convocar geral pra uma reunião.

—Quê?!- Eu e Priya falamos ao mesmo tempo.

—Você surtou? Isso só vai piorar a situação!- A Hudison prosseguiu.

—Eu só sei que essa treta durou tempo demais já, e acabou de ultrapassar todos os limites!- Yuma brigou- A gente já vai embora, se não resolvermos isso agora, quando vamos resolver?

—Por íncrivel que pareça, dessa vez eu concordo com você.- Suspirei profundamente.

Demorei menos de dois segundos pra notar que em nenhum momento ele havia falado comigo.

—A Daayene salvou minha vida.- Yuma estava falando encarando diretamente a menina ao meu lado- Foi a um tempão atrás e eu nem me lembro direito, mas eu sei que rolou. E essa patrulha já tá beirando à loucura com essa canalhice!

Priya o observava, ainda meio cabisbaixa. O fato dele dele estar em pé e ela sentada destacava mais ainda a diferença de altura.

Então é assim o sentimenti de sobrar. Íncrivel.

—Bom saber que estamos quites por aqui.- Finalmente Yuma se virou pra mim.- Nikki.

Finalmente iam me valorizar!

—Já que você tem uma voz bem escandalosa e alta, tem como me ajudar a chamar todo mundo?- Yuma alongou os braços.

Eu revirei os olhos. Talvez tivesse comemorado cedo demais.

Mas a minha voz tinha realmente um potencial acústico maravilhoso, então apenas um berro do lado de fora da fortaleza foi o suficiente pra mim.

Yuma entrou e fez questão de gritar na porta de cada um deles. Indelicado? Com certeza. Porém nada surpreendente vindo do Mukami.

—Ok, alguém pode me falar por que estamos de novo nessa sala?- Victoria se jogou no sofá- Eu juro, não tivemos uma conversa legal sequer aqui. Em algum momento eu vou ter estresse pós traumático.

Bem, ela não estava exatamente errada, mas Marie deve ter notado que algo sério rolou, porque fez um sinal de silêncio pra nossa irmã.

A sala parecia cada vez mais pequena pro tamanho do nosso grupo. Victoria estava sentada ao lado de Marie, que estava ao lado de Laito.

No braço da cadeira, Lua parecia bem acomodada, com Subaru logo atrás do sofá, em pé. Sofie, Sarah, Ayato e Kanato estavam aos pés deles, sentados no chão.

Shu havia tido a pachorra de pegar uma cadeira lá da sala de jantar só pra ter onde sentar. Reijii estava parado e reto, as mãos pra trás do corpo em pé.

O outro sofá estava sendo dividido por Ruki, Brunna, Anna e Azusa. Kou estava sentado no braço, mas depois de Yuma quase o derrubar dali, ele resolveu que seria melhor ficar em pé mesmo.

As duas poltronas da sala já estavam ocupadas também. Em uma, Kino estava sentado (bem distraído num celular que sabe-lá como ele conseguiu) e Mun no braço da poltrona. Claro, porque ele pediu. Duvido que ela sentaria do seu lado por vontade própria.

A segunda foi ocupada quando Eliza chegou. Apesar de ter claramente melhorado durante os últimos dias, ela parecia ainda mais estressada do que de costume. 

Mas pelo menos não me lembrava de quando ela havia desmaiado ou tossido sangue de novo.

Shin ficou bem atrás dela, apoiando os dedos nos ombros da noiva.

Haruka ficou em pé, apoiada numa parede com um dos pés. Estava entre Kino e Eliza, mas não parecia estar afim de ter qualquer tipo de conversa.

Yui, Mao, Jackson e Sol chegaram, se sentando no lugar habitual também conhecido como "em cima da bancada". Eles estavam sussurrando entre si. Era algo bem habitual entre eles, já que 90% da patrulha costumava os ignorar a essa altura do campeonato.

—Cadê a Cousie e o Carla?- Reijii perguntou, quando havia completado alguns minutos que eu, Yuma e Priya convocamos a reunião.

Dei de ombros. 

Meio que num impulso, todo mundo se virou pra encarar Eliza, Haruka e Shin.

—Eu não saberia.- Eliza deu um sorriso forçado- Como acontece com muita coisa nessa patrulha.

—Eliza.- Haruka a chamou entredentes.

Quando as duas irmãs se entreolharam, Haruka fez um sinal de silêncio.

Eliza de forma discreta revirou os olhos.

Todas as minhas irmãs se entreolharam, rapidamente se questionando o que diabos havia acontecido.

—Bem, espero que não demorem muito.- Priya pigarreou.

Ficamos um tempo meio em silêncio esperando.

Os barulhos de respirações profundas, algunas tossidas e de vez em quando sussurros eram as únicas coisas ouvidas.

Um tempo depois ouvimos alguns passos, e finalmente Carla e Cousie apareceram nas escadas.

Um olhar bastou pra expulsarem Kino e Mun de uma das poltronas.

Mun se sentou sozinha numa das bancadas, deixando Kino confuso por alguns segundos.

Cousie se sentou na cadeira que era dos Sakamaki. Eliza bufou antes de sair da poltrona para Carla se sentar.

Kino ficou apoiado na bancada ao lado da irmã. Eliza ficou em pé, ainda ao lado do noivo.

—Qual o motivo da reunião?- Cousie perguntou.

Nós 3 nos entreolhamos. Priya respirou fundo antes de começar a falar:

—É o seguinte. Todo mundo daqui já sabe que eu, as minhas irmãs e os Mukami estamos com planos de ir embora. Isso não é novidade pra ninguém.

Todos concordaram brevemente com a cabeça.

—Não sei quem daqui sabe, mas nós quatro fizemos um memorial lá dentro do templo.- Ela continuou- Uma coisa simples, só pra gente poder, sabe, ficar de luto em paz. Não era nada demais, mesmo.

Vi minhas irmãs e as Hudison concordarem suavemente com a cabeça de novo.

—Quando eu fui visitar o memorial da minha irmã de novo essa noite… ele estava destruído.- Priya estava claramente tensa.

Dessa vez os olhares de todos se arregalaram.

—Você sabe quem fez isso?- Brunna pareceu automaticamente nervosa.

—Não. Por isso chamei vocês todos.- Priya cruzou os braços.

—Tinha alguém lá quando você foi?- Kino perguntou.

—Só a Nikki.- Priya respondeu.

—Só eu.- Falei ao mesmo tempo, seguida de olhares questionadores- A porta tava aberta, senti um mau presságio e eu entrei.

—Não foi a Nikki, antes que alguém pense em apontar o dedo.- Priya respirou fundo- Eu tenho certeza absoluta disso.

—Olha, eu acredito totalmente no seu julgamento, Pripri.- Kou se intrometeu- Mas a Nikki era uma das mais ferroeiras contra a Neko-chan.

—O que?- Shu semicerrou os olhos- O que isso tem a ver?

—Sei lá, talvez o fato de que a sua noiva foi uma das que mais tratou mal a Daay? E a família dela?- Kou questionou- E vocês também, Sakamaki.

—Tá vendo?- Ayato brigou- Você abre a maldita boca e sobra pra todo mundo.

—Gente, será que dá pra gente parar de apontar o dedo?- Sarah brigou- Lembram de como isso deu super certo da primeira vez?

—Realmente.- Sofie concordou- Vocês não acham que ficar acusando e acusando ao invés de só pensar racionalmente sobre a situação não só deixa as coisas piores?

—É muito díficil fazer isso quando tudo nessa patrulha se tornou tão pessoal.- Haruka revirou os olhos.

—Eu concordo com a Herbert. Analisar a situação racionalmente é a melhor saída.- Carla concordou.

Cousie mal disfarçou a encarada que deu no marido.

—Então, se a gente for pensar racionalmente, a lógica aponta pras Creedley.- Ruki pensou baixo.

—Finalmente uma coisa na qual concordamos!- Ayato pareceu até animado.

—Quem diria, você animado por concordar com o Ruki.- Laito zombou.

—Pra ter uma noção do nível que estamos.- Ayato murmurou.

—Oi?- Haruka estava abismada.

—Eu não acredito que essa discussão realmente virou pra gente. - Cousie ajeitou a postura. - Vocês são malucos.

—Ah, sei lá. Foi você que sugeriu mandar a Diana pra longe.- Subaru respondeu.

—E você estava com bastante raiva sobre a Daayene "roubar" o homem da sua irmã.- Kanato respondeu.

—Por favor.- Cousie estava bem indignada- Não tentem me culpar por uma coisa que todos vocês tinham total consciência que estava acontecendo. Quanto ao Marko, apesar de eu não entender o mau gosto do príncipe, devem saber que não é minha culpa eu me sentir frustrada por um plano falho.

—Não teria sido nem um "plano" se você ouvisse mais as outras pessoas, irmã.- Eliza retrucou.

Ficamos num breve silêncio.

Cousie respirou fundo, não respondendo ela.

—Ah, desculpa, acho que errei o vocativo. Vossa Majestade.- Mais um sorriso forçado.

—Eliza.- Shin pegou a noiva pela mão.

—Eu tô falando algo de errado?- Eliza questionou- Cousie, você tem que admitir que eles tem um ponto! Você sempre foi a que mais destratou a garota!

—Eu fiz o que eu precisava fazer pra manter todos vocês seguros.- Cousie respondeu.

—E olha onde isso nos trouxe!- Eliza agora se virava pra todos nós- Quantos inocentes vão ter que morrer pra vocês perceberem que estamos indo pelo caminho errado nessa guerra? Será que só vão se tocar disso quando o KarlHeinz cortar a cabeça de 90% das pessoas que estão aqui?

Ficamos todos paralisados.

—Sério, não é possível que eu seja a única que pense isso!- Eliza estava com os olhos meio marejados- Algum de vocês sabe quantas pessoas morrem por dia no meu reino? E talvez em todos os outros 3? Porque eu via quando eu era pequena, e não era bonito.

—Por favor, não faça isso ser sobre uma coisa que não é.

—Não, mas é sobre isso! Porque se a gente quer vencer uma guerra e governar quantos reinos ainda sobrarem até lá, a gente precisa pensar no resto dos fatores!- Eliza brigou- O governo não pode depender das nossas relações e desejos egoístas! Estamos aqui brigando sobre uma vida tirada que teria sido salva se a gente soubesse sentar e conversar diplomaticamente! Qual o problema de vocês?

Percebi as pequenas mudanças de expressão de todos. Marie tinha os olhos meio brilhosos, acompanhando a princesa demônia.

—Desculpa te interromper, Lizzie. Lindo discurso, inclusive. Bélissimo. Quase chorei.- Kino pigarreou- E eu só queria falar que ela está totalmente certa. A gente precisa parar de nos guiarmos pelas nossas birras e raivinhas pra acharmos uma solução. Um memorial foi vandalizado, precisamos achar o culpado.

—Eu não quero voltar ás origens, mas como é que ninguém questionou a pessoa mais óbvia até agora?- Victoria questionou.

Ela se virou até Yui, que ficou levemente ruborizada e os olhos arregalados.

—A...ah, quer falar comigo?

—Ah, não sei? Você precisa de pagamento pra isso?- Victoria brigou.

—Olha, eu sei que foi errado. E sei que machucou alguns de vocês.- Yui se levantou- Mas vocês estão descontando em todo o resto do pessoal e isso não é justo. Precisamos um dos outros pra batalha!

—Ok, você não "precisa" de mim.- Victoria respondeu- Eu podia ir embora agora mesmo que não faz diferença. A Sofie é mais inteligente que eu, a Nikki luta mais do que eu e a Marie comanda melhor que eu. Você não precisa de mim e eu não preciso de você.

—Agora você está praticando auto piedade?- Yui estava fraca- A gente não compete um contra os outros aqui, somos um time! Pelo menos foi isso que eu achei. Antes!

—Por que então?!- Victoria brigou.

Yui congelou:

—Por que o que?

—Eu preciso saber o porquê, Yui!- Victoria brigou- Você diz que somos um time, mas aí pode mentir pra mim e mexer com a minha sanidade? Eu preciso de algum tipo de explicação se eu vou continuar ficando debaixo do mesmo teto que você!

Yui abriu a boca várias vezes.

Nenhum som saiu.

—Yui, responde a Victoria.- Reijii basicamente comandou.

—Eu acho lindo como ela consegue retrucar, mas assim que é questionada sobre o porquê congela. Sempre.- Haruka reclamou.

—Vocês estão apavorando a garota!- Anna tentou proteger.

—Ela mentiu primeiro, acho que é compreensível.- Shu retrucou.

Todos começaram a falar meio por cima um do outro, com milhões de acusações e questionamentos diferentes.

Anna e Azusa eram basicamente os únicos silenciosos do grupo, e eles se entreolhavam como se pudessem combinar a rota de fuga mais rápida telepaticamente.

Lua e Subaru também estavam calados, parendo bem que estressados.

—Por que você fez isso, Yui?- A voz de Victoria se sobressaia- Me responde! Talvez se não tivesse feito isso, Daayene ainda estaria aqui! E até a Akira!

—Porque eu queria agradar meu pai!

O quarto todo entrou em silêncio.

Especialmente porque quem gritou não fora Yui.

—...Como é que é?- Victoria semicerrou os olhos, se aproximando da bancada.

Ela apoiou suas mãos nas beiradas, basicamente cercando Sol.

Os meus olhos se encontram com os de Lua, e ela parecia tão abismada quanto eu.

—Eu sou a traidora. A impostora. Seja lá como quiserem me chamar.- Sol engoliu em seco- Yui, eu te amo, mas você não precisa cobrir por mim mais.

Yui abaixou a cabeça, engolindo em seco. Jackson colocou uma mão no ombro da namorada.

—Você provavelmente vai me socar na cara depois disso, mas eu fiz o que eu precisei fazer pra sobreviver.- Os olhos dourados de Sol se encheram de lágrimas- Foi ideia do meu pai me colocar na Ryoutei quando ele soube do seu noivado com o Reijii. 

A tensão do quarto estava tão grande que podia ser cortada com uma faca.

—Mas as conexões, as piadas, o nosso eclipse... foi tudo real.- Sol engoliu em seco, finalmente descendo da bancada- Eu sinto muito por mentir. Eu não queria te machucar... eu não quero perder o que eu ganhei com todos aqui.

Victoria soltou uma arfada de ar.

—Espera aí, vocês sabiam?- Sarah apontou pros 2 que estavam sentados ao lado dela.- Irmão?

—A Yui me contou quando a Sol contou pra ela.- Jackson respondeu- Sabe, gente, isso pode ser chocante pra vocês, mas fora da nossa bolha realmente tem um mundo bem cruel onde as pessoas tem que fazer coisas absurdas pra sobreviver.

—O que aconteceu pra você ter que fazer isso?- Cousie brigou- Nada no mundo justifica uma traição dessas.

—...Eu não vou nem tentar medir a hipocrisia dessa fala- Priya murmurou.

—Por que vocês acham que meu pai me arrancou do armário pro reino todo 2 anos atrás?- Sol questionou- Eu saí de casa, e ele sabe que eu nunca vou ser totalmente feliz sendo eu mesma. Não aqui, pelo menos. Mas ele escondia quem eu era. Assim ninguém me atacava na rua.

—Você me namorou sendo amigo de alguém que vendia informações sobre a patrulha?- Haruka virou pra Mao.

—...Eu não sabia que eu precisava da sua permissão pras minhas amizades?- Mao pareceu confuso- E não que isso faça diferemça, mas ela já tinha parado quando eu saí com você pela primeira vez.

—Mano, o pau comendo e você perguntando ele de namoro, Haruka?- Shin questionou- Eu esperava mais de você...

Victoria soltou um suspiro longo e tão alto que todos calaram a boca.

Ela se virou pra Sol.

—Nós não temos nada de amizade- Victoria vociferou- E eu não vou te socar no rosto. Mas eu não quero falar com você mais na minha vida. Nem vocês dois. O Jackson eu só deixo porque meu pai me ensinou que família a gente nunca abandona.

—Victoria.- Sol fraquejou.- Eu só queria me manter viva. Você sabe mais do que ninguém aqui como é isso.

—Eu já te falei, você não é minha amiga. Se quiser, discuta com suas bffs o que vai fazer da sua vida.

Ela apontou pra mim e pra Lua.

—Eu tô fora daqui.- Victoria parecia claramente chateada- Todo mundo sabe o que aconteceu da última vez que tivemos essa conversa. Eu vou fazer a minha parte e ir embora antes que eu machuque mais alguém.

Victoria subiu as escadarias, nos deixando olhando pra ela.

Ficamos nos encarando, vendo se alguém ia ter coragem de ir atrás dela.

—Deixem-na.- Reijii aconselhou- Ela precisa de alguns minutos pra descontar sua raiva sozinha antes de alguém consolar.

Sol foi embora chorando na direção oposta. Mao, Yui e Jackson foram logo atrás dela.

—Bem...- Brunna se levantou- Olha, eu sinto muito ter que sair assim, mas eu meio que organizei meu cronograma certinho pra eu poder organizar todas as caixas e malas hoje...

Brunna estava nervosa:

—Mas se precisarem de um consolo, ou só um ouvido amigo... Minha porta sempre fica destrancada.

—Malas?- Kino questionou.

—É. Pro novo lote.- Anna concordou.

—Mas já?- Subaru ficou confuso.

—Bem, eu achei um desconto num lote não muito longe do reino humano nem daqui...- Ruki deu de ombros- E como são muitas coisas, já queremos levar a partir de amanhã.

Olhei de forma confusa pra Priya, que não notou e soltou um suspiro cansado:

—Vocês deviam ir descansar também. Foi um longo, longo dia.

 

//


Daayene não sabia direito onde estava.

Faziam meses que havia sobrevoado aquela região pela última vez, e se não bastasse isso, estava apressada.

A mensagem que havia ouvido alguns dias atrás a havia preocupado. Bastante. Precisava voltar para a fortaleza e avisar todos.

Claro, não estava muito animada com a parte que íncluia ela reencontrar geral. Só Deus sabia o que aconteceria assim que chegasse lá.

Mas isso não importava. Algo maior estava incluído nisso, maior que seus medos: a vida de muitas pessoas.

E podia até não gostar de algumas pessoas, mas não significava que gostaria que elas morressem.

Estremeceu com a grossa camada de neblina fria que a envolvia.

Era basicamente isso que a deixava saber que estava indo no caminho certo, mas estava ficando basicamente insuportável tentar abrir os olhos naquela situação.

E estava exausta. E com fome.

Pensando bem, nem se lembrava da última vez que havia comido. Ou parado pra descansar.

E pensando mais ainda, nem sabia a quantos dias exatamente estava viajando.

Sabendo que não podia ultrapassar muito seus limites, ela desceu dos céus aos poucos, só sentindo uma paz imediata quando sentiu os pés cobertos na neve.

Colocou o capuz sob os fios, numa tentativa meio falha de esquentar as orelhas.

Bem, comida não tinha, então seria melhor ela ir andando mesmo. Pelo menos assim não gastaria mais energia do que necessário.

Só não podia cogitar a ideia de parar.

Apertando mais a capa contra si, começou a andar o mais rápido que conseguia.

Deve ter andado por uns 15 minutos, antes de ouvir um barulho.

Uma espécie de assobio. Parecia algo de um passáro.

Daayene olhou ao redor, buscando a fonte do barulho.

Estava já com as mãos erguidas, totalmente preparada pra atacar se for necessário.

Daayene se concentrou, acabando por ouvir barulhos de passos de longe.

Se escondeu atrás de uma grande árvore larga e escura, a palma sob a boca para não emitir muito barulho.

Os passos iam se aproximando, cada vez parecendo mais pesados, barulhentos e… em grupo.

—Nada aqui, vice.- Uma voz de rapaz jovem ressoou atrás de Daayene.

—Engraçado, eu tinha quase certeza que vi uma aura mágica vindo daqui.- Uma voz masculina um pouco mais madura respondeu.

—Não acha que estariam tão perto da fortaleza, acha?- Uma terceira voz surgiu.

—Nunca se sabe.- A voz madura voltou a responder.- Vamos, temos que nos reunir com a segunda tropa e avançarmos na busca.

Daayene tomou bastante cuidado pra não se mover nem um mílimetro, esperando ansiosamente que eles fossem embora.

—Não vamos nem procurar nos arredores daqui, senhor?- A primeira voz voltou a falar.

—…Bem, não sei. Podem fazer o que quiserem. Vou procurar a outra tropa. Não se esqueçam de voltar a nossa fronte de abrigo pra prosseguimos na busca. - A voz do homem mais velho repetiu- É importante não tomarmos muitas decisões imprudentes. Caso algo aconteça, lutem e soem o apito do socorro. Entendido?

—Entendido.- Vários rapazes falaram de forma nada conjunta.

—Ótimo.- Daayene não pode escutar muito o que o homem falou antes de ouvir passos se retirando do local.

Olhou por trás do ombro, podendo ver a armadura deixando pegadas profundas na neve.

—Vocês ouviram o vice.- Um dos rapazes falou- Rodando, procurando!

Alguns meninos pareceram reclamar, antes de mais passos forem ouvidos.

Daayene cerrou os olhos, esperando que nenhum dos homens ousasse se aproximar dela.

—Não acredito que ficamos responsáveis por isso.- Um dos rapazes murmurou.

—Não seja ingrato, é uma honra termos uma missão dessas logo de cara.- Outro respondeu baixo.

—Quando minha mãe me obrigou a me alistar, eu esperava ficar defendendo barreiras, não ficar andando na neve buscando pessoas.

—É uma honra sermos dados esse tipo de missão.- Outro respondeu.

Pelos passos, Daayene fez as contas que haviam pelo menos cinco pessoas ali. Provavelmente os outros estavam começando a se separar para a busca.

Os meninos pareciam estar murmurando entre si, conversando bem mais do que procurando.

Os olhos de Daayene vagaram pela pequena floresta, buscando uma rota de fuga.

///

—Olha o que temos aqui!- Um dos rapazes gritou, bem alto. Claramente queria ser ouvido.

Ele apontou sua espada para Daayene, que deu um passo pra trás.

—Você vem com a gente.- Ele alertou, muito mais num tom de comando do que de pedido.

—Não vou, não!- Daayene respondeu, mas respirou fundo- Pode por favor abaixar a espada? Eu não quero te machucar.

—Desculpa, garotinha, regras são regras.- Um dos guardas também levantou sua espada até mim, enquanto outro corria até um canto, parecendo pegar outro.

—Vocês não estão entendendo!- Daayene apelou- Por favor, me deixem ir. Eu quero ajudar!

—Pode ajudar quando chegarmos na fortaleza, bruxa.- Um zombou. Daayene sentiu seus olhos revirarem até o fundo da cabeça.

—Isso é, se você sobreviver pra poder fazer isso.- Uma espada encostou na sua garganta- Sinto que sua cabeça será cortada fora por ser uma traidora.

—Minhas irmãs nunca deixariam eu morrer.- Ela retrucou, de forma impulsiva.

—Suas irmãs não estão mais aqui pra te defender.- A espada fez um pequeno corte, e Daayene sentiu uma gota de sangue escorrer pela garganta.- Agora calada, ou eu vou ser obrigado a fazer algo que eu não quero.

Daayene estava pronta pra retrucar, mas parou quando um grito de dor saiu de sua garganta.

Um metal gelado encontrou sua pele, em diversos pontos do corpo. Parecia queimar.

Abriu os olhos fechados lentamente, seu corpo indo de encontro ao chão. Estava presa numa rede de metal preta.

Tentou afastar o metal do seu rosto, apenas pra sentir uma dor excruciante nos dedos.

—Ótimo achado, Derek!- Um soldado se impressionou.

Daayene não teve forças pra perguntar o que era aquilo, muito menos quem era Derek.

—É um metal mágico.- Um dos guardas que ela não sabia o nome parecia ler sua mente- Feito pra bruxas que nem você.

—A minha magia não é regrada por suas criações idiotas.- Respondeu de forma brusca.- Achar isso só prova quão pouco conhecimento tem sobre os profetas.

—Eles prevêem o futuro, tem visões perigosas e estão em guerra com a Patrulha.- Derek respondeu- O que mais precisamos saber?

—Estão cometendo um…- Daayene engoliu um gemido de dor- Grave erro.

Bem, ela não pode retrucar muito quando um dos guardas a pegou nos braços. Ela se debateu contra ele, mas o metal parecia se apertar mais contra sua pele.

—Quanto mais você lutar, mais vai piorar sua situação.

—Vocês vão fazer o que? Me matar?

—Talvez, se você for muito irritante. Rapazes, chamem o resto dos soldados.

Os outros dois meninos (Um deles sendo o tal Derek) fizeram uma continência e correram pra duas direções diferentes.

Daayene encarou feio o soldado que restou, mas sua boca estava tremendo demais pra falar qualquer coisa.

—Uma menina tão bonita não devia estar tão carrancuda.

—Eu não vou sorrir pro meu sequestrador.

—Engraçado, pelas lendas, não seria a primeira vez que você fez isso.- Ele sorriu de forma levemente debochada- Todo mundo te conhece. A bruxa humana. A bomba relógio. Namorada dos Mukami. 

—Eu não sou uma bomba relógio!- Retrucou, custando falar sem hesitar- Nem nenhuma das outras coisas!

—Se você não fosse, acredito que estaria dentro daquela fortaleza com seus "amigos" e família. Não aqui, correto?

Daayene abriu a boca mas desistiu. Estava tremendo de dor.

—As lendas são mentirosas.- Ela resolveu falar depois de um tempo- E filhas da puta.

Sentiu o metal praticamente colar na sua pele depois do palavrão, gritando de dor.

—Eu te falei, não lute contra a magia.

Daayene tremeu, sentindo seu corpo ficar fraco e gelado.

Mais passos se aproximavam.

—Acharam a prisioneira?- Um rapaz de ombros largos correu até lá, subindo na plataforma onde Daayene estava sem cuidado nenhum.

—Quem decide se ela é prisioneira ou não é a rainha.- O rapaz que estava com ela respondeu- Cadê o vice e o capitão?

—Ainda trabalhando ou sei lá.- O menino que estava praticamente pisando nela a observou- Ah, é ela mesmo! Olha esse rosto!

—Meu deus, Bryan, cala a merda da boca.- Derek xingou.

—Ninguém me manda calar a boca! Estou observando a mercadoria!- Bryan encarou Daayene de novo- Devíamos pedir uma grana a mais no salário por termos capturado uma bruxa!

—Se você falar assim com a Cousie, não vai ganhar salário nenhum.

Bryan se agachou ao lado de Daayene, enfiando os dedos grossos nos buracos da rede e segurando seu queixo.

—É bem bonita, até. Sabe, se ignorar o cabelo e os olhos.- Bryan opinou.

—Então… o corpo dela?- O menino de antes retrucou- Quer saber? Não me responda, não quero saber. Agora senta e espera calado o vice e o capitão chegarem?

—Ah, qual é, Liam, eu só estou tentando amenizar o clima.- Bryan reclamou- É uma menina linda, eu amaria fazer ela se divertir em algum momento. Mas não se exiba muito, seria só se ela não fosse… sabe, uma bruxa.

—Eu não sou uma bruxa.- Daayene respirou fundo.

—Bryan. Calado.- Derek pediu.

—Ela sabe falar!- Bryan sorriu- Que voz adorável, bruxinha. O que mais você sabe falar?

—Que tal um "vai se fuder"?- Daayene brigou, pronta pra se levantar, mas o metal pareceu fincar na sua pele.

Alguns soldados riram de Bryan.

—Por favor, você não está em posição pra falar assim comigo. Toda vez que você resiste, esse metal te sufoca mais.

—Eu estou disposta a arriscar.- Daayene brigou, se sentindo aos poucos ficar sem fôlego.

—Bryan, para de irritar a garota.- Liam repreendeu.

—Ownt, acho que o Liam se apaixonou pela bruxinha.- Bryan zombou- Vai fazer o que, Lili? Vai me matar se eu pegar essa mulher pra mim?

—Eu não preciso te matar, temos superiores pra isso.

—E se eu pegar ela bem aqui na sua frente?- Bryan se levantou- Ia morrer de ciúmes?

—Você é infantil.

—Aposto que a bruxinha ia amar!- Bryan riu- Pelo que eu ouvi das lendas, ela está mais do que acostumada a ser agarrada por um homem…

Daayene fechou os olhos, sentindo uma raiva tomar conta do seu corpo.

—Pensando dessa forma, devíamos todos ter nosso turno com ela! Não vai ser tão bom quando ela estiver sem cabeça!

Respirou fundo. A fúria fazia o metal fincar ainda mais na sua pele, queimando onde encostava. 

—Cala a boca, Bryan!- Derek brigou.

—É, cara, não é seu lugar falar esse tipo de coisa.- Liam brigou.

Era só… respirar fundo…

Brian não pareceu satisfeito, então Daayene só sentiu duas mãos bruscas tirando seu capuz com força, o rasgando de seu corpo.

A dor parecia insuportável. Daayene queria gritar.

Uns 3 soldados pareceram comemorar

Daay sentiu seus olhos se umedeceram mesmo com eles fechados.

—Viu? Eu não preciso de um lugar!- Bryan riu.- O que foi, bruxinha? Não gostou? Por que está de olhos fechados?

Daayene se perguntou se valeria a pena responder a pergunta.

Sentiu a mão de Bryan eu seu rosto, e seu peito desceu com vontade de chorar.

—Você tá machucando a prisioneira, idiota.- Liam soava muito irritado.

—Mas eu não fiz nada demais!

Daayene respirou fundo, tentando contar até três. Seu coração estava disparado. 

O metal pareceu se colar mais ainda na sua pele, e dessa vez ela começou a ter dificuldades pra respirar.

—Olha a cara da garota, cai fora!- Um dos soldados brigou, o som já muito distante na cabeça de Daayene.

O grito que saiu da sua garganta foi agudo demais, e sua própria mente pareceu mutá-lo de tão alto.

As correntes se romperam numa onda vermelha, e Daayene se viu finalmente solta.

Quando sua mente saiu daquela neblina torta que estava, ela foi distraída pelo barulho de vários gritos masculinos cheios de agonia.

Olhando pra baixo do carregador que estava, os olhos vermelhos da Hudison ficaram o mais arregalados possíveis.

Todos os guardas estavam caídos no chão, se debatendo em espasmos contra a neve leve, alguns até salivando e de olhos arregalados, totalmente fora de controle.

Um dos guardas a encarou, em poucos segundos do que parecia ser consciência.

Daayene recuou de leve, encarando as próprias mãos, tentando dobrar os dedos numa tentativa mínima de tentar fazer algo.

Sua respiração ficou mais rápida, o peito subindo e descendo de forma ágil demais.

Ela desceu do carregador, ouvindo os últimos suspiros de alguns soldados.

Desviando dos corpos ainda espamando, Daayene foi até a outra ponta da trilha de corpos e parou na do rapaz que havia a ajudado.

Ou pelo menos tentado, dada a situação.

Com o pé coberto, ela virou a cabeça do rapaz, deixando o pescoço exposto.

Daayene sentiu sua respiração parar por poucos segundos quando viu uma marca de queimadura vermelha profundamente incrustada no pescoço do rapaz, junto com uma espécie de fita vermelha mágica que estava grudada no meio.

Sua magia, no caso.

Se agachou ao lado do rapaz, analisando sua armadura.

Estava caído de barriga pra baixo, o que pelo menos devia ter sido uma queda menos dolorosa.

Os olhos de Daayene encontraram alguma coisa brilhante ao lado dele, caída.

Estendeu a mão até seus pequenos dedos encostarem. Era um metal gélido.

Puxando pra si mesma, pode ver que era uma espécie de broche. O virou para poder ver o símbolo, e foi assim que seu coração parou.

Viu as cores escuras conhecidas. E o lobo no meio.

O símbolo da família Herbert.

Sentindo o desespero subir pelo seu corpo, ela olhou para os lados. Abriu a boca, pois respirar normalmente já parecia impossível.

Fechou os olhos, tentando ignorar que queria chorar.

Ouviu duas vozes masculinas conversando na distância, junto com passos, e seu corpo todo fraquejou.

Rapidamente, se levantou, ignorando suas pernas tremendo. Deu uma última olhada pra seu corpo com queimaduras leves e as roupas meio rasgadas.

Bem, teria que funcionar.

Se concentrou o suficiente pra convocar o mínimo de magia vermelha na ponta dos seus dedos. 

Assim que conseguiu, colocou o capuz sob os cabelos e tentou se dar um impulso: foi pequeno, mas funcionou.

E assim ela alçou vôo, antes mesmo de chegarem na cena.

Não queria chegar na fortaleza como prisioneira, mas sozinha.

Daayene não sabia direito onde estava.

Faziam meses que havia sobrevoado aquela região pela última vez, e se não bastasse isso, estava apressada.

A mensagem que havia ouvido alguns dias atrás a havia preocupado. Bastante. Precisava voltar para a fortaleza e avisar todos.

Claro, não estava muito animada com a parte que íncluia ela reencontrar geral. Só Deus sabia o que aconteceria assim que chegasse lá.

Mas isso não importava. Algo maior estava incluído nisso, maior que seus medos: a vida de muitas pessoas.

E podia até não gostar de algumas pessoas, mas não significava que gostaria que elas morressem.

Estremeceu com a grossa camada de neblina fria que a envolvia.

Era basicamente isso que a deixava saber que estava indo no caminho certo, mas estava ficando basicamente insuportável tentar abrir os olhos naquela situação.

E estava exausta. E com fome.

Pensando bem, nem se lembrava da última vez que havia comido. Ou parado pra descansar.

E pensando mais ainda, nem sabia a quantos dias exatamente estava viajando.

Sabendo que não podia ultrapassar muito seus limites, ela desceu dos céus aos poucos, só sentindo uma paz imediata quando sentiu os pés cobertos na neve.

Colocou o capuz sob os fios, numa tentativa meio falha de esquentar as orelhas.

Bem, comida não tinha, então seria melhor ela ir andando mesmo. Pelo menos assim não gastaria mais energia do que necessário.

Só não podia cogitar a ideia de parar.

Apertando mais a capa contra si, começou a andar o mais rápido que conseguia.

Deve ter andado por uns 15 minutos, antes de ouvir um barulho.

Uma espécie de assobio. Parecia algo de um passáro.

Daayene olhou ao redor, buscando a fonte do barulho.

Estava já com as mãos erguidas, totalmente preparada pra atacar se for necessário.

Daayene se concentrou, acabando por ouvir barulhos de passos de longe.

Se escondeu atrás de uma grande árvore larga e escura, a palma sob a boca para não emitir muito barulho.

Os passos iam se aproximando, cada vez parecendo mais pesados, barulhentos e… em grupo.

—Nada aqui, vice.- Uma voz de rapaz jovem ressoou atrás de Daayene.

—Engraçado, eu tinha quase certeza que vi uma aura mágica vindo daqui.- Uma voz masculina um pouco mais madura respondeu.

—Não acha que estariam tão perto da fortaleza, acha?- Uma terceira voz surgiu.

—Nunca se sabe.- A voz madura voltou a responder.- Vamos, temos que nos reunir com a segunda tropa e avançarmos na busca.

Daayene tomou bastante cuidado pra não se mover nem um mílimetro, esperando ansiosamente que eles fossem embora.

—Não vamos nem procurar nos arredores daqui, senhor?- A primeira voz voltou a falar.

—…Bem, não sei. Podem fazer o que quiserem. Vou procurar a outra tropa. Não se esqueçam de voltar a nossa fronte de abrigo pra prosseguimos na busca. - A voz do homem mais velho repetiu- É importante não tomarmos muitas decisões imprudentes. Caso algo aconteça, lutem e soem o apito do socorro. Entendido?

—Entendido.- Vários rapazes falaram de forma nada conjunta.

—Ótimo.- Daayene não pode escutar muito o que o homem falou antes de ouvir passos se retirando do local.

Olhou por trás do ombro, podendo ver a armadura deixando pegadas profundas na neve.

—Vocês ouviram o vice.- Um dos rapazes falou- Rodando, procurando!

Alguns meninos pareceram reclamar, antes de mais passos forem ouvidos.

Daayene cerrou os olhos, esperando que nenhum dos homens ousasse se aproximar dela.

—Não acredito que ficamos responsáveis por isso.- Um dos rapazes murmurou.

—Não seja ingrato, é uma honra termos uma missão dessas logo de cara.- Outro respondeu baixo.

—Quando minha mãe me obrigou a me alistar, eu esperava ficar defendendo barreiras, não ficar andando na neve buscando pessoas.

—É uma honra sermos dados esse tipo de missão.- Outro respondeu.

Pelos passos, Daayene fez as contas que haviam pelo menos cinco pessoas ali. Provavelmente os outros estavam começando a se separar para a busca.

Os meninos pareciam estar murmurando entre si, conversando bem mais do que procurando.

Os olhos de Daayene vagaram pela pequena floresta, buscando uma rota de fuga.

///

—Olha o que temos aqui!- Um dos rapazes gritou, bem alto. Claramente queria ser ouvido.

Ele apontou sua espada para Daayene, que deu um passo pra trás.

—Você vem com a gente.- Ele alertou, muito mais num tom de comando do que de pedido.

—Não vou, não!- Daayene respondeu, mas respirou fundo- Pode por favor abaixar a espada? Eu não quero te machucar.

—Desculpa, garotinha, regras são regras.- Um dos guardas também levantou sua espada até mim, enquanto outro corria até um canto, parecendo pegar outro.

—Vocês não estão entendendo!- Daayene apelou- Por favor, me deixem ir. Eu quero ajudar!

—Pode ajudar quando chegarmos na fortaleza, bruxa.- Um zombou. Daayene sentiu seus olhos revirarem até o fundo da cabeça.

—Isso é, se você sobreviver pra poder fazer isso.- Uma espada encostou na sua garganta- Sinto que sua cabeça será cortada fora por ser uma traidora.

—Minhas irmãs nunca deixariam eu morrer.- Ela retrucou, de forma impulsiva.

—Suas irmãs não estão mais aqui pra te defender.- A espada fez um pequeno corte, e Daayene sentiu uma gota de sangue escorrer pela garganta.- Agora calada, ou eu vou ser obrigado a fazer algo que eu não quero.

Daayene estava pronta pra retrucar, mas parou quando um grito de dor saiu de sua garganta.

Um metal gelado encontrou sua pele, em diversos pontos do corpo. Parecia queimar.

Abriu os olhos fechados lentamente, seu corpo indo de encontro ao chão. Estava presa numa rede de metal preta.

Tentou afastar o metal do seu rosto, apenas pra sentir uma dor excruciante nos dedos.

—Ótimo achado, Derek!- Um soldado se impressionou.

Daayene não teve forças pra perguntar o que era aquilo, muito menos quem era Derek.

—É um metal mágico.- Um dos guardas que ela não sabia o nome parecia ler sua mente- Feito pra bruxas que nem você.

—A minha magia não é regrada por suas criações idiotas.- Respondeu de forma brusca.- Achar isso só prova quão pouco conhecimento tem sobre os profetas.

—Eles prevêem o futuro, tem visões perigosas e estão em guerra com a Patrulha.- Derek respondeu- O que mais precisamos saber?

—Estão cometendo um…- Daayene engoliu um gemido de dor- Grave erro.

Bem, ela não pode retrucar muito quando um dos guardas a pegou nos braços. Ela se debateu contra ele, mas o metal parecia se apertar mais contra sua pele.

—Quanto mais você lutar, mais vai piorar sua situação.

—Vocês vão fazer o que? Me matar?

—Talvez, se você for muito irritante. Rapazes, chamem o resto dos soldados.

Os outros dois meninos (Um deles sendo o tal Derek) fizeram uma continência e correram pra duas direções diferentes.

Daayene encarou feio o soldado que restou, mas sua boca estava tremendo demais pra falar qualquer coisa.

—Uma menina tão bonita não devia estar tão carrancuda.

—Eu não vou sorrir pro meu sequestrador.

—Engraçado, pelas lendas, não seria a primeira vez que você fez isso.- Ele sorriu de forma levemente debochada- Todo mundo te conhece. A bruxa humana. A bomba relógio. Namorada dos Mukami. 

—Eu não sou uma bomba relógio!- Retrucou, custando falar sem hesitar- Nem nenhuma das outras coisas!

—Se você não fosse, acredito que estaria dentro daquela fortaleza com seus "amigos" e família. Não aqui, correto?

Daayene abriu a boca mas desistiu. Estava tremendo de dor.

—As lendas são mentirosas.- Ela resolveu falar depois de um tempo- E filhas da puta.

Sentiu o metal praticamente colar na sua pele depois do palavrão, gritando de dor.

—Eu te falei, não lute contra a magia.

Daayene tremeu, sentindo seu corpo ficar fraco e gelado.

Mais passos se aproximavam.

—Acharam a prisioneira?- Um rapaz de ombros largos correu até lá, subindo na plataforma onde Daayene estava sem cuidado nenhum.

—Quem decide se ela é prisioneira ou não é a rainha.- O rapaz que estava com ela respondeu- Cadê o vice e o capitão?

—Ainda trabalhando ou sei lá.- O menino que estava praticamente pisando nela a observou- Ah, é ela mesmo! Olha esse rosto!

—Meu deus, Bryan, cala a merda da boca.- Derek xingou.

—Ninguém me manda calar a boca! Estou observando a mercadoria!- Bryan encarou Daayene de novo- Devíamos pedir uma grana a mais no salário por termos capturado uma bruxa!

—Se você falar assim com a Cousie, não vai ganhar salário nenhum.

Bryan se agachou ao lado de Daayene, enfiando os dedos grossos nos buracos da rede e segurando seu queixo.

—É bem bonita, até. Sabe, se ignorar o cabelo e os olhos.- Bryan opinou.

—Então… o corpo dela?- O menino de antes retrucou- Quer saber? Não me responda, não quero saber. Agora senta e espera calado o vice e o capitão chegarem?

—Ah, qual é, Liam, eu só estou tentando amenizar o clima.- Bryan reclamou- É uma menina linda, eu amaria fazer ela se divertir em algum momento. Mas não se exiba muito, seria só se ela não fosse… sabe, uma bruxa.

—Eu não sou uma bruxa.- Daayene respirou fundo.

—Bryan. Calado.- Derek pediu.

—Ela sabe falar!- Bryan sorriu- Que voz adorável, bruxinha. O que mais você sabe falar?

—Que tal um "vai se fuder"?- Daayene brigou, pronta pra se levantar, mas o metal pareceu fincar na sua pele.

Alguns soldados riram de Bryan.

—Por favor, você não está em posição pra falar assim comigo. Toda vez que você resiste, esse metal te sufoca mais.

—Eu estou disposta a arriscar.- Daayene brigou, se sentindo aos poucos ficar sem fôlego.

—Bryan, para de irritar a garota.- Liam repreendeu.

—Ownt, acho que o Liam se apaixonou pela bruxinha.- Bryan zombou- Vai fazer o que, Lili? Vai me matar se eu pegar essa mulher pra mim?

—Eu não preciso te matar, temos superiores pra isso.

—E se eu pegar ela bem aqui na sua frente?- Bryan se levantou- Ia morrer de ciúmes?

—Você é infantil.

—Aposto que a bruxinha ia amar!- Bryan riu- Pelo que eu ouvi das lendas, ela está mais do que acostumada a ser agarrada por um homem…

Daayene fechou os olhos, sentindo uma raiva tomar conta do seu corpo.

—Pensando dessa forma, devíamos todos ter nosso turno com ela! Não vai ser tão bom quando ela estiver sem cabeça!

Respirou fundo. A fúria fazia o metal fincar ainda mais na sua pele, queimando onde encostava. 

—Cala a boca, Bryan!- Derek brigou.

—É, cara, não é seu lugar falar esse tipo de coisa.- Liam brigou.

Era só… respirar fundo…

Brian não pareceu satisfeito, então Daayene só sentiu duas mãos bruscas tirando seu capuz com força, o rasgando de seu corpo.

A dor parecia insuportável. Daayene queria gritar.

Uns 3 soldados pareceram comemorar

Daay sentiu seus olhos se umedeceram mesmo com eles fechados.

—Viu? Eu não preciso de um lugar!- Bryan riu.- O que foi, bruxinha? Não gostou? Por que está de olhos fechados?

Daayene se perguntou se valeria a pena responder a pergunta.

Sentiu a mão de Bryan eu seu rosto, e seu peito desceu com vontade de chorar.

—Você tá machucando a prisioneira, idiota.- Liam soava muito irritado.

—Mas eu não fiz nada demais!

Daayene respirou fundo, tentando contar até três. Seu coração estava disparado. 

O metal pareceu se colar mais ainda na sua pele, e dessa vez ela começou a ter dificuldades pra respirar.

—Olha a cara da garota, cai fora!- Um dos soldados brigou, o som já muito distante na cabeça de Daayene.

O grito que saiu da sua garganta foi agudo demais, e sua própria mente pareceu mutá-lo de tão alto.

As correntes se romperam numa onda vermelha, e Daayene se viu finalmente solta.

Quando sua mente saiu daquela neblina torta que estava, ela foi distraída pelo barulho de vários gritos masculinos cheios de agonia.

Olhando pra baixo do carregador que estava, os olhos vermelhos da Hudison ficaram o mais arregalados possíveis.

Todos os guardas estavam caídos no chão, se debatendo em espasmos contra a neve leve, alguns até salivando e de olhos arregalados, totalmente fora de controle.

Um dos guardas a encarou, em poucos segundos do que parecia ser consciência.

Daayene recuou de leve, encarando as próprias mãos, tentando dobrar os dedos numa tentativa mínima de tentar fazer algo.

Sua respiração ficou mais rápida, o peito subindo e descendo de forma ágil demais.

Ela desceu do carregador, ouvindo os últimos suspiros de alguns soldados.

Desviando dos corpos ainda espamando, Daayene foi até a outra ponta da trilha de corpos e parou na do rapaz que havia a ajudado.

Ou pelo menos tentado, dada a situação.

Com o pé coberto, ela virou a cabeça do rapaz, deixando o pescoço exposto.

Daayene sentiu sua respiração parar por poucos segundos quando viu uma marca de queimadura vermelha profundamente incrustada no pescoço do rapaz, junto com uma espécie de fita vermelha mágica que estava grudada no meio.

Sua magia, no caso.

Se agachou ao lado do rapaz, analisando sua armadura.

Estava caído de barriga pra baixo, o que pelo menos devia ter sido uma queda menos dolorosa.

Os olhos de Daayene encontraram alguma coisa brilhante ao lado dele, caída.

Estendeu a mão até seus pequenos dedos encostarem. Era um metal gélido.

Puxando pra si mesma, pode ver que era uma espécie de broche. O virou para poder ver o símbolo, e foi assim que seu coração parou.

Viu as cores escuras conhecidas. E o lobo no meio.

O símbolo da família Herbert.

Sentindo o desespero subir pelo seu corpo, ela olhou para os lados. Abriu a boca, pois respirar normalmente já parecia impossível.

Fechou os olhos, tentando ignorar que queria chorar.

Ouviu duas vozes masculinas conversando na distância, junto com passos, e seu corpo todo fraquejou.

Rapidamente, se levantou, ignorando suas pernas tremendo. Deu uma última olhada pra seu corpo com queimaduras leves e as roupas meio rasgadas.

Bem, teria que funcionar.

Se concentrou o suficiente pra convocar o mínimo de magia vermelha na ponta dos seus dedos. 

Assim que conseguiu, colocou o capuz sob os cabelos e tentou se dar um impulso: foi pequeno, mas funcionou.

E assim ela alçou vôo, antes mesmo de chegarem na cena.

Não queria chegar na fortaleza como prisioneira, mas sozinha.


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