Contraste escrita por Paulinha Almeida


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Olá todo mundo que ainda está por aí.
Finalmente depois de tanto tempo estou de volta com outra longfic. Capítulos serão postados na sexta-feira a cada duas semanas.
Espero que gostem. Beijos!



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A luz do sol entrando pela cortina mal fechada não estava colaborando com meu sono. Rolei na cama à procura de um travesseiro mas não encontrei nenhum, provavelmente já haviam sido chutados para o chão no meio do meu sono agitado. Abri os olhos devagar, me acostumando com a claridade e constatei com um muxoxo que talvez todas aquelas doses de tequila na noite anterior tivessem sido uma má ideia. Meu estômago roncou quando me virei na cama, me fazendo lembrar com um segundo muxoxo que minha geladeira talvez estivesse mais vazia do que ele.

Me sentei na cama e abri os olhos, a claridade que havia me impedido de dormir era resultado de um dia muito bonito, o que era surpreendente depois das duas semanas de chuva e céu cinzento que tivemos. O aplicativo que mostra a previsão do tempo indicou que fazia dezessete graus lá fora, nada mal para o mês de maio. Pensei em voltar a dormir um pouco mais e estava colocando o celular em cima da minha mesa de cabeceira quando o aparelho vibrou:

“Oi, estamos chegando em meia hora.”

—Droga! - Pulei da cama, subitamente mais desperta.

“Estou saindo de casa, te encontro no lugar marcado.”

Cliquei em enviar e joguei o aparelho de volta em cima do meu edredom. Engoli um Paracetamol, tomei um banho rápido e peguei a mochila com minha máquina fotográfica. O parque ficava a apenas dois quarteirões de casa e eu apressei o passo para não me atrasar. Comprei um cachorro quente na primeira barraquinha em frente ao portão pelo qual entrei e comi minha primeira refeição do dia enquanto caminhava.

—Oi. - Cumprimentei ofegante.

—Eu falei que ela não estava saindo de casa. - Luna, minha melhor amiga, comentou com o marido.

—Eu dei o meu melhor, ok? - Dei um beijo em cada um e me abaixei para uma das minhas pessoas preferidas no mundo. - Hey gatinha! - Levantei a garotinha do chão e comecei a caminhar com ela para onde a luz estivesse melhor.

—Noite agitada?

Me virei para os dois, rindo e andando abraçados atrás de mim.

—Poderia ter sido melhor.

—Ela é exigente. - Nev comentou.

—É que ela tem muito material de comparação. - Luna respondeu com um olhar divertido na minha direção.

Eu ri da sua resposta e Izzie riu também no meu colo.

—Não estou negando nenhuma das afirmações, mas apenas a título de informação na noite passada eu estava em uma festa de aniversário.

Me virei novamente para frente e voltei minha atenção para o bebê no meu colo. Izzie era louca por mim e praticamente esquecia que tinha pais quando eu estava por perto. Caminhei prestando completa atenção em sua interação empolgada e um pouco confusa. Minha afilhada ia completar dois anos dentro de um mês e era mágico acompanhar o crescimento dela e, mais ainda, poder registrar isso tudo com o profissionalismo que ela merece.

Eu havia conhecido sua mãe aos dezoito anos, e foi com ela que eu descobri que nunca é tarde para fazer amigos de infância, porque essa era nossa definição mais precisa. Neville chegou na vida dela mais um menos um ano depois e os dois não se desgrudaram mais. Até mesmo para os meus padrões não românticos eles eram perfeitos um para o outro, e junto com a filha eram também uma família para mim.

Nev e Luna participaram de algumas fotos também, mas eles não eram o foco ali então aproveitaram o momento para ir tomar um café juntos e nos deixaram sozinhas. Esse tipo de ensaio normalmente me dava sono, mas aquela menininha deixava tudo especial e eu nunca perderia a chance de ser eu a registrar em imagens seu crescimento e desenvolvimento, pois enquanto ela brincava em frente à minha câmera eu me divertia tanto quanto ela. 

Quando os dois retornaram eu já havia terminado nossa sessão de fotos e estávamos brincando. Ela já estava suja de terra e suada, então em dez minutos de colo o cansaço levou a melhor e ela dormiu. Meus amigos não demoraram muito para se despedir depois disso e eu peguei o caminho contrário ao deles, em direção à saída que dava acesso à rua principal.

Era pouco mais de quatro da tarde, horário em que a luz natural ficava perfeita para fotos de paisagens. Não era comum que eu saísse de casa com meu equipamento profissional, então decidi esticar meu passeio e fazer alguns cliques espontâneos.

Uma das coisas mais interessantes em sair por aí com uma câmera tirando fotos aleatórias de pessoas e paisagens, é que isso dava a elas uma espontaneidade muito natural, quase como se as fotos estivessem se mexendo. Pedir para uma pessoa caminhar na sua direção enquanto posa para uma foto nunca será o mesmo que tirar uma foto de alguém que está andando sem esperar ser fotografado.

Abaixei a câmera e caminhei distraída pelo caminho entre as árvores enquanto passava as fotos que havia tirado apenas para ter uma ideia dos resultados. Me sentei em um banco numa parte mais deserta do parque e levantei a cabeça quando notei um movimento na diagonal, onde notei um homem sentado lendo jornal.

Eu não conseguia ver seu rosto, mas a pose me chamou a atenção: ele tinha as pernas cruzadas e eu conseguia ver a lateral de seu corpo mantendo a postura ereta, as mãos segurando as laterais do jornal como alguém que faz aquilo com frequência. Algo naquela postura transmitia bastante auto confiança, e isso atraiu meu olhar. O jeans escruto combinando com sapatos pretos e um blazer também escuro davam um contraste interessante com o verde das árvores, o cinza do jornal e o sol se pondo atrás dele.

Aproveitei sua distração e tirei algumas fotos, me perguntando como seria o rosto por trás daquele monte de papel. Provavelmente alguém mais velho, afinal quem hoje em dia lê jornal em um parque em pleno sábado às cinco da tarde? Eu certamente nunca seria encontrada numa situação daquela.

Abaixei a câmera, olhei as fotos que havia tirado, ajustei a luz e a levei novamente ao rosto, no exato momento em que cliquei, ele abaixou o jornal e encarou a lente apontada para o seu rosto.

Nossas sobrancelhas se arquearam ao mesmo tempo, a dele provavelmente porque era de fato esquisito estar sendo fotografado sem nem saber, a minha porque de mais velho ele não tinha nada, eu chutaria algo em torno da minha idade, talvez um ou dois anos a mais, mas principalmente porque rostos bonitos como aquele não eram assim tão comuns de se encontrar. Pelo menos não sem a ajuda do PhotoShop.

Abaixei a câmera e sorri para ele, o que aparentemente aumentou sua suspeita. Ele dobrou o jornal e cruzou os poucos metros até o meu banco.

—Com licença senhorita, eu pensei ter a impressão de que você estava tirando fotos de mim?

—E na verdade eu estava.

—Você está me seguindo ou espionando? - Ele perguntou desconfiado e confuso, como se aquela possibilidade não fizesse o menor sentido.

Eu ri, porque como eu poderia estar espionando alguém com uma câmera desse tamanho, se o objetivo de espionar era justamente manter a discrição?

—Não, eu sou fotógrafa e a luz estava muito bonita enquanto você lia o jornal, por isso tirei as fotos. Gostaria de vê-las?

Ele ainda não parecia muito certo do que estava acontecendo ali, mas acenou que sim e se sentou quando eu dei espaço para ele. Liguei novamente a câmera e vi que a última foto tirada era um clique perfeito de seu rosto na hora que abaixou o jornal, então propositalmente passei para a próxima e mostrei a ele apenas as imagens em que não poderia ser identificado.

—Parabéns, são fotos muito bonitas. - Ele falou já se levantando novamente.

—O modelo ajuda. - Sorri novamente em sua direção e notei que seu rosto ficou um pouco corado. - Posso mandá-las para você se quiser, é só me dar seu telefone.

—É muita gentileza sua, mas não é necessário, obrigado.

—Tudo bem, então posso não mandá-las para você, mas fique a vontade para me passar seu telefone mesmo assim se você quiser.

Ele me olhou confuso, como se não tivesse certeza se eu estava ou não falando sério, no fim franziu o cenho e ignorou meu pedido.

—Mais uma vez parabéns pelas fotos. Tenha uma boa tarde.

O observei se afastar até que ele não estivesse mais à vista e selecionei novamente a foto que não lhe mostrei. Um zoom em seu rosto me mostrou que era uma daquelas fotos raras, em que você tira uma só, por acidente, e ela fica perfeita. E como eu havia dito, o modelo ajuda.

Depois de jantar uma refeição decente, preparada com os itess que comprei no mercado a caminho de casa, me deitei de bruços na minha cama e passei para o meu computador as fotos que havia tirado.

Comecei pelas fotos da Izzie, que me fizeram sorrir como boba para a tela e foram fáceis de selecionar e corrigir, afinal até em baixa resolução aquela criança seria perfeita. As fotos aleatórias que tirei depois levaram mais tempo, mas no fim eu consegui algumas imagens muito boas. E por fim as fotos que tirei do cara bonito com hábitos entediantes.

Depois de ajustar a luz da foto em que seu rosto aparecia, o que eu poderia ter feito com a câmera se tivesse tido tempo, observei os detalhes da imagem com mais atenção. Os olhos muito verdes, o cabelo preto, a boca fina e o maxilar bem desenhado. Definitivamente eu não teria me importado nem um pouco de dar o meu telefone a ele se ele tivesse pedido.

Coincidentemente o meu telefone de fato tocou, e o nome na tela prendeu minha atenção: Michael Corner. Ele era empresário de uma modelo que fotografei alguns anos atrás no início da minha carreira e da dela também, e que hoje estava fazendo o maior sucesso. Michael era inglês, mas morava na Itália e vivia viajando por causa do trabalho, então as vezes a gente se divertia quando ele vinha para Londres e eu estava com tempo livre.

Eu já sabia o motivo da mensagem, que era na verdade o único motivo pelo qual a gente entrava em contato um com o outro, e na verdade veio num momento oportuno, um pouco de distração nunca é uma má ideia. Ele estava chegando no hotel com a modelo em questão e só teriam uma noite em Londres, ele queria saber se deveria pegar um quarto ou não.

“Preciso sair de casa amanhã as 10, se ok sair junto comigo não precisa.”

Ele me disse que tudo bem e que chegaria em mais ou menos uma hora, o que me dava tempo suficiente para terminar o que estava fazendo. Deixei o celular de lado na cama e voltei a me concentrar nas fotos do cara com o jornal, o contraste de cores havia realmente ficado ótimo. Quando todas já estavam retocadas e editadas, escolhi a minha preferida e postei na minha conta do Instagram.

Eu até poderia ter uma conta com meu nome real, que era o nome com que eu assinava meus trabalhos, mas o estilo de fotos que eu fazia profissionalmente e o que fazia por hobby eram tão diferentes que preferi criar uma conta em que eu não pudesse ser identificada. Era bom manter um pouco de suspense, e fazia um bem danado para o meu ego saber que os poucos milhares de seguidores que estavam ali sem ter ideia de quem eu era, se interessavam única e exclusivamente pela minha visão artística do cotidiano.

Me sobressaltei quando o interfone tocou, eu nem tinha visto a hora passar. Coloquei o computador e o celular em cima da escrivaninha no meu quarto e não preocupei em me vestir mais do que estava vestida, eu na verdade duvidava que a calcinha e camiseta que me cobriam iriam ficar muito mais tempo no lugar de qualquer forma.

—Hey Gin! - Michael me cumprimentou com um sorriso, os olhos descendo pelo meu corpo.

—Oi Mike.

Abri espaço para ele entrar e fechei a porta enquanto deixava a mochila sobre o sofá. Me encostei no balcão ao lado da entrada e o esperei tirar o casaco. Quando ele veio na minha direção novamente não houve mais nenhuma palavra trocada, apenas o beijo forte que me prendeu entre ele e o móvel onde eu me sentei para ele se acomodar entre as minhas pernas.

Não houve muita conversa, nunca havia na verdade, ambos sabíamos exatamente para que estávamos ali e as expectativas que tínhamos para a visita haviam sido atendidas com sucesso. A noite foi longa e divertida, e já passava muito das quatro da manhã quando vesti pela última vez a pouca roupa que usava quando ele chegou e caímos no sono.

Eu não estava verdadeiramente surpresa por ter acordado atrasada, mas saber da bronca que me aguardava quando eu chegasse tarde na casa dos meus pais me deixou irritada mesmo assim. Não precisei apressar meu hóspede porque ele era rápido o suficiente e já estava pronto me esperando quando abri a porta para sairmos de casa.

Nos despedimos com um beijo no rosto e ele saiu em direção ao ponto de táxi enquanto eu caminhava até meu carro. Para ajudar com a minha sorte, a rodovia de acesso ao meu destino estava em reforma e o trânsito estava péssimo, o que resultou em quase uma hora de atraso e uma Molly Weasley com a cara fechada.

—Oi mamãe. - A cumprimentei com um beijo no rosto que ela não retribuiu de bom grado.

—Dormiu fora de novo, Ginny?

—Não, dormi na minha casa.

Eu odiava esses comentários, e não apenas porque eram inconvenientes, mas porque demonstravam quanto meus pais tinham uma visão pouco agradável de mim. Minha mãe era a que expressava em palavras, mas eu sabia que ambos concordavam com todos os comentários que ela fazia. Cumprimentei meu pai também e fui até a sala deixar minha bolsa e o casaco.

—Poderia ter se esforçado para chegar no horário pelo menos uma vez então.

—A rodovia estava em reforma, peguei trânsito.

—Ron também pegou trânsito e chegou no horário, você poderia acordar mais cedo igual a ele.

—Poderia, mas não quis. - Eu juro que tentava ter paciência, mas as vezes era difícil, principalmente quando as comparações começavam.

Meu irmão e Hermione, sua namorada há apenas dois meses, estavam sentados no sofá e não disseram nada. Ela me deu um beijo no rosto e me cumprimentou com a simpatia de sempre.

—Ignora, você sabe que eles gostam de pegar no pé. - Ron falou apenas para mim quando me abaixei para cumprimentá-lo também.

—No meu pé você quer dizer, né?

Não demoramos para nos servir e sentar ao redor da mesa de jantar para o almoço, durante o qual meu pai passou o tempo todo falando sobre os desafios do cargo como conselheiro municipal da cidade onde moravam. Ele havia se aposentado como contador no ano anterior, mas não aguentou ficar em casa e arrumou essa ocupação voluntária sobre a qual ele aparentemente sempre teria algo a dizer.

—Você poderia se juntar a nós, Ginny. - Me convidou pela enésima vez.

—Estão precisando de uma fotógrafa? - Perguntei sem emoção, porque eu sabia as caras que eles fariam, mas isso pelo menos acabaria com o assunto.

Durante a sobremesa o assunto mudou para o novo trabalho do meu irmão, que havia recentemente recebido uma promoção na loja de departamento onde trabalhava e agora era gerente de marketing. Nossos pais não poderiam estar mais orgulhosos dele, e o assunto novamente se estendeu.

A noite pouco dormida associada a todos os detalhes que minha mãe queria saber sobre o trabalho chato do Ron estavam dificultando minha missão de ficar acordada, e no fim acabei desistindo de lutar.

—Vou me deitar no meu quarto um pouco. - Me levantei quando o assunto deu uma trégua, deixei meu prato na pia e saí em direção às escadas.

—Essa menina não tem jeito. - Ouvi minha mãe comentar.

—Deixa ela mãe, qual o problema? Agora vocês implicam até porque ela está com sono? - Ouvi quando o Ron interveio, mas a distância já não me deixou ouvir se a conversa continuou.

Fechei a porta quando entrei no cômodo de destino e me deitei sobre o lençol lilás do meu quarto que ainda tinha o mesmo papel de parede de flores, escolhido por mim quando eu tinha onze anos. Relaxei sobre o colchão, sentindo todos os músculos doloridos do meu corpo, resultado de uma noite mal dormida e bem aproveitada, e caí no sono poucos minutos depois.


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Notas finais do capítulo

Pra quem já está aqui há algum tempo, essa história foi pensada enquanto eu ainda estava escrevendo Déjà Vu, há muuuito tempo.
É um pouquinho diferente dos personagens que já criei até hoje e dessa vez eu resolvi explorar forte o lado alternativo desse universo.
Se você leu até aqui não custa nada deixar um comentário e me falar o que está achando.
Beijos e vejo vocês em duas semanas.