O inverno atingiu Nova York severamente, a chuva que despencava dos céus sob a cidade naquele momento era uma das mais severas dos últimos meses, as pedras de granizo produziam um pequeno ruído ao entram em choque com a janela do apartamento de Annie. No momento Annie não se encontrava deitada, quem dormia um sono agitado e cheio de sonhos ou lembranças de vidas passadas em sua cama era a sua namorada Mattie Merrill. Em seus sonhos a jovem mulher via uma Xena decapitada na sua frente, “onde está a cabeça dela? ” Gabrielle não sabia se a chuva que estava caindo sob ela era a responsável por suas roupas estarem tão ensopadas, ou se suas próprias lágrimas eram a causa disso, a imagem da mulher que amou morta fazia seu estômago revirar, a vontade de vomitar era latente. O sonho de Mattie foi interrompido, uma mão quente pousou sob o seu braço e ela pôde escutar uma voz muito longe lhe perguntar se estava com frio:

— Querida, você está com muito frio? Posso deitar com você, se quiser. –Os olhos azuis a encaravam com preocupação, Annie não possuía mais cabelos curtos e dourados, seus fios agora possuíam a mesma coloração dos cabelos da princesa guerreira, mas estavam em tamanho médio.

— Ou estou com frio, ou com mal de Parkinson. –Brincou, enquanto sua pele arrepiava de frio. - Você está tão quente. –Balbuciou, a mulher de cabelo castanho acobreado segurou a mão da outra próxima ao seu rosto e voltou a relaxar, fechando seus olhos.

— E você está fria como uma das pedras de gelo que estão batendo na minha janela. –Colocou sua mão livre na testa da mulher, constatando que ela estava tão fria como um daqueles bonecos de neve que as crianças faziam naquela estação do ano.

— Adoraria ter você deitada comigo, mas essa cama é muito pequena. –Disse com uma voz manhosa, como se insinuasse que sua namorada precisava comprar uma cama de casal para elas.

— Espaçosa. –Puxou o pano cobrindo melhor sua amada, livrou sua mão do carinho da mulher e foi se sentar em uma poltrona que havia próxima a cama. Annie dormia naquela poltrona as vezes, assim como Gabrielle, Mattie era uma mulher muito espaçosa e a cama de solteiro não era capaz de acomodar os dois corpos ao mesmo tempo, mas na maioria das noites, elas faziam um esforço para terem o conforto de seus corpos juntos.

— An... promete que nunca mais vai fazer isso? –A voz de Mattie fez com que Annie abrisse seus olhos novamente.

— Isso o que? –Olhou confusa para sua namorada.

— Morrer... –Engoliu em seco.

— Adoraria prometer, mas não posso... sou mortal, uma hora vai chegar a minha vez de morrer. –Queria rir do pedido da mulher, mas o tom choroso da sua voz a impediu. – Por que está me pedindo isso? São os sonhos de novo? –Coçou a cabeça e estendeu a destra para segurar a mão fria e trêmula da outra.

— Não são só sonhos... são lembranças das nossas vidas passadas. –Limpou uma lágrima que escorreu de seus olhos. – Prometa que não vai me deixar sozinha outra vez... não sei se aguentaria...

Mattie chorou até que adormeceu novamente, os sonhos a atingiram como o granizo que batia na janela próxima a cama. O cenário agora era totalmente diferente, mas ainda era um cenário de guerra, Gabrielle e mais um grupo de pessoas estavam com suas mãos amarradas sob suas cabeças, quando de repente o Chakram de Xena cortou os ares, os libertando de suas amarras. Xena ficou lutando contra aqueles que fizeram a barda e os demais de prisioneiros, mas em um dado momento ao tirar uma criança do caminho de uma torra de madeira, ela própria fora atingida e ficou sangrando no chão. Mattie se lembra claramente de ter gritado e corrido ao seu socorro, mas a partir daí seu sonho ganhou outro cenário, neste era ela quem estava à beira da morte, Xena estava chorando próximo ao seu leito de morte, segurou sua mão e lhe disse que jamais a abandonaria, nem mesmo na morte. Porém o derradeiro cenário que Mattie visitou em seus sonhos contrariava esta promessa, a princesa guerreira estava no Japão, estava muito machucada e lutava contra todo um exército sozinha. De repente um dos guerreiros a atingiu com um golpe certeiro no pescoço, “Gabrielle! ” Foi tudo o que a mulher pôde ouvir, infelizmente a própria Gabrielle não se encontrava ali para ouvir as últimas palavras de sua amada guerreira.

— Não! –A mulher se levantou de repente, estava trêmula e ofegante.

— Mattie? –Annie se levantou da poltrona e caminhou até sua namorada, a envolvendo em um abraço apertado e cheio de carinho. – Estou aqui. –Sussurrou, passando as mãos nos longos cabelos de sua namorada, que chorava em um tom quase inaudível.

— Você morreu... –Sussurrou.

— Não, eu estou aqui. –Se desvencilhou do abraço da mulher e a olhou nos olhos.

— Não pode me deixar...

— Não vou... prometo! Vou ficar com você enquanto eu respirar. –Deu um selinho nos lábios trêmulos da mulher, que lhe deu um sorriso grato.

— O que tem na sua blusa? Senti algo quando você me abraçou. –Olhou para o colo da namorada e notou o crachá escrito “Joxer, o poderoso” em seu peito. – Por que ainda está usando isso? –Deu um sorrisinho abafado.

— Eles ainda acham que sou a editora chefe do jornal do Joxer. –Riu junto com a namorada e tirou o crachá de seu peito, colocando-o em cima da poltrona.

— Você precisa contar a verdade para eles. –Mattie fez uma falsa expressão de raiva e beliscou o braço direito de sua companheira.

— Ai! Até seu beliscão é gelado. –As duas riram. – Você precisa se divorciar do Harry! –O sorriso desapareceu do rosto de Mattie. – Sei que nós não podemos nos casar, mas eu não gostaria de passar o resto da minha vida com uma mulher que está casada com outra pessoa. –Se inclinou para se aproximar mais da mulher amada e lhe deu um beijo na bochecha. – Você está mais fria que um defunto. –Puxou sua própria coberta que estava na poltrona e cobriu a cabeça da mulher que estava a sua frente.

— Já mandei os papéis do divórcio, ele disse que vai assinar. –Disse enquanto tirava a coberta de sua cabeça.

— O problema dele é que ele só diz que vai assinar, mas nunca assina. –Soltou um suspiro de frustração. – Mattie, você amou o Harry? Quando se casou com ele... você o amava? –A expressão serena de Mattie se transformou completamente, a mulher estava visivelmente muito ofendida.

— An... Xena! Por favor, não venha com joguinhos para cima de mim! Você sabe que eu não o amava. Não me casei com o Harry, me casei com a alma da Xena que estava dentro dele. Você sabe que eu não ligo para as aparências e nem para o que as pessoas vão pensar ao nos ver juntas, não sugira que eu me casei com um homem simplesmente pela comodidade de ter uma relação heterossexual. Xena, você sabe que eu faria qualquer coisa para estar ao seu lado, inclusive...

— Se casar com um homem. –Ambas sorriram aliviadas. – Você se casou com o Pérdicas...

— Sim, me casei. Não porque o amava como amo você, mas porque não queria vê-lo morrer...

— Sinto muito, meu amor. –A abraçou novamente. Mesmo tendo aceitado o pedido de casamento de Pérdicas, a pobre moça ainda teve que vê-lo ser cruelmente assassinado e segurá-lo em seus braços, enquanto ele dava os seus últimos suspiros.

— Você disse que Marcus era o homem que você amava...

— Eu o amei, mas você faz parte de mim. Somos uma só alma, você é a minha alma gêmea... nunca vou amar ninguém mais do que eu te amo... –Não houve tempo para que Annie terminasse sua frase, a mulher mais jovem logo estava sob ela, beijando-a com paixão. O beijo era calmo, mas apaixonado, as línguas se tocavam de forma lenta e sensual, foi Annie quem o interrompeu, mas apenas para sussurrar cinco palavras no ouvido da amada. – Agora eu vou esquentar você. –Lambeu o pescoço exposto da mulher que estava embaixo dela, fazendo com que ela gemesse de uma maneira particularmente muito manhosa. E foi assim que ambas redescobriram novamente os seus corpos e toda a paixão que havia neles, como haviam feito tantas vezes em suas vidas passadas e como fariam tantas vezes mais em todas as suas vidas futuras.