O Despertar Infernal- Interativa escrita por Lady L


Capítulo 14
XIV- A Verdadeira Aberração


Notas iniciais do capítulo

Olá! Espero que me perdoem pelo sumiço da semana passada, mas infelizmente não tive muito tempo para escrever, e o capítulo só ficou pronto hoje. Boa leitura :)



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  09 de Dezembro de 2022; Algum lugar da BR, Bahia

 

                                                           Laiza->

 

—Sabe, nenhum homem nunca me levou em um lugar tão deplorável antes- eu comentei, e Pietro ergueu os olhos de sua triste refeição, arqueando uma sobrancelha.

—Tenho certeza que não, princesa- ele provocou- Mas não é como se tivéssemos muita opção.

Eu espetei um pedaço de carne que flutuava na sopa de aparência pouco apetitosa, fazendo uma careta.

—Você tem sorte por ser bonito- eu comentei- Se fosse mais feio, eu não te toleraria como minha dupla.

Ele abriu um sorrisinho malicioso.

—Então você me acha bonito?- Pietro perguntou, com uma expressão convencida.

—Não fique se achando, eu só constatei um fato. Além do mais, eu não ando com gente feia- eu respondi, levando uma colherada daquela sopa terrível aos meus adoráveis lábios. O gosto me fez estremecer, mas a fome falou mais alto, então eu continuei comendo.

Nós estávamos em algum lugar do estado da Bahia, após deixarmos Atlanta e Cora em Salvador. Era por volta de uma da tarde, e, uma vez que nossos colegas haviam egoisticamente levado grande parte dos suprimentos, nós nos vimos obrigados a pousar a kombi para caçar nosso próprio almoço quando a fome ficou insuportável. Agora, estávamos em um restaurante de beira de estrada, comendo à contragosto, enquanto reclamávamos da vida e destilávamos nosso veneno.

—Ei, Laiza, olhe aquilo!- Pietro chamou, e eu imediatamente me atentei, sabendo que um babado de qualidade se seguiria ao chamado- O que em nome dos deuses aconteceu com aquele caminhão?

Eu cobri minha boca com a mão para conter uma risada debochada, mas ela saiu alta e aguda de qualquer maneira, chamando a atenção de algumas pessoas ao nosso redor.

Um caminhão de lataria velha e amassada por incontáveis acidentes era visível por uma das janelas do restaurante, estacionado do lado de fora. Ele fora pintado com um verde limão escandaloso, e tinha diversas peças soltas e enferrujadas. Parecia prestes a se desmontar a qualquer segundo, muito me impressionava que continuasse de pé, e mais ainda que estivesse circulando pelas estradas.

—Pelos deuses, Pietro, e eu estava reclamando da nossa kombi- eu disse, entre risadas- Isso sim é uma aberração de quatro rodas!

Pietro ria, pouco mais discretamente do que eu.

—Não deveríamos nem estar rindo, princesa. Pela aparência da coisa, ela vai explodir a qualquer momento- ele debochou, o que me arrancou outra risada.

—Isso se essa cor radioativa não nos intoxicar antes- eu comentei, e nós rimos mais alto.

Eu estava me divertindo horrores, até que fomos bruscamente interrompidos por uma voz grossa, vinda do outro lado do restaurante.

—Vocês deveriam tomar mais cuidado com o que falam- a voz, que pertencia a um homem cujo rosto estava parcialmente oculto por um boné, afirmou- Podem acabar ofendendo alguém que seria melhor não provocar.

Pietro arqueou uma sobrancelha, fazendo uma expressão de deboche.

—Se você for o dono daquele caminhão, deveria ficar na sua, camarada. Você não tem moral para falar de ninguém, muito menos para nos ameaçar. Pelo jeito que você dirige, duvido que sequer enxergaria o oponente na sua frente em uma briga- Pietro replicou, encarando o homem, afrontoso.

Eu ri alto, animada com a tirada de Pietro.

—É uma fala audaciosa demais para um garoto com uma namorada que ri igual uma arara- o homem zombou- Vou te dar mais uma chance, garoto. Se pedir desculpas, esqueço o que disse sobre meu caminhão.

Pietro se levantou, caminhando com passos firmes e raivosos até o homem.

—Quer saber, parceiro? Quem não vai te dar mais uma chance sou eu. Você vai pedir desculpas para a dama agora, ou podemos resolver isso lá fora- ele respondeu, e eu fui lentamente na direção dos dois, entretida.

—Se eu fosse você, imploraria por perdão mesmo- eu apoiei Pietro, me divertindo com o caos- O “garoto” e eu somos bons de briga.

O homem riu, debochado, e se levantou de sua cadeira. Nesse momento, eu senti toda a audácia que impulsionava minhas ações anteriores evaporando repentinamente.

Pietro era um cara alto, com quase um metro e noventa de altura. O homem na frente dele era colossal.

Sentado na mesa, ele parecia uma pessoa de tamanho normal, mas, de pé, era possível notar sua verdadeira estatura, monstruosamente elevada. O cara tinha, no mínimo, dois metros e trinta de altura, além de uma constituição que poderia ser comparada a uma parede de tijolos. Seus braços eram da espessura do meu tronco, o que me fez engolir em seco.

—Pietro, eu não acho que esse cara seja humano...- eu murmurei, colocando a mão em seu ombro.

—Pode apostar que não, semideusa- o homem respondeu antes que Pietro pudesse, expondo suas presas afiadas em um sorriso sádico- Vocês semideuses são mesmo muito tolos. Talvez eu tivesse deixado vocês em paz, se não tivessem zombado do meu caminhão.

“Ótimo- eu pensei- “Acabamos de caçar briga com um gigante”

—Bem, o seu caminhão é uma lata velha mesmo, para ser justa- eu repliquei, retomando minha postura debochada- Nunca vi um veículo tão ridículo. E olhe que estamos andando em uma kombi.

Pietro riu, e o gigante bufou, raivoso.

Felizmente, haviam pouquíssimas pessoas na lanchonete, porque logo o gigante ergueu uma das mesas, a jogando com força em nossa direção. Nós desviamos por pouco, e ela se espatifou violentamente na parede.

Eu peguei Pietro pela mão, e então comecei a correr até o lado de fora. O estacionamento era o lugar mais estratégico para derrotar aquele gigante, sem falar que seria melhor afastá-lo dos poucos mortais que ainda estavam dentro do restaurante.

O gigante logo nos seguiu, soltando uma risada zombeteira antes de nos alcançar.

—Fugindo da briga, semideuses?- ele provocou, e eu parei de correr, me virando para ele, e jogando um de meus boomerangs em sua direção.

—Quem deveria estar fugindo é você- eu respondi, e, antes que ele pudesse retrucar, o boomerang o acertou em cheio na nuca.

Ele urrou de dor, parecendo atordoado com a pancada, e eu corri para recuperar meu boomerang antes que ele pudesse reagir. Assim que eu tinha a arma em mãos novamente, contudo, o gigante pareceu se recompor, e tentou me atingir com sua enorme mão. Eu desviei por pouco, rolando para o lado a tempo de ver Pietro sacando seu machado.

—Fique atrás de mim, princesa, está tudo sob controle- ele disse, depois de me ajudar a me levantar.

Eu arqueei uma sobrancelha.

—E perder toda a diversão? Não seja egoísta, esse gigante tem sangue o suficiente para nós dois- eu respondi, e, dizendo isso, saquei meu chicote e avancei novamente contra o monstro.

Com um movimento em arco de meu braço, eu fiz a ponta afiada do chicote girar em uma espiral elegante no ar, tomando impulso o suficiente para atingir o gigante bem no meio do peito, abrindo um corte considerável. Ele novamente urrou de dor, se distraindo o suficiente para abrir a guarda, o que Pietro prontamente notou. Ele se aproveitou da oportunidade para atacar as pernas da criatura com um golpe do machado. A lâmina se cravou com força na coxa do gigante, o que o fez soltar outro grito, e golpear Pietro com tudo.

Pietro conseguiu bloquear o golpe com seu escudo, mas voou para trás, caindo no pavimento, ofegante.

Não havia tempo para checar se Pietro estava bem, eu tinha que aproveitar a oportunidade que seu golpe bem sucedido havia me dado, então avancei novamente, mirando meu chicote no pescoço do gigante. Para meu desespero, ele percebeu a investida antes que ela o acertasse, e bloqueou o golpe com o braço. O chicote se enrolou ao redor de seu punho, e ele se usou disso para tentar me puxar em sua direção.

Eu certamente teria caído no chão, afinal, era bem leve, e facilmente seria arrastada pelo gigante; se os braços de Pietro não tivessem se fechado ao redor de minha cintura bem a tempo, me segurando no lugar.

—Segure firme, princesa, vamos tentar derrubá-lo- Pietro disse em minha orelha, o que me causou um arrepio estranho. Mas aquele não era o melhor momento para isso, de modo que decidi ignorar e fazer conforme ele orientou, firmando meus pés no chão e puxando o cabo do chicote, tentando derrubar o gigante.

Pietro era bem forte, e, com minha ajuda, nós conseguimos desequilibrar o monstro, que caiu para frente, apesar de seus esforços para resistir.

—Vamos acabar logo com isso- eu murmurei. Pietro assentiu, e ambos avançamos na direção do gigante.

—Quem te enviou? Para quem você trabalha?- Pietro perguntou, colocando o pé no peito do gigante e segurando a lâmina do machado contra o seu pescoço.

O monstro estava ensanguentado e ferido, mas ainda assim riu, debochado.

—Eu não trabalho para ninguém, garoto, não sou o capacho de nenhum deus- ele disse, expondo os dentes afiados- Mas não nego que vocês me renderiam uma boa recompensa. Para crianças tão chatas, vocês fizeram alguns inimigos bem poderosos.

Eu mordi o lábio inferior, pensativa.

—Então Tártaro colocou mesmo uma recompensa em nossas cabeças- eu murmurei, e o monstro concordou.

—O inferno está vazio, e todos os demônios estão atrás de vocês- ele disse-  Não gostaria de estar em sua pele, semideusa. Vocês não tem ideia do que os aguarda.

Pietro fez uma careta.

—Fala audaciosa demais para alguém que está com um machado no pescoço- ele debochou, e eu acabei rindo- Vamos lá Laiza, já perdemos tempo o suficiente aqui.

Eu assenti.

—Mas o que vamos fazer com ele?- eu perguntei, indicando o gigante com a cabeça. Pietro deu de ombros.

—Podemos mandá-lo de volta para as profundezas de onde veio. Ou podemos apagá-lo e deixar que ele continue dirigindo aquela lata velha que chama de caminhão por aí- ele disse, e eu abri um sorrisinho debochado.

—Acho que ser o dono daquela aberração já é punição o suficiente- eu disse, e o monstro rosnou.

—Nocaute, então?- Pietro perguntou, e eu concordei- Boa escolha.

E, com uma pancada no cabo do machado, o monstro recebeu a adorável oportunidade de tirar uma sonequinha depois do almoço.

De volta à kombi, após deixarmos algumas pichações na traseira do caminhão apenas para espezinhar, nós decolamos rapidamente, antes que a criatura acordasse.

—Você lutou bem- Pietro elogiou, tentando estabilizar a kombi no ar- Só deveria tentar se distrair menos com minha presença magnífica. Você ficou toda boba quando te segurei pela cintura.

Eu ri.

—Foi você quem caçou uma briga com um gigante porque ele disse que minha risada era estranha- eu o lembrei, e ele fez uma careta.

—Não gosto de gente mentirosa. Sua risada é bonita, então foi ele quem começou tudo- ele replicou, e eu arqueei uma sobrancelha.

—Então você gosta da minha risada?- eu perguntei, e ele esboçou uma expressão ligeiramente envergonhada.

—Não fique se achando, eu só constatei um fato- ele respondeu, e eu ri, impressionada com sua audácia.

—Ei, essa fala é minha! Você não pode roubar desse jeito- eu reclamei, fingindo ultraje.

—E o que você vai fazer sobre isso? Chorar?- ele provocou.

—Não, vou te encher de porrada. Você mesmo acabou de dizer que eu luto bem- eu brinquei, acertando um soquinho no seu braço.

Mesmo sabendo que era brincadeira, Pietro tirou uma das mãos do volante para bloquear o golpe, segurando meu punho e me puxando para mais perto.

Eu estava de pé na cabine da kombi, ao lado do assento de motorista, mas isso me fez me desequilibrar e cair sobre o braço da poltrona, bem perto de Pietro. Perto demais.

Uma distância ínfima nos separava agora, e eu senti o veículo começando a se desestabilizar conforme o olhar de Pietro deixava o caminho e se fixava em mim.

O hálito dele contra meu rosto. Uma pequena centelha em seus olhos azuis. Sua mão ainda segurando a minha, e a outra deixando o volante, vindo em direção à minha cintura. Estava prestes a acontecer, eu sabia, e meu coração palpitou com alguma antecipação.

Mas logo a kombi deu um solavanco, me puxando de volta para a realidade.

Eu virei meu rosto para longe do dele, me levantando rapidamente e abrindo um sorrisinho debochado. Talvez aquilo fosse acontecer mais cedo ou mais tarde, mas não seria daquele jeito. Eu não facilitaria tanto para ele.

—E depois você ainda diz que eu quem estou caidinha por você- eu provoquei.

Pietro fez uma careta.

—Bem, foi você quem se jogou encima de mim- ele retrucou, e eu esbocei uma expressão indignada.

—Você me puxou!- eu repliquei.

Antes que ele pudesse responder, a kombi deu mais um solavanco.

—Agora pare de inventar desculpas e preste atenção no caminho- eu reclamei- Sou linda demais para morrer assim.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado, até a próxima!