Os Cavaleiros do Zodíaco: A Lenda de Seiya escrita por Masei


Capítulo 104
O Tigre das Sombras


Notas iniciais do capítulo

A Sombra de Sid surge para impedir que os Cavaleiros de Atena sigam seu caminho e será Ikki de Fênix a responsável por travar esta trágica batalha.



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Ao longe quebravam as ondas do Mar Mediterrâneo, longe daquela janela no segundo andar de um casebre simples. Tudo que se via da imensidão do oceano era o horizonte azulado de uma pequena faixa de água que aparecia depois de uma queda abrupta da montanha a boas léguas de distância de onde se mirava. De todo modo, os olhos entediados e perdidos do menino vislumbravam os caminhos do mar ao longe. Fazia um bom dia no céu, mas era no oceano que seu pequeno coração se desmanchava.

Sua atenção foi quebrada pela voz de trovão que falou às suas costas:

— Ora, mas é tão chato assim cuidar de um gigante?

O menino olhou para trás, pulou do sofá onde estava empoleirado para olhar pela janela e correu na direção do convalescido, esparramado entre pelo menos três camas para dar conta de seu enorme corpo.

— Tio Aldebarã! O senhor está melhor?

O touro manhoso sorriu com as faixas todas ao redor da cabeça e confirmou que sim. O garoto pegou uma jarra de cerâmica com água dentro e o enorme homem tomou como se fosse uma caneca, apartando sua enorme sede.

— Muito obrigado, Kiki. — devolveu ele a jarra que o garoto colocou na mesa ao lado dele. O enorme homem limpou a boca e apontou à janela com o queixo duro. — O que te deixa tão triste assim, pequeno Kiki?

O garoto então saltou na cama para deitar-se no enorme braço de Aldebarã, e assim aninhado como um passarinho e com o rosto um pouquinho torcido de tristeza mentiu ao gigante que nada o afligia.

— Não é nada. — disfarçou ele, e então continuou como se houvesse encontrado algo para compartilhar. — Estou preocupado com a missão do navio. Do Seiya e dos outros.

— Ora, se tem alguém com quem não precisa se preocupar é aquela peste do Seiya. Mas eu vejo no seu rosto, pequeno, não é ele que te preocupa, não é verdade?

Kiki torceu a boca, um pouco contrariado, e olhou para o sorriso calmo de Aldebarã. Então finalmente confessou.

— É a Lunara. — começou o menino. — Já faz um bom tempo que eles partiram para os Sete Mares e quase não tivemos notícia deles.

— Está preocupado com ela?

— Num vai contar pra ela, tio Aldebarã! — brigou o garoto com ele, encontrando um sorriso de volta. — Mas estou. Ora, ela é só uma garotinha. O que que uma garotinha tem que fazer num navio pelos sete mares? Ela mal sabe colocar a roupa direito.

— Eu ouvi dizer que ela é ótima engenheira.

— Ela acha que sabe demais. Eu também não entendo como podem ter chamado ela. Ela é só uma criança, tio Aldebarã.

— Ora, mas está na história dos Cavaleiros de Atena que foram justamente os jovens que salvaram Atena na primeira Guerra Santa.

— Mas ela não tem treinamento de Cavaleiro. — reclamou ele.

— Confie no Capitão Meko. — falou Aldebarã. — Afinal de contas, ele é um gigante como eu. Tenho certeza que vai cuidar muito bem de Lunara.

O enorme Aldebarã então esmagou o menino Kiki debaixo de seu braço para muitos protestos do garoto peralta. A porta que fechava aquele segundo andar abriu-se e a Mestre Mu chamou a atenção de seu aprendiz:

— Kiki, deixe o pobre Aldebarã descansar.

— Ora, Mu. Você diz essas coisas para me amolar, eu tenho certeza disso.

Kiki, de todo modo, pulou da cama e tomou a jarra de cerâmica para repor a água.

— Ele é um bom garoto. — falou Aldebarã, olhando para a amiga. — Está super preocupado com a pequena que se foi pelos mares.

Mu também mirou a janela como se tentasse adivinhar o destino daqueles que se foram pelos oceanos; assim como Kiki, ela também tomou Lunara em Jamiel para cuidar. Sempre ao seu modo, mas por detrás daqueles óculos de leitura que tinha, havia um enorme carinho para com os dois. Desviou o olhar e buscou cuidar dos ferimentos do amigo, no entanto.

— É um pouco cruel o tanto que esses jovens são colocados à prova. — observou Aldebarã.

— Você fala como se não tivesse tido uma juventude terrível. — respondeu Mu.
— Nós nunca conhecemos outro mundo, Mu.

— Não deixa de ser cruel, amigo.

Aldebarã deixou escapar um sorriso; mas assim que Mu desatou uma das bandagens de seu braço, Aldebarã o recolheu com dor, para surpresa de Mu. 

— Ainda? — perguntou ela.

— Sim. — assentiu Aldebarã.

— Que curioso.

— Sabe, Mu... — começou Aldebarã. — Nos meus sonhos e pesadelos, eu sinto que, cada dia que acordo, um pedaço do quebra-cabeça que foi aquela noite se completa um pouco mais.

— É normal que a sua memória vá retornando aos poucos.

— Pois agora eu tenho certeza de que a sombra que me derrotou, na verdade, foi quem iniciou a batalha.

— Fale mais sobre isso, Aldebarã. — aproximou-se Mu, curiosa.

— Eu estava em paz na Casa de Áries em minha vigília normal, quando senti uma brisa terrivelmente gélida precipitando-se da entrada. E agora eu tenho clareza de que quando fui até as escadarias, senti como se um sopro houvesse atravessado meu corpo.

Mu estava olhando-o, vidrada.

— Era a Sombra. — falou gravemente Aldebarã. — Foi naquele instante que ele entrou na Casa de Áries.

— Pelo gelo. Como Fênix, que viaja pelo fogo.

— Isso. Como nada vi na entrada, eu voltei para o centro da Casa de Áries, debaixo do domo de Cristal, e ali eu fui atacado pela primeira vez. Garras afiadíssimas me atingiram e me colocaram em guarda. Mas em lugar algum eu podia enxergar o invasor. Mas agora eu vejo como se estivesse naquela noite. Havia uma névoa escondendo-se nos cantos.

— A Sombra.

— Agora não tenho dúvidas. Ainda fui atacado por duas ou três vezes na escuridão até que finalmente eu enxerguei o inimigo.

— A Sombra?

— Não. — negou Aldebarã, gravemente. — Eu achei que fosse, mas agora eu sei melhor. O Guerreiro que apareceu na entrada da Casa de Áries não era aquele que me atacava até então.

— E você o atacou imaginando que fosse a Sombra.

— Exatamente. — concordou Aldebarã seriamente. — Um Guerreiro Deus de Asgard que ataquei no primeiro momento que o vi. Ele sem entender de onde vinha aquela fúria atacou-me de volta e então eu tive certeza de que ele era aquele quem se escondia pelos cantos feito um covarde. E eu estava enganado. Ainda assim, o seu golpe era como as garras afiadas que haviam me atacado anteriormente.

— Assim como o ataque da Sombra. Ambos usavam a mesma técnica.

— Não tive essa clareza no momento. Ambos são exímios guerreiros e a capacidade que eles têm de se mover pela névoa de gelo é desconcertante, Mu.

— As marcas continuam na Casa de Áries.

— Seus cosmos também são diferentes e é por isso que fui enganado. Os Guerreiros de Asgard são trancados em sua terra e fui surpreendido por conta disso. A luta arrastou-se com o Guerreiro Deus, que parecia tão confuso quanto eu; ele se apresentou como um enviado de Asgard, um Guerreiro Deus: Sid de Mizar. Mas então já era tarde demais. Eu tinha plena certeza de que ele era um invasor do Santuário de Atena e ele defendia-se do que certamente julgava ser um ataque gratuito de minha parte.

— Ambos enganados pela Sombra.

— E no ápice da batalha… — respirou fundo Aldebarã.

— Foi atacado por trás.

— E acordei nesse casebre.

Os amigos entreolharam-se.

— Sid provavelmente não faz ideia dessa Sombra. Mas a Sombra tinha pleno conhecimento de Sid e arquitetou essa batalha entre nós para causar essa confusão entre o Santuário e Asgard.

Mu ouviu em silêncio o amigo e seus olhos perderam-se na janela, para muito longe, onde quebravam-se as ondas. A porta abriu-se novamente e o garoto Kiki apareceu com a jarra de água cheia.

 

—/-

 

O gélido salão de entrada de Valhalla tinha uma iluminação extremamente lúgubre feita por largos archotes de fogo que se espalhavam muito distantes uns dos outros em colunas colossais. A névoa de gelo branca e brilhante de Sid havia sido sugada para fora do salão pelo cosmo de Andrômeda, de modo que a única fonte de luz realmente determinante naquela escuridão era a silhueta iluminada que surgiu adiante de Shun e Geist, muito feridos.

— O Guerreiro Deus de Alcor. — falou Geist, adivinhando a aparição. — A Sombra de Sid.

Ela então se levantou, a Armadura de Prata que vestia já rachada em diversos pontos, mas ela ainda tinha a expressão dura no rosto.

— Me admira muito que tenha sobrevivido, Cavaleira de Prata. — falou a voz misteriosa e grave do Guerreiro Deus.

Algo que muito surpreendeu Geist, pois embora a voz fosse grave, ela tinha agora a certeza de que não se tratava de um Guerreiro Deus.

Mas de uma Guerreira Deusa.

— Eu já imaginava algum ardil das Sombras. — respondeu ela. — Algo que Aldebarã de Touro certamente não poderia ter adivinhado.

A mulher não respondeu àquela provocação imediatamente e apenas apresentou-se de maneira mais tranquila.

— A Senhorita Hilda é a única pessoa do mundo que sabe de minha existência. Nenhum dos demais Guerreiros Deuses suspeitava, e nem mesmo o próprio Sid tinha qualquer conhecimento. — e então ela caminhou brevemente na direção de Geist. — Como sabia? Como pôde saber que eu, Bud de Alcor, foi quem venceu o Cavaleiro de Touro, e não Sid de Mizar?

Geist fechou os olhos e lembrou-se do relato de Shaina.

— Aldebarã de Touro sobreviveu, Guerreira Deusa. Se acha que o enorme Cavaleiro de Ouro seria vencido por um ardil das sombras, está muito enganada. Ele sobreviveu e contou à Mestre-de-Armas do Santuário que sua batalha contra o Guerreiro Deus Sid de Mizar não havia sido de toda justa. E que havia mais alguma coisa na escuridão. — Alcor escutava em silêncio o relato de Geist, que continuou. — E nos vales nevados de Asgard, eu tive o prazer de estar diante da Princesa Freia, que também nos contou sobre a constelação que vela esta terra. As Sete Estrelas da Ursa Maior, ou Karvalgn como a conhecem aqui. E sobre Mizar, que é sempre acompanhada por uma sombra: Alcor.

Os olhos de Bud brilharam por um breve momento.

— Deduzimos então que Sid de Mizar tinha algo que o ajudava nas sombras em batalha. Pois agora está claro que o algo era um alguém. E esse alguém é você, Bud de Alcor.

Bud fechou os olhos como se absorvesse aquele relato sincero de Geist e então caminhou adiante do corpo estendido de Sid sem dar qualquer atenção a ele. Sua voz era calma.

— Sid e o Cavaleiro de Touro tinham a mesma força. O desejo de Asgard precisava ser cumprido.

— E então atacou-o pelas costas? — perguntou Geist, seriamente. — Não imaginaria que os Guerreiros Deuses de Asgard fossem tão covardes.

— Guerreiro Deus? — perguntou ela, seguida de uma risada. — Não sou uma Guerreira Deusa. Sou apenas uma mera Sombra.

E feito mesmo uma assombração envolvida por uma capa branca, Bud virou-se lentamente para o corpo que agora estendia-se atrás dela; ao lado do corpo estavam as Safiras que Shun deixou cair ao ser atingido por seu punho. Ela estendeu a mão e, por um instante, como bem viu Geist, hesitou em tomá-las, mas finalmente pegou as duas Safiras e uma delas encaixou-a no vão que havia em sua Robe Divina. Exatamente no peito. Exatamente como a Robe de Sid.

Pisando na luz como fez, tanto Geist como Shun perceberam que ela usava uma réplica idêntica da Robe Divina que Sid trajava, mas ao invés do Tigre Negro que cobria o corpo do valoroso conselheiro de Valhalla, Bud tinha uma Robe Divina inteiramente branca, feito um tigre das neves. Mas essa não foi a semelhança que mais chamou a atenção de Geist.

— E agora é uma Guerreira Deusa. — concluiu Geist por ela. — Bud de Alcor.

— Não. — corrigiu Bud. — Essa pedra é a Safira protegida pela estrela Zeta, portanto eu não sou mais uma sombra, senão a legítima Guerreira Deusa de Zeta. E ela agora será a minha pedra guardiã.

 

—/-

 

Onde o vento soprava forte no mezanino do lado de fora do Palácio Valhalla, Siegfried estava muito confuso enquanto Hilda observava o Colosso de Odin. O vento era barulhento e fazia o vestido de Valquíria da representante do Grande Deus esfolar contra o piso de mármore escuro; os cabelos de Siegfried também esvoaçavam naquele balcão.

— Bud de Alcor? A Sombra de Sid? — perguntou ele para Hilda, que finalmente o havia revelado o segredo de Valhalla. — Eu não sabia da existência dessa Guerreira Deusa.

— Quando se quer enganar os inimigos de Valhalla, por vezes é preciso enganar até mesmo seus mais fiéis aliados. — falou ela olhando para Siegfried, ajoelhado à sua frente. 

— Mas divina Hilda, desde o começo dessa batalha que Valhalla sofre com a falta de guerreiros. Se Bud é assim tão capaz ao ponto de ser tão poderosa quanto Sid, talvez ela pudesse ter sido mais útil no lugar do Cavaleiro de Atena ou até mesmo no lugar de Alberich.

— Siegfried, você terá de compreender que Bud não usaria qualquer outra Robe Divina.

— Não usaria?... — perguntou-se Siegfried, confuso.

Hilda permanecia com os olhos pregados no Colosso de Odin, enquanto as dúvidas povoavam o coração de Siegfried, que agora sentia-se terrivelmente sozinho. Hagen havia sido vencido. Agora Sid estava estirado nos salões de Valhalla. Thor pereceu ao frio. E seu irmão estava afundado em desgraça em um calabouço. A esperança de Asgard residia apenas nele e em uma sombra. E isso ele não podia aceitar.

— Eu mesmo irei até o Salão do Palácio Valhalla acabar com esses invasores, não posso confiar em uma Sombra. — anunciou ele, levantando-se.

— Espere, Siegfried. — ordenou Hilda, virando-se para ele; ela segurava uma flor-do-norte entre os dedos e seus olhos eram ameaçadores. — É como disse Alberich, não podemos escolher os métodos que vamos usar para chegar à vitória. Por vezes, talvez seja necessário mesmo esquecer de nossa alma.

— Mas Hilda… 

Os olhos de Hilda tornaram-se brilhantes feito o topázio e ela virou-se, plena e ameaçadoramente, diante de Siegfried. Seu seidr era feito o mais profundo frio que ele poderia experimentar e, naquele instante, o guerreiro entendeu o que significava estar próximo a Odin. E ele nunca sentiu tanto medo em toda sua vida.

— Siegfried. — começou ela, com sua voz fria e aguda. — Por acaso devo entender que você não é capaz de me escutar?

O enorme conselheiro tremia. Não era de frio, senão de medo. A flor que Hilda tinha entre os dedos congelou-se e estalou em mil pedaços com a força de sua magia.

— O importante é derrotar os Cavaleiros. — lembrou ela com um sorriso no rosto ao ver que Siegfried estava pacificado e de joelhos diante dela.

Dentro do Palácio Valhalla, nas áreas internas da nave central iluminada por fracos archotes, Shun e Geist ainda encaravam a aparição gélida daquela Sombra entre eles. O Cavaleiro de Andrômeda sequer cogitou falar-lhe à razão, pois estava já claro pelo contexto que ali não havia qualquer chance de convencimento. De modo que tanto ele como Geist estavam em guarda para iniciar mais uma batalha, pois afinal de contas eles precisavam daquelas Safiras de Odin para finalizar a missão de Asgard.

— Então lutaremos. — concluiu Geist.

Bud abriu os braços, como se os convidasse à batalha.

Geist ardeu seu Cosmo de prata e saltou para testar a força de Bud, agora que lutava na luz e não mais nas sombras; a mulher desviou facilmente de seu punho e contra-atacou Geist, lançando-a contra uma pilastra próxima. Ágil feito uma serpente, no entanto, ela endireitou-se no ar e, ao invés de chocar-se com a pilastra, tomou impulso e novamente atacou Bud, fazendo-a finalmente abrir a guarda para defender-se das rajadas elétricas de seu punho.

A Cavaleira de Argo, que àquela ocasião usava metade da Armadura de Prata de Shaina, colocou-se novamente diante de Bud, e viu como a mulher iluminou-se de branco, criando a névoa gélida que Shun tão bem conhecia de sua batalha contra Sid. Shun imediatamente limpou a névoa com seu cosmo eólico, mas enquanto ele o fazia Bud aproveitou-se para mover-se pelo gelo que ele jogava para longe para transportar-se pelo salão, confundindo tanto Geist como Shun.

— Pare, Shun! — pediu Geist, adivinhando a artimanha.

Tarde demais. Bud de Alcor reapareceu de um ponto cego de ambos e sua voz feminina, embora muito grave, ecoou nos salões antigos de Valhalla sua técnica mais poderosa.

— Garras do Tigre das Sombras!

Os dois foram atingidos ao mesmo tempo. E ambos foram ao chão terrivelmente feridos, finalmente sentindo na pele o ataque que foi capaz de partir o Elmo de Ouro de Aldebarã e levar o enorme Cavaleiro ao chão. E no chão agora também estavam estendidos Geist, ainda muito ferida de sua luta contra Mime, e Shun, que havia sofrido nas mãos do lindo violinista, bem como também contra o Tigre Negro Sid.

Ambos à mercê da Tigresa das Sombras.

Sem esconder-se mais, Bud caminhou em passos que ecoavam pelo mármore até os dois corpos feridos no chão. Ela analisou a fraqueza de ambos, sem compreender como tantos outros Guerreiros Deuses puderam ser vencidos por aquele tipo de guerreiros; pois a invasão estava terminada e ela levantou o braço direito revelando presas nas mãos para dar cabo de ambos.

— Eu pensaria duas vezes antes de fazer o que está pensando. — falou outra voz, adentrando o salão.

Bud olhou adiante e percebeu que havia mais um deles entre eles.

— E quem é você?

— Sou Ikki, a Ave Fênix.

Um silêncio sepulcral no Palácio Valhalla.

— Fênix? — perguntou Bud.

De outro lado, Ikki mediu aquela mulher dos pés à cabeça e então falou aos corpos estirados à sua frente.

— Vocês estão bem? — perguntou, sem tirar os olhos da Guerreira Deusa.

— Sim, irmã. — respondeu Shun ao ver que Geist também movia-se com dificuldades no chão.

O olhar de Bud era gélido e sua voz também carecia de qualquer empatia.

— Phecda não te matou, então. — concluiu Bud. — Ele jamais poderia, é claro. Aquele Cavaleiro de Atena jamais deveria ter sido aceito entre os Guerreiros Deuses.

— Então é como eu suspeitava. — respondeu Ikki. — Vocês tramaram para capturar a mente de Hyoga e colocá-lo contra seus amigos. Que ridículo. De todo modo, isso não importa em nada, pois você tem razão. Hyoga realmente jamais poderia me matar, pois somos irmãos de batalha. Eu tenho certeza que ele encontrará uma forma de se libertar dos feitiços covardes de Asgard.

Bud reagiu com um breve riso de escárnio.

— E este aqui é seu irmão de sangue. — apontou ela para o corpo moribundo de Shun. — Um irmão foi tomado pela Safira de Odin e o outro morre aos meus pés. Como se sente perdendo seus irmãos um a um, Ikki de Fênix?

Então foi a vez de Ikki fechar os olhos em deboche.

— Eu já perdi meu irmão uma vez. Mas ele me trouxe do Inferno. — falou Ikki. — Não duvide da capacidade de voltar à vida desses meus irmãos de batalha. Se hoje eu estou aqui à sua frente para te derrotar é porque eles insistiram em me trazer de volta.

Bud riu profundamente.

— Que tocante todo esse amor. — falou ela, com torpe ironia.

E seu corpo brilhou coberto de sua névoa branca gélida de onde os Guerreiros Deuses pareciam tirar força.

— Você deveria ter ficado na boca daquela caverna, pois se colocando aqui diante de mim você terá o mesmo fim que seu irmão. Será mais um corpo estendido no mármore.

A névoa de gelo precipitou-se e uma brisa soprou entre as duas lutadoras, revoluteando a capa de Bud e estendendo as penas de Ikki. A Guerreira Deusa sumiu e avançou pela névoa, mas Ikki também desapareceu, surgindo distante acima do archote de fogo de uma coluna de onde pegou impulso e foi na direção da imagem de Bud que reapareceu onde antes a Cavaleira de Bronze estava. Bud suportou o ataque de Ikki com os dois braços e as duas se apartaram.

Sem truques, saltaram ambas para atingirem-se no ar, caindo cada qual de um lado: Ikki foi ao chão já com um filete de sangue saindo-lhe da boca, enquanto Bud pousou graciosamente do outro lado. Logo depois dela, caiu, com grande estrondo no chão, seu elmo branco, pois Bud não havia passado incólume daquele choque. A cabeça do Tigre, que antes protegia e escondia a feição de Bud, agora estava ao chão.

Ikki levantava-se com dificuldades, quando a voz grave daquela mulher novamente falou.

— O que houve com a sua prepotência de agora há pouco? — Ikki sofria já com as dores, pois também havia tido uma terrível batalha contra Hagen e fora atingida por Hyoga. Bud seguiu falando com escárnio na voz. — Deixe-me lhe contar uma verdade. Neste mundo em que vivemos, os seres humanos estão sempre sozinhos e os que forem mais fortes são aqueles que sobrevivem. Mesmo os irmãos por vezes dividem-se entre ganhadores e perdedores. A compaixão é inútil.

Ikki finalmente colocou-se de pé para encarar aquele rosto frio de Bud que agora havia se revelado com a queda de seu elmo. Pois o que Ikki viu lhe trouxe um frio na espinha; ela notou, com assombro, aquilo que antes já havia causado certo calafrio em Geist. Bud e Sid eram idênticos.

— Bud, não me diga que você é…

— Sim, Ikki de Fênix. — interrompeu ela. — Assim como Andrômeda e você. Sid e eu somos irmãos de sangue. Sid de Mizar é meu irmão.

Havia uma surpresa estampada no rosto de Ikki, que olhava de um para outra como se comparasse em busca de alguma diferença entre ambos, mas eram absolutamente idênticos. A única diferença era o gênero.

— Então as estrelas gêmeas de Zeta são irmãs de verdade. — apontou Geist ao lado de Shun, sentada próxima à uma pilastra, recuperando o fôlego.

— Mas se você é a Sombra de Sid, certamente podia tê-lo salvado da minha Tempestade Nebulosa, como fez contra Aldebarã de Touro. Por que deixou que ele morresse?

Bud deixou escapar um sorriso ao escutar a voz de Shun, mas sem deixar de encarar Ikki.

— É verdade que eu poderia ter matado Andrômeda neste salão enquanto os dois lutavam entre si. Mas se eu tivesse feito isso, esse seria mais um grande feito de Sid do qual ninguém jamais saberia a verdade. — e nesse ponto, Bud assumiu um tom grave e ameaçador. — Mas se Sid morresse em batalha e eu conseguisse a sua Safira de Odin, então eu seria a legítima Guerreira Deusa de Zeta.

Ikki à sua frente torceu a boca de ódio ao testemunhar tamanho egoísmo.

— Está dizendo que viu o seu irmão perder e não tentou ajudá-lo?!

— A culpa foi dele por ter sido derrotado por um Cavaleiro de Bronze. — falou ela, de olhos fechados. — Quanto à mim, embora ele seja meu irmão de sangue, eu apenas o vejo como o cadáver de um perdedor. Nada mais.

As palavras foram duras para Ikki, principalmente porque ela encontrou ecos em seu passado daquele mesmo olhar de desconsideração. De forma que ela sequer colocou seus sentimentos em palavras, apenas ardeu seu ódio em Cosmo de Fogo para atacar Bud com sua Ave Fênix. Mas seu punho flamejante atravessava o ar e não encontrava sua oponente de forma alguma.

— Eu conheço sua técnica, Fênix. Eu a vi lutar contra Hagen nas Cavernas do Sul.

Bud sorriu e contra-atacou Ikki que, a princípio desviou aqui e ali, mas finalmente viu como a Guerreira Deusa sumiu na névoa de gelo e apenas a sua voz ecoou no mármore do palácio.

— Garras dos Tigres das Sombras!

E das sombras Ikki foi alvejada pelas garras afiadas de Bud indo ao chão novamente, para desespero de Shun e de Geist.

— Como se sente em morrer na frente do seu irmão? — perguntou Bud.

E antes que Ikki pudesse cogitar se levantar, ela pisou em sua cabeça, afundando-a na pedra. Uma, duas, três vezes, e então a levantou pelo colarinho da Armadura de Fênix para espancá-la com seu punho de luz e jogá-la contra as paredes. Shun chamava pela irmã, queria ajudá-la a suportar aquele sofrimento, e tudo que conseguiu foi colocar-se de joelhos, lutando para tentar se pôr de pé novamente.

Bud encarou-o às suas costas e estendeu apenas um dedo de onde um feixe de luz fez com que Shun fosse atravessado e novamente fosse ao chão ao lado de Geist. Ela voltou sua atenção para Ikki, que também tentava se levantar, e a levantou pelo pescoço, puxando-a para mais perto. 

— Toda essa história maravilhosa de laços entre irmãos não ajudará vocês em nada agora! Na realidade, ter o mesmo sangue nunca foi garantia de nada. Pelo contrário: existem ocasiões em que sermos irmãos só ajuda a aumentar mais e mais o ódio que sentimos.

Dizia ela enquanto espancava Ikki.

— Ódio? — balbuciou Ikki de volta, antes de ser pisoteada na cara.

Uma palavra que ela conhecia tão bem.

— Isso mesmo. — respondeu Bud. — Deixe-me contar uma história. Uma história sobre dois irmãos gêmeos. Uma história que aconteceu há muito, muito tempo, e que eu acho que é importante que vocês saibam antes de morrerem.

Começou a voz de Bud, enquanto seu pé direito estava no pescoço de Ikki, deitada à sua frente. Sua voz era tranquila e irônica. Todos naquele salão ouviam a voz de Bud.

— A história é sobre um casal de uma das mais distintas famílias de Asgard, senão a mais ilustre entre todas. Entre eles nasceu um filho homem, que eles esperavam com muita ansiedade para seguir a linhagem da família. — aqui ela fez uma pausa e puxou o ar com profundidade. — E se tivessem tido apenas aquele filho, não haveria problema algum, mas junto do filho-homem nasceu também outra criança no mesmo parto. Sabe, as pessoas de Asgard acreditam que as crianças gêmeas trazem má sorte e destroem o futuro da família. E para eles não havia nada mais importante do que a família. Segundo os costumes, era preciso escolher um deles.

O relato era ouvido por todos ali naquele salão.

— E por causa disso, enquanto um dos bebês, o escolhido, estava nos aconchegantes braços da mãe, o outro bebê foi abandonado enrolado em um enxoval em meio à uma tempestade de neve em Asgard com apenas uma adaga de ouro, onde escreveram seu nome à fogo. Sem ter conhecido o afeto dos pais, aquele bebê foi encontrado por um andarilho da noite que procurava comida nas valas. 

— Bud… — balbuciou Ikki.

— Aquele bebê era eu. — concluiu a mulher.

Ela levantou Ikki pelos cabelos e a socou nas costas.

— Se eu não houvesse encontrado meu irmão, eu teria vivido pacificamente como a filha daquele aldeão sem saber da minha desgraça. — disse ela, olhando para o rosto de Sid imóvel no chão. — Mas não foi assim que quis o destino.

Sua voz agora parecia entre os dentes e ela largou o corpo de Ikki para cair no chão.

— A fome é a doença que varre Asgard desde aquela época. Eu era filha de um aldeão muito pobre de Asgard-Baixa e certa vez estava fazendo o que ninguém podia fazer. Caçando na Floresta Proibida, onde apenas era permitido o cavalgar daqueles que viviam em Asgard-Alta, mas a ninguém era permitido caçar. Mas a fome me levou até lá atrás de uma lebre, que poderia salvar-nos da fome naquela noite. Eu corri e corri até que a encurralei contra a parede de uma enorme pedra invadida pela neve. A lebre estava ferida, mas antes que eu pudesse tomá-la um rapaz da mesma idade que a minha surgiu com seu cavalo. Um príncipe. Pediu que eu parasse e não fizesse nada à pobre lebre, o protetor dos animais de mesa-cheia durante a noite. Colocou-se entre mim e ela. Era um menino limpo, os cabelos bem cortados, a roupa de qualidade, a fala elegante. Eu o encarei e teria apedrejado ambos para poder comer algo naquela noite. Mas ele barganhou comigo: disse que me daria algo em troca da vida da lebre, algo que eu poderia trocar na cidade por comida. Me deu uma adaga de ouro.

Os ouvidos aprumados de Shun e Geist quase já adivinhavam.

— E quando vi a adaga de ouro que aquele menino me havia jogado, meu coração paralisou. Imediatamente, eu tirei a adaga que eu mesma tinha, aquela que haviam deixado junto ao meu corpo quando bebê. Elas eram idênticas. A minha já muito suja e usada, mas com a inscrição ainda legível. Tinha meu nome escrito: Bud. E aquela que o garoto me havia lançado era como se estivesse nova em folha. Com outro nome gravado, Sid, mas o mesmo brasão de tigre no cabo. Eu era muito jovem e cruzou a minha mente naquele instante: como poderia ser possível que ele tivesse a mesma adaga que eu? Eu não podia compreender. Ele já tinha a lebre no colo e brincava com ela, tendo pago por sua vida com aquela adaga de ouro.

— Droga, Bud… — lamentou Shun ao ouvir aquela tragédia.

— Fui ter certeza quando ouvi outros cavalos se aproximando. Adultos preocupados com aquele jovem. E ele correu na direção deles gritando 'pai, mãe'. Um velho de chapelão na cabeça, vestes quentes para o frio e uma mulher linda de cabelos louros como o sol que nunca vemos, um vestido azul como o céu claro que também nunca podemos enxergar. Eram o pai e a mãe daquele garoto. Chamavam-no pelo nome na adaga: Sid. O garoto perguntou se podia levar a lebre com eles e seus pais permitiram. Os meus pais.

Bud torceu os olhos e encheu-se de ira naquele Palácio Valhalla exatamente como se sentiu quando era uma criança ao ver aquela família feliz da qual não fazia parte.

— E se foram. Embora nascidos sob a mesma estrela como irmãos, a diferença entre Sid, que teve tudo, e eu, era como a diferença entre o céu e o inferno. Eu amaldiçoei meu próprio destino e embora Deus Odin tivesse me abandonado e escolhido ele eu jurei que um dia seria mais poderosa do que Sid. E treinei por todos esses anos até ter a grande alegria por ter sido escolhida como um dos Sete Guerreiros Deuses. Apenas para perceber, tarde demais, que mais uma vez eu era somente uma Sombra de Sid.

— Um ardil de Hilda. — balbuciou Geist.

— Não! — corrigiu Bud, olhando para ambos na parede. — Hilda me disse aquilo que eu já sabia. Que eu era uma Sombra de Sid em Valhalla pelo mesmo motivo pelo qual eu havia sido abandonada pelos meus pais. Que assim estava determinado por Odin. E eu jamais me atreveria a me opor a Odin.

— Como pode… — tentou falar Ikki, mas Bud a tomou pelo pescoço novamente antes que se atrevesse a dizer qualquer absurdo contra Odin.

— E foi então que ela me disse que se Sid viesse a morrer eu não seria mais uma Sombra. E seria a legítima Guerreira Deusa de Zeta. Pois a partir de agora, Hilda terá de me admitir como uma Guerreira Deusa da Estrela Zeta no lugar de Sid, que foi derrotado. Eu deixarei o meu nome na história como uma das maiores Guerreiras de Asgard. Aquela que derrotou os Cavaleiros de Atena!

Ela arremessou Ikki para o ar e a atingiu com violência, fazendo com que seu corpo se espatifasse e abrisse uma cratera no mármore escuro. A Cavaleira de Fênix gemia de dor no meio da cratera, mas entre os sons que emitia sua voz provocou Bud entre suas dores.

— Eu tenho pena de você. — falou a voz trêmula de Ikki enquanto seu Cosmo de fogo novamente se ascendia. — Ainda que você deixe seu nome na história de Asgard, que sentido haverá nisso se você odeia o seu próprio irmão?

— Cale a boca, Fênix. Eu não suportarei ouvir o seu sentimentalismo barato.

— Ikki, minha irmã… — falou Shun ao ver a Ave Fênix novamente se levantar com dificuldades.

— Sabe, Bud — começou Ikki. — Shun e eu também não nascemos sob uma boa estrela. Meu pequeno irmão jamais conheceu os rostos de nossos pais e eu mesma já sequer lembro de qualquer traço deles. Fomos separados à força e uma vez lutamos um contra o outro até a morte feito inimigos. Eu já cheguei a amaldiçoar a Shun e nossos destinos. Mas agora podemos lutar juntos. Juntos e ao lado de nossos amigos por um único objetivo. Por Atena. Nós dois acreditamos que chegará o momento em que mesmo nós, que nascemos sob estrelas desafortunadas, poderemos viver em paz. Por isso juntamos nossas forças para lutar. Se você alcançar a vitória odiando seu próprio irmão, de que valeria essa vitória? Não adianta nada!

Bud estava surpresa com Ikki. Não por suas palavras que, de verdade, pouco moviam seu coração envelhecido de ódio, mas sim com a força que ela ainda tinha depois de ter apanhado tanto e com o brilho de seu Cosmo, que agora iluminava todo o salão, como se Fênix fosse um enorme farol de esperança.

— Eu já lhe disse que enquanto meu Cosmo brilhar, eu vou me levantar quantas vezes for necessário. Eu sou a Ave Fênix que ressurge das cinzas do Inferno!

— E eu vou te matar! 

As Garras do Tigre das Sombras voaram pelo salão, mas Ikki usou seu cosmo e as rajadas afiadas da tigresa foram todas convergidas em um único ponto pelo Cosmo de Fênix. E ela segurou toda aquela fúria com as duas mãos; revigorada e corajosa, Ikki devolveu o golpe na direção de Bud, que desviou de sua própria técnica.

Mas embora Ikki estivesse tocando o Sétimo Sentido naquele momento, graças à compreensão que ela tinha do amor de seu irmão e como aquele sentimento profundo também ardia em Bud, a Guerreira Deusa era mesmo uma oponente terrível. E a troca de forças entre ambas culminou outra vez com Ikki no chão. Era quase inacreditável a possibilidade de vencê-la.

— Pare, Bud. — pediu Shun outra vez, colocando-se diante dela, uma vez que Ikki parecia mesmo estar prestes a ser vencida. — Você só está sendo usada pela Hilda, Bud. 

— Você também?

— Ela está se aproveitando de seu ódio por Sid e usando isso para transformá-la em uma poderosa máquina de guerra.

— Quieto, Andrômeda! — disse ela novamente, derrubando-o com algo simples como um feixe de luz.

Shun permaneceu onde estava, ainda que Bud pudesse ver que ele tentava juntar forças novamente.

— Viu só, Fênix? — falou ela para Ikki, que tentava se levantar do chão outra vez. — Seu irmão irá morrer. Não fará nada para impedir?

— Não, eu não farei. — falou Ikki apenas, para surpresa de Bud.

— Ora, ora, é mesmo verdade que na beira da morte as pessoas se revelam. Já não vê problema que eu mate seu irmão desde que você viva um pouco mais. No fim das contas, irmãos, amigos, nada disso importará. Na verdade todos amam somente a si mesmos. 

— Está errada. — falou Shun tremendo, com os braços estendidos enquanto levantava seu corpo. — Minha irmã confia em mim. Pois é como ela disse. Enquanto houver uma pequena chama de Cosmo, podemos vencer qualquer obstáculo que enfrentamos. É assim que os Cavaleiros de Atena são. Eu ficarei de pé quantas vezes necessário for.

— Que bobagem, Andrômeda.

— É isso mesmo. — falou Ikki. — Não permitiremos que pessoas como vocês extingam o fogo de nossas vidas.

E os dois irmãos ardiam seus Cosmos junto de suas vidas; entre eles estava Bud. Shun usou seus ventos para paralisar Bud, nem que fosse por um instante, e o Cosmo de Ikki atravessou a mente da Guerreira Deusa com seu Golpe Fantasma. Bud, no entanto, riu daquela tentativa ao ver Shun e Ikki lado a lado à sua frente.

— Eu não sou tão tola quanto Hagen, Fênix. Eu já disse que vi a sua batalha contra ele, eu sei todos os seus truques. Se acha que vai me deixar em estado catatônico com esse golpe, está muito enganada. Ao contrário de Hagen, que teve uma vida tranquila ao lado das princesas de Asgard, eu vivi o inferno junto aos miseráveis. Eu vi coisas horríveis em toda a minha vida. Não poderá me assombrar.

— Será mesmo que já viu tudo, Bud?

 

—/-

 

O salão do Palácio Valhalla derreteu e deu lugar à uma colina noturna; os Cavaleiros de Atena todos sumiram e deram lugar à uma única silhueta além dela. A de seu irmão Sid. Ambos usando a Robe Divina presenteada por Hilda. O claro e o escuro opondo-se. Bud jurando o irmão à morte e o irmão Sid duvidando da força dela; uma luta terrível entre ambos arrastou-se pela colina nevada como se dois tigres realmente se enfrentassem. A batalha culminou com o corpo de Sid estendido e à mercê de Bud.

Bud ergueu-se diante dele e armou as garras para dar cabo da vida de seu irmão.

Mas hesitou.

No momento de tirar aquela vida à sua frente, ela hesitou.

E tardou-se ali, olhando para o rosto de Sid sangrando, sem ter condição de seguir adiante com seu intento.

Demorou-se ali por minutos, horas, dias, talvez.

— Muito tocante, Fênix. — falou ela de volta à realidade. — Mas eu sei que tudo isso foi uma ilusão criada por você.

— Será mesmo? — perguntou-se Ikki. — Será que você realmente seria capaz de matar seu irmão?

Bud tinha um sorriso estampado no rosto enquanto ambos se encaravam no salão escuro.

— Não seria.

Quem respondeu foi a voz de Geist ao longe. Todos olharam para ela, inclusive Bud.

— Não foi capaz. — repetiu ela, apontando para Andrômeda. — No momento final em que Shun estava para matar Sid com sua técnica, você tentou salvá-lo no último instante. E se eu não tivesse retornado ao salão, Shun teria sido vencido e Sid salvo.

Bud calou-se sem tirar os olhos de Ikki.

— Se queria mesmo derrotar Sid e tomar seu lugar, por que não o abandonou? — perguntou Geist.

— Isso era parte do meu dever como Guerreira Deusa das Sombras. — respondeu Bud, confessando que havia lançado um ataque que vitimou Geist no ápice da batalha entre Shun e Sid.

— Não foi apenas por causa disso! — acusou Ikki. — Você queria salvar o Sid.

— Não é verdade! — retrucou ela.

— O que viu em meu Golpe Fantasma não foi uma ilusão, mas o seu verdadeiro coração. As pessoas atingidas por minha técnica geralmente experimentam o pior de seus pesadelos, medos, e assim sucumbem por causa do terror. Mas com você é diferente, pois o seu maior medo, na verdade, é o de descobrirem que, no fundo, você ainda ama o seu irmão.

— Isso não é verdade! — acusou ela. — Você não entende, Fênix.

— Certamente você sente um ódio imenso por eles. Por seus pais. Pelos seus pais que abandonaram você para cumprir com os costumes dessa terra. Mas Sid nunca teve culpa alguma.

Bud olhou para trás, para o corpo de seu irmão Sid.

— E você sabe disso perfeitamente. — concluiu Ikki, ardendo seu Cosmo em chamas.

— Cale a sua boca, eu estou sozinha neste mundo! — bradou Bud, ascendendo o gelo de seu seidr.

— Eu estou dentro do seu coração, Bud. — falou Ikki. — Sinta o Sétimo Sentido!

Ave Fênix. Garras de um Tigre das Sombras.

Suas vozes ecoaram no Salão do Palácio Valhalla uma última vez. Só que dessa vez Bud sentiu como nunca a fúria e a força do Sétimo Sentido de Ikki. Se ela conhecia as técnicas de Ikki, o que ela nunca havia experimentado era o diferente universo que se tornava o Cosmo dos Cavaleiros de Atena quando alcançavam o Sétimo Sentido. Sua Robe Divina foi destroçada de modo que seu lado esquerdo inteiro foi reduzido a cinzas, deixando seu braço e ombro desprotegidos.

Mas ela ainda caiu com vida no chão; Ikki a havia poupado. Sua voz tremia de dor.

— Então esse é o poder dos Cavaleiros de Atena. — ponderou Bud, colocando-se de joelhos. — Um poder capaz de derrubar os Guerreiros Deuses. Agora eu compreendo. 

 

Ela tremia de dor. Seu braço desprotegido, o sangue escorrendo de seu ombro como também de sua mão direita.

— Tudo está terminado. — balbuciou ela. — Já pode dar cabo de minha miserável vida, Fênix.

— Cuidado, Ikki! — chamou Shun, ao fundo, ao notar uma sombra nas costas do irmão.

Bud levantou-se para a morte.

— O que está esperando? Não tenha piedade e mate-me de uma vez.

Houve um silêncio em que uma voz entrecortada fez-se ouvir.

— Bud. Depressa… 

Bud virou-se e notou algo surpreendente. Ikki estava de pé, mas atrás dela havia alguém que não poderia estar vivo. Era Sid, mantendo Ikki presa em seus braços para que não pudesse fugir.

— Depressa, destrua a Fênix. 

— Sid… é você? — surpreendeu-se Bud ao ver aquela sombra.

— Vamos, minha irmã, você precisa destruir a Fênix.

— Mas, mas… isso seria destruir você também, Sid. — ponderou ela, preocupada.

— Não importa. De qualquer modo, meu corpo já está amaldiçoado e minha morte é uma questão de tempo. — Sid engoliu com dificuldades antes de continuar a falar. — Agora você é a verdadeira Guerreira Deusa da Estrela Zeta. É o seu dever!

Ikki estava absolutamente calma, ainda que estivesse à mercê do Tigre Negro.

— Sid, você sabia sobre Bud, a sua irmã que foi abandonada quando vocês eram crianças, não é mesmo? Por que não falou nada?

O rosto de Bud estava lívido.

Ele tomou um tempo para conseguir falar, pois estava mesmo muito ferido depois de ser atingido pela Tempestade Nebulosa. Bud paralisada lembrando-se do momento em que o viu pela primeira vez com aquela lebre.

— Quer dizer que você também sabia que eu queria tomar o seu lugar? — perguntou ela.

— Eu entendo seu ódio. — começou Sid, com dificuldades. — Mas eu quero… eu quero que saiba que eu, meu pai e minha mãe nunca a esquecemos. É terrível o destino que nos forçamos a viver nessa terra amaldiçoada. E apesar de tudo isso, você ainda me ajudou mais de uma vez. E cada vez que me ajudava, Bud... Cada vez era como se a adaga de ouro se afundasse mais e mais em meu peito. Eu não poderia nunca comparar a minha mágoa com toda a dor que você teve de perdurar por toda sua vida. E a sua ajuda é muito mais do que eu jamais poderia ter desejado. Ou merecido. Mas esse foi nosso destino. E eu darei o meu lugar de Guerreiro Deus a você, minha verdadeira irmã.

Bud parecia também sentir a adaga de ouro rasgar seu peito.

— Agora vamos, Bud, não perca mais tempo!

Ele sofria, o corpo arrasado pelos ventos de Shun.

— Você pode destruir a Fênix. Vamos! Destrua ela de uma vez! Não precisa se preocupar comigo, minha irmã. — ele amansou o aperto em Fênix, pois sua força se esvaía. — Vamos de uma vez, Bud, destrua ela, acabe com ela!

Bud armou seu golpe e seu seidr ascendeu ao redor dela. Ela tremia, talvez de medo ou de ira.

Instalou-se um momento terrível de tensão entre todos.

— Bud, você pode até mesmo me destruir se assim quiser. Eu não vou tentar impedir. — falou Ikki, muito calmamente.

— Maldição… — grunhiu Bud entre os dentes, lembrando-se finalmente da ilusão que teve de perdurar.

Ela era incapaz.

— O que houve, Bud? — perguntou Ikki.

Havia tantos anos de ódio dentro dela. E havia apenas um único momento que Sid havia sido remotamente simpático. Duas adagas de ouro. O mesmo brasão. Uma lebre ferida que ele havia levado para cuidar, deixando pra trás uma irmã entristecida.

Sid olhava para Bud e Bud olhava para Sid.

Ainda que os Cavaleiros de Atena estivessem ali, parecia que o tempo havia parado para que ambos se olhassem. Até que Bud desviou os olhos e desarmou sua guarda. Finalmente sem forças, Sid caiu às costas de Ikki resolvendo o impasse.

— Minha irmã… — foram suas últimas palavras.

— Sid, por quê…?

A luta estava encerrada.

O Salão do Palácio Valhalla estava todo destruído pela batalha entre os Tigres solitários de Asgard e os Cavaleiros de Atena. Muitas colunas caídas, seções do teto cedidas, crateras no piso de mármore e um imenso silêncio em que as lágrimas de Bud começavam a cair. Shun sentia uma dor terrível no peito e também chorou procurando o olhar de Ikki, que mantinha-se firme ao ver que Bud havia se ajoelhado ao lado de Sid.

Pela entrada de Valhalla, Geist notou que o restante dos Cavaleiros havia finalmente chegado até ali: Shiryu e Seiya ajudavam Hyoga a caminhar, com sua coxa dilacerada, enquanto Shaina chegava atrás deles. 

A cena era de profunda tristeza e a chegada dos amigos não fez com que Ikki tirasse os olhos marejados dos dois irmãos ao leito de morte.

— Eu o detestava, mas não fui capaz de matá-lo. Foi por causa do sangue que corre em nossas veias? Por que nós somos irmãos, será que foi por isso que não consegui atacá-lo?

Ikki falou à ela com seriedade.

— Sempre existirão diferenças entre pais, filhos e irmãos. Mas no começo não é assim. Não existem brigas, pois no princípio as crianças amam os pais e os irmãos quando são novos confiam uns nos outros. Mas de repente a fortuna chega até eles, as más escolhas dividem o destino e por vezes a terra em que vivem destrói a família. E então todos começam a se odiar e a se matar e buscar vingança. Mas nunca se esquecem da época em que tudo começou. Em que se gostavam. E da época em que confiavam uns nos outros. A vida pode ocupar os dias com a tristeza, mas essas memórias sempre estarão dentro de nossos corações.

Shun chorava. Bud também.

E chorando Bud tomou o corpo de Sid nos braços e virou-se para encarar os Cavaleiros de Atena. Todos viram seu rosto gélido com lágrimas congeladas, o cenho franzido, o sangue que lhe escorria da têmpora, o braço direito calcinado; seu olhar, no entanto, estava fixo em Fênix, sua rival. Ela assentiu como se permitisse que Bud saísse dali, pois já não importava mais nenhum de seus pecados cometidos. 

Também apenas com o olhar Geist pediu à Shaina e aos recém-chegados que não se colocassem no caminho da Guerreira Deusa.

E viram todos a marcha lenta e triste de Bud com seu irmão Sid morto nos braços. Ela, por sua vez, viu os Cavaleiros de Atena um a um, feridos terrivelmente, mas todos olhando para ela com certa ternura; incapazes de saberem o que havia acontecido, mas confiando uns nos outros que o certo era deixá-la partir. 

E antes de partir, Bud deteve-se uma última vez, de costas para todos.

— Fênix. Você disse acreditar em um mundo onde os irmãos separados poderão viver felizes e que você lutará por ele. E eu senti vontade de… de acreditar nas suas palavras.

Ikki olhou à sua frente e notou que, no chão, onde estava o corpo de Sid, Bud havia deixado as duas Safiras de Odin para trás. Bud despediu-se finalmente.

— Não sou mais uma Guerreira Deusa. Agora sou aquilo que eu realmente sempre quis ser. Sou a irmã de Sid.

E assim Bud deixou Valhalla para sempre.


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Notas finais do capítulo

SOBRE O CAPÍTULO: Bud é incrível. A história dos dois é trágica demais e bonita ao mesmo tempo, pouca coisa foi mudada nessa batalha. Apenas o gênero, que foi uma forma de surpreender o leitor e também aproximar ainda mais Sid e Bud dessa versão de Shun e Ikki. Eu adorei criar a última fala de Bud para que sua história terminasse de maneira bem bonita.

PRÓXIMO CAPÍTULO: O PALÁCIO VALHALLA

Depois da trágica batalha com Bud, os Cavaleiros de Atena decidem se separar dentro do Palácio Valhalla para que possam chegar ao destino final: a Relíquia dos Mares.



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