Um longo e demorado bocejo escapou dos lábios de Wanda enquanto ela tinha um dos filhos nos braços, prestes a cair no sono. Thomas Maximoff parecia ter ainda mais energia que seu irmão, William, mesmo tendo nascido com minutos de diferença. Se bem que sua mãe sempre dizia que Pietro demorava mais a cair no sono do que ela...

— Essa é sua maneira de rir da minha cara, Pietro? – Ela sussurrou ao tempo que ninava a criança. – Está funcionando. Espero que esteja se divertindo bastante com o meu cansaço e sono desregulado.

Wanda riu sonoramente. Às vezes, se pegava pensando em Pietro e em como ele reagiria ao saber que ela estava casada e com filhos gêmeos privando seu descanso. Não dava para negar, porém, que eles eram as maiores alegrias de sua vida. O milagre dividido por dois que quase a fez desmaiar no primeiro ultrassom.

Sua gargalhada, entretanto, assustou o pequeno Tommy e, não bastasse, também Billy, já devidamente acomodado no berço. Havia esse poderio mágico dos irmãos mais velhos, ainda que por questão de instantes, sobre os mais novos, onde, se aqueles fizessem qualquer menção de barulho, esses imediatamente seguiriam. Portanto, o barulho de dois choros distintos ecoou novamente no ambiente, e as pálpebras cansadas de Wanda fizeram um esforço tremendo para se manterem abertas.

— Vizh! – Ela gritou através da porta do segundo andar, e sua voz repercutiu pelo corredor até encontrar as orelhas hipersensíveis de Visão. – Preciso de uma ajudinha por aqui!

— Já vai, amor! Só um instante! – Visão gritou de volta.

Um instante se tornou dois e logo se arrastou para um minuto sem aparição dele. Bom, Wanda não podia cobrar a mais de Visão, já que, desde o retorno após a internação no hospital, os dois se dividiam rigorosamente entre cuidar das crianças e do serviço com a casa nova. Casa, esta, que havia sido totalmente finalizada apenas dias antes do parto, haja vista Wanda ter engravidado antes do primeiro andar estar completamente finalizado.

A grande diferença, contudo, estava no fato de que Visão não sentia cansaço, e era altamente incomum ele ignorar um chamado por ajuda vindo de Wanda. Usualmente, ele largava tudo o que estava fazendo e se dirigia ao cômodo da maneira que estava, às vezes trajando um avental e com um pano de louça na mão. Só não naquele dia, ao que parecia.

O choro das crianças continuava alto, e ela passou em sua mente uma lista de pessoas disponíveis para ajudá-la. Sam Wilson e Bucky Barnes foram os primeiros a visitá-los no hospital, paparicando os bebês desde o primeiro dia de vida, e apareciam em Westview de vez em quando para vê-los, ainda que as asas abertas e o gigante escudo por muitas vezes assustassem o pequeno Billy, se aninhando no colo do pai quando o Capitão América voava pelo jardim. Bruce Banner, atendendo atualmente por Professor Hulk, não tinha o melhor jeito com crianças; e sua prima, Jennifer Walters, atualmente a Hulk após uma transfusão de sangue emergencial, apesar de ser uma pessoa maravilhosa, não era exatamente próxima de Wanda e seu marido. Rhodes estava muito ocupado com sua estagiária, Riri Williams, e um memorial montado em honra à memória de Tony Stark. Thor estava fora do planeta e nem sabia que Wanda e Visão haviam casado ou tido filhos – honestamente, ela tinha medo da reação de Thor, e toda sua força asgardiana, quando soubesse da existência das crianças.

Wanda era eternamente grata à Laura Barton, que dera todas as dicas possíveis e imagináveis sobre o parto, os primeiros dias dos bebês, além de praticamente acampar, na companhia de Clint, em frente ao hospital esperando a alta das crianças para ajudar no início. O Gavião Arqueiro andava por Nova York treinando uma menina chamada Kate Bishop, a quem Wanda não conhecia muito bem ainda, e, na opinião dela, ligar para Laura àquela altura do campeonato seria abusar da sua boa vontade.

“Esgotada” provavelmente era o melhor adjetivo retirado de um dicionário para descrevê-la naquele exato momento, revezando os gêmeos em seu colo e tendo a certeza de que estavam secos para aproveitarem uma noite de sono quando finalmente dormirem. O repertório de canções de ninar, músicas sokovianas e aberturas de desenhos animados estava perto do final, até que ela teve a brilhante ideia de, com Billy no colo, usar os dedos da mão direita para utilizar de uma rajada discreta dos poderes e acender um abajur cuja cúpula vazada com formas de estrelas, luas e planetas iluminava o teto com os formatos celestiais. Os olhos verdes de Tommy brilharam, e ele aos poucos parou de chorar; Wanda acomodou Billy no berço exatamente ao lado e, enquanto murmurava uma canção, pegou alguns bichos de pelúcia e os fez flutuar envoltos por uma aura vermelha, movendo-se na frente dos bebês.

Era um acordo mútuo entre ela e Visão que não iriam usar os poderes frente aos filhos nos primeiros anos de vida destes, principalmente por não saberem se os meninos, futuramente, iriam desenvolver habilidades próprias e, sobretudo, de quem iriam herdar. Havia uma pequena, quase imperceptível rixa, entre o casal, onde apostavam sobre quais seriam os poderes das crianças. Visão mal podia esperar para ver Billy atravessar paredes, e Wanda estava ansiosa para ensinar os primeiros truques de mágica para Tommy. Porém eles não tinham pressa, apenas prezando pela saúde e incondicional felicidade dos filhos.

Visão não aparecera, e Wanda conferiu a porta algumas vezes para garantir que estava segura e não levar um sermão por fazer os bonecos flutuarem na frente dos filhos. Não tardou para seus pequeninos olhos fecharem, e seus minúsculos abdomens subirem e descerem lentamente, no mesmo compasso lento de suas respirações. A mãe suspirou, ao mesmo tempo aliviada e orgulhosa. Vestindo roupas casuais, quase um pijama, desceu as escadas enquanto acendia as luzes, os corredores mal iluminados devido à noite que lentamente cobria o céu. Tão cansada estava que não notou uma música baixa no andar de baixo, tampouco o aroma de comida inundando a sala.

— Vizh...? – Ela vagarosamente o chamou, reprimindo um bocejo ao abrir a porta da cozinha.

— Aposto que está chateada comigo por eu não ter subido para ajudar. – Visão se aproximou e, envolvendo as bochechas dela com as mãos, beijou sua testa. – Peço perdão, amada. Espero que não tenha usado de... Artifícios – ele franziu o cenho –, para fazê-los dormir tão rapidamente.

Aos poucos, os olhos de Wanda se acostumaram à baixa luminosidade pela meia luz do cômodo, notou o toca-discos que ganharam de Clint no casamento – “confiem em mim, vocês vão precisar de uns momentos à sós”, nas palavras dele – tocando uma canção suave e, ademais, seus olhos correram para notar algumas velas sobre a mesa, totalmente arrumada com pratos, talheres, bem como um belíssimo ramalhete de flores com as raízes submersas em um belo vaso de vidro, presente de Pepper para enfeitar o local onde fora realizada a cerimônia.

E por falar em cerimônia, as mãos de Visão logo envolveram Wanda no que ela julgou ser um terno abraço, porém, a posição de seus braços indicava que ele tinha outros planos, segurando sua mão e sua cintura enquanto a rodopiava pela cozinha, dizendo:

— Essa música não lembra você do nosso casamento, querida? – Uma risada baixa emergiu nos lábios de Wanda enquanto ele a movimentava, tomando cuidado para não esbarrar em nada. – A valsa que dançamos. Flutuando pelo salão, só eu e você, todos os convidados olhando... Mas eu só tinha olhos para você.

Levantando o braço, com a mão de Wanda entre seus dedos, ele a fez girar, e a risada dela novamente preencheu ambos o ambiente e o peito de Visão com alegria, em especial quando ela se jogou contra o seu corpo. Qualquer resquício de incômodo anteriormente causado por sua ausência anteriormente havia acabado de sumir. Logo, ele sussurrou:

— Você não precisa fazer mais nada hoje. A banheira está com água quente e os sais de banho mais relaxantes possíveis. – Ele sorriu; e, mesmo sem ver seu rosto, Wanda percebeu a malícia através de seu tom de voz. – Deixei um vestido bem bonito para você se arrumar depois, e estou terminando o jantar. Depois, podemos assistir um filme, ou ver de novo alguma temporada de um sitcom de sua preferência... – Visão se afastou e beijou o topo de sua cabeça. – Se os bebês chorarem, eu mesmo cuido deles.

Wanda estava sem palavras. Não era seu aniversário. Não estavam nem mesmo perto de seu aniversário de casamento. Atônita, observando os olhos azuis de Visão sob a iluminação da joia da mente, questionou:

— Por quê?

Os lábios de Visão se retorceram antes de mostrarem o mais belo sorriso, e um terno beijo sucedeu, cuidadosamente posicionando sua boca no lábio superior de Wanda. Ela fechou os olhos e sentiu o coração palpitar fortemente dentro do peito, e todos os seus órgãos aparentemente pararem de uma só vez devido à surpresa com o ato. Não apenas o beijo; este era a cereja do bolo que Visão havia preparado com toda aquela surpresa.

— Você está exausta, querida, posso notar. – Disse ele, a puxando para mais perto. – O motivo para eu não ter subido é porque precisava cuidar para a água não esquentar demais, nem encher demasiadamente a banheira. Fiz um cálculo complicado do seu peso corporal com a quantidade de litros possível na banheira e...

— Poupe-me dos detalhes, vai estragar a magia. – Wanda moveu o dedo indicador na direção da boca de Visão. – Vou tomar um banho e já volto... Apesar de que eu não iria me importar nem um pouco se você quiser me acompanhar. – Ela não deixou de sorrir e piscar, mesmo que seu sex appeal não fosse dos melhores naquele momento de cansaço, antes de sair do cômodo e se dirigir na direção do banheiro.

Visão se sentiu absolutamente tentado em acompanhá-la, porém, no tempo entre olhar a sopa e ir até o banheiro do térreo, ouviu uma batida na porta. “Estranho”, pensou. “Eu realmente não esperava encomendas hoje”. Secando as mãos em um pano de prato, e rapidamente trocando para a forma humana enquanto tirava o avental, abriu a porta para notar a presença de Sam e Bucky, sem os trajes de super-heróis, mas com os braços abertos para abraçá-lo.

— E aí, Vis! – Sam exclamou em voz alta, um lindo sorriso nos lábios. – Como vai essa vida de pai de família? Ainda bem que eu só tenho sobrinhos!

Consternado, Visão fez sinal para ele baixar o tom de voz, retomando ao aspecto robótico.

— Os gêmeos dormiram agorinha e... O que vocês estão fazendo aqui? – Apesar de ser um sussurro, a surpresa, o descontentamento e dissabor estavam misturados na voz robótica dele.

— Ué. – Bucky deu de ombros. – Não foi você quem pediu?

— Pedir? – Visão arregalou os olhos. Ele havia enviado uma missiva para que os Vingadores não viessem até a sua casa naquele dia específico. Ou ele ou os heróis haviam se enganado no recado.

— E espero que não se importe... – Sam adentrou a casa. – Mas nós trouxemos reforços.

Não demorou nada para o Máquina de Combate e sua estagiária, a Coração de Ferro, pousarem no jardim frontal, saindo de suas armaduras para mostrarem ser Rhodes e Riri, animadamente sorrindo para Visão enquanto paravam na soleira da porta. E Banner também apareceu junto de sua prima, Jennifer – contrariamente a ele, a nova Hulk era capaz de se transformar em humana quando quisesse.

Visão suspirou. Aquilo certamente não era o que ele planejara.

— Quem falta agora? – Ele questionou, vendo a sala de estar da casa repleta dos seus amigos. – O Gavião Arqueiro?

Sam e Bucky se entreolharam, apontando para a porta; Clint Barton e sua nova ajudante, Katherine Bishop, entraram pela porta aberta com arcos, flechas e tudo mais.

— Opa, cheguei atrasado para a festa? – Ele riu, percebendo como os planos de Visão estavam fugindo de seu controle. – Ouvi dizer que alguém precisa de ajuda com os bebês gêmeos que não param de chorar...

Kate acenou para Visão e sentou no chão ao lado de Riri.

— Não se preocupe, eu já fui babá quando era adolescente. – Ela disse enquanto olhava para Visão, movimentando a mão em frente ao corpo.

— Eu também já! – Exclamou Riri, virando o corpo para ela. – Você participava de algum projeto social? Ou era só para ter independência mesmo?

Não tardou para a sala de estar da residência de Visão e Wanda estar repleta de conversa paralela entre os super-heróis mais poderosos da Terra. Ao sintozóide, era possível contar nos dedos as instâncias de frustração que sentira na vida – e aquela certamente era a maior de todas.

— Vizh?

A voz angelical de Wanda soou pela sala, e todos, principalmente Visão, viraram o rosto para encará-la. Sobre o vestido decotado, ela vestia um roupão azul-escuro, e os cabelos compridos escorridos ao redor do rosto. Todos os presentes instantaneamente notaram que não era o melhor momento para aparecer; todos menos Bucky, que saiu da cozinha com um prato de sopa na mão.

— Olha, Visão, isso não está inacreditável de bom, mas está melhor do que as que serviam no exército, e olha que tinha umas cozinheiras boas lá...

Ele levantou os olhos do prato, ainda com a boca cheia, para ser fulminado pelos olhos de Visão, a expressão de ódio precedendo um possível ataque não fosse Wanda se aproximar e dizer:

— Amor. – Ela segurou suas mãos. – Você não vê quantas pessoas maravilhosas prontamente atenderam o nosso pedido de ajuda? Ainda que inconsciente. – Ela riu, sua risada graciosa preenchendo o silêncio do cômodo. – Eu estava pensando em cada um de vocês mais cedo, e parece que vocês escutaram... Clint, mande minhas lembranças para a Laura, falando nisso.

Clint assentiu com a cabeça, e tanto ele quanto Sam Wilson se aproximaram do casal, ao tempo que o choro dos gêmeos no andar de cima ficou gradativamente mais alto.

— Que tal deixarem os gêmeos com a gente por hoje e irem aproveitar um pouco, hein? – O Gavião Arqueiro botou uma mão sobre o ombro de Visão. – Aproveitem para sair, jantar fora, nós damos um jeito nisso.

Kate Bishop e Riri Williams prontamente foram ao andar de cima buscar os dois bebês, e a expressão de Visão suavizou à medida que ele exibiu um genuíno sorriso de agradecimento, olhando nos olhos de cada um dos colegas presentes – inclusive de Bucky, a quem estava pronto para cometer um crime de ódio, e de Rhodes, com quem os ânimos nunca foram dos melhores. Wanda o abraçou e beijou sua bochecha antes de guiá-lo escada acima.

Wanda escorou o corpo na cama enquanto Visão se explicava:

— Desculpe, Wanda, eu pedi para eles não virem, mas acho que a missiva foi um pouco errada e...

Após um longo bocejo, Wanda encostou a bochecha no travesseiro e, instantes antes de cair no sono, sussurrou algo ininteligível, até mesmo para Visão.

A conversa no térreo soava bastante animada ao que ele carinhosamente beijou a bochecha de Wanda e entrou em modo de repouso ao seu lado. A melhor maneira de aproveitar aquela noite era simplesmente estar junto de sua amada esposa.