Westwood - O medalhão do poder escrita por Thomaz Moreira


Capítulo 3
Recuperando o folego // O plano suicida


Notas iniciais do capítulo

Capítulo 4 e 5



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Fomos correndo para a minha casa. Nem pude notar em quão pouco tempo chegamos lá. Atravessando as ruas sem olhar para os lados. Esbarrando em pessoas como se fosse o fim do mundo.

            Nem eu e nem Theodore estávamos entendendo o que tinha acontecido ali. Mas me pareceu um filme de fantasia com ótimos efeitos especiais.

            Abri a porta com a maior selvageria. Kaila certamente sabia de alguma coisa. Um interrogatório estava prestes a começar.

            Lá estava ela, deitada se recuperando ainda. Logo de cara notei que ela já estava bem melhor. Seu cabelo muito bem penteado, parecia ter tomado um banho. A pele mais branca do que antes. Vestia uma de minhas calças pretas unissex.

— Acho que ficou colada demais até nela. — Theo comentou encostado na porta.

            Ela logo notou que algo estava errado. Olhou franzindo o cenho para nós. Achei que iria nos cheirar ou algo do tipo, mas eu estava sendo um pouco preconceituoso quanto a isso. Ela apenas questionou.

— O que houve?

— Tinha esse lobo de pelo negro que tentou nos atacar, aí brotou um cara estranho usando uma roupa bizarra que parecia ter vida própria, o cara salvou a nossa pele. — Theodore respondeu com rápidas palavras. — Nunca me senti tão feliz por ver uma figura tão demoníaca.

— Lobo de pelo negro? — Questionou se levantando do sofá. Praticamente ignorou a outra figura.

— É, bem grande por sinal. — Falei. — Sabe de alguma coisa?

— Talvez seja da minha antiga alcateia. — Respondeu. — Deve ter sentido meu cheiro em você.

— Como assim “Sentiu o meu cheiro em você?” — Theo perguntou nervoso. — Vocês não se esfregaram nem transaram! — Fez uma pausa. — Vocês não transaram, não é?

            Um momento um tanto quanto constrangedor. Cocei minha nuca e respondi com um “não”, na maior grosseria. Nem lembrava como chegamos nesse ponto da conversa. Quis mudar de assunto logo em seguida.

— Lobos tem um olfato muito melhor que os de humanos. Agora, esse outro cara de quem vocês falaram. Eu nunca ouvi falar...

            Ouvi uma buzina. Um carro familiar na frente da minha casa. Um Toyota Camry branco. — O famoso carro invejado da Megan. — Vi pela janela, ela estava descendo do carro e vindo direto para cá com bastante pressa, mas até no seu andar tinha elegância. 

— Você chamou a Megan?! — Sussurrei querendo gritar com Theo.

— Eu estava em pânico! Queria que eu fizesse o quê?! — Respondeu também querendo gritar.

— Ela é perigosa? — Kaila perguntou.

            Megan abriu a porta. Estava usando uma saia com estampa de bolinhas em vermelho. Uma blusa de mesma cor e uma tiara que combina com seus cabelos. Sempre bonita e com aquele ar de pessoa inatingível.

— Quem é perigosa? — Perguntou.

— É isso aí Theo... — Sussurrei sarcasticamente o cutucando com o cotovelo.

            Ótimo, mais uma pessoa que eu teria que explicar tudo. O fato da Megan fazer o papel da minha mãe não ajudaria em nada. Iria me barrar na maioria das decisões que eu quisesse tomar.

            Demorou praticamente uma hora até eu conseguir explicar tudo para ela junto com Theo. O problema é que as nossas versões da história saíam um pouco diferentes. Ele focava nas coisas assustadoras e eu nos fatos.

            Depois que terminamos de contar tudo, ela respirou fundo. Estalou seus dedos. Estava absorvendo toda a informação. E pela cara que ela fez, não pareceu acreditar nem um pouco. — Eu com certeza não a julgaria.

— Vocês sabem que eu deveria estar em um concerto fingindo que curto música clássica para conseguir ficar com o Charles, não sabem? — Ela falou quebrando aquele silêncio. Pareceu ter ignorado cada palavra que dissemos. — Querem que eu simplesmente acredite que essa garota é uma loba e que um “demônio” salvou a vida de vocês dois? E o que eu sou uma banshee?

— Tá primeiro, Charles é um babaca. Segundo, nós podemos provar que tudo isso é verdade, inclusive o fato do Charles ser um babaca. E terceiro, por que uma banshee? — Theo falou passando a mão em seu rosto rapidamente.

            Ela recolheu sua bolsa e foi em direção a saída. Estava bem irritada pelo que deu para ver. Bufou e abriu a porta com toda a força. Antes de sair me lembrou de almoçar. E ainda deu um esporro por eu ter parado de comer tanta salada.

            Quando ela colocou seu pé no lado de fora da casa um rugido ecoou por toda a casa. Tomei um susto, mas não tão grande quanto Theodore, que só faltava pular nos meus braços. Kaila foi quem rugiu. Tive tempo de ver seus olhos, estavam bem azuis, mais do que o “normal”, e suas presas, essas sim eram de uma loba.

            Megan deu meia volta imediatamente, bastante curiosa e com um pouco de medo. Bastou um rugido para ela perceber que estávamos falando a verdade. Um rugido que se não a fizesse acreditar, com certeza faria ela se afastar mais ainda.

            Megan novamente se sentou no sofá, olhando fixamente para Kaila, tentando decifrá-la de algum modo. Ficou ali parada enquanto Theo batia os pés e roía as unhas. Foram alguns longos minutos, muitas perguntas e um grande foco nos olhos azuis. Eu fui pegar um pouco de café na cozinha. Estava tudo bem arrumado lá, diferente do que eu achei que estaria. Kaila com certeza teve um duro trabalho para organizar tudo enquanto estávamos na escola.

— Então é verdade... — Falou bebendo um gole daquele café frio. — Vocês disseram que um lobo obrigou ela a matar um bruxo que vive nas florestas, por quê?

            Ela se sentou ao lado de Megan, deu para notar que uma história bem longa estava prestes a começar.

— Há alguns séculos, um feiticeiro muito famoso chamado Luirith, era bastante conhecido entre os vikings da cidade. — Ela fez uma pausa. — Ele era tão poderoso, que foi um dos poucos que segundo as lendas chamou a atenção de um deus. — Fez outra pausa. — Mas como um humano comum, Luirith se apaixonou. E quis a qualquer modo proteger o homem que ele amou. Dan era seu nome. Um bravo homem que saía em guerras por muitas vezes. — Ela detalhou os longos cabelos trançados loiros de Dan, além de seus músculos. — O amor levou ao medo, e com o medo a precaução. Luirith decidiu criar artefatos para a proteção de Dan. Peças que pudessem ser usadas numa guerra, e que tivessem muita utilidade.

— Mas? — Perguntei. A questão é que tudo tinha um “mas”, e não foi diferente.

— Dan começou a ficar obcecado com o poder. Ficando sedento por sangue dos seus inimigos e se tornando outro tipo de pessoa. Luirith como um cego apaixonado, não via a maldade nos olhos de Dan, por isso continuava a dar seu poder ao amado.

— Deixa eu adivinhar... Dan virou o cara do mal. — Megan sugeriu.

— Exato. E quando Luirith finalmente conseguiu ver isso, já era tarde demais. — Kaila explicou. — A loucura de Dan levou a um acontecimento trágico. Ele encurralou seu amado exigindo por mais poder. Dan queria mais artefatos, e estava disposto a matar Luirith caso ele não concordasse. E por esse ponto, Luirith teve que dar um fim, matando a única pessoa que amou.

— E os artefatos? — Perguntei.

— Eles são quatro. O medalhão traz um poder mágico avassalador, muitos buscaram desejando coisas que pareciam impossíveis, mas não para o artefato. O anel, esse dá a máxima sabedoria para o portador. Bastante usado por Dan para conhecer os seus inimigos. A espada foi feita para complementar o medalhão. Com uma mão Dan emanava magia. Com a outra usava a espada, tão forte que poderia rasgar o céu com um único golpe. E o colar, esse é o mais misterioso. Os boatos de todos que viram Dan colocar o colar era de um medo indescritível. Mas essa não era a intenção de Luirith. A intenção era ter o controle da própria alma, tornando o portador imortal. — Os artefatos foram escondidos em vários lugares. Apenas os seguidores de Luirith possuem a localização. E adivinhem só... o bruxo é um deles. Por isso toda essa história. O Fenrir, alfa da minha alcateia, estava querendo que eu extraísse informações do bruxo. Mas eu recusei, aí aconteceu toda aquela perseguição. E então o Logan me encontrou.

— Então a gente está no meio de toda uma guerra entre criaturas mágicas graças ao Logan? — Aquelas palavras saindo da boca da Megan fez eu me sentir mais culpado do que eu já estava me sentindo.

            Theodore fez que sim com a cabeça nervosamente, como se também quisesse me culpar. Logo tomei um dos maiores esporros da minha vida por ter me metido nisso tudo. Megan não poupou o fato de eu ter salvado a Kaila, estava mais preocupada com a minha segurança. Mesmo não parecendo por contas dos palavrões que eu ouvi.

— Como Dan morreu se estava usando o colar? — Interroguei, até que estava acreditando na história.

— O criador tem pleno domínio sobre a criação...

— E o que diabos esse tal Fenrir quer? — Megan gritou.

— Ele quer o medalhão. O motivo é simples, câncer no pulmão.

— Isso é tão cômico quanto mórbido. — Theo sussurrou.

— E o que a gente faz? — Perguntei.

— Vamos achar esse tal medalhão, dar ele para a Kaila e deixar que ela resolva esse problema. — Megan respondeu com a maior simplicidade do mundo. — Sinceramente, esse problema não é nosso. Desculpa por isso, mas nós somos pessoas comuns que não querem ser devoradas. Obrigada!

— Como ela vai fazer isso sozinha?! — Perguntei.

— Lutando. — A própria Kaila respondeu.

 

...

Kaila, a garota loba, já estava decidida. Seu plano era simples e suicida. Eu não sei o que eu tinha na minha cabeça quando decidi abriga-la em casa. Era um pouco tarde para notar as consequências das minhas escolhas. Eu estava um pouco arrependido, e repensando, mas não seria nada justo deixar a loba na mão. Já que eu já tinha me metido nisso, iria até o fim.

— Bem, eu vou chamar o Peter para comprar roupas para ela. — Falou Megan quebrando o clima tenso. — Você precisa urgentemente de peças novas, ou pode acabar levantando suspeita de algo.

— Peter? — Theo questionou. — O garoto do sorriso?

— Ele mesmo.

— Por que não leva a própria Kaila? Ou um de nós?! — Perguntou incomodado.

— Acabei de dizer que não quero levantar suspeitas de nada, muito menos chamar atenção. — Falou olhando para a minha camiseta. — Além disso... O Peter entende de moda, isso talvez seja um pouco de estereótipo, por ele ser gay.

            Foi nesse momento que algumas coisas fizeram sentido. Olhei para a cara de trouxa de Theodore. Ele estava querendo enterra-la debaixo da areia quando ouviu aquilo. Cheguei a me controlar para não rir.

— Gay? — Perguntei.

— Sim, por quê?

— Nada... — Estava quase rindo.

            Megan deixou a minha casa levando sua bolsa com suas coisas. De todos do grupo, ela, com certeza era a que aceitou as coisas mais rápido. Nunca pensei que Megan fosse de acreditar no sobrenatural ou que tivesse a mente tão aberta para essas coisas. Theodore ainda estava absorvendo tudo, mas Megan nem pareceu se importar.

            O tempo passou muito rápido, conversamos muito sobre várias coisas. Esclarecendo muitas dúvidas. Coisas que eu julguei bem importantes por sinal, como a diferença entre um reverdeiro e um lobisomem. É um pouco confuso, mas deu para entender. Um lobisomem é uma criatura que se transforma num hibrido entre um lobo e um humano durante a lua cheia. Além disso, eles podem também se transformar unicamente em lobos. Já um reverdeiro, esse tem a habilidade de se transformar em um animal e apenas nesse, isso significa que ele não pode virar um hibrido como um lobisomem. Por exemplo, um reverdeiro pode ser um lobo, mas não chega no estágio de se transformar em um lobisomem. Além disso, eles podem se transformar apenas em um animal, e não escolhem qual vai ser, já nascem com isso. Por esse motivo, a personalidade deles é moldada de acordo com o animal.

            É um tanto quanto interessante saber essas coisas, e mais interessante ainda descobrir que Kaila também é uma enciclopédia viva do sobrenatural.  

            Já eram quase dezesseis horas. Theodore ficou ali por um belo tempo observando a garota. Batia os pés enquanto coçava o queixo. Só faltava ele querer cutuca-la com uma vara para ver o que ela faria.

            Eu precisava sair para comprar mistura para o jantar. Deixar Theodore sozinho com Kaila já não parecia mais uma ideia ruim. Até porquê, creio que se algo ruim fosse acontecer, já teria acontecido.

— Precisamos encontrar o seguidor do feiticeiro. Ele deve ter respostas. — Kaila falou.

            A loba tinha razão. Não fazia ideia de quem eram esses tais “Lobos de Loki”, mas o que foi dito foi o suficiente para me assustar. Não sei o porquê de eu ter comprado essa briga. Não estava apenas me colocando em perigo, mas também colocando os meus amigos. E contra forças que eu desconheço. Eu poderia ir na delegacia e falar “Olá, a cidade está infestada de lobisomens assassinos. Poderia nos ajudar a impedi-los de conseguir um medalhão criado por um feiticeiro que viveu a muitos anos atrás? ”, mas creio que não daria muito certo.

— Qual é o plano? — Perguntou Theo.

            Peguei outra xicara de café. Passei pela janela e vi as luzes do farol do carro de Megan. Finalmente voltou. Me senti até um pouco mais aliviado. Entrou em casa com algumas sacolas de roupas todas de marcas bem caras. — Esqueci de dizer o quão rica Megan é. — Tirou todas as peças. Algumas calças jeans. Uma grande variedade de blusa e moletons de cores diversificadas. Todas muito bonitas. Totalizando vinte e duas peças de roupas, um cachecol vermelho e uma touca marrom.

— Comprou a loja toda? — Perguntei.

— Estavam em promoção. — Ela sorriu. — Além disso, Peter tem um ótimo gosto pra roupas.

— Eu não tenho como pagar tudo isso. — Kaila alertou revirando as peças.

— Não se preocupa com isso. — Respondeu. — Meninos, eu comprei o jantar. A pizza está no banco de trás do carro. Se importam?

            Olhei para Theo que me olhou de volta. Caminhamos até o carro enquanto ele dizia como estava com um pressentimento ruim sobre tudo isso. Não fui o único a achar que tinha gente demais envolvida nisso. Ao abrir a porta do carro, vimos duas caixas de pizza e alguns refrigerantes. Eu peguei as caixas e ele o resto. Trouxemos para a cozinha.

            Passando pelo corredor eu dei de cara com Kaila, já com as roupas novas. Estava diferente, muito mais bonita do que já era. Colocou um suéter azul escuro com uma gola que cobriu seu pescoço. Uma calça jeans preta um pouco rasgada e a touca marrom. A gola do suéter cobriu sua tatuagem no pescoço. Ela olhou para a comida como uma presa. Pelo olhar, não se alimentava a alguns dias. Não deveria estar com muitas energias, já que passou os últimos tempos fugindo de uma alcateia.

            Peguei os pratos e Megan os copos. Tirei as tampas das caixas e aquele saboroso aroma veio ao ar. Uma era Portuguesa tradicional e a outra Frango com Catupiry.

            Nos servimos na mesa. Por mais faminta que Kaila estivesse, ainda manteve seus modos. Comeu com garfo e faca sem pressa alguma. Já Theo triturou a comida toda. Estava quase indo para o seu segundo pedaço enquanto eu pegava o primeiro.

— Então, qual é o plano? — Megan perguntou.

— Vamos amanhã, pela manhã atrás desse seguidor do Luirith e pedir por respostas. — Ela respondeu.

— E por que ele nos ajudaria? — As palavras saíram da boca de Theo junto com restos de pizza que estavam presos aos seus dentes. — A sua antiga alcateia tentou matar ele, lembra? E como tem certeza de que ele ainda está vivo?

— A casa dele é coberta por acônito em pó. E ele nos ajudaria porque somos os únicos que querem manter o medalhão a salvo.

            Ela explicou como acônito é prejudicial aos lobos. A planta que foi muito utilizada para envenenar lobos na época de caça às bruxas. Uma praga mortal para todo lobisomem.

            Ele fez um campo minado com acônito ao redor da casa dele. Por isso não morreu até agora. Uma jogada bastante inteligente. Mas ao mesmo tempo, ele não poderia sair de lá.

— Se a casa dele está infestada de acônito, não acha que seria suicídio você ir conosco? — Perguntei.

— Acho que seria suicídio vocês irem sem mim! — Rebateu enquanto comia outro pedaço. — A casa dele está segura, mas ainda deve ter um ou outro lobo esperando que ele saia. E se o bruxo ver vocês lá, não saberão como reagir.

            Pensei bem no que dizer. Cortei um pedaço da pizza e tomei um gole do refrigerante. Ela estava certa, mas estaria se colocando em perigo. Olhei para Megan e Theo e pelos olhares, eles chegaram na mesma conclusão. Ela coçou seu pescoço disfarçando um pouco.

— Partiremos pela manhã então. — Falei.

            Todos concordaram acenando com a cabeça. Deu para ver que Megan estava um tanto quanto incomodada, mas eu sabia que ela não iria deixar eu ir sem que ela também fosse.

            Depois daquele “jantar”, Kaila nos contou um pouco mais sobre o mundo mágico, e os lugares em que há maior concentração do sobrenatural em Westwood. Lugares como Alfheim Forest, lugar do qual iriamos pela manhã. Fantasiei sobre encontrar outras criaturas sobrenaturais lá, como elfos, gnomos ou qualquer outra coisa. Mas Kaila acabou com as minhas esperanças em poucas palavras. De acordo com ela, a maior variedade de criaturas sobrenaturais fica na outra parte de floresta. Mais especificamente na parte de trás da cidade, teria que pegar uma rota em sentido sudoeste ao estado para ver alguma coisa. A única vez que cheguei mais perto daquela rota foi quando viajei para Ravensworth, e não vi nada de estranho por lá.

            Após tanto conversarmos, arrumei os sofás de casa transformando-os em camas improvisadas para as meninas e Theodore. Os deixei lá pela sala e fui dormir. Obviamente isso levou um tempo, já que eu estava ansioso pelo dia seguinte, com inseguranças, mas ao mesmo tempo ansiando por uma aventura.

            Antes de finalmente cair no sono, escutei os três conversando na sala sobre o quão perigoso isso poderia ser. E no problema que estávamos nos metendo.

            Quando eu finalmente caí no sono tive um sonho um tanto quanto incomum. Eu sonhei com a minha mãe. Volta e meia eu tenho esse tipo de sonho. Eles sempre são iguais. É o mesmo acidente de carro, comigo no banco de trás, travado, sem conseguir me mexer para salvar a minha mãe. Mas esse foi um tanto quanto diferente, dessa vez eu consegui me desprender. Foi estranho, já que eu sempre tive o mesmo sonho, e vivia acordando soado por não conseguir fazer nada. O carro batia, capotava. Eu via aquela luz branca do caminhão vindo na nossa direção e a minha mãe pedindo ajuda. Quando a luz chegava, eu acordava. Quando eu consegui me libertar daquelas amarras invisíveis, pude sentir todo aquele peso indo embora. Eu conseguia falar novamente, mas não tive tempo suficiente para fazer algo.

            Acordei pelas sete horas da manhã com Theo cutucando o meu rosto. Estava bem arrumado usando uma blusa xadrez por cima de uma camisa polo. Ele não comentou nada, mas percebeu a minha cara de pavor, e o suor escorregando pelo meu rosto. Já sabia do que se tratava, pois eu já tinha dito algumas vezes sobre o sonho. Theodore, evitou falar qualquer coisa e até fingiu que não viu, apenas mandou eu me arrumar e deixou o quarto. Tive sorte por não ter sido Megan quem me acordou, sei o quão preocupada ela ficaria.   

            Eu coloquei uma calça moletom preta e uma jaqueta de couro marrom. Por baixo uma camisa branca simples. Fiz isso tudo enquanto refletia sobre o sonho. É incrível como um sonho desviou a minha atenção de um problema real.

            Escovei os meus dentes e me encontrei com o pessoal que me esperava na cozinha. Imaginava que iria encontrar a bagunça da pizza da noite anterior, mas estava tudo muito limpo.

            Kaila estava vendo alguns quadros pendurados na parede. Eram todos de grandes caminhões que meu pai já dirigiu. Pendurou os quadros nas paredes como troféus. Cada caminhão rendeu uma longa história. E como sempre, estava vivendo outra boa história, e eu esperava ansioso para ouvir assim que ele chegasse.

            Tinha panquecas na mesa. Estavam um pouco frias, mas cheirosas e pareciam deliciosas. Megan não sabia cozinhar muitas coisas, mas as que sabia ela mandava muito bem.

            A panqueca fria não foi um problema já que o café estava bem quente. Junto a ele, haviam ovos com bacon e outras coisas. Fazia tempo que eu não via aquela mesa cheia. Geralmente quem fazia isso era a minha mãe com o intuito de reunir toda a família.

            Estavam todos muito bem agasalhados e ansiosos para encontrar o seguidor de Luirith. Mesmo que isso pudesse acabar matando a todos nós. Kaila usava um moletom roxo com algumas outras peças por baixo. Uma calça azul e botas bem estilosas. Enquanto Megan, vestia uma jaqueta xadrez rosa com algumas listras verdes e pelos. Uma calça muito bonita e chamativa.

— O que o seu pai faz? — Perguntou a garota loba.

— Ele entrega cargas pelo país todo. — Respondi com um pedaço de panqueca na boca. — É bem feliz no trabalho.

— E a sua mãe?

            Quando ela perguntou eu fiquei em silêncio. Theo e Megan disfarçaram um pouco.

— Ela morreu quando eu tinha sete anos. — Respondi respirando fundo.

— Me desculpe, eu não sabia... — Ela gaguejou. Estava claramente arrependida de ter perguntado.

— Não tem problema, já faz muito tempo. — Disfarcei.

            O clima tinha ficado um pouco tenso. Terminei de comer a panqueca e coloquei uma touca. Kaila fez o mesmo, colocou a que ganhou de Megan junto com o cachecol.

            Saímos e eu tranquei a casa. Dei uma leve risada ao fechar tudo. Foi quando eu parei para pensar “Estou faltando na aula para impedir que um lobisomem absorva o poder de um medalhão criado a vários anos atrás por um feiticeiro.”

            Megan foi dirigindo o carro. Fui ao lado dela, e atrás estavam os outros dois. Eu não conseguia parar de pensar em como poderia ser perigoso levar mais gente para esse lugar. Enquanto isso, Kaila foi nos guiando, utilizando seu olfato extremamente aguçado. Quase batemos por diversas vezes, pelo simples fato da loba apenas avisar quando Megan deveria virar em cima da hora. E como todas as viagens, Theo colocou “Heroes – David Bowie” no som do carro, era sempre a mesma música. Eu mesmo já tinha decorado todos os versos de trás para frente, e nem gostava tanto assim daquela música.

            Observei pela janela do carro enquanto os outros conversavam. Aos poucos os prédios e casas se transformaram em árvores. As estradas de terra começaram a surgir. Vi os primeiros veados cruzarem o nosso caminho, junto a esquilos e outros animais de florestas. Westwood é realmente uma cidade com uma bela vista rural. Comecei a notar isso quando estávamos subindo uma montanha. Aquela neblina atrapalhou um pouco a vista. E Theodore reclamando de seu medo de altura não colaborou em nada. As árvores eram bem grandes e um pouco assustadoras.

            O carro de Megan quase travou em algumas passagens bem estreitas, o que fez o medo de Theo aumentar mais ainda. Mas ninguém, além dele, parecia estar incomodado com isso. Talvez estivessem irritados demais com ele reclamando sobre a altura.

            Meu celular começou a vibrar. Era uma ligação da diretora da escola. O provável terceiro aviso que me daria uma suspenção. Não fazia muito sentido “Como você está faltando muito, seu castigo vai ser ficar mais uma semana em casa!”. Recusei a ligação, e ouvi:

— É aqui, pare!

            Megan freou com tudo. Quase fui jogado contra o vidro do carro. E Theo bateu com a cabeça no banco da frente. Deu um grito que me fez rir um pouco.

            Respirei fundo antes de descer do carro. O lugar parecia com o mesmo que vimos a uma meia hora atrás. Árvores gigantescas e assustadoras e uma névoa bem densa. Logo senti aquele frio gigantesco. Kaila foi na frente e nós apenas a seguimos. Pareceu bem determinada naquele momento. Pisei em vários gravetos, dando de cara com muita teia de aranha. Enquanto isso Theo cuspia sem parar, incomodado com os mosquitos que gostaram de sua boca. Por mais tenso e irritado que eu estivesse, eu realmente esperava ver alguma coisa sobrenatural que não fosse um lobisomem, e que fosse do bem.

— Deveriam ter usado repelente, garotos. — Megan falou. Estava bem confortável desfilando pela floresta.

            Continuamos a andar por mais alguns minutos até que Kaila parou. Apontou para o tronco de uma árvore. Algum lobo tinha passado suas garras ferozmente ali, deixando riscos enormes.

— A alcateia usa isso para marcar território e para não se perder. — Kaila avisou. — Significa que pode ter alguém por perto vigiando o lugar.

            Eu sabia que esse tipo de coisa poderia acontecer. Mas não pensei que se acontecesse eu iria pirar como pirei. Obviamente continuei com a mesma postura. Megan apenas observou enquanto Theo olhou por todos os cantos procurando por mais alguma coisa.

            Voltamos a caminhar. A névoa ainda atrapalhava a visão, pisei em mais alguns gravetos. O meu tênis já estava coberto por lama. Daria um longo trabalho para limpar depois.

— Parem! — Kaila cochichou.

            Paramos novamente, mas dessa vez pude ver que ela ficou um pouco mais assustada. Logo mais na frente tinha uma armadilha. Ela nos mostrou a linha de náilon e a flecha de acônito escondida na árvore.

— Estamos perto... — Falou.

— Estão sim... — Uma outra voz respondeu.

            Era uma voz masculina e desconhecida, levei alguns segundos para perceber que não era do Theodore. Nos viramos imediatamente procurando pela origem do som, mas só vimos a névoa. Nós quatro ficamos nervosos. Vi as garras de Kaila emergirem. Eram grandes e negras, substituíram suas unhas. Os olhos dela ficaram muito mais azuis do que já eram.

            Ouvi barulhos de folhas sendo arrastadas no chão. Alguém estava bem perto. E então o som de patas caminhando lentamente pela floresta. Vi sua silhueta na névoa. Era gigantesco e possuía olhos que brilhavam um amarelo muito vivo. O animal era quase do mesmo tamanho do que eu vi na escola. Ele rosnou mostrando suas prezas. Megan foi a que ficou mais assustada. Nunca tinha visto uma criatura como aquela antes. Ouvi a respiração de Theo ficar ofegante, ele tinha travado. Já eu, senti a mesma coisa que sentia durante os sonhos com a minha mãe, na parte em que o caminhão se aproximava.

            Foi então que o lobo pulou na nossa direção. Pude ver o tamanho da fera. Pareceu ter ficado maior. Seu pelo marrom deu toda essa impressão. Eu não conseguia me mexer, e ver aquela criatura vindo em câmera lenta na minha direção, fez eu pensar que era o fim da minha vida. Eu queria fazer algo, mas não consegui nem ao menos mexer meus olhos. Eu já via as presas afiadas daquele lobo perfeitamente, e sabia que iriam de encontro ao meu pescoço. Só que no último instante, Kaila se jogou na frente, dando um gancho na boca do animal com suas garras. Ele recuou alguns passos para rosnar de novo. A loba não se intimidou e rosnou também, mostrando suas prezas que antes não estavam ali. Parecia que ia se transformar.

            Ela partiu para cima dele sem medo algum. A fera mal teve tempo de uivar. Teve garras cravadas em sua barriga. Mas Kaila recebeu um coice do animal que a fez dar uma cambaleada no chão, de tão forte que foi.

            Irritada, rosnou novamente, com seus cabelos bagunçados e um pouco de lama no rosto. Voltou-se para a nossa frente, nos protegendo o tempo todo. Estava preparada para se transformar. Vi os primeiros pelos brancos surgirem. Foi bem rápido, uma questão de segundos, completamente diferente do que eu imaginei. As roupas já não estavam cabendo mais. Deu pouco tempo para tirá-las antes de se transformar naquela linda loba de pelos brancos e olhos azuis. Quando a transformação finalmente terminou, ela uivou, o mais alto que pôde, assustando não somente o outro lobo, mas também a todos nós. Apesar do susto, não dava para não apreciar a beleza daquela loba.

            Os dois saltaram na mesma direção. Não consegui entender bem o que acontecia naquela luta. Um tentou cravar as prezas no outro. Kaila mordeu o pescoço dele, mas logo foi recebida com uma cabeçada seguida de outro coice. Ela gritou de dor, baixando sua guarda. Tomou uma mordida no pescoço tão forte que eu quis sair para atacar o outro lobo. Mas fui impedido por Megan que sabia que não tínhamos chance alguma contra ele. A fera agarrou Kaila com a boca e a jogou contra uma árvore bem próxima, rachando o tronco velho.

— Não! — Gritei, tentando ir em direção a luta sem pensar muito.

            Megan segurou meu braço o mais forte que pôde. Vi nos seus olhos, o quão assustada ela estava. Mas não podia deixar a loba morrer. Seu pelo já estava coberto de sangue.

            Foi então que um deles gritou. A luta havia parado do nada. Fiquei agoniado por não saber o que tinha acontecido. Até que o lobo marrom caiu no chão e começou a se debater. Havia alguma coisa presa nele. Pareceu um dardo, e realmente o incomodava. A fera não parava de gritar.

            Kaila, sem muitas forças, voltou a sua forma humana, bastante assustada. Olhou para todos os cantos procurando a fonte do dardo enquanto rastejava no chão vindo até nós. Mal entendemos o que aconteceu até que ouvi alguém falar.

— Quem são vocês? — Era uma voz máscula e jovem. Por mais grossa que fosse, ainda tinha uma pegada um tanto quanto suave.

            Tinha um garoto de aproximadamente dezenove anos parado ao lado de uma árvore. Usando roupas pretas e góticas. De pele negra, usava um manto escuro. Cabelos crespos e curtos. Seu olhar era sério e penetrante, como se ele desafiasse quem o encarasse.

            Ele olhou para Kaila como se já tivesse visto ela antes. Sentiu um certo receio e mirou com uma zarabatana outro dardo, dessa vez na direção dela. A garota mal conseguia falar devido aos ferimentos. Foi então que eu liguei os pontos.

— Espera, espera! — Gritei. — Você é o seguidor de Luirith. Nós viemos ajudar você, proteger o medalhão.

            Ele me olhou bem e no último segundo abaixou a zarabatana, ainda com um certo receio.

— Conheço a loba, já tentou me matar antes. Por que eu deveria confiar nela agora? — Perguntou. — Além disso, parece que quem precisa de ajuda são vocês.

— Ela não tentou! — Megan se intrometeu. — Foi forçada, e ainda assim não fez. Fugiu para salvar a sua vida. E agora voltou aqui se arriscando para salvar a droga de um medalhão que você deveria estar protegendo!

            Eu e Theo olhamos para ela franzindo a testa. Nunca tinha visto Megan tão irritada. Talvez seja por causa da adrenalina e do medo.

            Ele nos fitou, refletindo sobre as palavras da ruiva. Viu o outro lobo caído no chão. Sabia que estávamos lutando contra ele antes.

— Não deveriam ter vindo aqui... — Falou. — Sigam-me.


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