Contraste escrita por Paulinha Almeida


Capítulo 14
Capítulo 14




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Durante nosso encontro semanal informei aos meus pais que não os veria na semana seguinte pois passaria o final de semana em Cardiff. Como imaginei, eles não ficaram muito satisfeitos, mas a princípio fizeram apenas um comentário:

—É um pouco longe para você dirigir sozinha, não acha Ginny?

Eu sabia que era apenas especulação para saber o motivo da minha viagem. Minha regra com eles era não falar espontaneamente, mas nunca mentir caso me perguntassem.

—Não vou sozinha, vou com o Harry. E são só umas quatro horas, não é muito.

—Hm.

—Ronald, você conhece esse tal de Harry? - Meu pai perguntou como se eu não estivesse ali.

—Ron não está indo viajar com ele, eu estou, então acredito que eu conhecê-lo é suficiente, não acham? - Falei ácida, o tom de voz cortante.

—Só estamos curiosos, querida. - Minha mãe se explicou daquela maneira que sempre fazia quando queria soar despretenciosa.

—Então vocês podem perguntar à mim se eu o conheço ou o que mais quiserem saber. Não me lembro de ter respondido nenhuma pergunta sobre Hermione, então não entendo por que o Ron precisa fazer um relatório sobre as pessoas com quem eu saio.

—Tudo bem Ginny, não está mais aqui quem falou.

Com isso o assunto foi encerrado, sem uma pergunta sequer a respeito do meu companheiro de viagem ou de qualquer outra coisa.

Harry conseguiu a sexta feira livre, mas eu precisei participar da reunião de planejamento durante a manhã. Assim que saí de lá, pouco antes de meio dia, fui direto até sua casa buscá-lo para iniciarmos nossa pequena viagem. Ele parecia empolgado enquanto caminhava em direção ao veículo, um sorriso bonito no rosto protegido pelo cachecol.

—Olá, pilota. - Ele se inclinou para mim.

—Olá, gato. Gostei desse jeans justo - Retribuí seu beijo e dei partida quando ele fechou a porta.

—Eu deixo você tirá-lo quando chegarmos no hotel. Como foi sua reunião?

Conversamos pela primeira hora de percurso, então Harry se inclinou e ligou o som. De canto de olho o vi franzir o rosto com desgosto quando a voz da Lady Gaga preencheu o silêncio momentâneo. Ele não falou nada, apenas pegou o próprio celular, conectou ao bluetooth do meu sistema de som e selecionou um cantor diferente em sua própria galeria. Quando a música começou foi a minha vez de  olhar com desagrado.

—Sem chance de escutar isso por três horas, Harry.

—O que tem de errado com Rod Stewart? É um clássico.

—Nunca parei para escutar nada dele, mas só por esses dois minutos de acorde já sei que não vou gostar.

Ele procurou alguma coisa no celular e se virou para mim novamente.

—Essa até você tem que conhecer, não é possível. - Falou quando os primeiros acordes de Have You Ever Seen The Rain começaram a tocar.

—Ai meu Deus, não acredito. - Ri incrédula. - Que universo alternativo é esse em que eu namoro um cara que curte as mesmas músicas que a minha mãe?

—Olha só, isso é ótimo.

—Ah não, acredite em mim, não foi um elogio. - Ele riu comigo e se fingiu de ofendido. - Vamos escolher outra coisa para escutar, podemos decidir juntos, mas Rod Stewart está fora de cogitação.

—Lady Gaga também está. - Falou categórico e eu rolei os olhos. - ABBA?

—Que tal limitarmos nossa busca para algo lançado depois que a gente nasceu?

—Dê suas sugestões então, estou ansioso para negar a todas elas.

Pelos próximos minutos ele disse não para Coldplay, Dua Lipa, Taylor Swift, Justin Timberlake e Ed Sheeran. Eu, por outro lado, neguei a trilha sonora de dois musicais, Pearl Jam, Eminem e Adele. Não que eu não gostasse dessa última, mas Skyfall não é exatamente o que você quer ouvir enquanto dirige por quatro horas.

—Ok, que tal Alanis Morissette? - Sugeri quando a conversa já se estendia por mais de meia hora.

Ele me olhou incerto, mas não negou.

—É um bom meio termo, vai. Além disso podemos usar esse momento para ser fofos um com o outro. Eu posso cantar Everything pra você, por exemplo.

Ele riu enquanto selecionava o álbum da cantora e deixava as primeiras batidas de You Oughta know soarem nos auto falantes.

—Então sua interpretação de ser fofa comigo é cantar para mim uma música em que você basicamente só fala de você mesma?

—Eu poderia cantar London Boy, mas você baniu a Taylor. - Dei de ombros para ilustrar que era culpa unicamente dele.

—E eu poderia cantar Future Days, mas você baniu Pearl Jam. Perdeu a chance de ganhar uma declaração brega e melosa, mas de ótimo gosto musical.

—E você perdeu a chance de ganhar uma declaração moderna e bem escrita, com ótimos arranjos e aquela voz maravilhosa.

—Poxa, que pena… - Ele suspirou para enfatizar a ironia da frase.

No fim Alanis se mostrou uma escolha acertada, pois rimos e cantamos por todo o resto do percurso até estacionarmos no hotel e desligar o som para iniciar nosso final de semana juntos. 

Era a primeira vez que passaríamos todo esse tempo juntos ininterruptamente e eu estava empolgada e curiosa para saber como conseguiríamos aproveitar igualmente nossos dias ali quando tínhamos gostos tão diferentes. No fim, essa viagem me mostrou que Harry e eu éramos muito bons em encontrar um meio termo e, mais importante, melhores ainda em aproveitar o que o outro gosta de fazer.

Era óbvio que se eu estivesse sozinha não teria entrado no museu nacional e nem dirigido até o castelo de Cardiff, enquanto Harry com certeza não teria ido aproveitar a noite de sábado num bar de música ao vivo e nem se embrenhado em alguns lugares de difícil acesso só para ter um bom ângulo para foto. Mas isso não nos impediu de aproveitar a companhia um do outro em cada um desses lugares.

Harry poderia adicionar à essa lista o fato de que se estivesse sozinho ele certamente não teria tantas fotos dele mesmo. Ainda não eram as fotos que eu queria tirar dele um dia, mas foi divertido fazê-lo posar para a minha câmera em alguns pontos turísticos. Até sem graça e com o vento despenteando ainda mais seus cabelos ele conseguia ser bonito e fazer meu coração disparar.

—Vem aqui, acho justo você tirar uma foto comigo depois de toda essa sessão. - Harry me puxou enquanto eu conferia as prévias das fotos dele na câmera.

—Eu não trouxe o tripé.

—A gente pode tirar uma selfie. - Falei com o celular na mão e eu rolei os olhos.

—Esse tipo de foto, então.

—Qual o problema com selfies? - Perguntou ativando a câmera frontal do celular.

—Problema nenhum, mas só servem mesmo para registrar o momento porque o enquadramento e a qualidade da imagem são sempre péssimos.

—Eu só quero registrar o momento mesmo, não começar a competir com você pelo mercado fotográfico. - Me aproximei quando ele me abraçou e colocou o rosto perto do meu, o celular apontado para nós.

Ele capturou algumas imagens e trouxe o celular para mais perto para conferir se ficaram boas.

—Como eu disse, enquadramento péssimo.

—Você é linda, garota. - Ele falou e estalou um beijo na minha boca enquanto guardava o celular novamente no bolso. - Não tem enquadramento ruim nenhum que mude isso e a foto ficou ótima. Está com fome?

—Você também faz um ótimo trabalho compensando o enquadramento precário, Potter. Um pouco, abre a bolsa aqui pra mim por favor, vou guardar a câmera e a gente procura um lugar pra comer.

O final de semana passou rápido e quando notamos já era domingo de manhã. O dia do nosso retorno amanheceu nublado e com chuva, então os planos de aproveitar o dia ao ar livre e só voltar para casa a noite foi por água abaixo. Sem essa possibilidade, decidimos pegar a estrada depois do almoço e aproveitar a noite em casa. Como combinado, Harry assumiu o volante na volta e eu pude relaxar no banco ao seu lado, da mesma forma que ele havia feito no caminho de ida.

—Hey Gin, se importa de passar em um lugar comigo antes de ir para casa? Vai ser rápido. - Ele perguntou quando estávamos a uma hora do nosso destino, o semblante iluminado como se tivesse acabado de ter uma boa ideia que lhe ocorreu do nada.

—Por mim tudo bem. - A curiosidade quase me fez perguntar onde, mas deixei para lá porque eu descobriria em breve de qualquer forma.

Me virei novamente para a frente continuei cantarolando ao som de When We Were Young, porque Harry não se importava de dirigir ao som de Adele.

Quando prestei atenção novamente ao redor estávamos em uma área residencial claramente de alto padrão, com casas de grandes de aparência elegante e carros caros estacionados em frente. Eu não fazia ideia de onde estávamos indo, mas a visão daquele bairro aguçou ainda mais minha curiosidade.

—Onde estamos? - Perguntei no momento em que ele estacionou em frente a uma dessas casas e abriu a porta para descer.

Puxei a barra da minha mini saia para baixo e a ajeitei sobre a meia calça preta, enrolei novamente o cachecol por cima do decote V da minha blusa de malha e desci também.

—Em Luton, eu cresci aqui. Aconchegante, não é?

Harry segurou a minha mão e subiu os dois degraus de entrada para tocar a campainha. No momento em que seus dados apertaram o botão ele pareceu se lembrar de algo.

—Não mencione a moto, tudo bem?

—Moto? - Perguntei sem entender.

—Sim, a minha moto, não a mencione.

No momento em que eu ia perguntar o motivo do pedido, a porta se abriu e uma ruiva de meia idade surgiu. Ela estava usando um suéter elegante e uma calça de sarja de aparência cara, tão bem vestida que por um momento me perguntei se Harry havia se esquecido de uma jantar ou algo assim com alguém do trabalho. O cabelo estava impecavelmente penteado para um lado e era de um tom mais escuro que o meu. Ela era linda e de certa forma intimidante.

—Oi mãe! - Harry a cumprimentou e eu precisei de muito esforço para disfarçar a cara de pânico que gostaria de ter feito.

Eu nunca tinha conhecido a mãe de ninguém antes, o que não ajudava muito e não me dava nenhum parâmetro de comparação para esse momento. Eu já imaginava que isso aconteceria, mas eu gostaria de ter pelo menos me preparado psicologicamente para esse encontro. Internamente eu estava estapeando meu namorado, o que só não aconteceu também fisicamente porque imagino que isso causaria uma péssima primeira impressão.

—Olá querido, não estávamos te esperando. - Ela falou com um sorriso, e então olhou para mim.

O sorriso ainda estava presente quando ela me encarou, mas embora tenha sido discreto eu notei a sobrancelha levemente arqueada quando ela desceu o olhar e viu nossas mãos dadas.

—Ainda mais com companhia. Como vai…? - Ela estendeu o braço na minha direção e eu me adiantei para retribuiu o aperto de mãos.

—Ginny. Muito prazer.

—Não estava planejado, mas estávamos passando por aqui e tem alguém que eu gostaria de apresentar a vocês.

—Claro, entrem. Eu vou chamar o seu pai. - Ela se virou e nos deixou sozinhos.

Me virei para o Harry assim que ela sumiu do nosso campo de visão e o encarei com toda a consternação que eu sentia.

—Você não achou que era importante mencionar que estávamos vindo visitar os seus pais? - Perguntei com o que eu esperava ser um tom ameaçador baixo o suficiente para só ele escutar.

—Estávamos por perto, achei que fosse uma boa oportunidade. - Ele respondeu relaxado. - Só uma apresentação rápida, não vai ter nada demais. Vem.

Tentei ser discreta enquanto ele me guiava pelo corredor de entrada em direção à sala de estar espaçosa com pé direito duplo. Eu já havia notado que o apartamento de Harry era muito mais confortável do que um apartamento comum na região onde morávamos, espaçoso e bem decorado de um jeito elegante e talvez até refinado, mas a casa dos pais dele me mostrou outro padrão de vida, um que eu não conhecia pessoalmente e do qual certamente não fazia parte.

Antes que eu pudesse responder, ouvimos passos descendo as escadas de madeira em nossa direção. O pai de Harry era tão parecido com ele que se não fossem os olhos escuros, cabelos grisalhos e marcas de expressão seria difícil diferenciá-los. Ele estava tão bem vestido quanto a esposa, naquela maneira casual de quem estava em casa fazendo nada, e caminhou em nossa direção com um sorriso aberto.

—Ei campeão, que surpresa boa. - Ele o abraçou e se virou para mim. - E imagino que seja essa senhorita que você quer nos apresentar. Como vai…?

—Ginny. Muito prazer, Sr. Potter. - Diferente da esposa, ele se adiantou e me deu dois beijos no rosto.

—Mãe, pai, essa é Ginny Weasley, minha namorada. - Ele anunciou sorrindo para eles e depois olhou para mim. - E esses são James e Lily, meus pais.

Eu já estava nervosa, então o silêncio por parte deles, acompanhado dos rostos impassíveis, aumentaram meu desconforto.

—Harry é tão discreto com a vida pessoal que é difícil não ficar surpresa, desculpe Ginny.  - Lily falou com um sorriso educado. - Sente-se, por favor. Aceitam um chá, alguns biscoitos? Nós já jantamos, mas se estiverem com fome podemos providenciar alguma coisa.

—Eu estou bem, você quer comer alguma coisa? - Harry me olhou com o conforto característico de quem estava em casa.

—Não, obrigada. - Respondi, embora eu estivesse sim com fome.

James apontou para a sala de estar atrás de si e nos dirigimos até lá. Harry se sentou em um dos sofás e me puxou para perto, o braço pousado no meu ombro. Seus pais se sentaram no sofá à nossa frente, ambos mantendo a postura impecavelmente reta.

—Por favor fique a vontade, Ginny.

—Mas então, nos contem as novidades. Há quanto tempo nosso filho enigmático tem uma namorada? - James perguntou interessado.

—Uns quatro ou cinco meses? - Harry falou incerto, me olhando em busca de confirmação.

—Desde que começou, sim, por aí.

—Você disse que estavam passando por perto, você mora por aqui Ginny? - Lily perguntou.

—Não, moro em Londres também, uns vinte minutos da casa do Harry.

—Então acredito que isso responde à pergunta de como vocês se conheceram. Se esbarraram na fila do mercado, talvez? - James sugeriu com um sorriso descontraído que o deixou ainda mais parecido com o filho.

—Quase isso. No parque perto da minha casa.

—E por que estavam tão longe de casa a essa hora no domingo?

—Fomos passar o final de semana em Cardiff.

—Que agradável, o tour histórico da cidade é encantador. Vocês gostaram?

—Fizemos outros tipos de passeio, mãe. Gin não é muito fã de passeios históricos e eu também dispenso.

—De qual tipo de passeio você é fã, Ginny? Estamos curiosos, desculpe tantas perguntas.

—Não tem problema, eu entendo. Prefiro passeios ao ar livre, sem agenda, são perfeitos para fazer boas fotos.

—Gin é fotógrafa.

—Mesmo? - Lily me olhou com surpresa. - Que hobby interessante.

—Na verdade é meu trabalho também, sou fotógrafa profissional.

Ambos agora pareciam verdadeiramente curiosos.

—Uma artista, então. Você tem um estúdio? O que você fotografa?

Tudo naquela cena me parecia muito familiar, embora eu nunca tivesse conhecido os pais de alguém com tamanha formalidade antes, eu já havia conhecido diversas pessoas que faziam essa mesma expressão curiosa. Eu sabia reconhecer quando alguém estava me avaliando, e a julgar por todos os pequenos detalhes que eu consegui reparar desde que cheguei, eu poderia apostar que minha resposta os faria concluir que não gostavam muito do que estavam vendo. Ainda assim, se eu nunca havia mentido para ninguém antes sobre o meu trabalho, não o faria para os pais de Harry.

—Sou a fotógrafa oficial de uma editora online de ensaios sensuais. - Respondi com o tom neutro, sem demonstrar quão desconfortável eu estava.

O silêncio que pairou pelo segundo seguinte foi outra vez intimidante, mas eu não tinha intenção de quebrá-lo.

—Oh. - James falou quando notou que ninguém diria mais nada. - Isso é… você está almejando ganhar experiência em revistas para migrar para outros tipos de publicação mais… convencionais?

—Na verdade não, eu gosto dessa área e estou bastante feliz com meu trabalho.

—Isso é bem… diferente. - Ele concluiu com o rosto levemente inclinado, como se estivesse escolhendo as palavras.

—Quase inapropriado, eu diria. - Lily falou com um sorriso que não foi suficiente para disfarçar a crítica em suas palavras. - Como você classifica, querido? - Perguntou para o filho.

—Original e dinâmico, eu gostaria de me divertir no trabalho tanto quando ela e a equipe dela se divertem nos ensaios. Vocês tem que ver a energia daquela galera, não é Gin? - Harry falou com o sorriso e desceu o braço para minha cintura, em um braço que parecia querer dizer que estava tudo bem e eu podia relaxar.

—Eu imagino. - James falou com um sorriso que parecia uma tentativa de ser reconfortante, Lily não mudou de expressão. - E como estão as coisas no banco, Harry?

—O mesmo de sempre, vocês sabem.

Harry se prolongou um pouco no assunto, me tirando do centro daquela conversa e me dando tempo para acalmar a agitação dentro de mim. Minha experiência em conhecer os pais do namorado ainda não tinha trinta minutos completos, mas já era suficiente para eu entender que existe uma urgência em agradar às pessoas que criaram alguém que ocupa um espaço tão importante na sua vida.

A minha experiência de vida, no entanto, infelizmente me mostrava que provavelmente eles eram uma daquelas pessoas que eu só conseguiria agradar se abrisse mão de ser eu mesma, o que estava fora de cogitação. A escolha de ser fiel à mim mesma era fácil, mas ignorar o mal estar de abrir mão da aceitação que internamente todo mundo procura, não era.

—Cho veio nos visitar na semana passada. - Lily contou com uma empolgação que não pareceu natural. - Ela estava maravilhosa, não estava meu bem?

—Estava, como sempre. - James confirmou. - Sabia que ela vai começar um pós doutorado?

—Ela comentou algo assim da última vez que nos falamos. - Harry respondeu sem alongar o assunto e agora já sem parecer tão confortável quanto há pouco.

Lily fez menção de que ia dizer mais alguma coisa, mas sem aviso senti meu namorado se levantar do sofá e interromper o que quer que fosse que ela diria.

—Só passamos para falar oi e para vocês conhecerem a Gin, melhor irmos para casa descansar pelo resto da noite. - Eu ainda estava sentada quando ele se virou para mim, esticou a mão e acariciou meu rosto com delicadeza, num gesto que também não soou natural. - Vamos? 

Eu podia apostar que ele estava fazendo aquilo de propósito apenas porque estávamos na frente de seus pais. Embora eu ainda não soubesse as motivações dele para isso, gostei do conforto do gesto. Confirmei com um aceno, segurei sua mão e me levantei, os pais dele imitaram o movimento e se puseram de pé também.

—Está cedo, querido. - A mãe falou e se aproximou dele.

—Ainda temos um bom caminho pela frente, melhor nos apressarmos. - Ele se inclinou e a beijou, mas não soltou minha mão.

James se aproximou também e o abraçou.

—Espero que não demore mais dois meses para encontrar o caminho de casa.

—Vou tentar não me perder por aí.

Eu ainda estava em silêncio, mas dei um passo a frente quando todos me olharam. Eu nem sabia como cumprimentá-los, se deveria oferecer minha mão ou beijá-los. Felizmente não precisei tomar essa decisão, porque James se adiantou e me beijou como havia feito quando cheguei.

—Tchau Ginny, foi um prazer.

Lily imitou o marido e disse exatamente a mesma frase.

—O prazer foi meu, Sr. e Sra. Potter.

Eles nos acompanharam até a porta e acenaram quando Harry e eu saímos para o ar frio, ele soltou minha mão apenas para entrar no carro.

Harry assumiu o volante novamente e ficamos os dois em silêncio pelos primeiros minutos de percurso. Não havia sido o primeiro encontro mais confortável do mundo para mim e eu estava chateada com isso. Um tempo depois Harry esticou a mão e acariciou minha coxa.

—Eu estava esperando uma conversa mais descontraída. - O tom dele era de alguém que está se desculpando.

—E eu não estava esperando conhecer seus pais. - Minha resposta soou ríspida até aos meus ouvidos.

—Eu deveria ter te avisado antes, não é? Não achei que isso fosse ser de grande importância para nenhum de nós dois e estávamos passando aqui por perto, eu não tinha planejado isso, só pareceu uma boa ideia na hora e eu me empolguei.

—Tudo bem Harry. O que deixou o clima pesado não é algo que eu tenha intenção de mudar, então hoje ou daqui um mês não faz muita diferença.

Ele sabia o que eu queria dizer com aquilo, porque por um momento não disse nada.

—Eles são… um pouco conservadores.

—Aparentemente eles teriam muito o que conversar com meus pais então.

Ele não disse nada pelo resto do percurso e eu também me mantive quieta, olhando a paisagem pela janela ao meu lado. Harry dirigiu direto para a minha casa e não esperou por um convite para descer do carro e me acompanhar até meu apartamento. Entrei na frente e me sentei no sofá, as pernas sobre o assento, ele se juntou a mim depois de fechar a porta atrás de nós.

—Eu não queria que essa visita sem importância te deixasse triste, Gin.

—Não é uma visita sem importância, são os seus pais. Eu não estou triste por causa disso, só estou… - Eu não soube como continuar a frase, então mudei de assunto. - Eu nunca tinha conhecido os pais de ninguém antes, sabia? E acho que podemos combinar que seus pais não deixaram esse momento mais fácil.

—Eu sei, por isso achei melhor virmos embora logo.

—Quem é Cho?

A expressão constrangida e cautelosa no rosto dele já respondia à minha pergunta, mas ainda assim eu esperei ele dizer.

—Minha ex namorada.

Eu ri com a resposta esperada, porque a mensagem estava muito clara para mim agora que eu sabia quem era a pessoa que eles fizeram questão de elogiar.

—A namorada perfeita para o filho deles, eu imagino. - Comentei irônica.

—Gin, não importa o que eles acham perfeito para mim ou não, eu conheço os pais que eu tenho e o que eles gostam ou não gostam nunca mudou em nada nas minhas escolhas. Além disso, eu não diria que eles não gostaram de você, eles só…

—Eu só não atendo aos padrões. O que será que me falta de acordo com a lista deles? Um doutorado? Um emprego que não seja quase inapropriado? Um nome que eu nem sei qual a origem? Ter crescido em Luton também? - Ele não respondeu nada, apenas me deixou falar. - E como assim não importa? Você até me pediu para não mencionar sua moto.

—Eles odeiam motos e tiveram um ataque quando eu mencionei pela primeira vez que estava pensando em comprar uma, quando eu tinha uns dezenove anos. Então para que eu vou criar problemas? Comprei minha moto do mesmo jeito e aproveito meu hobby sem ninguém enchendo o saco toda vez que me vê.

Ponderei sua resposta por alguns segundos, processando toda a informação das últimas horas. Talvez os pais de Harry não fossem tão diferentes assim dos meus pais, a única diferença sendo que ele, assim como meu irmão, era feliz com um estilo de vida que eles aprovavam na maior parte do tempo, enquanto eu não. Ron também não contava as partes que nossos pais desaprovavam, estratégia essa que se eu fosse adotar, não poderia ser eu mesma nem no modo de me vestir.

—Então é assim que você lida com o controle deles, escondendo quem você é de verdade?

—Eu não escondo quem eu sou de verdade, eu só… - Ele se deteve e pareceu pensar pela primeira vez no que eu havia dito. - Eu não escondo quem eu sou de verdade, só não vejo motivo para comprar essa briga. Já não moro com eles já tanto tempo, nos vemos a cada dois meses, talvez ainda menos, por que eu deveria ligar para os meus pais para contar que estou indo fazer esportes radicais nas férias?

O ponto dele até que fazia sentido para mim.

—Por que aquele carinho todo? - Perguntei com o cenho franzido.

—Eu notei a hostilidade disfarçada deles e isso me incomodou também, eu queria te deixar confortável, de certa forma te mostrar que aquilo ali não era reflexo da minha opinião, e mostrar para eles que você é importante para mim. Espero que eles tenham entendido e que eu não precise dizer em palavras, porque eu demoro para explodir, mas quando acontece é porque a minha paciência já esgotou.

—Obrigada pelo cuidado. - Acariciei seu rosto como ele havia feito comigo na casa dos pais. - O problema é que eu não tenho mais paciência para isso, Harry, e juro que não quero ser eu a explodir com seus pais porque não acho que esse seja o meu lugar, já basta o tanto que eu ainda preciso explodir com os meus.

—Hermione comentou que você não tem uma relação muito fácil com seus pais. Ela não me deu nenhum detalhe, é claro, só comentou isso naquele dia em que você esqueceu seu celular comigo.

—Não tenho mesmo, eles não aprovam o meu trabalho, como eu me visto, não gostam dos meus amigos e isso virou uma birra absurda. Chegou num ponto que qualquer coisa é motivo suficiente para implicâncias.

—Então imagino que se eu os conhecesse seria algo bem próximo do desconforto de agora há pouco?

A pergunta me fez rir e ele me olhou em dúvida.

—O mais irônico é que eu tenho certeza absoluta que eles vão adorar você. Vai bastar você dizer no que trabalha, onde estudou e mencionar o bendito do Rod Stewart que os olhos deles vão brilhar. Meus pais vão te ver como a pessoa que veio para me tirar do mal caminho.

—Que exagero. - Ele falou rindo.

—Eu queria mesmo estar exagerando. - Respirei fundo antes de fazer a pergunta cuja resposta mais me interessava. - Mas como vai ser então, você vai simplesmente não falar mais sobre mim para os seus pais? Passar ainda mais tempo sem vê-los?

Ele bufou contrariado e rolou os olhos para mim.

—Você não é uma moto, garota, quer meus pais gostem disso ou não você está aqui e é importante para mim. Eu vou falar ainda mais de você, contar as novidades, mandar fotos nossas e te encher de carinho na frente deles, porque eu gostaria muito que você ainda quisesse voltar lá comigo. Eles só tem uma saída que é se acostumar com isso, porque a opinião deles não muda o que eu sinto.

Eu gostei do que ouvi e meu sorriso não me deixou esconder o fato. O puxei para um abraço e me acomodei ali por um tempo, eu estava me sentindo melhor depois da conversa.

—Sabe, eu gostaria de conhecer os seus pais também.

—Eu já imaginava. - Suspirei e me afastei para olhar para ele. - Vou combinar com eles e organizar alguma coisa, tudo bem?

Ele concordou com um sorriso e ficamos um pouco em silêncio, ainda presos naquele abraço. A próxima pergunta que eu queria fazer estava rondando a minha mente enquanto eu me decidia pela melhor abordagem.

—Harry… - Chamei um tempo depois e ele me olhou. - Sobre sua ex, a Cho, você mencionou que ainda se falam as vezes…

—Ah sim, somos amigos da época da escola ainda e começamos a namorar no fim da faculdade. O relacionamento não durou tanto assim, mas ela é muito legal e a gente conversa as vezes, da última vez que nos falamos ela estava terminando o doutorado e saindo com uma menina.

A informação me fez rir, ele me acompanhou.

—Estou julgando demais ao dizer que seus pais ficariam loucos com a maravilhosa Cho, como sempre, e suas novidades?

—Loucos não sei, mas provavelmente eles muito chocados. - Ele confirmou e me empurrou, se deitando por cima de mim. - Mas nem ela e nem o que meus pais pensam é problema nosso, então deixa isso pra lá e vamos aproveitar o resto do final de semana.

Harry saiu mais cedo do que eu na segunda de manhã e eu continuei dormindo até as onze. Tomei meu café da manhã com calma e caminhei sem pressa até a estação de metrô, pois eu ainda tinha tempo até o início do ensaio daquele dia.

Quando me acomodei em um banco livre do metrô, peguei o celular e rolei a página do Instagram aleatoriamente até que uma foto em específico me fez parar. Era uma das selfies que Harry havia tirado de nós dois em Cardiff. Eu estava sorrindo para a câmera enquanto ele beijava o meu rosto com a expressão feliz. O enquadramento estava péssimo, mas a foto tinha certa espontaneidade que a deixava bonita. Foi a legenda, no entanto, que me fez sorrir como boba pelo resto do dia:

“Garota, não há nada que eu mudaria em você. ❤️”

Não havia nada que eu mudaria nele também, principalmente essa habilidade de me deixar com um sorriso no rosto o dia todo.


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Notas finais do capítulo

E pra quem estava ansioso pela aparição dos pais Potter, aí estão eles.
Preciso dizer que o núcleo primeira geração dessa história não é composto de pessoas com a mente muito aberta.
Não deixem de me dizer o que estão achando da história, então comentem.
Beijos e até daqui duas semanas.



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