Frutos do Porão escrita por zkephra


Capítulo 3
Minha menininha: ontem, hoje e sempre




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{Por Eren Jäger}        

Acordei com o quarto clareando. Mikasa ainda dormia ao meu lado. Havíamos mudado de posição enquanto dormíamos e agora ela estava deitada de barriga pra cima, com uma das mãos jogada por cima da cabeça e a outra por cima do cobertor. Seu rosto parecia menos sofrido enquanto ela dormia. Eu tinha me esquecido de como era vê-la dormir. Essa pequena admiração que estou sentindo agora não me é estranha.

Eu me lembro da primeira noite que você passou na nossa casa, do meu pai te examinando e da minha mãe limpando as suas feridas. Você estava exausta e quando te colocaram para dormir, adormeceu rapidamente. Eu fiquei lá te olhando e você parecia tão triste.

Eu ainda estava surpreso com tudo aquilo. Naquele dia eu tinha descoberto que a maldade do ser humano não tem limites. Como aqueles três homens, ou melhor, aqueles três animais puderam fazer isso com você? Como eles puderam tirar de você a sua família? Que bom que você estava sã e salva, mas os seus pais… eu nunca poderia devolvê-los para você.

Você nunca falou deles. Nem mesmo sei seus nomes. Apenas sei que essa marca que você tem no punho e que você sempre deixa coberta com uma atadura foi feita pela sua mãe e é o símbolo do clã de vocês. Você tem tantas más lembranças que não aguenta nem olhar para essa marca no seu corpo.

Sempre… gostei de ficar perto de você. Sempre fui feliz ao seu lado. Você e o Armin sempre foram meus melhores amigos. Todas as outras crianças eram babacas na minha opinião. Mas vocês dois mereciam a minha amizade e sou feliz por também merecer a de vocês.

E então aconteceu aquilo tudo. A muralha Maria caiu, eu perdi minha mãe e meu pai e nós viramos refugiados. Trabalhamos em plantações por dois anos, dormíamos em abrigos empilhados como animais, tínhamos uma ração de comida irrisória, apenas para não morrermos de fome. Por vezes tínhamos que dividir a mesma “cama” (o mesmo canto coberto com pedaços de pano onde íamos dormir) e por estar sempre perto de você, foi com você que tive as primeiras reações que um garoto daquela idade tem quando está perto de mulheres. Demorei para perceber o que era, mas quando percebi fiquei tão irado. Passei a agir como um idiota e a te tratar rispidamente para esmagar esse sentimento dentro de mim. Não queria sentir aquilo por ninguém e muito menos por você que era praticamente a minha irmã. Meu único objetivo era acabar com os titãs e tomar de volta tudo o que eles roubaram de nós. Isto é, a terra que eles roubaram de nós, porque as pessoas que perderam suas vidas na boca deles jamais retornarão.

Para minha surpresa tanto o Armin, que nunca teve muito talento físico, quanto você, que sempre quis ficar dentro das muralhas onde é seguro, se alistaram para o treinamento junto comigo. Quando te vi vestida no uniforme, você estava tão linda que me fez perder a concentração. Olhei para frente firmemente para o instrutor e conforme ele falava incitei todo o ódio que havia pelos titãs dentro de mim, só pra não ficar pensando em você.

Quando eles fizeram a demonstração do dispositivo de manobras tridimensional uma das primeiras coisas que pensei foi que aquele seu cabelo grande poderia se enroscar em alguma coisa, fazendo com que você se machucasse. Daí, na primeira oportunidade que tive, falei para você cortar, sem mostrar que eu me importava muito com isso. Passamos por três duros anos de treinamento. Eu tentava sempre te superar para ser o melhor e ficava com raiva por não conseguir. Você conseguia fazer magistralmente, logo da primeira vez, qualquer coisa lhe era ensinada. Cheguei a ficar com raiva de você por isso, mas lá no fundo, eu te admirava. Te admirava tanto quanto ou talvez um pouco mais do que eu admirava a Annie com aquela técnica de artes marciais. Foi precisamente naquela luta que eu fiquei convencido de seus sentimentos para comigo. Você chegou com todo um estoque de ciúmes para demonstrar. Você queria ganhar aquela luta de qualquer jeito. Toda vez que a Annie te jogava no chão, você se levantava. Toda vez que ela pensava ter te imobilizado, você dava um jeito de se soltar. Você queria minha atenção, queria mostrar que era mais forte, queria vencer para ganhar minha admiração. Acho que se o instrutor Sadis não tivesse interrompido a luta de vocês, ela duraria por muito mais tempo.

Então não havia sentimento de irmandade de nenhum dos lados. Você não se sentia minha irmã e muito menos eu me sentia seu irmão. Éramos apenas um menino e uma menina. Eu gostava de você e você também gostava de mim. E para cumprir meu objetivo de erradicar os titãs eu iria simplesmente ignorar isso. E mais… eu iria me alimentar da ideia de que estar apaixonado por alguém neste mundo caótico é a coisa mais fútil e egoísta que alguém poderia fazer. Por isso eu iria fazer aquele sentimento morrer, nunca iria admitir que estava apaixonado por você, que ao seu lado eu era mais feliz e que longe de você eu sentia sua falta.

E assim eu segui. E assim eu treinei. E assim eu te mantinha longe, mesmo com você por perto.

“Eren, se as coisas ficarem ruins, me procure. Eu vou te proteger”.

Esse seu hábito de ficar me protegendo sempre me deixava enfurecido. Principalmente porque você era realmente mais forte, e se deixasse a situação seguir naturalmente, de fato, você que ia me proteger. Eu vivia ansioso pelo dia em que eu te superasse em força e aí finalmente eu ia poder calar sua boca.

“Espera! Eu tenho um pedido, só um. Por favor, não morra!”.

Mas ainda que me deixasse louco de raiva, você… sempre conseguiu me tocar. Porque sempre foi minha menininha, ainda que eu não admitisse isso.

Naquela mesma operação eu descobri meu poder de titã. E naquele mesmo dia eu te machuquei com ele. Só fui descobrir isso no tribunal. Eu… tinha atacado a pessoa que… eu mais queria bem. Isso por si só era prova de que eu perdi totalmente o controle. Eles disseram que talvez, por ter sido criada comigo, você também fosse um titã. E queriam te fazer mal. Eu fiquei louco. Não importava se eu estava preso, não importava se eu era um monstro ou se eu ia morrer por causa disso: eu apenas não deixaria que fizessem mal pra você.

Acabou dando tudo certo e nós entramos para a tropa de exploração. Eu parei de ser rude com você, mas ainda assim não dei espaço para que meus sentimentos saíssem do lugar profundo onde eu os tinha afogado. Do jeito que as coisas estavam, era bem mais útil que tudo continuasse assim.

“Será que há sentimentos pessoais pela Annie que estão te atrapalhando de se transformar?”

Você me deu um susto tão grande aquele dia. E a sua cara? Realmente me pegou de surpresa numa hora daquelas. Mas não era nada disso. Era só, que nessa minha cabeça tola, os inimigos eram sempre o desconhecido, que já aparecia para você como um inimigo. Nunca imaginei que o amigo pudesse se tornar inimigo, ou pior, sempre ter sido inimigo.

“Não temos escolha, Eren. Esse mundo é cruel.”

A atrocidade que a Annie fez me paralizou. Você me deu força para lutar.

Nós dois quase morremos pela boca do titã que matou a mamãe e tinha acabado de tirar a vida do Hannes san. E naquela hora que parecia que não tinha mais jeito, que meu coração estava gritando de dor, de raiva e de remorso por não conseguir mudar nada... Até hoje, sempre que penso naquilo, coisas novas surgem na minha cabeça. Acho que primeiro você só queria me fazer sentir melhor naquele último momento, mas acabou querendo se declarar. Você... não queria morrer como a Petra morreu, não é? Sem nunca dizer nada ao capitão Levi, levando os seus sentimentos junto com ela. Você queria pelo menos poder dizer o que sentia uma única vez. Passar os últimos momentos de sua vida de uma forma feliz, eu acho. Mais uma vez, você me deu força para lutar. Se não fosse por você, me pergunto se estaríamos aqui.

Depois daquilo, resolvi que não ia mais afogar meus sentimentos dentro de mim. Era injusto e egoísta. Eu senti o peso por todos aqueles anos em que neguei para mim mesmo que amava você. “Me desculpe!”, eu disse quando estávamos no alto da muralha. Mas aposto que você pensou que eu estava falando apenas dos seus machucados.

Mas aí, quando resolvi dar vazão a isso, me senti patético. Eu não sabia direito nem como ia te tratar ou me dirigir a você. Ao mesmo tempo, novas surpresas surgiam a todo momento: as revelações sobre a família Reiss, a forma como meu pai morreu… Fui deixando o tempo passar e até hoje não conversamos sobre isso. Já basta de indecisão, não é? Se eu não consigo pensar nas palavras certas é hora de encontrar algum outro jeito de demonstrar isso.

Os sinos que tocam para marcar as horas começaram a soar, anunciando a hora de acordar. Mikasa abriu os olhos e olhou para mim. Eu estava sentado na cama a admirando fazia um tempo. Ela despertou depressa, como sempre costumou fazer. Se sentou na cama, ficando em frente de mim.

— Eren, há quanto tempo você está...

Coloquei minha mão atrás de sua nuca e com um movimento rápido puxei-a, fazendo com que nossos lábios se tocassem. Eu beijei os lábios dela e em seguida introduzi minha língua dentro de sua boca sem resistência nenhuma. Estava com os olhos entreabertos para ver qual seria a reação dela. Depois da surpresa, ela colocou os braços em torno da minha cabeça e deixou seu corpo ficar mole em meus braços, fechando os olhos. Nenhum de nós dois sabia exatamente o que fazer com a língua, então encontramos naturalmente um movimento de vai e vem muito interessante. Paramos brevemente para respirar e voltamos. Então deitei Mikasa de volta no travesseiro. Nós nos beijávamos com tudo o que tínhamos.

Mas então alguém passou no corredor berrando e esmurrando todas as portas.

— Acordem seus pirralhos preguiçosos! Vocês têm muitas tarefas a cumprir hoje! Não quero ver uma poeira nessa casa quando o dia acabar. Lembrem-se que têm muitos quartos e pouca gente pra limpar! - gritava o cabo Levi.

— Droga! - eu disse enquanto levantava meu corpo de cima do da Mikasa.

Olhei pra ela e não sei descrever sua expressão. Parecia ainda estar processando as palavras do cabo Levi e se perguntando porque raios eu levantei tão repentinamente.

— Vem cá! - eu disse levantando-a.

Sentei-a em minha frente e a envolvi em meu abraço. Comecei a passar a mão em seus cabelos macios e em seu rosto, no lado da cicatriz.

— Parece que vamos ter um dia cheio hoje - comecei. - Na noite passada não conversamos tudo o que precisamos conversar. Continuaremos hoje assim que tivermos um tempo, tá?

— Ah-ham! - ela respondeu. Estava sorrindo.

— Eu te amo, Mikasa!

— Também te amo, Eren.

— Nós vamos ficar juntos. Nós sempre estivemos juntos, apenas não tínhamos certeza disso.

— É verdade!

Nos beijamos mais uma vez antes de nos levantarmos para as nossas atividades.


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