Encontros de Líridas - KakaSaku escrita por LoreyuKZ


Capítulo 9
Mas a verdade é que eu sou louco por você, e tenho medo de pensar em te perder


Notas iniciais do capítulo

OI GENTEEEEN ♥ VOLTEI
com um capítulo enorme, só pra variar KKK

NÃO TEM REVISÃO, MAS TEM....
https://vocaroo.com/1kZKBtQzFlXd

Karaokê com a minha amiga, a autora de um monte de história boa (lá no spirit fanfiction) a Agatha_Lis, vão ler ela lá!

E AGORA VAMOS AO QUE INTERESSA KK



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/800196/chapter/9

.

.

.

Em algum momento da madrugada, uma enorme nuvem chegou aos céus de Kirigakure encobrindo todo o vilarejo com sua sombra plena e gotas de uma chuva pesada, mas a maior parte das pessoas que lá pernoitavam não perceberam, afinal, o sono profundo é agraciado pelo som agradável da chuva e todo o clima mais frio que se estabelecia.

Quando o sol raiou, sua luz foi completamente ofuscada pela pesada nuvem que ainda pairava plena no céu. Ainda chovia, as gotas um pouco mais brandas, mas ainda assim uma chuva para perturbar a paz dos comerciantes que tinham colocado suas barraquinhas na rua central e dos turistas que estavam ansiosos pelo ápice daquela festa em homenagem às estelas que cairiam numa linda chuva logo mais.

Sakura foi a primeira a abrir os olhos, piscando sem muito entusiasmo para a claridade serena do quarto. A luz do abajur ainda estava acesa como um sinal que ninguém percebeu quando o sono, de maneira sorrateira, os agarrou. Por um momento, seus olhos miraram o janelão, que dava vista para o centro, vendo a pouca luz se projetar para dentro, ao passo que o som dos pingos d’água caindo a acolhiam com um delicioso bom dia.

Não dava para saber que horas eram. Na verdade, Sakura nunca tinha sido boa em determinar horários pela posição do sol se o sol não estivesse evidente. Sim, uma falha idiota para uma ninja de elite como ela, entretanto isso nunca foi um empecilho para realização de suas missões, mas se tivesse mesmo que arriscar, diria que ainda era relativamente cedo, talvez nove da manhã.

Tanto faz.

Ela não pretendia levantar.

Estava confortável ali, na cama do hotel, e ela se sentia preguiçosa.

Deixou o ar entrar com mais intensidade numa espécie de suspiro sonolento, quase um bocejo. Fechou os olhos lentamente, e os abriu em mesma velocidade antes de fechá-los novamente, desistindo de tentar mantê-los abertos. Se aninhou nos braços confortáveis de Kakashi, que ainda a adornavam, e se permitiu apenas apreciar a sensação da respiração suave que fazia o peito dele subir e descer tão delicado.

Estranhamente, Sakura não se sentiu urgente em sair daquele abraço como naquela primeira noite onde rolou para cima dele desavisadamente. Não. Afinal, tinha sido o próprio Kakashi que a tinha puxado para perto e não a tinha largado durante toda a noite, e sim, ela não queria pensar muito nisso porque talvez a voz de Ino surgisse em sua mente dizendo que novamente estava aceitando migalhas por conta de um sentimento que era unilateral.

Bem, talvez fosse isso mesmo.

Mas só restavam mais duas noites no hotel e depois voltariam à estrada, dessa vez pela rota mais curta. Em três semanas estariam em Konoha e tudo acabaria, então porque justo ela ficaria pensando demais?

Sakura resolveu se deixar levar, sabendo que qualquer coisa, quando voltasse à Konoha, poderia simplesmente dividir uma boa garrafa de saquê com Ino, e depois, quando a loira estivesse distraída, poderia esgueirar-se para a casa dos Inuzuka e afogar as mágoas, até porque, aquilo que dizem sobre cachorros serem ótimos animais para levantar o astral de alguém, por experiência própria, era uma puta verdade.

Por enquanto, Sakura apenas ia se deixar levar sem pensar muito, deixando que Kakashi conduzisse o teor daquela relação que ela, honestamente, não saberia definir àquela altura. Na verdade, ela já não sabia definir a muito tempo. Todos os contornos estavam um tanto esmaecidos, e talvez eles pudessem utilizar a palavra amizade, mas... não parecia certo. Ela era amiga de Ino, de Naruto, de Kiba... Sim... Porque mesmo com os benefícios, Sakura e Kiba eram apenas dois amigos que se divertiam juntos, não havia nenhum sinal confuso ou errado, tudo era muito nítido.

Porém ali, com Kakashi, ela poderia dizer que os benefícios eram outros, e que de nítida, aquela relação não tinha nada. Pelo menos não para ela. E mais ainda, Sakura tinha total consciência de que a culpa dessa falta de contornos também não era dela.

De toda forma, a moça decidiu que iria apenas dançar conforme a música e aproveitar dos momentos em conjunto sem cobrar a si mesma algum tipo de coerência ou expectativas, e tudo bem se ela não soubesse onde estavam, porque em três semanas isso não seria mais uma questão.

O único problema que restaria disso tudo, era apenas o de lembrar de colocar aquele velho honorífico no final do nome dele, mas isso deixaria para a Sakura do futuro lidar, por enquanto ela só queria curtir o momento.

Dormiu novamente.

E num piscar de olhos, Kakashi acordava.

Sonolento, mirou a janela por um instante percebendo que já era hora do almoço. Fechou os olhos sabendo que tinha Sakura bem ali em seus braços, e isso não lhe causou nenhum alvoroço, ao contrário, ele preferiu inalar aquele cheiro delicioso de Sakura e cama antes de mudar de posição sem nenhum pudor ao sono da moça, que o deixou decidir como queria ficar sem muita resistência.

Acabou que as costas de Sakura se encaixaram no peito do homem, que jogou seu braço por cima dela de maneira displicente. Ela se mexeu um pouco mais enquanto se fazia confortável com aqueles ruídos sonolentos. O silêncio pairou no confortável cômodo, que se inundava do aconchegante barulho da chuva lá fora. Era o dia perfeito para apenas dormir, principalmente quando tinha conseguido vencer a fúria de Sakura e agora a tinha aconchegada nos braços.

Ele preferia assim, menos raiva e mais...

Mais...

.. é...

Enfim...

Mais tranquilidade.

Sim, tranquilidade era a palavra correta.

E ele estava disposto a curtir essa tranquilidade de uma manhã ou tarde chuvosa enquanto dormia e acordava repetidas vezes, mas no momento em que ouviu e sentiu a barriga da moça reclamar com um longo barulho, Kakashi sabia que seus planos teriam que ser modificados em prol de novas prioridades.

Ela riu depois de dois segundo em silêncio, e ele a acompanhou se deixando levar pela voz meio rouca, meio fina da moça.

— Quer almoçar? – Ele perguntou de olhos fechados, a voz ainda arrastada pelo sono.

— Almoçar? – Sakura questionou numa confusão — Já é meio-dia?

Uhum.— Murmurou em resposta.

— Oh, céus... – Ela bocejou — Não tô afim de descer. Acho que vou só comer uma pílula do soldado e ficar na cama.

— Sakura, pílulas do soldado são para emergências. – Disse mais sério — Pare de comer isso como se fossem barras de proteína.

Mas eu tô com preguiça...

...

— Certo, o que você quer comer?

— Hm?

— Eu vou descer e trazer algo para você, então só me diga o que você quer comer hoje.

Sakura o olhou por cima do ombro com um sorriso divertido no rosto.

— Sério?

— Sim. – Ele respondeu passando o pé no dela preguiçosamente — Sou eu te compensando pelo que fiz ontem.

Hm... Você não precisa compensar nada.

— Mas eu quero.

E o pé dele continuava passando no dela, num vai e vem suave debaixo da coberta.

— Eu não vou discutir porque eu to mesmo com fome – Ela disse rindo — Sei lá, eu quero algo leve. Talvez frutas...

— Frutas, é? Certo.

Foi quando os dedos dele formaram um selo muito característico e Sakura apenas riu soltando aquele breve inacreditável quando o segundo Kakashi apareceu em pé, frente à cama.

O clone e o verdadeiro pareceram se encarar por um longo segundo antes da cópia apenas suspirar num yare-yare e sair do quarto sem dar uma palavra. Sakura começou a rir sem entender absolutamente nada do que tinha acontecido.

— Eu acho que ele não queria ir.

— Clones tem o humor do criador no momento da execução do jutsu, então... sim, ele não queria ir, mas alguém tinha que ir, não é mesmo?

Ela riu, porque ele era realmente inacreditável, e então girou dentro do abraço dele, seus olhos se encontrando naquela manhã chuvosa num quarto que jazia na penumbra das luzes amareladas, e ele não se segurou quando a vontade de acariciar os cabelos rosados surgiu, nem pensou quando afastou aquela mecha, colocando-a atrás da orelha da moça, e definitivamente não se importou quando ela fechou os olhos no momento em que ele deslizou os dedos tão suavemente por trás da sua orelha, descendo pela linha suave do maxilar dela.

Sakura era bonita.

Não tinha problema em admitir isso, principalmente quando seus rostos estavam a centímetros um do outro, e ele podia facilmente, diante daqueles lábios rosados, beijá-la.

Oh-oh.

Tirou rápido a mão de cima dela. Céus...

Virou-se para deitar com o peito para cima e Sakura apenas se fez confortável novamente, sem muito mistério. Oh, Rikkudou... Por que diabos ele tinha recomeçado com o Icha Icha? Ele só tinha que aguentar mais três semanas longe desse livro, mas não.... Hatake Kakashi não conseguia não ler o livreto laranja e agora aqueles pensamentos estranhos rodeavam sua cabeça.

Eram só três semanas, pelos céus! Quando voltasse à Konoha, então poderia reler quantas vezes quisesse, porque aí não teria Sakura lhe provocando arrepios com seus sussurros e dedo indicador, e também não teria que dividir a cama com ela, sem saber se ela rolaria para cima dele a noite ou não!

Quando voltasse à Konoha... ... .. .

É mesmo... Sua viagem tinha data para acabar.

O pensamento o fez sentir-se estranho por um momento, como se em algum ponto ele houvesse esquecido que uma hora aquilo iria simplesmente chegar num fim, e aquilo o deixou, de repente, triste. A olhou brevemente deitada em seu peito com os olhos fechados em sua preguiça e naquele momento exato, ele já conseguia sentir falta dela.

...

Sakura abriu os olhos quando ouviu o barulho da porta abrindo, anunciando a volta do clone que adentrava o local com uma bandeja de madeira e muitas frutas. A moça soltou um longo ruído de preguiça antes de rolar para o lado e se sentar na cama, resmungando algo sobre o barulho da chuva ser sonífero para si, e então levantou os braços para espreguiçar-se com outro longo ruído característico.

E Kakashi a olhava, apoiando seu cotovelo na cama e a cabeça na mão, enquanto afastava o sentimento conflituoso que surgia.

— Obrigada, Kakashi-clone! – Ela disse mais desperta quando o segundo Kakashi colocou a bandeja na frente dela, sorrindo antes de simplesmente sumir numa pequena nuvem que rapidamente se desfez.

— De nada. – Kakashi respondeu com um sorriso na tentativa de se livrar, mais uma vez, dos próprios pensamentos.

— Ei, foi pro clone! Não pra você. – Ressaltou com humor enquanto olhava para todas aquelas frutas dispostas — Ele foi bem exagerado – Riu pegando um pedaço da pera cortada que estava disposta num pequeno prato.

— Você disse que estava com fome. – Se justificou dando os ombros.

— E estou, mas não vou conseguir comer tudo sozinha, então trate de me ajudar aqui. – Disse com aquele falso tom mandão — Mas a pera é minha. – Completou pegando o pratinho.

Maneou a cabeça em resposta, demorando um sorriso no rosto ao passo que sua mente tentava registrar aquela cena em detalhes. A expressão dela, o jeito com que a boca se movia ao falar, como piscava, o mínimo movimento das sobrancelhas, as pontas do cabelo roçando no ombro... Ele registrou tudo, e só percebeu que o estava fazendo quando ela apontou para a bandeja num claro incentivo de que ele também deveria comer.

Esticou a mão para pegar aquelas uvas rechonchudas num ato forçado, e mesmo relutante, o homem se virou para o outro lado, trocando o apoio da cabeça para o outro braço, e ficando de costas para a moça. Abaixou a máscara, colocou uma uva na boca.

Estava doce.

— Acho que hoje nós estamos presos aqui — Ela disse de repente — Tá com cara de que vai chover o dia todo, e talvez parte da noite... Será que vai dar para ver a chuva de meteoros?

— Ah, eles têm jutsus para afastar as nuvens. É um jutsu complicado, precisam de umas quatro pessoas para executar, mas não será um problema de fato. – Respondeu ainda colocando uvas na boca, tentando se concentrar na conversa — Mas sim, acho que não vamos sair do quarto hoje. Você tinha algum plano para hoje?

— Queria comprar uma yukata para a festa. Eu trouxe um vestido e tudo mais, mas... hm... Festivais combinam com yukatas.

— A gente pode ir. – Ele deu os ombros — O hotel fornece guarda-chuvas.

Ah, mas eu to com preguiça agora...

Ele riu.

— Pode ser mais tarde.

— Eu vou estar com preguiça mais tarde.

Ele riu um pouco mais

— Então não tem muito o que fazer – O homem disse por fim se divertindo com aquelas respostas dela para justificar não sair na chuva.

— Tudo bem... Eu só quero ficar na cama o máximo que eu puder – Confessou — Sinto que posso dormir o dia todo.

— Então vamos fazer exatamente isso.

Foi quando ouviram batidas na porta. Sakura girou sua cabeça por reflexo, mas Kakashi se segurou em sua posição, subindo a máscara apenas por costume enquanto mastigava aquela uva que já estava na boa. A moça perguntou, ainda sentada na cama, quem estava batendo, apenas para descobrir ser a Chika, recepcionista, com uma encomenda para a Haruno Sakura-sama.

Kakashi e Sakura se entreolharam, e a última deu os ombros como quem diz que não está entendendo nada, mas que logo irá descobrir. Se arrastou para fora da cama com um resmungo preguiçoso, alcançou a porta e recebeu Chika de forma polida. O homem as viu trocando algumas palavras indistintas, e então Sakura voltou para dentro do quarto com uma caixa branca adornada por um belo laço azul nas mãos.

Curiosidade não era uma de suas características mais marcantes. Na verdade, Kakashi se considerava um homem pouco curioso sobre tudo, sempre fora de poucas perguntas, e sabia das coisas que aconteciam na vila porque alguns amigos faziam alguma questão de comentar, mas se dependesse dele, provavelmente seria o ninja mais desinformado de toda Konoha. 

Entretanto, no momento em que Sakura colocou a caixa em cima da mesa, puxou um cartãozinho branco muito simples e começou a ler, Kakashi se sentiu curioso.

Esse sentimento foi tão repentino que ele se sentou à cama virado para a moça como se esperasse que ela lhe fizesse algum relato. A observava lendo aquele pedaço de papel mínimo, e como sempre, Sakura revelava toda sua leitura pelas suas expressões. Ficou corada enquanto tentava segurar um sorriso que insistia em sair. Parecia levemente tímida, mas de alguma forma, lisonjeada.

Particularmente, Kakashi gostava daquela expressão, mas não ali, porque ainda que sua curiosidade estivesse lhe matando, o homem era capaz de apostar sua máscara que naquela caixa havia um presente do Lorde Feudal.

Sakura colocou o cartão na mesa enquanto mordia o lábio inferior, olhando a caixa com certa empolgação? Ela estava em silêncio enquanto desfazia o laço pomposo da caixa, soltando uma risadinha nervosa no processo, toda ansiosa com o que estava por vir, e quando finalmente conseguiu abrir seu presente, Sakura deu o mais belo dos sorrisos.

Kakashi a observava.

Os olhos verdes viram o conteúdo com carinho, e com uma mão, ela tocou o conteúdo da caixa como se estivesse num processo delicado de entender o que estava ali. Sua expressão era quase carinhosa enquanto levantava o tecido azul que se revelava para Kakashi minimamente. Uma roupa. O presente de Ryuuji era uma roupa, Kakashi pensou assim que ela se virou para ele, percebendo finalmente a presença do homem.

— Ryū leu meus pensamentos – Ela disse com aquelas bochechas coradas — Eu vou provar, e volto em instantes para uma opinião. Não sai daí! – Disse divertida enquanto puxava o longo tecido bordado de dentro da caixa e se ia na direção do banheiro.

Kakashi a acompanhou com o olhar, demorando-se na porta fechada por onde Sakura havia acabado de passar. Seus pensamentos estavam em branco e ele olhou ao redor de maneira vaga, como se estivesse se adaptando a um novo ambiente, mas inevitavelmente o olhar caiu sobre aquele cartão que estava tentadoramente largado sob a mesa, e o homem...

O homem não se conteve.

Ergueu-se para dar apenas dois passos, levando sua mão para alcançar o simples cartão rabiscado com caracteres escritos à mão. Passou os olhos naquelas frases absorvendo seu conteúdo sem pensar muito no que estava acontecendo consigo, porque... bem... Não havia o que pensar quando se lia aquele tipo de coisa.

“O presente é para mais tarde, quando espero que me dê a honra de passar a noite toda ao seu lado. – Ryū.”

Devolveu o cartão à mesa, posicionando-o exatamente como estava antes, e então voltou a sentar na cama encarando a caixa branca ainda sem saber direito o que estava se passando consigo mesmo, afinal, ele tinha se esforçado tanto para não pensar em coisas por todos esses dias que agora, quando finalmente queria pensar, tudo se escondia.

Depois de um momento não tão longo no marasmo confuso de sua mente, o homem soltou um estalo de língua muito atípico de seu ser. Virou o rosto para cortar contato visual com a caixa e o tal cartão, e por algum motivo, a primeira imagem que lhe surgiu foi a de Sakura, semanas atrás, escorada numa árvore na saída oeste da Vila da Folha lhe dizendo tá atrasado.

Riu sem humor.

Poucos momentos antes, Kakashi tinha sido pego desprevenido ao dar-se conta que sua viagem tinha data marcada para acabar, e quando isso aconteceu tão abruptamente, seus pensamentos escaparam daquele lugar onde ficavam presos apenas para lhe deixar ciente que, de alguma forma, estava com saudade do que ainda estava vivendo.

Rapidamente ele devolveu tal pensamento àquele lugar longínquo dentro de si, lutando para manter suas coisas num plano em que pudesse lidar, entretanto, diante da breve solidão em que se encontrava no quarto de hotel, evitando a reflexão que insistia em se manifestar ao olhar para aquela caixa vazia sobre a mesa, Kakashi ainda não sabia como se sentia, mas se realmente precisasse de uma definição, ele diria inquieto, e talvez fosse uma palavra inadequada, mas era a única que tinha.

E mais ainda, se fosse obrigado a contar o que estava pensando naquele exato momento, então, no meio do turbilhão de sentimentos confusos que o invadiam de repente, o único que tinha uma forma mais nítida, que podia ser posto em palavras seria o de que ele estaria pronto para se tornar um nômade. 

Sim... Aquela viagem estava sendo tão revigorante que era fácil imaginar-se a caminho de todos aqueles lugares que ainda não tinha ido, ou que já havia ido, mas que já não se lembrava. Poderia andar de vilarejo em vilarejo, de país em país, de continente para continente, por todas as estradas, trilhas e caminhos que houvessem, e se eles acabassem, então poderia abrir novos caminhos.

Definitivamente, a viagem estava sendo incrível, e ele podia fazê-la durar para sempre.

Mas talvez não tivesse sido a viagem a lhe trazer esse sentimento de renovação. Não.. Talvez fosse Kirigakure e sua energia vibrante, com pessoas, lugares e costumes tão evidentes; e tudo bem que ele já havia estado naquele lugar uma outra vez, mas antes, a Vila Oculta da Névoa era a Vila Oculta da Névoa Sangrenta, e isso por si só poderia explicar o porquê de o homem ter se fascinado tanto com as novas possibilidades.

Se hoje tivesse de refazer aquele teste, então ele responderia que gostaria de morar em Kirigakure, que emitia aquela energia nova, algo que ele nunca havia sentido antes e tinha aquelas outras coisas também... Ler parecia até mais convidativo, além das andanças que faziam horas parecerem minutos, a deliciosa culinária, o clima sempre de primavera, e tinha esse cheiro, esses sons.... E os silêncios.

Ah... Os silêncios de Kirigakure eram sempre preenchidos por uma harmonia pontual. Nunca era esquisito, nunca era pesado.

Mais ainda, Kakashi sentia como se pudesse fazer daquele quarto de hotel sua nova residência fixa, porque nunca antes dormira tão bem mesmo longe de casa. A cama era macia, os lençóis acolhedores, e havia esse conforto absoluto que se instaurava assim que ele entrava naquele lugar.

Era assim que ele estava se sentindo em Kiri. Mesmo com os contratempos, aquela vila era... perfeita.

Simplesmente perfeita.

Mas então Sakura retornou do banheiro, e o homem quis apenas fazer as malas e voltar o mais rápido possível para Konoha.

— Eu tô me sentindo tão nostálgica – A moça disse naquela voz distraída enquanto dava seus passos para a frente do homem, que ainda sentado a olhava. — Faz tanto tempo que eu não visto nada assim!

É...

Para ela, um qipao poderia trazer memórias da época em que era uma genin sem muitos talentos, mas isso nem se passou na mente do homem, que mantinha os olhos nela se sentindo tão... inquieto.

Era de um tom azul escuro, mas que não chegava perto do preto. O tecido – seda – reluzia de acordo com a baixa iluminação, e parecia ter sido feito exatamente para Sakura, com a costura delicada ajustada a todas as curvas da mulher que o vestia. Sakura girava brevemente, virando o rosto por cima do ombro para verificar suas costas, deixando uma perna levemente flexionada, e então girava para o outro lado, alisando o tecido que já estava bem moldado ao seu corpo.

Um qipao azul com belos bordados de flores aquáticas e um dragão prateado que surgia atraindo todos os olhares. O Grande Dragão de Água, símbolo da realeza do país. O animal que representava Rokurō Ryuuji, o Daimyō de Mizu no Kuni. Um símbolo que a nobreza muito estimava, e que agora era estampado no corpo da mulher a sua frente, nadando em suas curvas como se fosse tudo mar.

Como se fosse tudo seu.

— Acho que nunca vesti algo tão fino, ou caro – Ela disse ainda naquele tom distraído, com suas bochechas levemente vermelhas — É tão bonito...

Sim, era mesmo um belo traje.

Sakura estava linda, e ele não se conteve ao olhá-la de cima a baixo, do dedo dos pés descalços, passando pelos seus tornozelos, pernas, joelhos, coxas... Seus olhos miraram o início daquela veste, que começavam ali, bem na metade das torneadas coxas femininas, com aquela ponta brevemente quadrada, que ia se abrindo para não revelar tanto com suas fendas laterais.

O costureiro real tinha tido o cuidado de fazer tais fendas serem pontuais em revelarem apenas o suficiente da pele alva de Sakura, fazendo o tecido se unir para contornar o quadril volumoso e desenhar seu corpo com a cintura bem marcada, e um busto justo, cobrindo também seus ombros com delicadeza, e um tanto do pescoço com sua gola brevemente alta.

A mulher sorria.

— O meu, na época, era tão simples... Tive que arrancar as mangas porque ficaram arruinadas de uma missão que fomos – Riu — Qipaos realmente são tão nostálgicos, mas esse aqui... está em outro nível.

E então ela o olhou.

Tudo poderia ser revelado naquele momento, mas o homem era muito bom em esconder coisas, e sua confusão era apenas sua. Sakura não percebeu, talvez porque sua mente estivesse distraída pelo presente e pelas lembranças que eram evocadas, mas o homem... O homem enfrentava aquele turbilhão de pensamentos.

Ela alisou o tecido novamente.

— Olha isso... Só de tocar você sabe que deve custar uma fortuna – Disse dando um passo na direção dele — Pega! É seda genuína.

Sakura jamais perceberia se ele não quisesse que ela percebesse. Ele era tão bom em fingir, em esconder. A viu dando outro passo para ficar exatamente na sua frente, entre as pernas do homem que a observava tão confuso, quase como se ela fosse uma pessoa completamente diferente.

Ergueu a mão vagarosamente descendo seu olhar pelo ventre dela até a ponta daquele charmoso qipao, tocou a quina quadrada colocando-a entre seu polegar e indicador de maneira muito delicada, como se qualquer toque mais firme pudesse rasgar aquele tecido. Era mesmo tão... Soltou o ar tremulo pela boca subindo seus dedos pela extensão daquela fenda sentindo as linhas do bordado firme que se encontravam na extremidade, até que finalmente atingiu a pele macia.

Sequer deveria ter deixado suas mãos chegarem àquele ponto, mas estava tão distraído também por todo aquele sentimento inquieto que se projetava dentro dele com uma força nunca antes vista, e só por isso suas mãos continuaram abrindo caminho pelo tecido e adornando as coxas dela, segurando ali.

Ele a trouxe para mais perto com um puxar leve, e apoiou sua cabeça tão pesada no ventre da mulher.

Kakashi queria voltar para casa.

Só levaria três minutos para guardar tudo e sair daquele lugar. Dane-se a missão. Ele queria voltar para Konoha o mais rápido possível, onde ele sabia que ler, comer, e andar não seriam iguais ao que eram em Kiri; onde não haviam a culinária, a cultura, e o clima; onde os sons, os cheiros e os silêncios não o pertenceriam mais, mas que ao menos, ele teria o vislumbre de tudo todas as vezes que pusesse os olhos nela.

Fechou os olhos com a cabeça apoiada na mulher enquanto suas mãos a apertavam mais firme nas coxas, e em resposta, ele sentiu os dedos dela o tocarem entre os cabelos num carinho que lhe provocava o mais sincero dos afetos, e só nesse momento, Kakashi sentiu que podia chorar, porque era difícil esconder algo quando isso estava bem na sua frente.

Era Sakura desde sempre.

Kirigakure era só cenário, e poderia ter sido Kumo, Suna ou Iwa. Poderia até mesmo ter sido Konoha. Qualquer lugar, outra dimensão. Qualquer canto.

Sakura era a viagem que ele queria continuar a ter, a vila onde ele queria morar, o quarto de hotel que poderia fazer de casa.

E ela estava tão maravilhosamente linda naquele qipao que poderia se tornar um belo quadro, daqueles que decoravam as mais sofisticadas residências. Ela poderia ser uma pintura. O homem realmente havia conseguido apreciar a beleza dela naquela roupa, mas...

Mas...

Ele tinha odiado.

— Ei, o que houve? – Ela perguntou naquela voz aveludada, cheia de uma preocupação tão evidente — Você tá se sentindo bem?

Não.

Definitivamente não.

— Sim, eu... – Deixou o ar escapar ainda com a cabeça apoiada na mulher — Eu só... fiquei tonto.

Sakura continuou passando a mão nos seus cabelos, escorregando suas mãos pelo rosto encoberto apenas para puxá-lo brevemente. Kakashi não resistiu ao toque suave e levantou o rosto para que ela pudesse ver seus olhos, e a moça sorriu gentilmente enquanto pousava a palma da mão sobre a testa do homem.

— Você tá um pouco quente. – Disse ainda naquele tom cheio de cuidado — O que mais você tá sentindo?

Ele não sabia.

Ainda era tão difícil dizer.

Entretanto, havia aquilo que era óbvio: Ele queria ir embora.

Se pudesse, ele apenas faria as malas – as dele e as dela – e partiria imediatamente para Konoha, onde Sakura estaria bem longe daquele lindo qipao que ele tanto adorava e odiava.

Sim, ele odiava aquela roupa dela, com aquele azul dominante, as flores, o dragão... Ele odiava que ela parecia tão... Tão...

Inalcançável.

E como se não bastasse toda sua confusão, ainda havia a memória daquela conversa sórdida que sua mente insistia em acessar, repetindo as palavras de Mei como um filme em sua cabeça. Romance predestinado. Deixar clara suas intenções...

É claro... Aquele traje soava como um pedido de casamento.

Se sentiu, de fato, fraco. Tonto.

Escapou o rosto das mãos dela apenas para voltar a escorar sua cabeça no ventre feminino, que voltou a passar as mãos com suavidade pelo seu cabelo, e ele adorava a sensação, mesmo em meio à confusão de sua mente, aquele toque o confortava.

— Kakashi, eu tô preocupada com você... – Ela revelou naquela voz mais baixa — Você precisa me dizer o que tá sentindo para que eu possa te ajudar.

— Eu só to tonto. – Ele disse num murmuro — Vai passar, eu só preciso deitar um pouco.

Sakura assentiu com a cabeça, mesmo que ele não pudesse ver, e suas mãos continuaram aquele carinho em seus cabelos enquanto seu cenho evidenciava a preocupação. Kakashi estava estranho, e tinha ficado daquele jeito de maneira muito repentina.

Talvez fosse um resfriado, mas ela duvidava.

Ele não queria lhe dizer o que era e ela não poderia forçá-lo.

— Certo – Falou de maneira gentil — Então deite e eu vou descer rapidinho para te pegar um chá, tudo bem?

— Não... não... – Disse imediatamente, agarrando-lhe as coxas mais firmemente — Fique aqui e deite comigo. – E era o mais sincero dos pedidos.

...

A mão dela passou carinhosamente pelos cabelos prateados, indo e vindo por todos aqueles fios macios. Kakashi tinha cabelos macios, e ela adorava como eles voltavam para o lugar de costume com tanta facilidade.

Ficou um momento em silêncio tentando compreender aquelas palavras dele, deixando sua mente processar do jeito que quisesse antes de simplesmente concordar.

— Tudo bem, me deixa só... Tirar essa roupa, tá bom?

O homem concordou com a cabeça e ela sentiu o gesto em seu ventre, ao passo que as mãos se soltaram com dificuldade das coxas dela, porque ele não queria deixá-la. Não queria ficar longe dela por um segundo sequer, principalmente quando ela sumia de sua vista naquela roupa que o despertava o mais urgente dos sentimentos. 

Ele sentiu a mão dela deixar seu cabelo e não a olhou. Mirava o chão perdido em seus sentimentos pesados enquanto a moça adentrava novamente no banheiro.

Ficou parado naquela mesma posição, sentado com as costas curvadas, os braços soltos ainda com a sensação da pele de Sakura em seus dedos, e se sentia tão perdido, lutando para manter sua respiração regular enquanto tudo girava em sua mente, absolutamente tudo.

Nos brevíssimos minutos que Sakura demorou para livrar-se da roupa, Kakashi revisitou todos aqueles lugares desde que pôs os olhos nela no escritório da Hokage no dia em que receberam aquela missão, até o momento em que a tinha com as mãos em seu cabelo.

Ele viu tudo de novo, registrando novamente quando percebeu o toque áspero das mãos dela, o pedido que permanecesse ao seu lado, o som da voz dela em sua pele num sussurro brando, o jeito que seu nome soava certo quando aquele honorifico ficava para trás, e aquela declaração tão ousada de que ele quem iria querer tirar a máscara para ela. 

As cenas, os flashes... Tudo corria numa velocidade absurda, e quando sua respiração já perdia o compasso fazendo-o ofegar, a porta se abria com um ruído fazendo tudo esvair no mesmo instante, e lá estava Sakura em sua blusa enorme com a publicidade de uma loja qualquer de Konoha orgulhosamente estampada em seu peito.

— Você ainda não deitou? – Disse chegando mais perto, novamente passando a mão pelo seu rosto, descendo pelo pescoço — Sua febre é baixa, mas...

— Eu só preciso descansar. – Ele disse tirando as mãos dela de seu rosto apenas para puxá-la — Deita comigo.

Sakura poderia fazer mil exames, mas jamais descobriria a causa daquela breve febre se ele não quisesse que ela descobrisse, afinal, era tudo um reflexo de como seus pensamentos estavam tão pesados, tão densos e mal organizados. Sua mente estava um caos, mas quando ela estava ali, então ele tinha algo para se concentrar, mesmo que fosse a sensação da urgência em tirá-la de lá.

A chuva continuava a cair com gotas cada vez mais pesadas, fazendo o ruído mais alto se projetar dentro do espaço enquanto os ninjas mais uma vez se acomodavam um no outro em baixo dos lençóis depois de Sakura colocar aquela badeja com frutas no chão, e o homem se sentia um pouco mais calmo quando a tinha tão perto de si, a ponto do cheiro dela dominar todos os sentidos. Fechou os olhos apreciando a calma repentina, afastando qualquer outra ideia que pudesse minar aquele momento.

Tudo bem que já fazia tempo demais que ele estava afastando ideias, mas quando tudo o atingia de uma forma tão bruta, então ele precisava de cinco minutos para respirar em alívio antes de ser novamente jogado no caos que ele tinha acumulado dentro de si.

Sakura o acariciava com as pontas dos dedos deslizando levemente em seu torso provocando-lhe arrepios relaxantes que o faziam se perder na sensação física daquilo. Fechou os olhos ficando em silêncio por um longo momento regulando sua célere respiração ao passo que o cheiro dela lhe invadia por todos os lados. Sakura estava bem ali ao seu lado, em seus braços, e era tudo o que ele precisava.

Um longo momento se fez e aquele carinho ia perdendo seu ritmo, se tornando vagaroso à medida que o barulho da chuva ainda se fazia presente. O homem abriu os olhos para ver as paredes claras do quarto tingidas sob aquela luz amarela das lâmpadas, e o clima frio não o atingia desde que o calor confortável se mantinha debaixo das cobertas.

Era Sakura o tempo todo.

E ele sabia disso, sempre soube.

Só que de alguma maneira, sua mente se recusou a ceder e aceitar que algo estava se movendo, arrastando tudo para debaixo do tapete onde era seguro transitar sem ter que lidar com aquilo que era evidente. Não precisava dizer que estava com medo de tudo naquele exato momento, e podia parecer descabido, mas era assustador pensar em qualquer coisa por menor que fosse.

Principalmente quando as palavras de Mei ainda o assombravam no meio de todo esse caos que eram seus pensamentos.

— ... Você gostou do qipao?

Ele perguntou tão baixo que mal poderia ser ouvido se ela não estivesse bem ali ao lado.

hm... ele é bonito – Sakura respondeu sonolenta, sem tentar fazer nenhum esforço para sua voz soa clara — Você gostou?

Não.

— Sim... Você estava... estava tão...

E as palavras engasgavam em sua garganta, mas Sakura... Sakura apenas riu daquele jeito moroso.

Obrigada.

...

Mais um momento de silêncio se fez permitindo que os pensamentos do homem pairassem no ruído da chuva, formando aquela outra pergunta, que fora feita num tom tão baixo, quase como se não quisesse uma resposta.

— Você gosta dele? – Kakashi perguntou — Do Ryuuji?

E então esperou sentindo os dedos dela diminuírem cada vez mais seus movimentos.

... hmmm... ele é legal... e bonito.

Legal e bonito.

Kakashi não sabia se significava muito mais do que as obvias palavras. Na verdade, ele não queria saber.

— E você vai usar esse qipao hoje a noite?

Um longo silêncio se fez.

... Uhum.

Ela murmurou por fim, sua mão cedendo à inercia sob o torso do homem enquanto a respiração ficava mais presente.

Mais um silêncio se fez e Kakashi sentia que queria dizer alguma coisa para ela, que precisava deixar as palavras saírem de dentro dele para alcançá-la, mas o problema era quais palavras? Naquele momento o homem sabia que nada coerente poderia sair de dentro de si, onde todos aqueles pensamentos colidiam em uma inquietação constante, sem que ele pudesse ter um panorama nítido do que estava acontecendo.

Ele sabia, mas ao mesmo tempo não sabia! E isso era tão agressivo, mas... mas ele precisava falar, e só por isso sua voz se projetou no ambiente num volume mínimo, e de forma tão incerta, tão imprecisa, Kakashi falou.

— Sakura, essa viagem... Eu com você, e comigo, e... bem, eu... Eu não sei, mas eu tenho gostado de onde estamos e do que fazemos, e... esse qipao, eu... ... ... eu quem gostaria de ter a honra de passar a noite toda ao seu lado mais uma vez, e de novo, e de novo... Eu só... Acho que estou sentindo os efeitos tardios da provocação de Mei, mas odeio pensar que você pode escolher ficar. Konoha é o seu lugar, junto de Naruto, Sasuke, e...   

O silêncio se fez mais uma vez enquanto as palavras dele ainda flutuavam no ar de forma incompleta. Sakura dormia tranquilamente sem ter nenhuma noção daquele discurso tão confuso, mas ele se sentia um pouco melhor de seu estado de fraqueza depois de dizer tudo aquilo, ainda que sentisse haver coisas para serem ajustadas em seu interior.

Mas falar foi bom.

Principalmente quando Sakura não tinha ouvido uma palavra sequer e ainda parecia tão serena em seu sono.

Kakashi ainda não sabia o que queria dizer de fato, mas provavelmente descobriria em algum outro momento, porque depois de tudo, ele se sentia exausto, precisando desesperadamente fechar os olhos e simplesmente apreciar Sakura com toda a calma que seu sono emanava, e antes que o caos de sua mente se manifestasse novamente, Kakashi adormeceu.

Quando Sakura abriu os olhos, Kakashi ainda dormia. O quarto escuro ainda brevemente iluminado pelos abajures parecia exatamente o mesmo, e olhando pela janela, Sakura não conseguia determinar que horas eram. Tinha dormido sem sequer perceber, e Kakashi parecia sereno o suficiente em seu sono ritmado. Ela levantou sua mão com cuidado, levando-a até o rosto do homem e pousando delicadamente em sua testa. Ok... Tendo em vista que o corpo aquece naturalmente durante o sono, ela podia declarar que a febre havia ido embora.

Sorriu. Nada de Kakashi doente no seu turno, pensou divertida tentando lembrar da última vez em que ele fez algum tipo de checkup. Quando ele voltasse à Konoha, ela mesma iria arrastá-lo pro hospital, e deixaria tudo por conta de Shizune, porque ela havia descoberto não ter maturidade para certos tipos de exames.

Riu olhando para a janela, pensando em Ino e no que tinha para contar para ela. Talvez devesse ficar em Kiri, afinal a noite quente e o romance sob as luzes do festival não tinham saído exatamente como a loira havia demandado, e Sakura estava avisada de só voltar se tivesse uma história assim para sua amiga.

Bem... Ainda tinha o Ryū.

Só que... Ele era gostoso e tudo mais, e estava claramente afim, entretanto... hm...

Sakura não estava muito afim, mas estava disposta a aproveitar a atenção dele logo mais à noite, dentro daquele qipao maravilhoso, enquanto sorria polidamente para todos. Isso era o que estava planejando para a festa. Talvez bebesse bastante apenas para mostrar a eles que podia fazer isso sem ficar tão bêbada, e então... A festa iria acabar, e ela e Kakashi voltariam para o hotel para passar seu último dia em Kirigakure antes de partirem.

E nas três semanas de translado que viriam a seguir, Sakura aproveitaria a companhia do seu preguiçoso companheiro de missão para enfim voltarem à normalidade de sempre, e chega de expectativas frustradas.

— Kakashi? – Ela chamou baixinho, se empertigando para alcançar o ouvido dele — Kakashi...?

O homem continuava dormindo.

Ka-ka-shi... – Chamou mais uma vez passando a mão pelo torso dele de maneira mais presente — Eii, acorda...

Sim, porque ela precisava saber que horas eram, afinal... Havia uma festa para irem e ela precisava de algum tempo extra para se arrumar.

— Hm? – O homem respondeu finalmente piscando os olhos com preguiça — Sakura?

— Bom dia – Disse brincalhona enquanto Kakashi ainda parecia estar processando seu despertar — Você parece melhor. Como tá se sentindo?

Piscou mais algumas vezes antes de um longo bocejo.

hmmm... bem, eu acho – Disse sem pensar muito.

Sakura sorriu enquanto o homem percebia sentir-se melhor, como se o breve sono tivesse sido suficiente para que seus pensamentos se acalmassem. Ele olhou para Sakura com seu olhar preguiçoso e sorriu para ela também.

— Obrigado.

— Eu não fiz nada.

Kakashi fechou os olhos com humor, porque ela não fazia ideia do quanto tinha feito por ele apenas dormindo ao seu lado.

— Ei, não volta a dormir – Ela pediu dando batidinhas no seu abdome — Eu preciso saber que horas são.

Ele arqueou a sobrancelha antes de abrir os olhos e ver a janela.

— Sei lá, tá chovendo ainda.

É por isso que eu preciso saber que horas são...

Riu.

— Certo. Eu diria que são... oito horas?

— OITO HORAS? – A mulher ergueu a cabeça em surpresa — Não pode ser.

— Sakura, tá de noite. Olha alí ó...

— Sim, mas eu pensei que... sei lá! Seis horas, por ai!

— Duras horas a mais, duas a menos... Que diferença faz?

Sakura revirou os olhos com a declaração que só um atrasado assumido faria.

— A gente tem que se arrumar agora pra festa.

— Pra que? Ninguém chega cedo em festas.

— É, mas nós não estamos indo apenas pela festa. Temos uma missão para fazer, e se chegarmos cedo poderemos fazer o reconhecimento do terreno.

— A gente já fez isso...

— Quando?

— No almoço.

— Quantos guardas tinham no pátio naquele dia, Kakashi? – Ela perguntou em desafio.

— Cinco – O homem respondeu sem muito entusiasmo — Fora os dois da entrada e um que estava escondido no telhado.

Droga, ele era bom.

— Ok, você lembra, mas nós vamos para o interior da construção e lá podem haver mais ninjas.

— Acho que não – Ele disse dando os ombros — Não se preocupa, vai dar tudo certo.

...

Sakura fez um bico.

— Ah, Kakashi, eu não gosto de chegar atrasada – Ela resmungou revelando seu principal motivo para tanta animosidade. O homem riu pelo jeito emburrado que ela disse aquilo enquanto considerava as palavras dela com perspicácia.

— Hm... Tem um jeito de não chegar atrasado e não ter que se apressar – Ele disse fechando os olhos — É só não irmos.

Afinal, pela vasta experiência de Hatake Kakashi, você não chega atrasado nos lugares se simplesmente não for. O problema era que aquela lógica não funcionava para Haruno Sakura.

— Eu vou fingir que você não disse isso.

— Olha, pensa comigo. Hoje é o melhor dia do festival. Vai tá todo mundo de yukata nas ruas, todas as barracas vão estar abertas, vai ter muita comida, fogos, e nós vamos estar perdendo tudo isso para ficar numa festa chata? A gente deveria ir para o centro e aproveitar.

Bem... ele tinha razão. Quando ele surgia com esses argumentos, Sakura sentia que realmente queria participar do festival como uma pessoa qualquer que estava visitando a vila, e não como acompanhante do Hokage numa festa chique.

Mas não é como se eles tivessem escolha.

— Kakashi, a gente tá indo pela missão, e não pela festa.

— Podemos fazer a missão amanhã pela manhã, quando todos vão estar bêbados demais para se importarem conosco.

— Durante a troca de turno dos guardas cansados para os guardas atentos? Acho melhor não. A missão é simples, mas não é por isso que devemos nos descuidar.

Kakashi deu um suspiro pesado, porque Sakura tinha razão, mas... Ele não queria ir e não queria que ela fosse. Era o mais honesto que ele conseguia ser com seus sentimentos naquele momento, pensando que talvez devesse ter mentido e dito que tinha piorado, mas tê-la preocupada apenas para que não fossem à festa não valia a pena.

— Olha, a gente também não precisa ficar o tempo todo – Ela disse conciliativa — A gente vai, faz uma horinha lá, terminamos a missão e... Vamos para o festival. – Disse convicta — Eu também não quero ficar lá a noite toda, e já que dormimos bastante o dia todo, vamos conseguir aproveitar bem o festival mesmo que cheguemos um pouco mais tarde.

Ele a olhou por um momento sentindo todas aquelas coisas voltarem, mas desta vez, o homem se sentia mais apto a lidar com tudo aquilo. Concordou com um aceno de cabeça e Sakura lhe sorriu como se ele fosse uma criança boazinha.

— Então... Você vai pro banho primeiro. – Ela disse.

hm... Certo.— Ele disse fechando os olhos.

— Kakashi...

— O quê?

— Agora.

— Tô indo.

— Eu vou te derrubar da cama.

hm...— O homem soltou antes de começar a se mexer, e por um segundo, Sakura achou que ele tinha desistido, mas o que aconteceu foi apenas de Kakashi rolar para cima dela e soltar um longo ruído que simulava um ronco.

Ela riu sentindo o peso dele sobre si, e deu dois tapinhas nas costas dele por reflexo.

— Você sabe que eu ainda posso te derrubar da cama, não é?

— E se eu quebrar um braço?

— Sabemos que não vai acontecer, mas se acontecer, por sorte, eu estou apta a lidar com isso.

— E se eu bater a cabeça e morrer instantaneamente?

— Eu uso o Edo Tensei só para que eu possa matar você por ter morrido com tão pouco.

Kakashi riu, mas não respondeu de imediato. Ficou parado por um momento e Sakura se mexeu para levar uma mão confortavelmente para dentro dos cabelos dele, deslizando os dedos pelos fios de maneira quase preguiçosa.

— Seu cabelo é tão macio – Ela disse de repente — Eu acho bonitinho como ele volta pro lugar. – E mais um pequeno silêncio entre eles se fez, Kakashi se concentrando em sentir os movimentos da mão dela indo e vindo — Queria ter descoberto isso antes.

Ele também.

Kakashi queria ter se deixado descobrir tantas coisas antes.

— Tá pesado? – Ele perguntou depois de um momento num murmuro contra a pele do pescoço dela.

Sakura pareceu hesitar por um momento com seus movimentos preguiçosos no cabelo dele, e Kakashi quis saber o porquê de ela ter titubeado.

Queria ter certeza que não era algo que só existia na cabeça dele.

Mas que algo???

— Não – Disse por fim — Digo, nada que eu não possa lidar.

Nada com o que não pode lidar, é?

Será que ela tinha noção do que estava dizendo? De como aquilo soava tão significativo para ele? Kakashi deixou o ar escapar com suavidade pelos lábios e continuou sentindo aquele delicioso cafuné que o fazia pensar nas palavras. Em como por tudo em claras e evidentes palavras.

Foi quando ele se empertigou, apoiando o troco nos cotovelos apenas para que pudesse olhá-la diretamente. A moça não tirou a mão do cabelo dele, acomodando seu braço no ombro masculino para se fazer confortável.

Olhando para Sakura dali, Kakashi teve aquela sensação que tudo estava muito claro pela primeira vez, mas ao invés de apenas ceder, o homem hesitou.

— Tá pronto pro banho?

Sakura disse depois de um momento e suas bochechas estavam com aquele tom brevemente rubro, mas sua voz era tranquila. Talvez sequer tivesse percebido a hesitação do homem.

— Não.

Foi o que ele disse sem conseguir pensar numa resposta melhor, fazendo-a revirar os olhos.

— Eu vou contar até cinco e então vou te derrubar da cama.

— hmm...

— Dois.

— Ei, cadê o um?

— Você que começou a contagem. Três.

— Isso é trapaça.

— Não importa. Quatro.

— Como você quer que eu saia da cama quando você fica passando a mão no meu cabelo assim?

— Se esse é o problema... – A mulher parou de enrolar aquela mecha e podia jurar que Kakashi tinha feito uma careta. — Quatro e meio.

— Por que só o quatro teve um meio?

— Porque eu quis. Quatro e setenta e cinco.

— Eu acho que você não quer que eu vá.

— Sua opinião não importa, eu já disse. Quatro e oitenta.

— O próximo vai ser quatro e oitenta e um?

— Quatro e noventa.

— Sakura...

— Quatro e noventa e nove. Última chance.

Eles se encararam e Kakashi percebeu a forma como ela apoiou o pé na cama num ato de preparação. Certo, ela não estava brincando.

— Eu tô indo. – Declarou rapidamente, rolando para o lado e, finalmente, se pondo de pé. — Viu? – Disse enquanto se espreguiçava.

Sakura riu.

— Banho, Hatake! Já estamos atrasados!

— Yare, yare...

O preguiçoso se arrastou a contragosto para o banheiro deixando Sakura para trás, e esta, quando ouviu o barulho da porta se fechando, diante do silêncio repentino do cômodo, apenas levou sua mão para cobrir os lábios que insistiam em rir daquele jeito nervoso.

Fechou os olhos com força enquanto mordia o lábio, esfregando suas mãos no rosto enquanto aquele sentimento nervoso a fazia querer rir. Sabia que estava vermelha, mas pudera! De fato, Kakashi era uma fortaleza, com uma muralha enorme cercando suas paredes, porque essa era a única explicação.

Mal sabia ela que a fortaleza estava, naquele mesmo momento, parado enquanto tocava aquele qipao que ela havia deixado pendurado no banheiro. Os olhos esmorecidos fitavam o tecido bordado que delicadamente escorria pelos seus dedos enquanto questionava o quão atrasado estava.

.

.

.

Kakashi parecia taciturno quando ela saiu do banheiro, completamente pronta para seguirem com a noite. Já estavam atrasados para a festa por culpa do homem, mas ela não estava chateada, afinal, o atraso era mínimo comparado ao que poderia ter sido caso ele estivesse sozinho.

Eles se encaram por um momento e Kakashi não foi discreto quando deixou seus olhos passearem nela pelo tempo que achou necessário, mas parecia distante, como se a cada parte do corpo feminino que seus olhos descobriam, ele acabasse recuando um passo.

Ele a elogiou e ela o agradeceu, de repente, parecendo dois estranhos.

Saíram do quarto de hotel sem trocarem muitas palavras. O homem não a tocou como de costume, e isso não passou desapercebido por Sakura, que descia as escadas brevemente na frente.

De uma hora para a outra, Kakashi estava completamente esquisito.

Passaram pelo saguão do hotel e Kakashi se mantinha um passo atrás. Sakura estava em seus saltos e havia jogado o cabelo para o lado como não fazia geralmente. Tinha deixado a hitaiate de lado porque achou que não iria encaixar muito bem com toda sua roupa, mas Kakashi não abdicou da própria, estampando-a firmemente em sua testa.

Sim...

Ele colocou sua identificação ninja porque queria que Sakura também tivesse a ideia de usar, e assim pudesse exibir para todos que, mesmo vestida com as pompas do País da Água, ela era uma kunoichi de Konoha, tal como ele.

Não se sentia nenhum pouco nobre em tentar tal artimanha, mas a verdade é que ele estava desesperado. Felizmente, Sakura não tinha sequer manifestado a ideia de colocar tal adereço, porque ele já se sentia pessoalmente ridículo de ter tentado algo assim tão... idiota, e tudo porque a Sakura de Kiri o inquietava.

Nos minutos que passou no banheiro anteriormente, a sua mente girou novamente naquele furacão de sentimentos mal processados, e ele se sentiu urgente mais uma vez, principalmente quando colocara os olhos naquele qipao relaxado no gancho prateado do banheiro.

Passou pela sua cabeça que poderia acidentalmente dar um fim no tão sofisticado presente, mas jamais o faria de verdade. Ele não tinha o direito, e mesmo que tivesse, que tipo de homem ele seria? Se ela queria usar, então que o usasse. Se ela queria passar a noite ao lado de Ryuuji, então que passasse. Eram as escolhas dela e ele não podia interferir mais do que já tinha feito.

E quando a viu naquele traje tão nobre, Kakashi sentiu que estava realmente atrasado e a partir desse momento, tudo o que fez foi remoer seus sentimentos.

Quando alcançaram a rua, uma lufada de ar frio os atingiu. Como Kakashi havia previsto, os ninjas de Kiri haviam feito sua mágica, e a pesada nuvem havia se dissipado do céu, restando apenas o asfalto molhado e a sensação fria que inevitavelmente perduraria por toda a noite.

Estaria Sakura com frio? Naquela roupa que deixava suas pernas expostas, Sakura estaria com frio? Ele devia ter perguntado, mas como sempre, as palavras ficaram engasgadas até que a uma voz irrompeu o silêncio.

— Haruno Sakura-sama, sua carruagem a espera.

Viu a mulher arquear as sobrancelhas e virar-se na direção que o cocheiro indicou apenas para se deparar com a carruagem imponente que a aguardava, e não era como a que Ryuuji usava em seu dia-a-dia. Nem se comparava. Os cavalos vestiam adornos em azul e prata, a carruagem de madeira pintada em azul tinha decoração também em prata lustrosa com gemas coloridas por todo o contorno, e algumas partes simulavam escamas de dragões na mais exagerada representação da nobreza local.

Kakashi olhou para Sakura, que parecia ter sido pega de surpresa, mas ele... Ele não estava surpreso. Ryuuji era o Senhor Feudal afinal de contas. É claro que ele iria mostrar todas as suas armas para impressioná-la desde que suas intenções já estavam muito claras.

A surpresa, na verdade, era que ele não estivesse ali em pessoa.

— Parece que temos carona.

Foi o que Sakura depois de um momento enquanto se olhavam. Ele sorriu brevemente, sem nenhuma vontade de entrar naquele veículo.

— Em boa hora, já que está frio.

Ela confirmou com a cabeça ainda olhando para ele como se o avaliasse. Kakashi tentou simular sua normalidade, mas a verdade é que ele só queria... fazer qualquer outra coisa. Ele queria tempo porque parecia que Sakura estava indo em direção à... ao destino, e as malditas palavras de Terumi Mei sobre amor predestinado ficavam lhe rondando a cabeça nos piores momentos.

Mas era inevitável quando a via daquela forma, como se fosse dele.

Onde estavam as cores de Sakura? O vermelho e o branco que habitualmente usava? Por que ela estava se deixando ser exibida como uma conquista, um troféu? E o pior é que até conversar com ela parecia proibido quando ela se parecia tanto com... A futura Senhora Feudal.

Subiram na carruagem e Kakashi estava inquieto. Sakura olhava pela janela e Kakashi mantinha a cabeça girando entre o que ele queria, o que precisava, o que deveria, e o que poderia fazer; mas ainda que fossem perguntas abrangentes demais, ele sabia que as respostas teriam que ser certeiras, porque tudo nele o levava a crer que não haveria uma segunda chance para descobrir tais coisas.

A trepidação da locomoção os fazia balançar levemente nos bancos acolchoados da carruagem, e havia aquela agitação nas ruas da cidade que comemoravam o festival em suas vestes tradicionais, indo de lá para cá entre as barraquinhas, mas dentro da carruagem pairava o silêncio incômodo que não era natural entre eles que se acomodava na iluminação precária.

Kakashi definitivamente não estava bem, e Sakura até considerou a febre ter voltado, mas a verdade é que finalmente ela havia notado que o que quer que estivesse acontecendo não era de ordem física. Quando o olhou discretamente pelo canto de seus belos olhos, viu o homem cabisbaixo mantendo seu olhar languido num ponto específico sem realmente tentar enxergar nada.

O que estava se passando? Ela não sabia, mas era como se, de alguma forma, tudo estivesse prestes a se revelar, e pela primeira vez sentiu que ele estava tentando lhe mostrar alguma coisa sem saber exatamente como deveria fazê-lo. Nesses casos, ela sabia, era melhor deixar que ele tomasse seu tempo individualmente, mas Sakura nunca foi conhecida pela paciência, principalmente quando estava muito óbvio que a inquietude dele tinha alguma relação com ela.

Ou talvez estivesse vendo coisas.

Afastou o pensamento sabendo que queria fazer alguma coisa antes que chegassem à festa, e apenas colocou a mão sobre a dele com suavidade fazendo o homem encontrar o mais intenso dos verdes brilhando sob a penumbra da carruagem brevemente iluminada pelas luzes lá fora.

— Kakashi, o que tá acontecendo?

Era uma pergunta simples, e a honestidade de Sakura transbordava na maneira que cada palavra fora pronunciada, prendendo-o naquele momento onde, sim, ele não poderia mais fugir, porque até aquela voz – aquela que ele julgou ser de Tsunade – surgiu firme em sua mente, ordenando-o a seguir em frente, fazendo-o entender que seria inútil recuar porque Sakura o conhecia muito melhor do que ele imaginava.

Diga.

Diga tudo para ela.

Ele deixou o ar escapar pela boca como se de repente as coisas estivessem muito mais fora do controle do que ele imaginava. Dizer o quê? Como dizer o que queria dizer se ele não tinha as palavras? Se todas as frases pareciam incompletas diante daqueles olhos?

— Sakura... Eu...

E antes que pudesse tentar, a carruagem parava, mas Sakura continuou olhando para ele na espera de que ele pudesse apenas dizer o que tanto o afligia, e ele queria dizer, realmente queria.

O problema era que ele estava atrasado e o cocheiro fez questão de abrir a porta para anunciar que haviam chegado ao seu destino, provocando um longo suspiro incomodado advindo da kunoichi, que não se deixou abalar.

Estava determinada.

— Vem. – Ela disse olhando para ele de maneira significativa, apertando a mão dele suavemente antes de soltá-la para finalmente sair da carruagem.

E Kakashi foi.

Tomando conta da situação, ela agradeceu ao cocheiro e olhou por cima do ombro para Kakashi antes de continuar o seu caminho, claramente dizendo para que ele a seguisse enquanto fazia seu caminho até a entrada do lugar.

As bandeiras com o símbolo do País da Água tremulavam de acordo com a intensidade do vento assim como as pontas do qipao de Sakura também se agitavam conforme seu andar firme. Haviam luzes decorativas na entrada, e os guardas em seus quimonos tradicionais cumprimentaram brevemente a dupla, que apenas adentrou o local em busca de alguma privacidade.

Alcançaram o Genkan vencendo a friagem quando a porta foi fechada pelos guardas, e antes que pudessem continuar, a mulher virou para ele com aquele mesmo olhar sincero de quem não iria avançar um passo até saber o que estava acontecendo, mas Kakashi ainda se sentia tão... tão...

Sakura não falou, apenas ficou parada frente ao homem enquanto esperava que ele se decidisse. Ele a olhou e depois desviou esse mesmo olhar para algum canto da sala, vasculhando sua mente em busca daquilo que queria dizer, daquilo que precisava dizer, que deveria e poderia dizer. Ele queria ser certeiro em todos aspectos como sempre foi, mas ela o fazia sentir-se tão... Ansioso.

— Eu... Nem sei por onde começar.

Disse num tom atípico, baixo e temeroso. Ela assentiu com a cabeça brevemente, dando mais um breve passo para perto dele.

— Do começo, eu acho. – Disse na tentativa de ajudar o que quer que fosse que o estava afligindo.

O começo... Quando foi o começo?

Ele soltou uma risada nervosa tão mínima que Sakura até duvidou que realmente tivesse acontecido, e então passou a mão nos cabelos como quem tenta encontrar as palavras certas.

— Eu não sei quando foi o começo, Sakura. Não sei quando aconteceu, ou como aconteceu.

A moça franziu o cenho com o silêncio do ambiente se fazendo estranhamente sereno, e talvez fosse a iluminação precária, ou a falta de móveis, mas tudo parecia estranhamente sereno exceto Kakashi.

— Tudo bem, isso não é importante. – Ela deu os ombros minimamente — Me fale apenas o que aconteceu.

Apenas o que aconteceu.

Ele não era bom as palavras, nem sabia exatamente o que dizer e por isso sentiu-se engolir seco enquanto seu maxilar se movimentava na tentativa de deixar tudo aquilo sair sem ter que pensar muito, mas era difícil quando ela estava bem ali à sua frente, com aqueles olhos verdes mirando-o em expectativa enquanto que o homem apenas conseguia passar a mão entre os cabelos numa tentativa de tomar tempo, puxando a hitaiate no processo quando sua mão atingiu o nó com brusquidão.

Um completo desastre.

Seja lá o que ele estivesse tentando fazer, aquilo estava completamente desastroso.

Mas ainda que tudo estivesse tão complexo dentro do homem, Sakura estava disposta a ser paciente em sua impaciência, por isso suas mãos tocaram os braços masculinos, escorregando para segurar-lhe as mãos na tentativa de transmitir algum tipo de ponto de equilíbrio, algo em que ele pudesse se concentrar.

— Kakashi, você pode me contar. – Ela disse entrelaçando seus dedos e sentindo o tecido da hitaiate dele em uma das mãos.

Ele a olhava enquanto absorvia suas palavras e gestos, e por um momento ele pareceu saber quais eram as palavras exatas que podiam resumir todo o estado de caos que estava vivendo nas últimas horas, sendo pego completamente desprevenido apenas pela ideia de aquilo ser de fato verdade.

Conte, Kakashi. Apenas digas as palavras que você já sabe quais são.

...

Sua respiração se intensificou brevemente enquanto suas mãos apertaram as da mulher que se encontrava ali, esperando o que quer que ele estivesse querendo dizer, mas ele era um belo covarde, porque mesmo sabendo que era Sakura o tempo todo, e mesmo que as palavras que devesse usar estivessem em todos os livros que lia, ele ainda resistia em admitir que tudo – seus receios e seus apegos – se resumia a algo que ele definitivamente não queria.

Eu estou apaixonado por você.  

Era isso.

Simples.

E por mais que ele realmente quisesse fazê-la saber de seus sentimentos, ao mesmo tempo Kakashi se envergonhava por temer uma recusa que, naquele exato momento, parecia inevitável, afinal... Sakura era essa jovem mulher cheia de vida e expectativas, com tanta energia que era capaz de fazê-lo se apaixonar sem sequer dar-se conta, e depois de tudo o que passou, Kakashi queria que ela tivesse o melhor, e ele definitivamente não era isso.

Não para ela.

Sakura viu a protuberância no pescoço dele subir e descer antes daquela inquietude toda cessar como se nunca houvesse existido. Kakashi parecia diferente quando a olhou com aquele ar solene e aquilo a preocupou ainda mais. Ela franziu o cenho em sua confusão e apertou as mãos dele com mais intensidade.

Ele sorriu de maneira gentil.

— Sakura!

Ela sequer ouviu o chamado de seu nome e continuou olhando para ele completamente concentrada no que estava acontecendo a sua frente, mas Kakashi levantou o olhar, vendo Ryuuji surgir detrás da porta corrediça de papel e madeira, dando passos rápidos pelo tatame na pressa de encontrá-la.

Kakashi— Sakura sussurrou implorando por algo que não fazia ideia do que era.

— Sakura, você chegou! – Ryuuji disse dando mais alguns passos, sua voz irrompendo pelo silêncio de outrora como se maculasse aquilo que ele jamais deveria tocar.

Kakashi sorriu para ela, plissando seus olhos no processo, num gesto que para qualquer pessoa soaria comum, mas que naquela situação foi como retroceder ao ponto em que nenhum deles queriam voltar.

— Ele está te chamando. – Kakashi disse em tom baixo tentando disfarçar a sensação de perda que o invadia.

Naquele momento, algo entre eles quebrou.

Ela o olhou por um longo momento, seu rosto assumindo uma expressão magoada em seus detalhes, e apesar do homem querer acolhê-la, o que restou foi apenas aquele soltar inevitável de suas mãos que marcava o final daquela conversa, que sequer poderia ser chamada de tal forma. Seus olhares, no entanto, continuavam presos um no outro e Sakura ainda procurava pela resposta que ele jamais a deu.

Depois de um momento, Kakashi sorriu numa clara promessa de que estava tudo bem, mas ela não era uma criança e sabia que nada estava bem, que estava tudo errado, e só por isso ela negou com a cabeça minimamente, deixando-o perceber que ela não estava disposta a fingir, e então suspirou com a hitaiate dele na mão virando-se para Ryuuji que.. é...

O Lorde Feudal do País da Água estava completamente embasbacado. Kakashi pôde ver o deslumbre do homem ao pôr seus olhos na mulher de cabelos cor-de-rosa que agora o olhava. Ele vestia um quimono tão pomposo quanto o qipao da moça, feito do mesmo tecido e com os mesmos detalhes, mas ao invés de usá-lo como qualquer pessoa normal, Ryuuji só vestia um lado do quimono, deixando uma manga pendurada a suas costas para deixar um peito e braço a mostra.

Bem... Ele era bonito, mas ficar daquele jeito numa festa como aquela soava um tanto desesperado aos olhos de Sakura, que não estava muito no clima de admirar a beleza do homem. Na verdade, Sakura queria ter a liberdade política para socá-lo, porque era assim que estava se sentindo. Irritada pela interrupção.

Ela ficou parada enquanto deixava que ele se recompusesse sem entender o que diabos ela tinha para que ele a olhasse daquela forma, e então, dando mais um passo, ele sorriu.

— Fico feliz que o presente te tenha servido tão bem – Disse com aquele sorriso cheio de dentes, olhando-a de cima a baixo — Você faz desse vestido incrível.

Que elogio esquisito.

— Obrigada, Ryuuji-sama. – Ela disse fazendo uma reverência adequada à um homem na posição que ele ocupava — Eu adorei o presente.

— Não seja tão formal, Sakura. Na verdade... – Ele recuou um passo e se curvou para ela — Eu quem agradeço.

Pelo quê? Pff..

— Ryū, por favor... Não se curve. – Disse polidamente, porque a verdade é que o estava achando tão exagerado.

— Desculpe. Eu... – Riu nervoso — Bem... Vamos entrar, que tal?

Sakura olhou para trás por cima do ombro, vendo Kakashi observá-los com uma conformidade triste. Ela reprimiu um suspiro, demorando seu olhar no dele pelo tempo que achava necessário, mas...

Ryuuji.

— Ah, Kakashi-san! Seja bem-vindo. – O Daimyō disse apressado — Peço desculpas por não tê-lo cumprimentado antes, mas... Acho que você compreende meus motivos.

— Mais do que você imagina, Daimyō-sama. – Kakashi respondeu com um sorriso polido.

— Entre também e sirva-se de alguma coisa, hm? – O mais novo disse despreocupado antes de virar-se para Sakura — E você... Venha comigo. Quero te apresentar para os meus primos.

Viu o Daimyō oferecer seu braço a Sakura e ela hesitou por um breve momento, ainda olhando para Kakashi como se quisesse que ele a pedisse para ficar, mas ele jamais o faria naquelas circunstâncias. Os lábios dela se moveram delicadamente, articulando palavras para que ele as lesse, e então aceitou o braço do Lorde Feudal, partindo em direção ao pátio decorado.

Kakashi ficou para trás, o sorriso morrendo junto com a partida dela. Enfiou a mão nos bolsos e olhou ao redor por mero costume. Soltou uma risada para si mesmo, se achando um completo imbecil, e agora ela havia partido com o Senhor Feudal e... com sua hitaiate.

Mas logo ela a devolveria.

Foi o que Sakura disse.

.

.

.

Kakashi ficou para trás enquanto Sakura e Ryuuji se encaminhavam para o pátio decorado onde esperariam por Líridas. A enorme casa tinha a iluminação baixa com pequenos spots de luz direcionados ao tatame para destacar o caminho a ser seguido. Naquele horário, o lugar parecia bastante diferente, soando até mais melancólico de alguma forma.

Sakura estava em silêncio enquanto seu corpo se movia automaticamente para seguir Ryuuji, que parecia tão ansioso de um jeito fofo, quase como se não pudesse aguentar pela espera de algo, mas a mulher ao seu lado não conseguia apreciar aquele sentimento infantil que ele emanava. A última coisa que conseguiria era prestar atenção em Ryuuji, desde que sua mente estava mais interessada em repassar cada detalhe daquela conversa que não aconteceu instantes atrás.

Foi quando sentiu o toque cauteloso no mesmo lugar onde Kakashi costumava pousar sua mão de maneira relaxada, e no acordar de seu torpor, Sakura inclinou a cabeça por cima do ombro apenas para ter a visão da mão de Ryuuji carinhosa ali.

Hm.

Olhou para ele em seguida para vê-lo sorrir com o rosto corado, tal como uma criança que havia acabado de conseguir algo que queria a muito, e só por isso Sakura foi capaz de resistir ao impulso de perguntar o que diabos ele achava que estava fazendo. Inevitavelmente lembrou-se daquele bilhete e de como ficou lisonjeada pela declaração honesta, lembrou-se também que estava disposta a aproveitar da atenção dele ainda que não tivesse nenhuma intenção de seguir a diante com qualquer investida que fosse.

Sim... Sakura lembrou-se de tudo isso quando o viu sorrir daquele jeito, porque era novidade para ela ter alguém como Ryuuji empolgado do jeito certo e flertando do jeito certo. Ele era charmoso, tinha um belo corpo, com um belo rosto, e um belo sorriso. Tinha lá seus olhos azuis sedutores, e não podia negar que o fato de ele ter tal alta posição também era um adendo interessante, principalmente quando ele parecia inseguro em suas investidas.

O problema é que Ryuuji tinha surgido com o pior timming possível.

Era sempre isso. Ryuuji aparecia quando ela definitivamente não queria vê-lo. Foi assim nas grutas mágicas, e agora também durante sua pseudo-conversa. Tudo o que ela queria era entender a inquietude de Kakashi, e quando estava prestes a descobrir, Ryuuji aparecia apenas para... atrapalhar; mas ao mesmo tempo, ela tinha que dar crédito a ele por realmente estar tentando, e mais ainda, ele não tinha realmente culpa de Kakashi estar passando por algo.

Ela sorriu diante dos olhos azuis que a miravam com expectativa, e mesmo que estivesse querendo deixá-lo para voltar até Kakashi, Sakura também sabia que era Kakashi quem deveria procurá-la se quisesse mesmo que ela soubesse de qualquer coisa. Por reflexo, olhou na direção pelo qual vieram em encontrar ninguém no caminho logo atrás de si, e não pode deixar de se sentir ainda mais irritada por isso, apertando com força a hitaiate que segurava na mão.

É mesmo...

Virou-se novamente para Ryuuji.

— Você pode me ajudar com isso aqui? – Sakura perguntou mostrando a hitaiate em sua mão.

— Hm? Essa é a bandana do Kakashi-san, não é?

— Sim. – Ela deu os ombros — Eu só preciso que você me ajude a amarrar no braço.

Não que ela não pudesse fazer sozinha, mas aí ela usaria a boca de um jeito não muito aceitável numa festa como aquela.

— Tem certeza? Acho que ela não combina muito com o seu vestido. – Ele disse de repente resistente com o pedido. Sakura arqueou a sobrancelha sem muita paciência.

— Mas que besteira – Ela riu com a frase que saia antes mesmo que tivesse percebido — Hitaiates sempre combinam com ninjas, e além disso, essa aqui é azul, não é?

Ryuuji hesitou.

— Sim, mas... Hã... Não quer usar num local mais discreto?

Sakura suspirou.

— Ryū, com todo respeito, mas essa hitaiate aqui acompanha Kakashi desde muito tempo. Ela esteve com ele em todas as batalhas e missões, e eu, honestamente, nem sei porque estou considerando pô-la em meu braço, quando o lugar certo é onde eu orgulhosamente costumo usar a minha.  

E então, sem sequer olhar para o Lorde Feudal, Sakura passou o tecido azul escuro pelos cabelos e posicionou a placa de metal de modo a ficar no topo de sua cabeça. Deu um nó rápido e finalmente sorriu para Ryuuji de forma polida.

— Vê? Uma hitaiate sempre combina com um ninja.

Ryuuji sorriu sem jeito antes de voltar a conduzi-la.

.

.

.

Servos vestidos com pompas, muita decoração em azul e prata, pessoas em roupas chiques para lá e para cá, canapés com nomes difíceis, bebidas exóticas com cores estranhas, plantas, música... Uma festa. Definitivamente aquela era um belo exemplo de festa advindo da nobreza de Kirigakure.

Kakashi não sabia bem o que esperar além daquilo que encontrou. Foi abordado por um grupo de ninjas que o encheram de elogios pela sua performance na guerra, outros queriam apenas saber de Naruto, e teve um que até se arriscou em perguntar por Sakura, mas Kakashi apenas deu os ombros enquanto tentava se livrar de todos eles.

Escapou dos ninjas e teve um breve segundo de paz, enfiando a mão nos bolsos enquanto andava pelo jardim amplo fingindo interesse naqueles arbustos podados em formas variadas. Secretamente, seu olhar o traia, cedendo a vontade cruel de observar a mulher no qipao azul que desfilava ao lado do Senhor Feudal de maneira tão atraente. Era como se houvesse um imã nela que fazia seu olhar sempre pender para suas penas, cintura e rosto.

Não podia negar que faziam uma dupla bonita, Haruno Sakura e Rokurō Ryuuji. Ambos andando um ao lado do outro, ele empolgado em apresentá-la para toda a família como se buscasse os sorrisos de aprovação dos tios e primos que ali estavam, e Sakura sorria educadamente, como uma boa moça bem-criada, atingindo todas as expectativas da família do homem.

Primeira impressão era tudo.

Eles riam, e todos pareciam adorá-la, mas pudera... Sakura era mesmo encantadora, e tudo parecia perfeito ao redor deles: as luzes pareciam mais brilhantes, as bebidas mais gostosas, as conversas mais empolgantes... Tudo parecia incrivelmente perfeito, como se fosse predestinado.

Kakashi sorriu triste desviando o olhar.

Porém, ainda que Sakura parecesse divertir-se, inevitavelmente, em brevíssimos momentos, Kakashi recebia os olhos verdes vindo em sua direção, mirando-o como se ele também possuísse um imã para os olhos dela. Se olhavam por um milésimo de segundo apenas antes que Kakashi desviasse sem nenhuma coragem de admitir para ela que a inquietude do seu ser havia finalmente se acalmado, e agora só restava aquele sentimento de que se ela pudesse escolher, então que escolhesse Ryuuji.

A viu recusar a bebida que lhe foi oferecida com um gesto simples de sua mão, e alguém apontou para a bandana em seus cabelos. A hitaiate dele. Por que ela estava usando aquilo? Ele não fazia a menor ideia, mas também não importava. Não mais. Estalou a língua sem nem perceber enquanto girava o seu olhar pelo lugar, se perguntando onde poderia ter um minuto de paz longe deles e de todos, mas a vida... A vida tinha outros planos para ele.

— Se divertindo, Hokage-sama?

Ah, é claro... Terumi Mei finalmente aparecia em seu longo vestido azul em detalhes dourados com um profundo decote que destacava seu já avantajado busto.

— Bastante. – Mentiu sem importar-se em melhorar seu tom de voz, ouvindo Mei rir logo em seguida, levando uma taça aos lábios com aquele ar de quem sabe um segredo.

— Fico feliz que a festa o agrade – Ela disse depois de um momento como se ele fosse uma grande piada — Sakura parece estar se divertindo também. – Soltou como a raposa sorrateira que era.

— É verdade. – Foi a única resposta dele.

— Hoje cedo, Ryuuji veio a mim com um pedido inusitado – Riu maneando aquela mão de dedos longos e unhas polidas — Queria que eu falasse com Tsunade e conseguisse mais alguns dias para Sakura aqui.

Kakashi permaneceu em silêncio e Mei olhava para a dupla em azul que, inocentes, não faziam ideia de que eram pauta da conversa de dois importantes ninjas.

— Eu disse que isso dependia de você, Hokage-sama, já que Sakura parece estar aqui a sua disposição.

O homem a olhou de imediato enquanto as palavras dela serpenteavam pelo ar de maneira nociva. Os olhos verdes da mulher não vacilaram e o sorriso de raposa em seus lábios se mantinha vitorioso.

— Até onde eu sei, eu sou o intruso aqui – Kakashi respondeu depois de um momento.

— Oh, é mesmo? – Mei perguntou quase inocente — Espero que consigamos mudar esse sentimento antes de sua partida, afinal, Ryuuji tem planos para estreitar as relações com Konoha de maneira bastante íntima, e seria producente que o futuro Hokage se sentisse à vontade em nossas terras.

— Não se preocupe com isso, Mei. Eu sei separar meus sentimentos pessoais dos meus deveres enquanto Hokage.

Mei soltou uma risada e Kakashi não sabia dizer o que tinha de tão engraçado naquelas palavras dele, que escaparam de sua boca quase que de modo automático. Ele olhou para Sakura novamente, vendo-a devorar um daqueles canapés enquanto Ryuuji conversava com alguém, e então abaixou a cabeça levemente sem perceber o olhar afiado da Mizukage sobre si enquanto tomava mais um pouco de sua bebida.

— E quais são seus sentimentos pessoais, Kakashi?— Ela perguntou por fim, quase como se não tivesse interesse na resposta. Quase.

— Neste momento? – Kakashi questionou vendo-a confirmar com um gesto de sua cabeça — Tédio. – Ele respondeu — São meus deveres como Hokage que me mantém nessa festa.

— Esta é uma declaração bastante ousada – A mulher revelou deixando sua taça sob a bandeja de um dos servos que por ali passou — Pensei que você estivesse aqui em consideração à sua acompanhante.

A mulher projetou seu rosto na direção dele de maneira displicente, e Kakashi não conseguiu manter seu olhar nos azuis ardilosos por muito tempo. Desviou questionando o valor do mistério de seu rosto, porque naquele exato instante, ele quis beber algo que fizesse sua garganta queimar.

— Mas se este não é o caso.... – Ela deu os ombros minimamente, com um sorriso breve nos lábios, seus olhos ainda em Hatake Kakashi — Talvez eu possa lhe entreter, Hokage-sama.

O homem arqueou a sobrancelha antes de voltar a olhá-la.

— ...?

— É meu dever, enquanto Mizukage, manter o líder da Folha entretido em sua visita à Vila. – Ela explicou pegando uma taça na bandeja de um dos servos que passava perto sem sequer olhar para ele, afinal, seus intensos olhos verdes jamais deixaram os de Hatake Kakashi.

— Não se preocupe com isso, Mizukage-sama – Kakashi disse entrando no jogo dela apenas para sair em seguida — Meu tédio não vai prejudicar nossa relação política.

Mei sorriu.

— Mas isso não significa que não possamos fazer algo a respeito – Ela rebateu bebericando suavemente o líquido dentro da taça, seus lábios ganhando um brilho úmido.

— Mei... Eu não quero. – Kakashi disse de maneira muito direta.

Ela riu como se ele tivesse dito uma piada.

— Sinto que querendo ou não, sua tendencia é não fazer nada – Revelou com humor e o homem franziu o cenho. — Você é do tipo que espera.

— Eu não estou esperando nada. – Kakashi respondeu em defesa própria fazendo a mulher revirar os olhos com aquela graça única de sua pessoa.

— Sempre estamos esperando por algo, Kakashi – Ela rebateu — No seu caso, você está esperando desesperadamente que Ryuuji tenha sucesso, mesmo que isso signifique a sua própria infelicidade.

— Do que você está falando?

Kakashi, por favor...— A mulher deu uma longa risada e o viu balançar a cabeça em negativa.

Ficaram em silêncio, ambos os pares de olhos caindo sob o casal que chama a atenção de todos por seus sorrisos. Mei alisou a própria roupa num gesto resignado, fazendo uma expressão que Kakashi não conseguia decifrar com exatidão, mas que se pudesse arriscar, diria que era algo entre deboche e simpatia, mas ela não disse nada.

Não precisava dizer.

Kakashi não era tolo e sabia que o que ele havia acabado de descobrir já era de conhecimento da mulher a muito tempo. Mei tinha olhos treinados para descobrirem os segredos mais profundos das pessoas com apenas meia dúzia de palavras trocadas, mas o estranho naquele caso era que ela havia descoberto algo que nem ele sabia ainda, e agora Kakashi se pergunta o que mais ela poderia ter descoberto que ele ainda não soubesse?

O quê aqueles olhos de raposa enxergavam?

—  O que você quer de mim, Mei? O que quer que eu diga?

— Não me faça esse tipo de pergunta, Kakashi – Ela riu como se nada do que ele falasse fizesse sentido — Só estamos conversando.

— Nenhuma conversa com você é uma conversa.

Kakashi...— A voz dela era zombeteira naquele resmungo de seu nome. — Eu só estou tentando matar o tédio aqui.

Kakashi soltou um suspiro longo e cansado.

— Eu tenho ideias melhores, é claro, de como poderíamos fazer isso – Ela continuou, seus olhos verdes caindo em Haruno Sakura que, de repente, os olhava sem que Kakashi percebesse, e então soltou uma risada — Sabia, Kakashi, que meu henge é poderosíssimo?

O homem demorou um segundo para entender a expressão de Mei, que levantou seu olhar para ele com um sorriso mergulhado em malícia.

— Eu só preciso observar um pouco a pessoa e consigo simular seus movimentos, o jeito de falar, os olhares... E o melhor é que eu consigo manter meu jutsu mesmo durante um.... – Seus lábios abriram como se fosse completar a frase, mas se fecharam novamente com um sorriso de canto enquanto seu olhar revelava tudo o que tinha em sua mente.

Havia um olhar de alerta no rosto do homem num claro aviso de que ela deveria ter muito cuidado com o que fosse dizer a partir daquele ponto, mas Mei certamente não tinha medo do homem. Na verdade, quando ela via aquele olhar dele, mais a vontade de continuar falando se manifestava nela.

— Se não está disposto a ir atrás do que quer, pelo menos você pode fingir. – Ela disse ainda sustentando seu sorriso na direção dele.

— Esta conversa acabou. – Kakashi foi rápido em dizer enquanto seu corpo dava um passo a frente, querendo sair de perto da mulher o mais rápido possível enquanto a visão entrecortada do que ela estava sugerindo passava em flashes na sua mente. Ficou irritado por não ter controle de seus pensamentos, e por deixar que uma sugestão tão inescrupulosa lhe causasse uma reação tão brusca.

A verdade é que no momento em que admitiu estar apaixonado, Kakashi também assumiu que não poderia fazer nada sobre isso. Aquele sentimento era dele e unicamente dele, e era dessa forma que iria permanecer. Sakura não precisava saber. Ninguém precisava saber.

Mas ali estava Mei colocando as coisas de uma forma clara demais para que ele pudesse lidar em voz alta, e de um jeito pouquíssimo delicado para que o homem conseguisse se controlar entre o desejo e o dever.

Sim, porque tudo se resumia ao dever, não é?

Antes que pudesse dar o próximo passo, no entanto, a mão de Mei o segurou pelo braço de maneira firme e inevitavelmente seus olhares se cruzaram. O verde brilhava intenso como se estivesse adorando cada mínima reação que ele tinha.

— Do que você tem medo, Kakashi?

Ela perguntou naquela voz mais baixa, mas ele sabia que não se tratava daquela proposta. Não... Era sobre algo mais. Era sobre Sakura, e sobre as coisas que vinham se repetindo na mente dele para mantê-la longe de si.

— Ela é minha aluna, Mei. – Ele disse sério — Catorze anos nos separam.

Sim! Quatorze anos de diferença!

Sakura ainda era uma adolescente fazendo estágio para ser adulta, e tudo bem que ela já tinha passado por muitas coisas, mas maturidade é algo que não vem apenas com experiência, mas também com o tempo que a pessoa passa maturando tais momentos de sua vida. Sakura ainda era... jovem. Ela ainda tinha todo um futuro pela frente que não precisava ser atrelado a um homem como ele, casado e com pouco entusiasmo.

Além disso, não era esquisito? Ele tinha visto ela crescer! Ele estava lá durante todo os treze anos dela! Prometeu aos pais dela que não a deixaria se machucar nas missões... Ele...

Ela era sua aluna 14 anos mais jovem.

— E daí? – Mei perguntou com uma expressão de quem esperava mais.

Ele a olhou exasperado.

E daí? — E soltou o ar incrédulo — É inapropriado!

— Kakashi, só você e ela lembram que vocês um dia foram professor e aluno. – Mei disse com uma risada — Você cuidou da educação dela por quanto tempo? Um ano? Por favor... E isso tem séculos. Sakura definitivamente não é a criança da qual você tomou conta. Na verdade... – E olhou para a moça que parecia estar dividindo sua atenção entre Kakashi e Ryuuji — Pra mim ela parece crescida o suficiente.

 — Você não entenderia.

— Ah, eu entendo sim... – E tomou um longo gole de sua bebida, derramando o líquido restante em sua boca para deliciar-se com o momento — Entendo que você está se apegando a qualquer justificativa ínfima que te leve para longe dela, porque tudo o que você me falou soa apenas como meras desculpas de um homem em negação.

Kakashi riu brevemente em escárnio.

— E você deve me conhecer muito bem para falar essas coisas, não é? – Disse ainda com desdém.

— Somos ninjas, Kakashi. Não conheço um que não tenha resistido por medo de perder mais uma pessoa pro ofício ou não, principalmente pessoas como nós, que vimos mais sofrimento do que podíamos aguentar, mas que de alguma forma sobrevivemos a isso, e agora... – Ela deu os ombros — Nos apegamos à desculpas.

Ficaram em silêncio enquanto os olhares permaneciam um no outro, e Mei já não tinha seu ar ardiloso. Tudo o que a mulher falava soava completamente verdadeiro até mesmo para alguém que se recusava a aceitar que as palavras dela estavam certas.

— Por que está se dando ao trabalho de me dizer tudo isso?

Mei arqueou as sobrancelhas.

— Não é óbvio? – Perguntou enquanto o sorriso surgia em sua face — Eu prometi cuidar de Sakura.

Kakashi hesitou por um momento sendo pego de surpresa por tudo o que foi dito. A mão feminina finalmente o abandonou, e a mulher recuperava seu semblante desdenhoso num claro aviso de que agora sim aquela conversa havia terminado. Mei deu um passo para além de Kakashi, que ficou parado por um momento observando o nada. Seus olhos fixos em algo que ele sequer sabia dizer o que era enquanto tudo caia por terra.

Tinha sido exposto, e Mei, de fato, tinha visto muito além do que ele mesmo conseguia enxergar. Naquele momento Kakashi soube que não havia mais onde se esconder, restando-lhe apenas admitir que no final das contas a única coisa que o impedia de ir atrás do que queria era ele mesmo.

Passou a mão nos cabelos enquanto seguia pelo lugar, evitando as pessoas e qualquer outro obstáculo. Olhou para a moça com a hitaiate de Konoha presa entre os cabelos cor-de-rosa e a pegou olhando de volta. Não precisou fazer nenhum sinal, apenas seguiu em frente na direção do interior da casa, passando pela porta corrediça sem muito alarde.

Era um pouco cedo para começar a missão, de fato, mas a verdade é que Kakashi não tinha muito mais o que fazer além de pensar na sua própria vida amorosa, e no momento ele preferia focar em outra coisa.

Uma missão era tudo o que ele precisava para clarear a mente.

Certamente era.

.

.

.

Demorou um pouco para conseguir se livrar de Ryuuji, mas Sakura finalmente fazia seu caminho pela festa até a porta corrediça, passando por ela com passos largos de quem estava com a cabeça em um lugar completamente diferente.

É verdade que havia uma missão para ser feita e sua mente precisava entrar em consonância com o dever, mas até que o momento crítico chegasse, Sakura ainda seria apenas Sakura, a mulher irritada com uma interrupção que tinha acontecido horas antes e que lidava com a curiosidade acerca da conversa animosa que Kakashi estava tendo com Mei minutos antes.

Naquele momento, Sakura vivia mais uma contradição que fazia parte da vida: Queria vê-lo, mas também não queria. E isso era apenas reflexo de sua curiosidade, que ela sabia que a levaria para lugar nenhum. Qualquer conversa que ele tenha tido com Mei não era realmente relevante, mas havia aquilo que ele não conseguiu colocar em palavras momentos antes, e isto sim a interessava, ela só não fazia ideia do quanto. 

Quando conseguiu alcançá-lo, Kakashi estava esperando no meio das escadas que os levariam para o piso superior. Se olharam por um segundo e ele apenas virou-se para continuar a subida sem falar uma palavra sequer, afinal, não estavam ali para bater papo. Os olhos femininos passearam nas costas dele enquanto suas pernas se mexiam para continuar subindo, os passos tão suaves quanto as quatro patas almofadadas de um gato sorrateiro, e a cada degrau que superava, Sakura deixava seus pensamentos irem desaparecendo para que restasse apenas a kunoichi de Konha.

No piso superior, Kakashi e Sakura passaram por uma pequena sala que levaria a alas diferentes do local, Kakashi seguiu sem hesitar para o leste tendo Sakura logo atrás de si, atenta aos arredores ao espalhar seu chakra suavemente como um sensor. Desembocaram num corredor largo cheio de janelas, as luzes apagadas traziam um tom lilás acinzentado para as paredes e o som da festa praticamente sumia naquela região.

Não precisaram andar muito para alcançar a única porta com fechadura ornada do lugar.  Kakashi abriu espaço para Sakura, que só precisou de um grampo de cabelo para abrir a tão complexa fechadura. A moça entrou na sala e Kakashi fechou a porta assim que passou pela entrada do escritório também, ambos se deparando com um lugar amplo, cheio de prateleiras com os mais diversos itens.

Havia uma mesa larga e baixa com adornos em prata, decorações de leques pendurados nas paredes, assim como katanas que provavelmente nunca foram usadas e quadros com pinturas de paisagens. O bonsai tinha uma lâmpada alaranjada para si que brigava com a luz discreta do luar advinda da janela parcialmente coberta por uma longa cortina de tecido leve. As estantes escoradas nas paredes tinham prateleiras que iam do teto ao chão com livros, pergaminhos, esculturas...

— O que estamos procurando? – Sakura perguntou num tom mais baixo enquanto passava os olhos atentamente na estante do lado direito da sala, vendo os vários itens que a compunha.

— Um pingente em formato de gota – O homem respondeu enquanto analisava a estante do lado esquerdo.

A moça puxou uma caixa discretamente que estava por trás de uma carpa entalhada em madeira e abriu apenas para se deparar com cartas e mais cartas, todas da mesma mulher para o mesmo homem. Devolveu ao lugar imaginando onde alguém guardaria uma joia num escritório como aquele enquanto remexia cuidadosamente nos objetos que podiam abrir itens em seu interior.

Continuaram buscando em velocidade, cada um preso em seu próprio pensamento copioso de encontrar o tal pingente enquanto garantiam que tudo continuava na mais perfeita ordem em que estava segundos antes. Foi Kakashi quem encontrou uma caixinha de música de ouro e cristais, e quando colocou os dedos nela, a voz de Sakura surgiu num sussurro baixo.

— Tem gente no corredor.

O homem parou sua busca e deu alguns passos na direção de Sakura, colocando uma mão no braço dela enquanto olhava para a porta. Duas pessoas, constatou quando o ruído despreocupado dos passos se fez audível junto com as vozes masculinas que dialogavam sobre o after party. Kakashi então puxou Sakura para o canto perto da porta assim que ouviu o tilintar do chaveiro, e a moça foi rápida em utilizar aquele mesmo grampo para trancar novamente a fechadura antes que eles pudessem sequer notar.

— Ok, vamos----

Não conseguiu terminar a frase, pois Sakura o puxava para si fazendo com que o corpo dele cobrisse o dela conta a parede. Shhh, ela pediu silêncio com aquele mínimo ruído enquanto mantinha suas costas escoradas no canto ao lado da porta, suas mãos segurando as laterais da roupa do homem e seu olhar atento se mantinha por cima do ombro masculino ao passo que Kakashi apenas esperava em quieto.

A porta abriu e ninja se preparou para o que quer que pudesse acontecer, desde as perguntas até as acusações, mas a dupla apenas ligou a luz distraídos em sua conversa, ambos em azul real, tão pomposos quanto qualquer outro nobre na festa, e pareciam tão tranquilos a ponto de Kakashi achar que mesmo que pusessem os olhos neles, jamais os enxergariam.

Genjutsu.

Kakashi sorriu com o canto da boca enquanto a moça o olhava divertida com seus belos olhos verdes. É claro... A mulher com o melhor controle de chakra no mundo havia simplesmente apagado suas imagens da mente da dupla. Na mente deles, era como se estivessem sozinhos no cômodo.

Tiveram aquela breve conversa com o olhar, enquanto os dois recém chegados buscavam charutos numa caixa em cima da mesa. Sakura tinha sua expressão de garota travessa que havia acabado de fazer algo que não devia e estava adorando. Olhava para a dupla por cima do ombro de Kakashi e depois para o ele logo a sua frente dizendo com os seus olhos que tudo estava sob o mais completo controle, e o homem não podia estar mais de acordo com aquela afirmação; mas logo que aquele segundo ficou para trás, Kakashi percebeu aquilo que apenas sua concentração no ofício ninja foi capaz de camuflar: O cheiro dela.

Ou melhor, a falta dele.

Porque Sakura estava cheirando a Ryuuji, e ele odiou aquilo, mas não podia dizer que estava surpreso já que viu o homem tocar a mulher por todos os lados, rodeá-la com seus braços e sussurros ao pé do ouvido. O cheiro de Sakura estava contaminado com o dele, e nessa constatação Kakashi sequer percebeu quando deixou o clima divertido entre ele e Sakura se acabar. A olhava, dessa vez, com aquela conformidade se instaurando entre eles e o brilho nos olhos verdes se transformou também em algo mais sério.

Sentiu as mãos dela segurarem mais firmes em sua roupa, e os homens na sala resolveram seus assuntos com vozes indistintas flutuando antes de simplesmente apagarem as luzes e saírem. Aquilo era anúncio de que podiam voltar à a missão, mas nenhum deles se moveu por um longo momento enquanto decidiam o que queriam dizer, se queriam dizer alguma coisa.

Kakashi projetou brevemente sua cabeça, inclinando-a para conseguir ter uma visão mais clara de Sakura, que tinha aquela expressão suplicante. É claro.. Ela não deveria estar compreendendo nada, mas para Kakashi era inevitável não pensar que ele estava cometendo a mais terrível transgressão, e não era pelas desculpas que costumava usar para se manter longe, não... Ele tinha sido exposto e já não fazia mais sentido negar que a queria, mas ao mesmo tempo, naquele qipao, com aquele cheiro, Sakura não parecia uma possibilidade.

Sakura o viu recuar com passos vagarosos, suas mãos desprendendo do tecido das vestes masculinas em uma espécie de aceitação. Ele parecia estar percebendo alguma coisa, e mesmo ao se afastar, seus olhos continuaram atados como se tentassem desvendar o mistério que havia entre eles, mas que não era mistério algum. Ninguém fez questão de esconder nada, e os únicos que conseguiram enganar foram a si mesmos.

E ela estava disposta a dar um passo se ele estivesse disposto a dar também, porque Sakura já não se jogaria mais num romance sem ter certeza que ambas as partes estavam juntas nisso, mas Kakashi estava apenas ali olhando-a em sua contemplação pessoal de alguém que queria algo e podia ter, mas não naquelas roupas ou com aquele cheiro.

A coisa com cheiros era que as pessoas emitiam seu próprio odor, e não haviam perfumes que pudessem mascarar aquilo que o corpo emitia a todo instante, principalmente para alguém com o olfato tão sensível quanto o dele. Era por isso que ele sabia que caso se concentrasse bem, inevitavelmente encontraria o cheiro dela e por certo seria tão bom quanto sempre foi.

Ele precisava saber que Sakura ainda era Sakura, mesmo que aquelas não fossem as suas cores e que aquele dragão rondasse sua pele-mar em prata viva. Um henge de Sakura jamais funcionaria, porque ninguém conseguiria copiar seu cheiro a um nível que enganasse seu nariz, não se estivesse sem máscara, e só por isso ele puxou o tecido que encobria seu rosto de maneira tão repentina – pelo menos para Sakura, que arregalou seus olhos em surpresa.

Kakashi riu em um breve momento de êxtase logo após inspirar profundamente e encontrar, debaixo de todos aqueles outros aromas, o cheiro dela tão intenso. Sakura ainda era Sakura. E ele a viu parada em choque, olhando para o rosto nu sob a penumbra suave das luzes difusas que se faziam presentes no local, e talvez fosse difícil enxergar, talvez ela sequer estivesse vendo algo de forma nítida, mas ele...

Kakashi tinha o vislumbre de tudo.

E na epifania do momento, com apenas dois passos, o homem a alcançou para tocar-lhe os lábios com os seus, beijando-a com suas mãos e boca, com seu corpo e alma, no mais simples e honesto dos gestos enquanto apagava aos poucos o cheiro de qualquer outra pessoa que estivesse minando a sensação maravilhosa do cheiro doce em seu nariz, porque os únicos rastros aceitáveis nela eram os dele.

Sim, afinal Sakura também estava ali entregando tudo nos movimentos sôfregos das suas mãos que se enleavam nos fios de seu cabelo, deslizando pela sua nuca enquanto o puxava para si num óbvio pedido de que não parasse nunca de beijá-la, porque era assim que ela se sentia nas pontas de seus pés finalmente tomada por aquele que, sem sequer notar, já havia marcado tudo como dele.

Mas quando seus lábios se separaram por um tão breve momento, e ofegante, Kakashi a olhou escondida sobre sua sombra, Sakura não olhava seus olhos. Não... Aquele verde intenso mirava sua boca, nariz, sinal, queixo e tudo o que ela não podia ver antes, hipnotizada com o rosto que finalmente se revelava, levando seus dedos para desenhá-lo brevemente, com um toque tão sutil que o fazia prender a respiração.

E então se olharam, e ele a beijou novamente se sentindo completamente sem folego naquele gesto arrebatador de quem finalmente se permitia querer, precisar e fazer. Ele estava completamente extasiado pelas sensações da boca, das mãos, do corpo dela e do silêncio.

Ah, os silêncios...

Ele escorregou sua mão pela seda do vestido dela, sentindo o relevo do bordado, sabendo que a única criatura prateada rondando seu corpo-mar era apenas ele, e quando seus lábios se separaram novamente, e os olhos verdes semiabertos o miraram mais uma vez, Kakashi beijou seu lábio inferior fazendo-a suspirar no tremor suave que a invadia.

Se sentiu capaz de tudo diante daquele suspiro.

Foi quando o céu explodiu em prata e o ruído crepitante dos fogos lançados quebrou o maravilhoso silêncio entre eles. Se olharam em ofegos naquele atordoar perfeito de seus olhos, ainda enlaçados um no outro sem a menor vontade de parar. Os lábios dela tremeram brevemente como se estivesse lutando contra as palavras, não haviam palavras, não precisavam disso, e Kakashi a beijou novamente, dessa vez delicado, mantendo seus lábios contra os dela enquanto sussurrava em contragosto um breve... A missão.

Oh, sim...

Eles eram ninjas em uma missão bastante delicada, mesmo que fosse uma das mais fáceis.

Sakura concordou com a cabeça minimamente sentindo a respiração pesada. Céus... Suas mãos resistiam ao ato de deixá-lo, assim como ele enfrentava dificuldade para focar naquilo que precisava fazer. A moça viu a protuberância em seu pescoço subir e descer assim que seus corpos já não mais se tocavam, e os olhares breves que trocaram foi rompido quando ele abaixou a cabeça brevemente, recolocando sua máscara.

A missão.

Ela se forçou a lembrar também engolindo seco diante a necessidade de se recompor. Fechou os olhos por apenas dois segundos, e quando os abriu, Kakashi era o shinobi de Konoha, e ela a kunoichi escalada para uma missão Rank-S.

Kakashi voltou à sua estante tentando conter a sensação do corpo dela no seu, do gosto dos lábios dela, do cheiro intenso que estava impregnado em seu corpo. Seus olhos frenéticos demoraram a se concentrar no que precisava fazer, mas ele era um ninja treinado e mesmo positivamente abalado, o homem continuou de onde parou, achando o tal pingente dentro da caixa de música enquanto os fogos explodiam lá fora.

— Aqui.

Sakura se virou e ainda difícil olhar para ele sob as sombras do lugar, com o brilho efêmero dos fogos criando uma iluminação irregular em sua face. Desviou os olhos para o colar de prata com uma gota de cristal entralhado numa gota poligonal que...

— Emite chakra?

— Parece que sim. A caixa de música é um selo que bloqueia o chakra emitido.

— Se sairmos com isso os ninjas lá fora vão perceber.

— É por isso que você foi escalada para esta missão – Kakashi disse se aproximando novamente, os olhos nos dela lutando para manter-se num plano onde pudessem continuar a missão — Você pode controlar isso.

E então, os dedos dele abriram o fecho com cuidado e Sakura hesitou um segundo antes de virar-se no próprio eixo, sentindo a presença do homem nas suas costas enquanto ele passava o cordão prateado pelo pescoço dela. A moça deitou a cabeça brevemente para projetar seu pescoço, o pingente caindo em seu colo delicadamente, e as mãos dele tocando-lhe a pele para poder fechar o colar.

Ela não se mexeu mesmo quando sentiu que o homem já havia acabado, e ele também precisou de um tempo parado, resistindo a vontade de tocá-la um pouco mais. Afastou-se por fim sabendo que precisavam voltar para a festa antes dos fogos acabarem de explodir no céu.

Sakura se virou para ele e, de repente, Kakashi não sentia mais o colar.

Hesitou por um segundo antes de enfiar a mão no bolso a procura daquele pergaminho que Mei o entregara durante sua visita aos moinhos enquanto Sakura deixava o pingente se esconder por dentro da gola alta de seu qipao. O homem pegou a cópia perfeita do cristal e colocou dentro da caixa de música, devolvendo-a ao seu devido lugar.

A olhou por um instante antes de um breve confirmar com a cabeça. Ela se adiantou para a porta, abrindo-a novamente com aquele grampo de cabelo e logo estavam de volta ao corredor. Os fogos continuavam a explodir enquanto eles andavam na direção da escadaria, ela na frente do homem dessa vez, e quando alcançaram o último degrau, naquela sala vazia do recinto, Sakura virou-se.

Ela o olhou e de repente Kakashi sorriu. A viu balançar a cabeça negativamente num revirar de olhos divertidos enquanto lutava contra o sorriso que invadia seus lábios. Ele aproximou-se com um passo erguendo sua mão para tocar-lhe a cintura, e ela já o esperava pronta para se desfazer do primeiro pedaço de tecido que os atrapalhava naquele momento.

— Sakura?

Kakashi levantou o olhar e Sakura torceu o tronco brevemente para olhar na direção do chamado de seu nome.

— Ryuuji?

É claro...

O sorriso sumiu da face do homem, que apenas recuou diante da chegada do outro. Sakura olhou para Kakashi incerta, mas, de alguma forma, o mascarado parecia sereno o suficiente para piscar-lhe um olho e sair andando pelo lugar logo após cumprimentar Ryuuji daquele jeito formal de sempre.

— Ryuuji, eu acho que ----

— Sakura, não precisa falar nada – Ryuuji disse interrompendo-a com seu olhar gentil.

A mulher franziu o cenho confusa, olhando-o na escuridão do cômodo enquanto os fogos pareciam não mais explodir no céu. Ele se aproximou estendendo sua mão com um claro convite de que o acompanhasse.

— Venha. As luzes logo serão apagadas para que possamos ver Líridas em toda sua glória.

O que ele estava fazendo? Ele tinha visto, não foi? Estava evidente para qualquer um que tivesse olhos, mas ainda assim, Ryuuji estava ali parado oferecendo sua mão na expectativa de que Sakura o concedesse a honra de passar a noite consigo.

— Eu não posso, Ryū. – Ela disse depois de um momento, hesitando ao ver sua mão.

— Sakura, eu só... – Seu rosto perdia o sorriso ganhando aquele tom triste e um tanto urgente — Eu só preciso de mais tempo com você.

— Ryū... Não faça isso.

— Esta noite é só o começo, porque sei que posso te conquistar se você me der um pouco mais de tempo – Disse genuinamente — Eu posso pedir à Hokage que lhe dê mais algumas semanas, apenas o suficiente para que saiba que o que eu sinto é real.

Sakura abriu a boca, mas não sabia o que dizer e por isso a fechou logo em seguida. Droga... Ela odiava a ideia de ter que rejeitá-lo, principalmente quando ele só queria uma chance de, quem sabe, ganhar seu coração, e talvez até conseguisse fazê-lo se não tivesse o timming errado.

— Eu sei que seus amigos e família estão no País do Fogo, mas saiba que todos que quiserem lhe ver serão bem-vindos, e sei que você adora ser uma kunoichi, por isso eu não cobraria que parasse. Eu gosto de você exatamente como você é, e estou disposto a...

Ryū... Não...

Ela não conseguia mais escutar aquelas palavras, como se ele já houvesse planejado todo um futuro ao seu lado e ela estivesse desistindo de tudo. O olhou com sinceridade, a expressão solene diante das expectativas dele que jamais se realizariam se dependesse dela.

Se olharam por um longo momento e o sorriso feliz que o homem sempre exibia não existia mais. Ryuuji estava sério, triste. Deu mais alguns passos na direção dela com a cabeça baixa em sua realização de que tudo a partir daquele ponto seria, inevitavelmente, uma despedida.

— Eu... Eu tive alguma chance?

Perguntou com os olhos caídos e um sorriso breve no rosto, daqueles mais bonitos de quem conseguia lidar com a própria frustração. Sakura maneou a cabeça tentando soar divertida também.

— Com todo respeito, Daimyō-sama, mas a primeira coisa que pensei quando te vi foi que você era muito gostoso.

Ele soltou uma risada um pouco constrangido um pouco divertido com a sinceridade das palavras dela, e Sakura ficou satisfeita ver que parecia bem.

— Entendo – Soltou quando os sons de seu riso cessavam — Já foi um bom começo, eu imagino.

Sakura encolheu os ombros enquanto se olhavam e Ryuuji ergueu sua mão vagarosamente, o sorriso cálido no rosto era solene, mas não chegou a tocá-la.

— Eu poderia ter te dado o mundo – Disse mais para si do que para ela — Eu quebraria o mundo se fosse fazer você ficar ao meu lado.

...

— Não diga besteiras, Ryuuji. – A voz de Sakura era exatamente delicada soando como um sussurro no meio da escuridão apesar de sua expressão rígida — Você é gentil demais para fazer algo assim por alguém que não vale a pena.

— Você vale a pena, Sakura.

— Não, Ryū... Eu não valho a pena para você porque... eu não sinto o mesmo.

Os lábios dele tremeram ao se curvarem brevemente num sorriso estranho de tristeza e conformismo.

— Obrigada pelas palavras gentis, e pela companhia. Obrigada por me mostrar o que eu mereço, porque, acredite Ryū, eu demorei algum tempo para perceber que eu mereço alguém que queira me dar o mundo.

— Não aceite menos do que o que eu te ofereci.

— É uma promessa.

O silêncio permeou entre eles e o homem deu um passo para trás, curvando-se logo em seguida com respeito e honra. Sakura sorriu e quando ele se ergueu, foi sua vez de reverenciá-lo.

Apesar de ainda ter tanto para dizer, Ryuuji não tentou falar. O homem ficou parado enquanto via Sakura passar por ele em passos firmes, virando seu rosto para acompanhar sua saída, ver suas costas em azul nobre se tornarem menores e então sumirem pela porta que levava ao pátio. Ele sorriu entristecido para a solidão se permitindo sentir pena de si mesmo por ela não ter sequer olhado para trás, e então respirou fundo.

Ele também merecia alguém que quisesse lhe dar o mundo.

E com esse pensamento, Rokurō Ryuuji estava determinado a transformar Sakura em uma boa memória.

.

.

.

Passou os olhos pelo pátio em busca de Kakashi assim que colocou os pés ali. Deu passos largos procurando pelo pretume de suas vestes e o pratear dos seus cabelos, mas encontrava apenas azul, azul e azul. Só nesse momento, Sakura percebeu que todo mundo naquela festa havia escolhido ir de azul, mas nunca um tom que se assemelhasse às roupas dela e de Ryuuji.

Bem... Tanto faz.

Viu Mei fingindo interesse no que a mulher ao lado dela estava dizendo, mas Sakura tinha a impressão de que a Mizukage estava abstraindo da conversa na sua própria mente. Foi até ela porque era a única pessoa que conhecia no local, e não poderia ter sido recebida de forma mais calorosa.

A mulher com olhos verdes e longos cabelos marrons a olhou como se fosse sua tábua de salvação e logo se adiantou em dizer que iria cumprimentar seus convidados de Konohagakure. Escorregou na direção de Sakura e a envolveu com seu braço seguindo para longe enquanto murmurava um agradecimento quase desesperado para a moça mais nova, que se permitiu rir brevemente.

— Eu já não estava mais suportando falar de sapatos – Disse estressada — E olhe que eu amo falar sobre sapatos!

— Mei-sama – Sakura riu — Por que você se tortura tanto?

— Ora, Sakura... Ela tem uma bela casa na beira da praia da qual eu pretendo me apossar assim que deixar a vida como Mizukage – Ela confessou dando os ombros — Se ela gostar de mim, talvez me dê a residência.

— Parece um motivo justo – Respondeu sem pensar muito. Mei era mesmo ardilosa. — Mizukage-sama, você viu o Kakashi por aí?

— Hm? – A mulher indagou com um arquear de sobrancelha — Ele estava aqui nesse mesmo instante, passou para lá – E apontou com um aceno de cabeça que foi acompanhado pelo olhar de uma Sakura confusa.

— A saída?

— Sim.

Franziu o cenho.

— Oh. – Sakura soltou enquanto tentava processar a informação — Certo...

Mei riu discretamente.

— Algum problema?

— Ahn? Ah... Nenhum. – Respondeu e na opinião de Mei, ela parecia um pouco irritada.

— Talvez você devesse ir atrás dele, não acha? – Sugeriu mascarando a vontade de rir — Ele é o seu Hokage, afinal. Você é a escolta dele nesse momento.

Hm.

Escolta.

Sakura reprimiu uma careta sem nenhuma vontade de ir atrás dele, mas ao mesmo sem querer parecer puta com o homem que a tinha deixado de novo para trás, quando minutos antes o outro a oferecia o mundo.

Maldito dedo podre. Maldito Hokage!

— Acho que você tem razão – Ela disse engolindo sua raiva — Obrigada, Mizukage-sama.

— Não por isso – Mei riu brevemente, mal se aguentando. — Ah, e Sakura.. Gostou do qipao? — Perguntou antes que ela pudesse ir embora.

— Ah, sim! Ryuuji tem um ótimo gosto.

Querida...— A Mizukage usava aquele tom desdenhoso — Você acha mesmo que um homem teria capacidade de escolher algo assim tão belo? – E viu a expressão confusa da moça — Agradeça a mim, Sakura.

A moça piscou confusa.

— Você quem escolheu?

— Sim, mas só porque Ryuuji me pediu uma opinião – Ressaltou e Sakura não sabia dizer o que era aquele sorriso no rosto dela.

Deu os ombros mentalmente.

— Eu adorei, Mei-sama. Ele é realmente lindo.

— Fico feliz que gostou. Combina com você.

— Obrigada! – Disse polidamente na tentativa de encerrar o assunto — Agora, eu preciso...

— Vá, Sakura. O seu Hokage a espera. – Mei se adiantou, virando-se para voltar a circular entre os convidados enquanto maneava sua mão ao vento de maneira divertida.

...????

A moça corada franziu o cenho por um momento ao tentar processar aquela última frase, que soava de tantas formas diferentes a ponto de fazê-la sentir-se constrangida e confusa ao mesmo tempo. Balançou a cabeça num gesto contido para recuperar seu foco, deixando para trás qualquer coisa que Mei pudesse estar querendo dizer por detrás – ou pela frente – daquelas palavras.

Seguiu com seus passos firmes pelo pátio na direção indicada anteriormente, abriu as portas corrediças enquanto pensava em quantos fragmentos de ossos iria quebrar Hatake Kakashi, seus saltos fazendo barulho no tatame pelo modo raivoso com que pisava por conta de seus pensamentos raivosos direcionados ao homem que, novamente, a deixava sozinha num local onde supostamente deveriam estar juntos!

Principalmente depois do que ele... do que ele fez, mais cedo, na missão.

Aquilo era um ultraje.

— Yo.

Sakura girou o rosto na direção da voz, encontrando o homem sentado em posição de lotus com as costas encostadas da parede enquanto mantinha Icha Icha Paradise numa das mãos, e em resposta, a moça franziu o cenho.

— O que você tá fazendo aí? – Perguntou ainda parada na mesma posição.

Ele deu os ombros.

— Lendo – E maneou a cabeça quando ela arqueou uma sobrancelha — Eu não queria ficar na festa, mas você ainda estava lá...  Então eu só vim ler um pouco.

Ficou um momento encarando o homem enquanto suas palavras se traduziam em sua mente, e quando finalmente processou, Sakura quis bater nele para só depois rir. Ao invés disso, no entanto, ela virou-se completamente na direção dele, passando a mão nas laterais das coxas para ajustar seu qipao e enfim agachar-se ao lado do homem.

— Pensei que você tinha ido embora. – Disse tirando Icha Icha das mãos dele sem muita resistência.

— Mesmo? – Ele perguntou pendendo a cabeça para o lado — Depois das grutas, eu realmente aprendi a minha lição, Sakura.

A moça revirou os olhos com um breve tom rubro atingindo suas bochechas. Murmurou um ótimo enquanto abria o livro, foleando apenas para não ter que vê-lo sorrindo daquele jeito satisfeito, mas se arrependeu quando acabou parando na página 38 e leu aquelas poucas linhas, corando ainda mais.

— Eu não faço ideia de como você consegue ler isso em locais públicos e não se constranger – Ela comentou fechando o livro — Eu tive que usar um henge para ir na livraria comprar uma cópia, e só lia com as cortinas do meu quarto fechadas para ninguém nem sonhar que eu tava lendo isso.

Kakashi ria com divertimento ao receber a feliz notícia de que Haruno Sakura era uma leitora da trilogia Icha Icha.

— Você realmente leu todos os três? – Perguntou para ter a mais absoluta certeza do que tinha entrado pelos seus ouvidos.

— Kakashi, só há dois tipos de pessoas no mundo: As que leram Icha Icha e têm a cara de pau de não negar, e as que leram Icha Icha, mas nem diante da morte admitiriam. – Ela explicou ainda com o rosto vermelho enquanto ele parecia tão feliz — Eu faço parte do segundo grupo, então se você ousar contar isso a alguém, eu vou negar e depois te matar.

— Seu segredo está seguro – Disse mal se aguentando com a informação — Mas agora você pode admitir que a história, de fato, é muito boa.

— A história que poderia ser contada em cem páginas não fosse os adendos?— Ela arqueou as sobrancelhas enfatizando o que dizia — Sim, é uma boa história, mas se perde no meio de tanta putaria.

— Ah, Sakura.. Mas toda cena erótica tem uma função narrativa ali. – Ele disse conciliativo, tentando não rir da forma com que ela usou a palavra adendo.

— Que função narrativa, Kakashi? A de fazer adolescente ter ereção?

Ele nunca imaginou que um dia se divertiria tanto ao comentar Icha Icha com alguém, principalmente com Sakura que falava ereção daquela forma tão impessoal, mas tinha o rosto completamente vermelho; e tudo bem que normalmente ele também não se sentiria muito à vontade para dissertar sobre o conteúdo adulto do livro, mas se sentia a vontade o suficiente para fazê-lo e rir secretamente – ou nem tanto – da mulher.

—  Era a forma com que o personagem se expressava. – Ele argumentou só pelo prazer de vê-la rebater.

— Kakashi, abre na página 38. – E colocou o livro nas mãos dele novamente — Me diz o quê isso expressa.

Ele riu enquanto abria o Icha Icha.

— Jiraiya-sama era realmente muito criativo. – Comentou olhando para a página que ela indicou.

— Uh..— Ela resmungou revirando os olhos — Shishou tem razão quando diz que Jiraiya-sama mereceu a surra que levou dela quando mais novo.

— Ele quase morreu, Sakura – Kakashi soltou ainda com os olhos na página 38.

— E você também pode quase morrer se continuar lendo isso na minha frente.

Fechou o livro.

— Yare, yare...

Não ousaria desafiar um aviso tão direto quando sabia que a mulher gostava de honrar suas palavras, então ele apenas deixou o livro sobre a coxa e mirou os olhos verdes que, tão honestos, desviaram dos seus depois de um brevíssimo momento, apenas para voltar a olhá-lo.

O homem sorriu porque se sentia desse jeito, e viu Sakura também lhe sorrir, porém tímida, antes de se levantar, oferecendo a ele uma mão em ajuda para içá-lo. Não se fez de rogado e aceitou prontamente, levantando-se no meio daquela antessala próxima ao genkan, e uma vez de pé, o homem guardou Icha Icha no bolso.

— Não vamos voltar lá dentro, não é? – Ele perguntou quase fazendo uma careta.

— Você não lembra do que combinamos? – A moça rebateu apoiando uma mão na cintura — Íamos fazer uma horinha na festa e então partir para curtir o melhor dia do festival do jeito certo.

Não escondeu o sorriso satisfeito da moça, contente em saber do seu novo destino. Assentiu com a cabeça brevemente fazendo menção para iniciarem sua saída definitiva daquele lugar, e Sakura prontamente estava ao lado dele com aquele silêncio tranquilo se fazendo presente.

Num instante alcançaram a entrada, desembocando finalmente naquela rua silenciosa por onde logo encontrariam aquela outra mais agitada e cheia de barraquinhas coloridas com as mais diversas atividades para serem feitas. Ele colocou aquela mão largada na cintura dela, que para a moça era um gesto muito corriqueiro, mas que facilmente sentia falta quando não acontecia.

Entretanto, antes de virarem a primeira esquina, as luzes de toda a vila se apagaram repentinamente. Tudo era um enorme breu iluminado apenas pela lua minguante que não emitia lá toda essa luz, mas que servia num momento como aquele. Sakura olhou ao redor brevemente confusa, e então se lembrou das palavras de Ryuuji. As luzes de toda a Kirigakure seriam apagadas.

— Kakashi – Ela chamou apontando para o céu, e o homem a obedeceu olhando para cima.

Esperaram por alguns segundos até que a primeira rasgou o céu solitária, e a segunda veio alguns segundos depois, e então mais duas, e mais quatro, e mais sete.... De repente, os riscos luminosos irrompiam apressados no céu noturno como cascatas que jamais encontravam o chão. Sakura sorria ao mirar o céu em Líridas enquanto o verde de seus olhos refletia todas as suas luzes, e Kakashi virou seu rosto a tempo de ver cascatas luminosas em um céu esverdeado, mas só por um instante, porque logo ela também estava olhando para ele.

Era um festival romântico, com uma lenda romântica, então fazia sentido, não é? Principalmente quando estavam numa rua deserta como aquela.

— Posso? – Ela perguntou com humor.

— Fique à vontade – Foi a resposta dele, achando graça daquela pergunta descabida. Ela podia tudo.

E então o homem sustentou seu olhar no dela, sentindo as pontas dos dedos femininos invadirem o espaço entre o tecido negro e seu rosto. Puxou delicadamente, como se desembrulhasse cuidadosamente um presente, mantendo seu olhar divertido nos negros que aguardavam pacientes, se deliciando com o tom rosado das bochechas que só podiam ser vistos pelo mais atento dos olhos naquela escuridão.

Ela o beijou se mantendo na ponta de seus pés, os lábios se tocaram macios e delicados, até mesmo divertidos porque ela não segurou aquele sorrisinho, fazendo com que ele sorrisse também. Um beijo-sorriso. E depois mais um outro beijo, bem pequeno, quase furtivo. A moça plantou os pés no chão, mas ele se curvou para mais outro daqueles pequenos beijos, e ela riu divertida quando ele recuou, apenas para beijá-lo no rosto, sem nem notar que as estrelas já haviam parado de cair.

Foi só a máscara voltar à sua habitual posição no rosto do homem que as luzes da vila se acenderam novamente, como se estivessem esperando pacientes apenas por aquele momento, e depois de um manear de cabeça dele, juntamente com um revirar de olhos dela, eles voltaram a andar de maneira vagarosa enquanto a conversa surgia naturalmente, e Sakura nem notou que estavam indo para longe do festival, enquanto que Kakashi até notou, mas bem... Seu encontro de líridas já tinha acontecido, não é? Então ele apenas se permitiu aproveitar da companhia da moça sem pressa.

Como sempre.

.

.

.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

E AI? GOSTARAM?
KAKASHI E SAKURA DE AMORZINHO
SERÁ TSUNADE O CUPIDO DA NOSSA HISTÓRIA?

NÃO PERCA O ÚLTIMO CAPÍTULO DE ENCONTROS DE LÍRIDAS, DISPONIVEL NOS MELHORES SITES DE FANFIC DAS WEBS.

CONTINUEM COMIGO!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Encontros de Líridas - KakaSaku" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.