Expatriada escrita por nywphadora


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Esta fanfic pertence ao projeto Delacours Month do Twitter (@delacoursmonth), que vai durar todo o mês de abril, nos presenteando com fanfics sobre a Fleur, Victoire, Dominique, Louis e outros integrantes da família Delacour :)



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Todos os monitores do aeroporto mostravam a mensagem de voos cancelados devido à nevasca, e Fleur estava dizendo a si mesma o quão estúpida era.

O relógio do seu celular marcava meia noite, mas o seu voo de retorno a Bordeaux estava marcado somente para às dez da noite, lhe deixando com 22 horas livres em Devon. Isto não foi um problema quando comprou a passagem de ida e de volta depois de mais uma videochamada com seu namorado, Roger Davies, já que pensou que passaria aquelas 22 horas desfrutando de sua companhia, mas agora eram 22 horas que passariam bem devagar.

Conheceu Roger quando ele fez intercâmbio de um ano na França. Estavam no último ano do liceu, e começaram a namorar praticamente na formatura. Eles ficaram juntos por algumas semanas até ele ser obrigado a voltar para a Inglaterra porque o visto expirou, e praticamente desde então não se viam pessoalmente. Tinham decidido manter uma relação à distância, já que se gostavam, enquanto cada um fazia faculdade em seu país.

Aurélie lhe avisou que relacionamentos assim não funcionavam, mas não quis escutá-la.

— E como funcionam as notas na Inglaterra?

Estavam conversando por videochamada mais uma vez. Falavam-se praticamente todos os dias, mas nas últimas semanas Roger esteve mais ocupado com o trabalho e os estudos.

Geralmente, eles alternavam entre francês e inglês para que ambos pudessem praticar um idioma estrangeiro. Daquela vez, era Fleur que estava praticando o inglês.

— É como nos Estados Unidos? — ela perguntou.

Lembrava-se do quão pasmo ele ficou quando recebeu um "15" como nota.

— Cada universidade tem um sistema de notas diferentes, a minha tem A, B, C, D, E, F, FF, G e H — Roger respondeu.

— Sem mais nem menos? — ela franziu o cenho — Pensei que F fosse a pior.

— Sem mais e menos por aqui. Bom, F é ruim, então imagine como são as outras letras — ele riu — Até que as notas americanas não são tão confusas, tenho um colega que é americano e ele me explicou. Considere A como se fosse a divisão entre 20 e 19,3.

Mesmo depois de um ano inteiro na França, era possível notar sua dificuldade em converter os valores.

— Hum — ela fez.

— A+ seria as notas 20 e 19,9. A seria entre 19,8 e 19,3. A- seria entre 19,2 e... — ele franziu o cenho.

— Tem certeza que fez o cálculo certo?

— Ela me disse uma nota entre 100 e 93 — desculpou-se — No liceu, seria entre 20 e...

— 17? — ela sugeriu.

Ele pareceu fazer uma conta no ar e então assentiu, indeciso.

— Acho que sim — suspirou — Vocês não podiam ter notas mais normais? Nem que fosse de 0 a 10.

— Porque calcular com letras realmente foi uma excelente ideia — ela o alfinetou.

— Quem quis escapar dos decimais foram vocês.

Fleur apoiou o rosto contra a mão, suspirando.

— Sinto a sua falta.

— Eu também sinto a sua — ele respondeu e então coçou o queixo — Não vou poder te visitar esse ano, mas eu já mandei o seu presente pelo correio para não atrasar a entrega. Espero ter calculado certo, odiaria que recebesse dois dias antes.

Ela sorriu diante de sua brincadeira.

E então foi naquele momento que ela teve a ideia.

Por que não viajar para Devon sem avisá-lo e matar as saudades?

— Acha mesmo que é uma boa ideia? — perguntou Gabrielle.

Naquele momento, pensava que era uma ideia excelente.

— São 8 horas de voo! — sua irmã exclamou.

— Ótimo, o horário recomendado pelos médicos para uma boa noite de sono — ela retrucou — Vou dormir o voo inteiro.

Partiria às duas da tarde, após o almoço, chegando às dez da noite em Devon. Então teriam um dia inteiro juntos antes que ela partisse às dez da noite do dia seguinte, chegaria em casa pouco depois das seis da manhã.

Não conseguia pensar em um jeito melhor de comemorar o natal.

O sol já tinha se posto há muito tempo e ela rapidamente foi até a companhia de táxi próxima do aeroporto. Na França, não costumavam usar táxi, já que a licença para motorista era muito cara e havia poucos taxistas, mas era bem comum na Inglaterra.

— 382 Pinhoe Road — disse, assim que entrou no veículo.

O motorista virou-se no banco para olhá-la, confuso.

Fleur mostrou um post it onde tinha escrito o endereço para não se esquecer, e então ele compreendeu, assentindo. VIrou-se para a frente sem tentar puxar assunto, o que era um alívio, já que não gostava muito de conversar com desconhecidos.

Observou a paisagem durante o percurso, notando o quanto aquela área de Exeter era mais focada em indústrias e comércio do que para moradia em si, mas dali a algumas ruas ela viu como era a arquitetura britânica com mais clareza.

Os prédios, no geral, despontavam uma chaminé onde deveria estar o telhado, mas havia apenas um espaço acessível aos moradores, como acontecia nos Estados Unidos. Quando havia telhado nas casas, era de um formato triangular, que parecia muito estranho para ela. Na França, costumava ver telhados mais longos, em um formato trapézio, até mesmo nos prédios. Além disso, era curioso como as casas com mais de um andar tinham cores diferentes na fachada para cada andar, mesmo que fossem cores neutras e combinassem entre si.

Estava a 4 horas da grande Londres, mas não pensou em turismo naquele momento. Ela e Roger teriam bastante tempo para isso nas próximas vezes. Ele sempre tinha se esforçado para ir visitá-la, era a sua vez de sair um pouco da sua zona de conforto.

Conforme foi se aproximando das casas tipicamente inglesas, iluminadas pelos pisca-piscas, sentiu um frio na barriga.

"Aparecer de surpresa nunca é boa ideia" aquele pensamento soava como Aurélie, mas o ignorou. Já estava ali mesmo.

Merci — abriu a porta do carro, puxando a sua bagagem de mão.

Não tinha necessidade de levar uma mala para passar apenas um dia.

Respirando fundo, caminhou até a porta do número que tinha escrito e despachado caixas há anos. Estava pronta para tocar a campainha quando a porta se abriu. Roger paralisou no batente ao vê-la.

— Surpresa — ela sorriu.

Ele fechou a porta às suas costas antes de se aproximar dela.

— Fleur? O que está fazendo aqui?

— Eu quis fazer uma surpresa pra você — ela deu de ombros — Não pôde viajar este ano e eu nunca vim pra cá...

— Você não podia ter vindo sem avisar.

Franziu o cenho, estranhando a sua reação.

— Não está feliz em me ver?

— É claro que estou — ele mentiu —, mas...

A porta abriu às suas costas.

— Quem é, Rodge? — perguntou uma mulher de cabelos e olhos escuros, tinha a mesma idade que eles.

Ele hesitou e isso foi o suficiente para que Fleur entendesse o que estava acontecendo.

— Ela é...

— Eu me perdi — a francesa forçou um sorriso antes que ele inventasse uma desculpa patética sobre como eram amigos — Sabe onde tem um hotel aqui por perto?

— Os que eu conheço são na Newtown, fica a uma hora daqui, mas eu sei que a caminho do aeroporto tem o Gipsy Hill e o Travelodge — a mulher respondeu.

— Tem o Fair Oak e o Hampton by Hilton também, são mais próximos do aeroporto. A pé vai demorar, está tarde, posso te dar uma carona... — Roger tentou dizer.

— Obrigada pela informação — Fleur interrompeu sua tentativa patética e saiu andando.

Lembrava-se vagamente de entrar em um ônibus que a levou de volta para o aeroporto. Tentou mudar o horário da sua passagem de volta para algo mais cedo, mesmo que tivesse que esperar até 6 horas da manhã para voltar, e então deparou-se com os monitores cancelando os voos por conta da nevasca.

Estava presa em outro país até o tempo melhorar e sem um lugar para ficar.

Não tinha pensado que poderia ficar mais de um dia lá por causa da nevasca. Na verdade, não tinha se planejado nem um pouco, estava contando que seu namorado fosse uma pessoa decente e não que estivesse com outra mulher enquanto se falavam virtualmente.

Com o celular conectado ao wi-fi do aeroporto, começou a receber várias mensagens de Roger tentando se explicar.

Fleur, não é o que você está pensando. A minha família inteira estava em casa, estávamos comemorando o natal, a Penny é uma velha amiga... Me deixa explicar, me diga onde está.

Ela bufou, pausando o áudio.

Velha amiga. Certo.

— Você pensa que eu sou uma idiota mesmo, não é, enculé? — pressionou o botão de áudio — Se a “Penny” é apenas uma velha amiga, então por que nunca me falou sobre ela? Por que em vez de ficar feliz porque eu tinha vindo te ver, ficou todo preocupado e tentou mentir sobre quem eu era? Nunca mais fale comigo. Nique ta mère!

— Que boca suja!

Parece que ela não era a única a ficar presa no aeroporto naquele feriado.

— Olha, não estou em um bom dia, então me deixe em paz — Fleur retrucou ao homem ruivo ao seu lado, saindo do aplicativo Tchap e indo procurar alguma coisa para fazer de seu tempo livre.

— Deixe-me adivinhar. O seu namorado tem uma amante — ele parecia estar se divertindo.

— Ou eu sou a amante.

Roger quase nunca falava sobre sua vida na Grã-Bretanha.

Como podia ter sido tão estúpida?

— Dá pra parar de rir? — perguntou, irritada.

— Desculpe. Eu só achei fofo o jeito que xinga.

— Ah! Ótimo! Eu sou fofa quando xingo — ela resmungou.

Geralmente, as pessoas achavam assustador quando ela se enfurecia, e mesmo assim o britânico desconhecido do seu lado, que era bem humorado demais para um britânico, achava fofo. Nem que ela fosse um ursinho de pelúcia.

— Deixe-me adivinhar. Perdeu o voo e agora está preso numa nevasca — disse Fleur.

Porque não conseguia pensar em alguém pegando um voo tão tarde para passar o natal com a família.

— Na verdade, estava fugindo da reunião familiar — ele respondeu — Me chamaram de volta do trabalho.

— Na noite de natal? — ela surpreendeu-se.

— Eu sou indispensável — brincou.

— E qual é o nome do senhor indispensável?

— Bill Weasley. E o nome da amante traída?

Ela deu um tapa no braço dele, sem conseguir se conter.

— Fleur Delacour.

Enchanté.

Ficaram em silêncio por algum tempo antes de Fleur voltar a falar.

— Realmente entendeu o que eu disse?

— Nem uma palavra — Bill respondeu.

Ela o olhou indignada e então riu.

— Xingamentos são uma linguagem universal — ele disse — É só avaliar o contexto.

— A primeira coisa que uma pessoa quer aprender em outro idioma é um palavrão — lembrou-se do que Roger disse uma vez, e então o seu sorriso desapareceu.

— Eu sinto muito. Gostava dele?

Se pegou parando para refletir.

— Acha que devia doer mais? — ela perguntou.

— Está levando com naturalidade, mas nem todos demonstram sentimentos da mesma forma — ele deu de ombros.

— Então, o que faz para ser tão indispensável no natal?

Ajeitou-se no banco em que estavam sentados.

Apenas alguns funcionários circulavam pelo aeroporto, parecendo considerar a ideia de diminuir as luzes acesas para o caso de haver um blecaute. A maioria dos passageiros foram para suas casas ou para um hotel próximo para passarem a noite, deixando seus celulares ligados para a companhia ligar no caso dos voos voltarem a circular.

— Eu sou arqueólogo no Egito — ele respondeu.

— O melhor lugar para ser arqueólogo — Fleur brincou.

— Bem, sim, tem Pompeia também. E você?

— Relações públicas, nada de “uau”.

Pensou que era uma sorte ter jantado no voo, ou estaria morrendo de fome naquele momento. Sua família já devia ter aberto os presentes, reunidos à mesa de jantar. Com certeza seus pais perguntariam a Gabrielle onde ela estava e sua irmã não mentiria.

— Por que está fugindo da sua família? — ela perguntou.

Ele demorou um tempo para responder, fazendo-a pensar que tinha invadido demais da sua privacidade, mas, bem, ele debochou da sua situação de mulher traída, então...

— Minha mãe pode ser bem... persistente às vezes — disse simplesmente.

— Não deve ser tão diferente de qualquer outra ceia de natal.

— Nós somos nove, para começo de conversa.

— Nove? — ela surpreendeu-se.

— Eu, meus pais e meus seis irmãos.

Nunca tinha conhecido uma família tão extensa.

— Certo, não precisa explicar mais.

Ele riu de sua expressão.

— Seis irmãos? — Fleur repetiu apenas para ter certeza — Eu fico louca só com a minha irmã mais nova, imagine só mais cinco!

— Não é tão ruim. Crescer em uma família grande tem suas vantagens — disse Bill — Eu sou o mais velho de todos.

— O que tem que dar o exemplo.

— Do que está falando? Eu sou um excelente exemplo! — ele se fez de indignado.

— Certo, sua mãe deve ter amado o exemplo de “vou me tornar arqueólogo e viajar pelo mundo inteiro” — ela retrucou.

Touché. Como adivinhou?

— Mãe é tudo igual, só muda de nome e endereço.

Gabrielle já quis se tornar aeromoça, só não conseguiu porque não tinha a altura indicada pelas companhias. Ela ainda era considerada baixa demais para sua idade. Isso sem contar a época em que Fleur queria se tornar patinadora profissional e ir às olimpíadas de inverno, antes de descobrir que tinha luxação recidivante da patela. Mesmo que tivesse feito a cirurgia, não se sentiu segura para praticar patinação depois de ver seu joelho virar três vezes.

— E a sua família? — Bill perguntou — Bom, você veio para outro país sozinha na noite de natal. Levaram numa boa?

— Eu não perguntei o que achavam disso — ela confessou, cutucando a lateral da capa protetora do celular — Não costumo agir por impulso, só queria um feriado diferente. Algo que não envolvesse aturar as minhas tias por mais um ano consecutivo.

Parecia que a cada ano, a sua família diminuía mais. Uma tia sua se divorciou do marido, e ela era a que melhor sabia cozinhar, então deu para sentir falta do seu tempero. Outra tia sua também se separou do marido, e sua prima mais nova desde então passava os feriados com outra parte da família, o que tirava um pouco a graça de ir nos jantares.

Apesar de seu pai ser diplomata, sua mãe sempre foi muito firme em relação à educação de Fleur e Gabrielle, então elas nunca se mudavam com o pai, o que rendeu vários anos afastadas dele. Teria sido interessante conhecer outros lugares.

— Nós podemos ficar aqui no aeroporto, esperando os voos magicamente voltarem a circular — ele deu de ombros.

— Ou? — ela perguntou, sentindo uma sugestão implícita.

Bill levantou-se do banco.

— Os jantares da minha família costumam ir até bem tarde, então ainda devem estar acordados — ele disse — A parte boa é que minha tia Muriel não veio esse ano, e a minha mãe faz a melhor comida que vai provar na sua vida.

Ela sorriu inconscientemente.

— Pensei que estava fugindo da sua mãe.

— Não é justo passar o natal no aeroporto, e você queria algo diferente — ele deu de ombros.

Definitivamente seria algo diferente.

Fleur viu a si mesma levantando-se do banco e ajeitando a bagagem de mão no ombro.

— Isso não vai fazê-la se questionar quem é a estranha com sotaque francês indo na casa dela? — ela perguntou, enquanto caminhavam para a saída.

— Ela não precisa saber de todos os detalhes — ele sorriu — Posso dizer que te conheci em alguma das minhas viagens e que nos encontramos no aeroporto...

— E quanto aos seus irmãos? Eles estarão todos lá? O que eles fazem?

Não pôde evitar disparar as perguntas.

Sentia-se estranhamente animada diante da perspectiva de não passar a noite acordada mexendo no celular, deitada em um banco desconfortável de metal.

— Acho difícil Charlie estar lá, ele sempre foge dos feriados — respondeu Bill.

— Então ele seguiu o seu “exemplo”? — ela fez as aspas com os dedos de uma das mãos, já que a outra segurava a bagagem, enquanto andava de costas à sua frente.

Ela tinha essa mania desde criança e nenhuma reclamação de sua mãe pôde fazê-la mudar.

— É, pode-se dizer que sim — ele riu — Charlie é paleontólogo. A arqueologia lida com as civilizações e costumes, enquanto que a paleontologia lida com ossos — explicou antes que ela pudesse expressar qualquer dúvida — Ele é especializado em dinossauros, mas a paixão real dele é dragões.

— Dragões? — ela levantou uma sobrancelha.

— Ele quer provar que eles existiram. Ele já trabalhou no Brasil, na China e agora aquietou na Romênia, em Pecica.

— Ele viajou mais do que você?

Bill aproximou-se de um táxi encostado na rua.

— Pode nos levar a Ottery St Catchpole? — ele perguntou através da janela do motorista.

Assim que o taxista concordou, ele abriu a porta para Fleur entrar.

— É para perguntar antes? — ela perguntou a ele, assim que se acomodaram.

— Deixe-me adivinhar, você saiu entrando — disse, como se já estivesse acostumado com isso.

Era uma sorte que o outro motorista não tivesse expulsado ela do carro.

— Voltando ao seu interrogatório — Bill brincou e continuou, antes que ela pudesse protestar — Sim, ele viajou mais, eu já tinha um destino em mente.

— Egito — ela afirmou e ele concordou — Certo, e os seus outros irmãos?

— Percy trabalha no parlamento, Fred e George abriram uma loja em Londres. Até onde eu sei, Rony estava fazendo prova para entrar na Scotland Yard, e Ginny faz jornalismo.

— E seus pais?

— Minha mãe não tem um emprego fixo, ela sempre gostou de ficar em casa. Às vezes faz comida para vender, costura, essas coisas. Meu pai tem uma loja de antiguidades, ele ama essas velharias. Acho que ele espera que algum neto se interesse, já que nenhum de nós decidiu seguir esse caminho.

— E quem está mais perto de dar esse neto pra ele?

Bill riu, fazendo alguns pés de galinha surgirem próximos de seus olhos.

— Ninguém — ele respondeu, rindo mais forte.

— Nenhum de vocês namora? — ela expressou a sua surpresa com a informação.

Era impossível que um homem tão lindo estivesse solteiro. E se seus irmãos tinham puxado a genética...

— Rony e Ginny, mas eles são muito novos ainda — ele disse, fazendo-a revirar os olhos enquanto encostava as costas no banco.

Se eles já estavam trabalhando e na faculdade, não eram tão novos assim.

— Percy é muito focado no trabalho e muito sério. Se não houvesse recesso no parlamento, ele passaria as férias de final de ano trabalhando — o ruivo continuou — Fred e George não levam nada a sério, isso inclui relacionamentos, mesmo que George seja menos...

— Galinha? — ela completou.

— E relacionamentos definitivamente não são o lance de Charlie — ele não confirmou nem negou sua afirmação — Talvez se ele achasse alguém tão viciado quanto ele em dragões... ou não.

Fleur virou-se para observar a janela, mesmo que tivesse visto bastante da arquitetura da região em sua ida de carro anterior.

— Não falou sobre você — ela disse — Me diga que tem alguém te esperando. Ou pelo menos que não foi chifrado.

— Sinto desapontá-la. A última garota que eu gostei se chamava Emily Tyler e isso foi no colégio.

Ela gargalhou espontaneamente.

— No colégio? — repetiu — E não teve ninguém mais? Fala sério! Você trabalha no Egito!

— E o que isso tem a ver? — Bill defendeu-se fracamente.

— Pelo menos vocês ficaram juntos? — ela perguntou — Você e a Emily?

— Ela me deu um belo chute na bunda.

Ela voltou a encostar as costas no banco, tendo se desencostado sem perceber.

— Céus, a nossa vida amorosa é um desastre — comentou.

Por um momento, tinha se esquecido de Roger. Sequer lembrou-se que eles também tinham se conhecido no colégio e que era um pouco hipócrita de sua parte rir disso.

— Não é como se a vida girasse em torno de relacionamentos — ele disse — Existe o trabalho, os nossos hobbies, amizades. Coisas que ocupam o nosso tempo, nos fazem sentir bem.

Ficaram em silêncio por alguns minutos, refletindo.

— Quero ser sua amiga, Bill.

— Quer ser amiga do cara que riu de você no aeroporto? — ele levantou uma sobrancelha.

— E que vai levar uma desconhecida pra conhecer a família dele no natal — ela completou — Quem sabe ano que vem eu não pego um voo para o Egito?

— Bom, eu prometo que não vou te expulsar e te deixar desamparada no meio da madrugada.

— Muito gentil, obrigada.

O motorista virou-se para perguntar a Bill onde deveria parar, já que tinham chegado ao destino final. O ruivo indicou um ponto e, assim que o carro estacionou, eles desceram.

— Há sítios arqueológicos na França também, você sabe — ela disse enquanto caminhavam pela rua.

— Como em todos os lugares do mundo — ele retrucou, pegando a bagagem da sua mão sem perguntar.

— Apenas uma ideia, caso queira tirar férias em um lugar diferente — deu de ombros — Tem a Caverna de Les Trois-Frères, a Caverna de Pech Merle, as grutas decoradas do Vale de Vézère...

— Como sabe disso tudo?

— A minha professora de história da arte era fascinada por pinturas rupestres, fomos à Trois-Frères em excursão uma vez.

— O máximo de excursão que eu tinha em Hogwarts era ir ao zoológico.

Ele subiu alguns degraus que davam para duas casas geminadas e então enfiou a mão no casaco para puxar as chaves.

— Minha mãe não admite que nós não tenhamos a chave de casa, mesmo que eu more no Egito — Bill explicou — Ela não quer que sejamos convidados, sabe.

Podia entender a lógica.

Eles entraram o mais silenciosamente que puderam, deixando a bagagem no chão do corredor de entrada. Estavam tirando os casacos molhados pelo tempo úmido quando a Srª Weasley, em seu instinto materno, percebeu a presença do seu primogênito.

— Eu te disse, não disse? Disse que com esse tempo, nenhum avião... — ela parou de falar ao perceber Fleur ali.

— Boa noite para a senhora também, mamãe — Bill gracejou — É um prazer estar de volta!

— Se pensasse isso, não tentaria fugir todo feriado — ela fechou a cara, dando um tapa forte no braço do filho, antes de suavizar a expressão — Por isso a pressa de ir embora?

Fleur demorou apenas alguns segundos para entender o que a Srª Weasley estava pensando.

— Não...

— Fleur é uma amiga — Bill disse não muito convincente — Nos encontramos no aeroporto, e então eu pensei que era melhor ficarmos aqui até os voos voltarem a circular.

— Hum — a mais velha fez e então sorriu para ela — Venha, querida, pode entrar. Temos espaço na mesa.

Ginny e Rony, os filhos mais novos, estavam sentados no tapete à altura da mesa de centro da sala de estar, ignorando a orquestra natalina de Andrea Bocelli que passava na televisão, concentrados no jogo de xadrez.

— William, meu caro! Que prazer imenso em revê-lo! — um garoto ruivo aproximou-se do irmão, pomposo.

— A que devemos a honra de vossa presença, majestade? — outro garoto idêntico perguntou, sem dar-se ao trabalho de levantar da mesa de jantar.

Bill não tinha mencionado que tinha irmãos gêmeos.

— Parem com isso! — a Srª Weasley ralhou — Todo natal é essa palhaçada. Deixem Percy em paz!

O gêmeo próximo de Bill esquivou-se de um tapa que não veio, quase tropeçando em Fleur.

— Pensei que tivesse ido ao aeroporto — ele mexeu as sobrancelhas, malicioso.

Pelo que ele contou a ela, supôs que aquele devia ser Fred.

— Eu devia ter te avisado dos riscos antes — Bill murmurou para ela.

Fleur riu.

— Como se eu fosse mudar de ideia — ela retrucou.

— Então, onde vocês se conheceram mesmo? — a Srª Weasley perguntou, já enchendo um prato para ela.

Ficou calada para não contradizer Bill caso ele dissesse algo, mas ele pareceu ter tido a mesma ideia, então ela resolveu que era seguro falar.

— Eu fiz uma viagem ao Egito — achou mais segura essa mentira, já que a mãe dele provavelmente sabia todos os lugares os quais ele visitou, e ela duvidava que a França estava inclusa no pacote.

— Não era dia de visitação e, mesmo assim, o guia turístico se meteu no meio das escavações — Bill seguiu o fio, pegando um prato para si, mesmo que já tivesse comido mais cedo.

— Estivemos nos falando mais por mensagem nos últimos anos, não tenho viajado mais — Fleur concluiu.

— E o que te trouxe a Denver?

Ele olhou um pouco preocupado para ela.

— Vim visitar o meu namorado — resolveu ser sincera — E aí descobri que ele me traiu.

— Que presente de natal — comentou Fred, roubando um palito de linguiça enrolada em bacon de cima da mesa.

— George! — a Srª Weasley o repreendeu

Eu sou o George! — George reclamou, sentado do lado de Bill.

O irmão afastou-se rindo antes que sua mãe pudesse se corrigir e pedir desculpas ao gêmeo injustiçado.

— Eu sinto...

— Está tudo bem — Fleur a interrompeu, recebendo o prato cheio das mais típicas comidas natalinas britânicas — Então Bill sugeriu que viéssemos aqui...

— Fez muito bem — a Srª Weasley disse, antes de levantar a cabeça na direção dos filhos mais novos — Vão querer mais alguma coisa?

— Eu estou bem — disse Ginny, sem desviar o olhar do tabuleiro.

— Agora não, estou concentrado — respondeu Rony.

A matriarca revirou os olhos.

— Onde estão papai e Percy? — Bill perguntou, notando o sumiço deles.

— Foram ver alguma coisa na loja — disse a mãe dele, cansada — Eu desisto de tentar afastá-los do trabalho.

— Olhe só quem fala — retrucou George — Cozinha e limpa todos os dias, e não nos deixa ajudá-la nem no natal.

Fleur desligou-se da discussão entre mãe e filho para provar a comida da Srª Weasley. Não comia algo tão delicioso desde que sua tia se divorciou e parou de frequentar os jantares. Poderia facilmente abrir um restaurante e não duvidava que faria um sucesso.

Mon Dieu... — ela deixou escapar em francês sem perceber — Não tenho palavras, Srª Weasley.

— Oh! Por favor! Me chame de Molly — a ruiva sorriu.

— É a melhor comida que já provou na sua vida, não é? — perguntou Bill, convencido.

— Muito difícil competir — ela respondeu — Sabia que o bife Wellington foi inspirado em uma receita francesa? Boeuf em croute.

— É mesmo?

— E quem vence na receita? Franceses ou ingleses? — George intrometeu-se.

— Eu me recuso a responder isso — ela disse, voltando a atenção para o seu prato.

Os dois homens que estavam à mesa riram.

Continuou conversando e comendo por um tempo, até sentir o seu celular vibrar. Puxou-o do bolso da calça, pensando se seria Roger de novo para importuná-la, mas era o número da sua irmã.

Levantou-se da mesa para atender.

— Feliz natal, Fleur — disse Gabrielle em um tom de voz baixo — Você nem avisou quando chegou.

Désolée, as coisas não saíram como eu queria — respondeu também em voz baixa.

— Como assim? O que houve?

— Eu te conto quando voltar para casa.

— Já está vindo?

— Não, os voos foram cancelados, eu vou esperar o aeroporto reabrir.

— Está tudo bem?

Ela observou a dinâmica familiar por alguns segundos.

— Está sim. Tenho que desligar.

— Me mande uma mensagem quando for decolar — disse sua irmã mais nova.

Era engraçado quando ela ficava preocupada.

— Certo. Je t’aime.

Bill estava mexendo no celular quando ela voltou para a mesa para terminar o prato.

— Precisamos ir — ele disse depois de um tempo — O sistema voltou a funcionar.

— Não conseguem remarcar pelo site da companhia aérea? — Ginny perguntou, movendo o cavalo pelo tabuleiro.

Fleur teria que remarcar o seu voo, mas o de Bill tinha se atrasado por causa do mau tempo, então provavelmente iam embarcá-lo imediatamente. Em compensação, não se sentiria confortável abusando da hospitalidade.

— Não, o sistema não atualiza em casos assim — ela respondeu, levantando-se e empurrando a cadeira contra a mesa — Precisamos mesmo ir. Muito obrigada por tudo, Srª Weasley.

— Me chame de Molly — a matriarca repetiu, abraçando-a — Oh, está bem, tomem cuidado. Você precisa voltar qualquer dia desses! Quando estiver em Denver, não hesite em vir até aqui.

— Vê se não roga outra praga para o avião — Bill pediu, levando outro tapa no braço da mãe.

— Eu não roguei praga nenhuma! Te disse que o tempo estava forte!

Ele levantou os braços, rendendo-se.

— Então tchau — elevou a voz para falar com os irmãos.

— É o quê? — Fred gritou da cozinha, fingindo não ter escutado.

— Não, não temos bacalhau! — George respondeu, entrando na brincadeira.

— Mingau? — perguntou o outro gêmeo.

— Não! — exclamou Rony ao mesmo tempo em que Ginny dizia “cheque mate!”.

Os gêmeos foram rapidamente para o lado do irmão mais novo, chocados com o fato de que a caçula tivesse ganhado do prodígio do xadrez.

— Boa, Gin! — Bill elogiou, enquanto recolhiam os casacos para sair.

— Ei, espera! — a ruiva foi até ele — Tem um bolo de Oreo que só vende...

— Eu trago na páscoa para você.

— Você é o meu irmão favorito! — disse antes de afastar-se.

— Ela diz isso para todos que fazem o que ela quer — disse Bill para Fleur, abrindo a porta de casa.

— Menina esperta.

A Srª Weasley abriu a janela com dificuldade por causa da neve e então acompanhou o afastamento deles.

— Me liga quando chegar, William! — ela gritou.

Ele riu ao seu lado, apenas acenando para sua mãe em despedida.

— Você não tem uma típica família inglesa, não é? — Fleur comentou, divertida.

Roger sempre tinha sido sério e todos os britânicos que conheceu também. E, no entanto, os Weasleys eram todos acolhedores e bem humorados.

— Eu sei que temos parentes escoceses e irlandeses — respondeu Bill — A nossa família é bem grande.

— Deu para perceber.

Caminharam algum tempo até conseguirem encontrar um táxi por aquela área naquele horário. Por Fleur, poderiam continuar caminhando até chegarem ao aeroporto, não se importaria de postergar um pouco a chegada. A conversa com Bill era tão fácil que parecia que se conheciam há tempos.

Na volta, tudo estava estranhamente silencioso, mas não era um silêncio desconfortável. Era bastante agradável. Encostou a cabeça no vidro embaçado e frio, sentindo o cansaço do dia movimentado começar a cansá-la, mesmo que tivesse dormido no voo de ida.

Provavelmente choraria quando chegasse em casa, mas agora sinta-se em paz.

— Eu sei onde você mora, nem ouse fugir de mim — Fleur disse depois de um tempo.

— Você nem estava prestando atenção na estrada — ele retrucou, sorrindo.

Era verdade, mas ele não precisava saber disso.

— Eu me lembro do que disse ao taxista — ela blefou.

— Tecnicamente, sabe onde minha mãe mora — ele ajeitou-se no banco.

— E tem pessoa melhor para te encontrar?

Bill desistiu de argumentar.

— Não tenho a menor ideia de como escreve o seu nome, então não poderia te procurar nem se quisesse — ele disse.

Fleur ficou em silêncio por alguns segundos.

— Se não quiser manter contato, é só dizer.

— Não, não! — ele exclamou rapidamente — Eu só estava te zoando.

Ao ver que ela não tinha acreditado, Bill puxou o celular do bolso do casaco e deu para ela.

— Anota o seu número, eu vou te adicionar no WhatsApp.

Pensou em dizer que na França, por causa da desconfiança do governo, eles começaram a usar o aplicativo de mensagens Tchap. Tecnicamente, eles não usavam o Tchap de verdade, só entidades governamentais usavam, mas algum civil usou o código fonte disponibilizado para criar a versão aberta ao público. Porém, resolveu deixar para lá e baixar o WhatsApp quando chegasse em casa.

— Quer que eu anote o meu também? — ele perguntou quando ela devolveu o celular.

Parecia realmente preocupado que ela estivesse chateada.

Ela não respondeu, virada para a janela, ainda fingindo estar magoada.

— Você está me zoando, não é?

Ficou difícil segurar um sorriso, e ele percebeu.

— Pilantra! — Bill exclamou — Não está irritada coisa nenhuma!

— Costuma ser muito enganado por garotinhas? — provocou.

Pôde ver o motorista virar o carro e estacionar logo na entrada do aeroporto.

— Não estou vendo nenhuma garotinha aqui — ele disse e então sorriu malicioso antes de abrir a porta do seu lado do banco e sair.

Sentiu o seu rosto esquentar, hesitando por tempo suficiente para ele dar a volta no carro e abrir a porta do seu lado. Pegou a bagagem de mão e saiu sem atrever-se a olhá-lo no rosto.

Havia apenas algumas pessoas na fila do atendimento, procurando remarcar o voo ou entrar no primeiro avião que decolasse.

— Oi, eu estava marcado para o voo para Cairo à meia noite — Bill disse.

A mulher deu uma olhada no seu cartão de embarque e então digitou no computador.

— Deu sorte, foi o primeiro voo a ser cancelado, vai decolar daqui a dez minutos — ela respondeu, sorrindo cansada — E você?

— Queria remarcar o meu voo — Fleur procurou no casaco os documentos — Era para eu retornar amanhã às 22, mas eu desisti.

— Olha, o próximo voo para Bordeaux vai sair às 6h, eu posso ver se tem alguma conexão para te encaixar.

— Pode ser — coçou a testa.

Preferia sentir que estava se movimentando do que ficar presa no aeroporto por mais 4 horas sem ter o que fazer.

— Sabe que minha mãe não se incomodaria — disse Bill — Ela ficaria encantada, na verdade.

— Não vou abusar da hospitalidade da sua família — ela respondeu.

— Quer saber? Muda a minha rota — ele virou-se para a atendente.

— Bill, não precisa disso. Eu vou fazer uma conexão para... — ela virou-se para a mulher para que ela a ajudasse.

— O voo que vai sair daqui a nove minutos é para o Cairo. O próximo daqui a meia hora será para Madrid.

— Madrid — Fleur completou.

— Espanha está mais afastada do que a França, vai demorar mais — Bill ergueu uma sobrancelha.

— Não se considerar o tempo que vou esperar pelo próximo voo.

Ele virou-se para a atendente, que os observava silenciosamente.

— Tem conexão em Bordeaux — ela sugeriu em voz baixa.

— Vai ficar dois entediados esperando pelo voo? — Fleur cruzou os braços.

Bill a imitou, cruzando os braços.

— Eu tenho oito minutos para perder o avião.

Ela pensou por alguns segundos e então virou-se para a atendente.

— Tem alguma desistência de última hora no voo para Cairo?

— Você sabe que o Egito é mais longe ainda, não é?

— Cale a boca.

A atendente digitou e então entregou outro cartão de embarque para ela.

— Vai viajar até o Cairo e então pegar um voo para Bordeaux. Veja os detalhes no aeroporto internacional.

Merci — Fleur sorriu para ela e então saiu andando apressada.

Tinham sete minutos para embarcar no avião.

— Você sabe que é maluca, não sabe? — Bill perguntou, tentando não sorrir.

— Por quê? Por que saí do aeroporto com um completo desconhecido de madrugada para conhecer a família dele? — ela perguntou, passando a bagagem de mão pelo sensor — Ou por que agora estou pegando uma conexão em vez de viajar direto para casa?

— Entre outras coisas.

— Você que começou e eu que sou a maluca?

Se Fleur acreditasse nessas coisas, diria que foi destino.

Destino que fez com que os voos atrasassem justo na vez de Bill decolar.

Destino que fez com que ela voltasse ao aeroporto pouco tempo depois de ter saído.

Destino que fez o passageiro da poltrona ao lado dele não aparecer para o embarque.


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Notas finais do capítulo

E aqui termina a minha participação no Delacours Month...