Presos Por Um Olhar escrita por Carol McGarrett


Capítulo 60
O Último Dia de Olivia


Notas iniciais do capítulo

Bem... e a vistinha de Liv à tia e ao tio vai chegando ao fim. Se preparem para conhecer um dos pontos mais interessantes de Los Angeles!
O capítulo está imenso, sei que tem gente que não curte, mas não tinha como eu dividi-lo.
Boa leitura!



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Abri os olhos e só pude culpar o livro que lia antes de dormir pelas coincidências do meu sonho.

Ou talvez, nem isso. Afinal, esse não era o primeiro sonho que tinha que envolvia Alex e a mim um passado distante. E, ainda deitada me lembrei da primeira vez em que conversei com Alex. Eu tinha tido uma “visão” dele uniformizado.

Mutta onko se mahdollista?[1]

Ia me levantar, mas Alex ainda dormia me usando de travesseiro e o despertador não tinha tocado, decidi por fazer um pouco de hora e comecei a pensar no sonho. Na verdade, em todos eles.

E acabei por tirar uma conclusão muito estranha, além de nunca termos tido o nosso final feliz, nós nos encontrávamos de tempos em tempos, quase com uma diferença de cem anos e nunca no mesmo lugar.

— Pelo visto eu sei como esse vai terminar... – Murmurei.

Alex se remexeu e começou a acordar. Quando, enfim, estava desperto o suficiente para saber onde estava, se apoiou em um cotovelo e me olhou.

— Bom dia, Kat!

— Bom dia, Surfista Dorminhoco! – Brinquei com ele, que ficou todo sem graça.

— Eu prometi que ia te esperar, né?

Comecei a rir.

— Vou dar um desconto porque você gastou muita energia gritando durante o jogo.

Ele se sentou na cama e fez a mais estranha das perguntas:

— Eu por acaso falei muita besteira?

— Por besteira você quer dizer: xingar a mãe do juiz e mais algumas coisinhas nesse nível? – Perguntei.

E eu vi Alex ficar muito sem graça.

— Sim, você falou. Mas acho que ninguém ouviu. Todos estavam xingando.

— Olívia não tinha que ter escutado isso.

Encarei Alex.

— Hei, ela nem prestou atenção. Com seu pai explicando o jogo e todo o barulho da torcida, não tinha como ela prestar atenção no que você falava. – Garanti e aproveitei que ele ainda se lamentava para me levantar.

— Vai aonde? – Ele me perguntou.

— Você, creio que vai surfar com Will e Pepper, e eu vou correr em casa hoje. Chega de paparazzi na minha cola e na de Olivia.

— É... Will não desmarcou. Se você quiser, eu fico...

— Hei... vai lá encarar a água fria por mim! – Falei e dei uma piscadinha.

Alex se levantou e começou a procurar algo nas gavetas.

— O que foi agora?

— Meu macacão de Neoprene.

— Na lavanderia. Não sabia onde guardava aquilo... – Falei e ele saiu correndo do quarto atrás da coisa.

Aproveitei que ele tinha saído para tirar os lençóis, trocá-los e arrumar a cama toda.

Desci, e ele estava lá, escorado na bancada da cozinha, tomando uma xícara de café.

— Mais roupa suja? – Indagou.

— Todo dia tem mais... essas coisas se multiplicam. Além do mais, tem as de Olivia. Ela tem que levar de volta.

Alex não demorou muito e logo foi surfar com o irmão. Deixei minha sobrinha dormindo até mais tarde e fui para a academia.

Acabei de correr, tomei um banho, me arrumei, fiz o café e subi para acordar Liv

E só para variar, ela dormia abraçada a Stark, com Thor esparramado e roncando aos pés dela.

Hei, pikkuinen, hyvää huomenta![2]— Chamei calmamente.

Ela se revirou na cama e enterrou o rosto no travesseiro. Tornei a chamá-la.

Olen uninen[3].

Tiedän. Mutta on aika nousta[4].

E minha sobrinha se espreguiçou para então se sentar na cama.

— Hyvää huomenta! Eu vou sentir falta de dormir com os cachorros em volta de mim.

— E eles vão sentir falta da sua cama.

— Estou te atrasando muito? – Me perguntou assim que ficou de pé. – Meu Deus! Meu cabelo! Stark você babou em cima do meu cabelo?

E o pitbull, esperto como só, se espreguiçou e saiu do quarto.

— Não estamos atrasadas. Vai dar tempo de lavar esse cabelo aí.

Liv pegou uma mexa do cabelo e fez uma careta.

— É por isso que não tem cachorro na sua cama, né?

Só meneei a cabeça e enquanto Liv tomava banho, troquei a roupa de cama e fui terminar de fazer o nosso almoço.

Alex chegou bem a tempo do café. E nem se dignou a tomar banho antes de se sentar à mesa.

— Pelo visto a água estava gelada de novo. – Murmurei vendo a cor de seus lábios.

— Muito. Não sei o que está acontecendo nesse ano.

— Será que é porque estamos quase em novembro e isso significa que é metade do outono?

— No ano passado não estava fria assim.

— Culpe o aquecimento global. – Falei enquanto guardava o que não iria precisar para o almoço.

Alex parou atrás de mim e começou a observar o que eu tinha feito.

— Semana que vem você vai ter que voltar a fazer isso para mim...

— Vou?!

— Sim... vou trabalhar a semana toda. E você vai colocar bilhetinho, não vai?

— Você vai trabalhar ou vai para o jardim de infância? – Questionei.

— Trabalhar. E eu tenho hora para começar, já para sair.

— Diferentemente de algumas pessoas que eu conheço, eu vou te esperar acordada. Tenho que começar a fazer um planejamento melhor da minha vida aqui.

— Sua conversa com Olivia vai dar resultados? – Me indagou depois que fez uma xícara de café.

— Sim. Ela está certa, Alex. Eu tenho que dar um jeito de ir à Europa, nem que seja uma vez por mês. Chamadas de vídeo não resolvem o problema.

— Se você não se importar, podemos fazer o cronograma dessas viagens juntos.

— Não me importo. E será até bom. Você tem que se acostumar com a minha família também.

— Um final de semana já não é suficiente? – Ele fez piada.

— Com a família que tenho? Jamais. – Garanti.

Com pouco, Liv entrou na cozinha, já toda arrumada e procurando por Stark.

 - Hyvää huomenta, setä! — Liv o cumprimentou Alex. – Cadê o babão do Stark?

— Babão?

— Sim, setä. Ele babou no meu cabelo todo.

Alex olhou bem para ela.

— Viu o porquê não gosto que cachorro fique em cima da cama.

Liv se jogou na cadeira e começou a comer.

— Pelo menos aqui tem cachorro. E um monte, né?

— Vocês não têm?

— Não. Minha mãe disse que é um trabalho do qual ela não precisa. E eu até entendo isso.

— Bem, se sua mãe, vetou. Não tem como você aparecer com um filhote em Londres, dizendo que foi um presente.

Dei um pisão no pé dele. Olha as ideias sem nexo algum que ele tinha.

— Não, setä, não tem. Mas obrigada por tentar me dar um. – Disse sorrindo. – Eu posso adotar um desses aqui como meu.

— O Stark! – Falei rápido.

— O Thor! – Alex falou ao mesmo tempo.

— Então eu adoto o Stark e o Thor. – Liv disse dando de ombros.

— Agora eu perdi o cachorro de vez. – Alex murmurou.

— Dramático. – Dei um tapa na cabeça dele. – Bem, Olivia, acelera isso aí porque já estamos atrasadas.

— Mas vai trabalhar até no seu último dia aqui?

— Eu vou, setä. Vê se eu ganho um dinheiro extra, sabe como é...

— Você está trabalhando porque quer. Eu não vou te pagar. – Falei.

— Credo, täti... só estava tentando descolar uma graninha.

— Sei... graninha. Anda, vai pegar as suas coisas e terminar de se arrumar. Te encontro no carro. – Comecei a empurrar a menina escada acima. – E como eu fiz o café da manhã, Alexander, você arruma a cozinha.

— SOZINHO!? – Ele reclamou.

— Ninguém mandou ir surfar e me deixar com a cozinha mais cedo.

Com pouco estava batendo o pé, esperando Olivia dar o ar da graça.

— Mas eu vou ter que puxar essa garota pela orelha?!

— Olha se não Amelia Pierce falando... – Alex riu da minha cara.

— E você não comece. – Avisei.

Minha sobrinha testou a minha paciência até o último segundo, levando mais tempo do que deveria para aparecer na garagem e entrar no carro e antes de fechar a porta, se despediu de Alex normalmente.

Encarei a menina.

— Que? – Ela disse irritada diante do meu olhar.

— Sua demora...

— Ah... isso! Bem, mensagem da mamãe, da vovó e até da Dona Amelia. – Ela mentiu descaradamente.

— A verdade, Olivia.

— Credo, täti, como você sabe que eu estava mentindo?

— Eu te conheço. – Disse simplesmente.

— Tá, admito. Pietra estava me perguntando que horas vamos decolar daqui.

Tive que rir.

— Pietra está tentando encenar uma coincidência dentro de um aeroporto?!

— Sim.

— Coitada dela. Eu não vou esperar pelo avião da Alitalia aterrissar, e eu duvido que cheguem no horário. Nunca decolam no horário em Roma...

— Falei isso para ela, mas a Italiana Louca está decidida.

— Sei... e Melissa e Vic.

Liv fez um beicinho.

— Elas estão certas de que vão “acidentalmente” trombar em nós no aeroporto.

— No dia que Melissa estiver 100% certa sobre qualquer outro fator que não envolva estratégia de corrida, eu mudo o meu nome.

— E qual vai ser? Suzanna?

Dei uma olhada para Liv que ria da minha cara.

— A cada dia eu vejo que você puxou mais A Cobra do que a mim.

Liv deu um pulo no banco do carro.

TÄTI!! Por que diz isso? Tá querendo que eu não volte mais aqui?

— Vejo que a carapuça serviu.

E a menina fez uma careta.

— Eu não sou sobrinha d’Aquilo!

— Ah, é sim... vocês compartilham a mesma cor de olhos.... – Provoquei.

Olivia ficou sem palavras até que achou a retórica perfeita.

— Tenho os olhos azuis da minha avó! Não é minha culpa se a outra filha dela também herdou isso. E a senhora teria também, se não resolvesse ser albina e sair com esses olhos aí. Porque todo mundo sabe, olhos na cor lilás não existem, é consequência de albinismo. – Disse certeira.

— Mas a inveja é tanta... – Murmurei e manobrei o carro para entrar no estacionamento da empresa.

— Quem? Eu? Haha! E desde quando eu quero ser a branquela da família?

— Creio que você não quer ser a Branquela. Até porque já é a Loira Aguada. Nem dourado, nem loiro o seu cabelo é. – Provoquei a menina.

— Tá ofendendo o meu cabelo... deixa só eu ter idade para pintar! – Disse toda confiante.

— Vai correr do salão como sempre correu. Você tem medo de cabeleireiro desde bebê.

— Tudo bem... depois dessa, a senhora ganhou. Não brinco nunca mais com o seu albinismo localizado. – Murmurou infeliz.

— Não fica assim. Não tem como imitar a cor do seu cabelo mesmo. Isso é só seu. Agora ao trabalho!

Liv correu até a minha mesa para pegar a minha agenda e confirmar com a que Milena deixa em cima da mesa dela.

— Tudo confirmado para hoje, inclusive... a senhora tem uma reunião com o Matti hoje?! – Perguntou espantada.

— Tenho. É toda quinta, mas como amanhã não estarei aqui, adiantei para hoje.

— Deveria ter perguntado para o setä ou para a Dona Amelia se eles queriam companhia para hoje...  

— Você não precisa estar na sala. Pode ficar lá fora ajudando Milena. Não deve ser uma reunião demorada.

— Tudo bem... mas se, por acaso, alguém brotar por aqui, pode estar certa, eu saio com eles sem nem dizer tchau!

— Exagerada.

A manhã seguiu relativamente tranquila e quando o meio-dia foi se aproximando, o humor de Olivia mudou radicalmente, da falante pré-adolescente para uma carinha taciturna e um mau humor que não era normal.

— Você quer que eu ligue para o Alex vir te pegar e te levar para algum lugar? – Perguntei quando ela, pela milésima vez tirou o celular do bolso do vestido e suspirou ao ver a hora.

— E deixar a senhora sozinha para enfrentar o Bicho Papão?

— Eu faço isso toda a semana, Olivia.

— E todo mundo sabe que na semana passada acabou em briga e na senhora passando mal.

Encarei minha sobrinha.

— O setä conversou com a isoäiti, e eu escutei. Ele tava super preocupado com a senhora e pediu ajuda. – Ela deu de ombros.

— Tudo bem. Você escolhe. Alex está curtindo os últimos dias de vida boa. Se você quiser ir embora, me avise que ligo para ele. Agora, se você quiser ficar no prédio, pode ficar lá fora, ajudando Milena e Amanda.

Liv deu de ombros e pegou o livro para terminar. A menina era tão devoradora de livros quanto eu.

Quando ela me viu arrumando a mesa de conferência, fez uma careta e, praticamente se arrastando, se levantou do sofá e avisou que estava saindo da sala.

— Vou aproveitar e pedir alguma coisa para comer, a senhora quer?

— Por favor, pode pegar o cartão ali na bolsa.

Ela fez o que falei e antes que desse meio-dia em ponto, fechou a porta, dizendo:

— A senhora realmente merece que todos te respeitem nesse prédio, porque ter que encarar a pessoa que te mandou para longe da família toda semana deve ser difícil.

Liv fechou a porta e a câmera foi ligada na sala de conferências de Londres e logo Matti ficou visível.

— Boa tarde, senhor. – Cumprimentei-o.

— Boa tarde, Katerina. – Disse polido e eu estranhei a educação dele, afinal, nas últimas semanas ele só estava sendo cínico comigo. – Temos muito o que conversar sobre o escritório e a parte financeira, mas antes, gostaria de saber sobre a minha bisneta.

— Olivia está passando uns dias em Los Angeles comigo.

— Sim, eu sei. Ela fez uma boa viagem? Chegou bem?

Agora eu estava além de abobada com a preocupação dele.

— Olivia está bem. Aproveitando o recesso.

— Fico feliz em saber disso. Ela não veio se despedir de mim antes de viajar.

Me fiz de boba, como se não soubesse do que tinha acontecido.

— É mesmo?

— Sim. Sabe se ela vai querer que mande o jato para buscá-la?

— Não será necessário. Ela vai voltar com o Ian. Vamos levá-la do Grande Prêmio dos EUA.

E aqui ele ficou calado. Creio que pensando que, em outros tempos, ele estaria incluído nos planos de ir ao autódromo.

— Certo. Mesmo assim, se ela ou Ian mudarem de ideia, diga que o jato está à disposição.

— Passarei o recado.

— Para você também. Quando quiser vir à Inglaterra para ver seus pais, pode pedir o jato também.

— Não preciso. Posso pagar a passagem. – Falei para encerrar o assunto.

— Se mudar de ideia, é só falar. Então, vamos passar para a pauta do dia.

— Sim, senhor. Como pode ver, tivemos um aumento na folha de pagamento.

— Pelo que entendi, isso foi uma equiparação salarial que você instituiu. Posso saber o motivo?

— Empregados imigrantes ganhavam bem menos do que os americanos. Descobri por acaso e pedi que o financeiro me passasse as fichas de todos os imigrantes. Vendo a disparidade, autorizei pagarem a equiparação e os retroativos.

— Fez bem, contudo, nas minhas informações constam que já havia essa equiparação.

— Fiquei sabendo disso na segunda-feira. Não tenho as provas, estou apurando tudo, porém, a ideia que temos é a de que Mancini desviava esses valores para proveito próprio.

— E quando você acha que terá as provas?

— O financeiro me garantiu que vai apurar tudo até no final da próxima semana. Por isso, gostaria de deixar registrado que, assim que eu ler e entender o que aconteceu, pedirei uma reunião extraordinária.

— Justo. Já está anotado. Terminaremos essa questão quando tiver as provas e, gostaria que o jurídico desse escritório participasse da reunião. Medidas legais deverão ser tomadas contra Mancini se o desvio ficar provado.

— Eles estarão aqui, senhor.

— Agora, sobre a sua carta de clientes, vejo que fez um bom trabalho no último mês. Um escritório que já tinha uma das maiores cartas teve um aumento de 25%. Isso incluindo clientes dos EUA e também da América Latina. Sem contar os que são seus clientes pessoais e você levou para a América.

— Sim, tivemos um aumento dos parceiros, e não perdemos a qualidade dos serviços, esse foi um dos motivos que nos escolheram.

E Matti começou a discorrer sobre alguns dos clientes. Eram empresas poderosas que se conquistássemos de vez, trariam enormes lucros.

— Tem uma cláusula bem interessante em alguns contratos. – Ele disse por fim.

Eu sabia de qual cláusula ele falava. Uma que eu implementei para me assegurar em meu emprego, ou, em caso de uma possível demissão, resguardar um salário no futuro.

— Sim. – Confirmei.

— Foi imposição sua ou solicitação dos clientes.

— Eu dei opções, com ou sem essa cláusula. Noventa por cento dos novos parceiros achou prudente mantê-la no contrato.

Ele tornou a olhar os nomes das empresas.

— Justo. Eles se garantem contratualmente e, caso algo aconteça com as cargas, você se torna a responsável exclusiva para resolver o problema. – Ele olhou para o lado ruim da cláusula.

— Exatamente. Eles querem um contato direto em caso de problemas ou até mesmo atrás de uma solução rápida para alguma carga especial.

— Claro. Isso já era algo que você fazia com frequência enquanto ainda estava aqui em Londres.

E ele fez uma pausa para ler o restante dos documentos e eu fiquei encarando a tela na minha frente, tentando entender de onde tinha surgido tanta cordialidade. Por fim, Matti pareceu aprovar o que lia.

— Muito bem. O Escritório do Pacífico é o mais trouxe lucros nos últimos trinta dias. Um excelente trabalho de todos vocês. Tanto dentro do prédio quanto na administração das docas e dos problemas que surgiram nos portos e aeroportos. Não tivemos nenhuma reclamação e os atrasos do início do mês foram corrigidos e explicados a tempo. Além de manterem os clientes, angariaram ainda mais. Parabéns, Katerina. Está administrando muito bem o Escritório como um todo. Isso não me surpreende, porém mostra que você sabe o que faz. Fico no aguardo do seu telefonema para marcarmos a reunião sobre Mancini. No mais encerro a reunião aqui.

— Muito obrigada, senhor. Terá notícias do Caso Mancini assim que eu for atualizada. Tenha uma boa noite. – Falei e ia desligando quando Matti me impediu.

— Antes que você encerre a transmissão, seria possível conversar com Olivia? Tem mais de quatro semanas que eu não a vejo.

Sabendo que Liv não queria conversar com ele, tive que improvisar uma saída.

— Olivia está ajudando no escritório, se ela estiver na antessala, vou chamá-la.

— Ela está te ajudando? – Veio a pergunta em tom de surpresa.

Interrompi meu movimento e encarei a tela.

— Sim. Isso não é novidade, creio que ela faz isso em Londres.

— Olivia não aparece no escritório há um mês. Mandou um e-mail dizendo que não seria mais a trainee.

— Não sabia disso. – Menti descaradamente. – Aguarde um minuto que eu vou ver se ela está por perto. – Me levantei e saindo da frente da câmera, mandei uma mensagem para Liv.

Seu bisavô quer te ver.

Eu estou na sala de Milena. Não vou vê-lo.

Abri a porta e Liv estava com algumas pastas de relatórios de entregas e encomendas nas mãos. Quando ela levantou a cabeça, eu apontei para a sala.

— Não, täti. Eu não vou conversar com ele. Por favor, não me obrigue.

— Tudo bem.

Fechei a porta e antes mesmo de ficar na frente da câmera, já fui avisando.

— Senhor, infelizmente Liv está andando entregando alguns relatórios e pegando outros tantos. Não sei exatamente onde ela está.

— Compreendo. Mesmo assim, obrigado. Diga a ela que mandei um beijo.

— Vou dizer. Tenha uma boa noite.

— E vocês se divirtam em Austin. – Ele terminou e antes que Matti desligasse pude notar seu semblante triste.

— Agora é tarde para se arrepender. – Murmurei assim que desliguei o vídeo e o microfone. E pude constatar que essa fora a primeira reunião que tive com o Todo Poderoso CEO em que não terminei tremendo ou passando mal.

Mais ou menos cinco minutos depois da reunião acabar, Liv colocou a cabeça para dentro de minha sala, se certificando se era seguro entrar.

— Já está tudo acabado? – Perguntou.

— Sim.

— Ótimo, pois nosso almoço chegou! – Ela disse alegre.

— Isso é bom. Estou morrendo de fome. Pediu de onde?

— Não pedi. Vieram trazer. – Liv disse com um sorriso e abriu a porta totalmente e logo depois dela, Alex, com três pacotes de papel e uma bolsa precariamente dependurada no braço, entrou dizendo:

— Já que Maomé não vai à montanha. A montanha veio à Maomé.

— É, eu estou vendo, mas de onde você tirou essa ideia? – Perguntei quando fui ajudá-lo.

— Do fato de que você não anda almoçando, nem comendo direito. Você acha que eu não vi, mas a senhorita anda colocando cinto em quase todas as suas roupas. – Falou certeiro.

— Não vou confirmar nem negar essa informação. Mas o que tem aí? – Desconversei.

Alex, então, colocou os embrulhos em cima da mesa, e eu pude ver o que era.

— Comida brasileira?

Liv deu pulinhos de alegria.

— Espero que tenha trazido a sobremesa certa!

— E qual seria?

— Ora, setä, brigadeiro!

Alex tirou uma vasilha e abriu. O cheiro do doce tomou conta da sala.

— Você não está falando disso, está? – Mostrou para ela.

Liv tentou roubar um, Alex tirou do alcance dela e sem perceber colocou à distância de um braço de mim. Não pensei duas vezes e peguei um docinho.

— É, esse aqui é um dos melhores que já comi. – Falei.

Täti!

— Loira!

— Isso é para a sobremesa! – Os dois reclamaram.

— Quem foi que inventou que a sobremesa vem depois do almoço? Eu nunca concordei com isso! – Comentei e acabei de comer om doce.

— É claro que não concorda. É uma formiga doceira! – Alex disse. – Anda, vamos comer antes que esfrie.

E nos sentamos em volta da mesa para comer. Alex só nos atualizou sobre os últimos pontos do roteiro antes que fôssemos para Austin.

— Vai dar para ir ao Letreiro de Hollywood? – Olivia se empolgou.

— Como nosso voo só decola ao meio-dia, se levantarmos cedo, dá tempo de ir até lá e ainda tomar café na Dottie.

Täti, por favor, não esquece a câmera amanhã!! – Ela praticamente implorou.

— Vou colocar para carregar. – Afirmei.

— E hoje? – Liv quis saber, estava tão animada que tinha esquecido de comer.

— Isso é surpresa. Mas vocês duas têm que me prometer que sairão daqui até às 16:30.

E dois pares de olhos azuis me encararam.

— Tudo bem. Não tenho muito mais o que fazer. Só conversar com Milena sobre amanhã e sexta-feira. Assim que ajeitarmos tudo, poderemos ir.

— Vou marcar no relógio. – Alex me desafiou.

— Vai perder mais uma. – Garanti. – Agora se me der licença... peguei a caixa com os brigadeiros.

— Hei! Eu também quero! – Olivia chiou.

— Tem para as duas. Comprei o suficiente para que as duas elevassem os níveis de açúcar. – Alex garantiu. E ele mesmo não comeu.

— Não gosta de brigadeiro? – Perguntei oferecendo um.

— Mais ou menos. Acho doce demais. – Respondeu, porém, mordeu o que estava na minha mão. A essa altura, estávamos sentados no sofá, eu escorada nele, segurando a caixinha com o que tinha sobrado dos doces, Liv, tinha se deitado com a cabeça no meu colo e tentava terminar de ler o livro dela, só que a cada dez segundos ela dava um bocejo.

— Brasileiros não fazem siesta. – Falei dando um tapinha na testa dela.

— Nem finlandeses. Queria ser espanhola agora... só para ter uma desculpa para dormir. – Terminou com outro bocejo. – Desculpem.

— Te dou vinte minutos. – Disse conferindo o relógio. – É o tempo em que Milena e Amanda chegam do almoço. E a garota nem se fez de rogada, fechou o livro, me entregou e, como já estava sem os sapatos, só se virou de lado no sofá.

— Dorme em... – Alex apostou.

 - Nem dois minutos. – Respondi e me ajeitei no ombro dele.

— Vai dar uma de espanhola também? – Ele perguntou dando um peteleco no meu nariz.

— Não. Só aproveitando o meu travesseiro mesmo. Não tenho muito disso durante o dia e nos próximos quatro será ainda mais difícil.

— Falando em difícil. Como foi hoje? A reunião?

— A mais estranha até aqui. – Diminuí o tom de voz, pois Olivia já dava sinais de que estava praticamente dormindo.

— Explique.

— Não teve nenhuma piadinha sobre nós. Não teve nenhuma tirada cínica ou ameaça ao meu cargo. Ele me elogiou e manteve um tom completamente formal.

Senti Alex ficar tenso do meu lado.

— Eu sei... também desconfiei. Não sei se foi tudo muito bem pensado para me enganar ou se era verdade, mas não acreditei.

— Mais alguma coisa?

— Elogiou o escritório como um todo, e disse que eu estou administrando tudo muito bem.

— E?

— Quis falar com ela. – Apontei para minha sobrinha que ressonava.

— E Liv?

— Não conversou com ele. Me pediu para inventar uma história qualquer.

— E ele acreditou?

— Se acreditou ou não, não sei te dizer. Contudo, não insistiu e ficou surpreso quando falei que ela estava me ajudando aqui. Não sei se estou imaginando coisas, mas creio que agora ele realmente está vendo que está sozinho. Que perdeu a família.

— Antes tarde do que nunca.

— Não tem perdão o que ele fez, Alex. – Constatei.

— Qual parte? Seu casamento arranjado ou ele ter te mandado para cá? Porque se for a segunda, eu sou bem capaz de perdoá-lo, pois se não fosse isso, eu não teria te conhecido e não teria três sobrinhos.

— Bem... eu não sou esse ser evoluído como você é. E, apesar de ser grata, muito grata, por ter te conhecido e por você ter aceitado entrar de cabeça nessa bagunça que é a minha vida e minha família, eu ainda não sou capaz de perdoar ninguém.

— Não vou discordar de você. Você passou por muita coisa. – Ele me abraçou. – Só uma última pergunta e eu encerro esse assunto.

— Que é?

— Como você sabe que Matti se vê sozinho agora?

— Ele nos desejou um ótimo final de semana em Austin. Ele sabe que vamos para lá. E ele não vai. Não foi convidado.

— Normalmente...

— Vai todo mundo. Meus avós, meus pais, irmãos, sobrinhos, cunhadas...

— Mas seu avô George não vem.

— Ele não é muito fã de deixar a Europa e viajar por mais de cinco horas dentro de um avião. Por isso nem chamei. Mas se fosse um Grande Prêmio na Europa, ele não perdia de jeito nenhum.

— Bem, você conhece Matti melhor do que muita gente.

— Correção, eu achava que conhecia. – Cortei-o.

— Estou tentando falar que você deve ter razão. Agora temos que ver se ele será homem de pedir perdão.

— Eu já disse...

— Loira... ainda está recente. Quem sabe um dia, quando tudo for só uma lembrança, você não vai perdoá-lo?

— Não sou esse poço de compaixão que você acha que sou, Alex. Não adianta.

— Vamos dar tempo ao tempo, sim?

— Se você insiste.

Alex me abraçou ainda mais forte.

— Agora dá uma relaxada. Daqui a pouco te chamo.

Eu não dormi. Mas fiquei bem quietinha ali, por mais uns quinze minutos, escorada em Alex e comendo um brigadeiro ocasionalmente.

— Liv vai procurar pelo doce quando acordar.

— Problema é dela, ninguém mandou dormir. – Falei, mas fechei a caixinha, ainda tinha três lá dentro.

— Molenga. – Alex brincou depois do meu gesto.

— Não, consciência pesada. – Corrigi. – Um dia você vai saber o que é isso.

— Nunca tive com Will.

— Eu também nunca tive com o Kim ou com o Ian, nem com Tanya ou Vic. Mas um dia comi o resto de um pote de sorvete que estava na geladeira, tinha tido um dia de cão e estava de TPM, tudo o que eu queria era açúcar, aí avancei no pote, sem pensar de quem era. No outro dia, depois do almoço, Tuomas que estava com uns sete anos, correu para a geladeira e abriu o freezer atrás do bendito, quando não achou, ficou todo tristinho. E eu me senti a pior pessoa do mundo, vendo aquele garotinho querendo algo que não tinha mais, porque eu havia comido tudo. Minha percepção mudou depois desse dia, então eu sempre deixo o suficiente para que os três comam.

— É, eu acho que eu também não aguentaria ver uma criança querer comer algo que não tem mais por que eu comi... consigo te entender. E antes que vocês fiquem mais à vontade. Faltam três minutos para a dupla da antessala chegar.

— Se eu pudesse ficava aqui o resto da tarde. – Comentei antes de acordar Olivia. – Está tão bom.

— Estamos precisando ficar à toa assim em casa. – Alex comentou.

— Um dia a gente consegue, nem que para isso teremos que desligar interfone, telefones e internet. – Falei e parti para acordar minha sobrinha.

— Mas já deu vinte minutos? – Ela perguntou ao se sentar.

— Sim, infelizmente. – Confirmei.

— Infelizmente mesmo, porque eu estava até sonhando. – Disse com um muxoxo ao se levantar.

Acompanhamos o movimento dela e fomos organizar os recipientes, dividindo entre quais eram para reciclagem e quais não. Com tudo já arrumado, Alex perguntou para Liv, que ainda estava um tanto sonolenta.

— Quer ir embora comigo, Liv?

— Não, setä, obrigada. Mas eu prometi para Milena que iria organizar o arquivo de fornecedores antes de ir embora. E ela está contanto com isso.

— Tudo bem. Então vocês duas, às 16:30 em casa. Sem atrasos. – Ele falou ao se despedir.

— Sem atrasos, Surfista e você aproveite que vai estar sozinho, e arrume a sua mala para o final de semana.

— Eu não, preciso saber o que tenho que levar para isso. Nunca fui a um Grande Prêmio. – Respondeu sem vergonha nenhuma.

Nos despedimos na sala e ele conseguiu ir embora antes que Milena e Amanda chegassem.

Olivia finalmente acordou e foi arrumar o arquivo, enquanto eu fui terminar o meu serviço do dia e adiantar o máximo que pude para os próximos dias.

Antes de ir embora, chamei Milena e nós duas acertamos como o escritório ficaria na minha ausência. Ela só me ligaria em caso de extrema necessidade. E como Londres já parecia saber da minha folga, nós duas tínhamos quase certeza de que nada de anormal aconteceria.

Acabei saindo ainda mais cedo do trabalho, e às 15:30, estava guardando o carro na garagem, para surpresa de Alex.

— Chegaram uma hora mais cedo! – Ele disse ao se levantar do chão da garagem onde ele arrumava uma velha moto de motocross.

— Eu disse que você perderia mais uma aposta. – Dei um beijo nele. – E o que você está fazendo aí? – Apontei para a moto.

— Matt pediu uma mãozinha.

— E você não parece muito certo sobre o que está fazendo. – Comentei e Liv logo veio borboletar para ver o que o tio estava fazendo.

— Estou mais ou menos certo.

— Mas não está mesmo! – Garanti. – Esse motor está bom. O que não está bom é a mangueira de combustível. – Apontei para dita cuja. – Está entupida e por isso ele está perdendo potência.

— É toda sua. – Alex me entregou.

— Não, senhor. Não vou sujar a minha roupa de graxa e nem estragar a minha unha. Se Matt não estiver com pressa, posso até fazer isso na semana que vem.

— Ele não está. E você vai poder arrumar.

— Deixe do jeito que está. Vai ser mais fácil comprar outra mangueira do que desentupir essa. Agora, faça o favor de tomar um banho que eu vou arrumar a sua mala. Olivia, adiante a sua. – Ordenei.

Liv saiu correndo para a porta e Alex me encarava.

— É mecânica também?

— Não. Sei algumas coisas básicas. Meu pai me ensinou para que eu não ficasse dependendo de ninguém, caso algo acontecesse com meu carro. Isso aí é coisa simples, que nós sempre fizemos. – Apontei com a cabeça para a moto. – Eu te disse, temos as nossas.

— Eu vou comentar com o Matt que foi você quem arrumou.

— Fica quieto... – Pedi.

— Por quê? Você sabe fazer algo que ele não sabe, por que eu não contaria?

— Porque você não quer contar só por contar. Você quer mostrar para a sua turma que, apesar de eu não entender uma vírgula sobre surf, eu não só entendo, como sei arrumar motos de motocross.

Alex ficou calado.

— Por favor, não faça isso. Agradeço que você esteja querendo que eu entenda o seu mundo e seus amigos, mas não acho que vamos nos dar bem se você “forçar a barra”. Um dia a gente se entende. – Garanti.

— No dia que você aparecer com a sua moto adulterada e ganhar de todo mundo.

— Bem... se as regras das suas disputas não falarem nada sobre motor original e adulterado, quem sabe...

— Isso não vai acabar bem.

Comecei a rir.

— Então não tente entrar em uma disputa com meus irmãos e comigo... nós nunca temos regras.

— Lembre-me disso mais para frente.

— Amanhã na hora que aterrissarmos no Texas eu torno a falar. Agora, Sr. Mecânico Fajuto, para o banho que eu vou socorrer a pré-adolescente que está faltando pouco morrer de desespero lá em cima! – Me virei e subi correndo a escada, só para Alex me ultrapassar no meio do caminho e ainda rir da minha cara.

— Creio que você corre tão rápido quanto o piloto para quem torce. Muito provavelmente vou ter que torcer para o mesmo piloto que Tuomas e Kim.

E foi por muito pouco que eu não arremessei o meu celular na carinha linda dele antes de entrar no quarto de Liv e quase ser engolida por um mar de roupas.

— Mas o que aconteceu aqui?

E a garota que estava no meio do cômodo, só jogou as mãos para cima e falou:

— A minha amada malinha estourou!!! Pareceu o motor da Honda nos carros da McLaren!

— Como foi que você conseguiu estourar uma mala? – Perguntei incrédula.

Minha sobrinha deu de ombros.

— Você trouxe duas malas gigantescas. Isso é praticamente impossível, Olivia!

— Dona Amelia me deu um monte de presentes e tem os que ela comprou para o pessoal. Sem contar os que a senhora já tinha comprado! A pobrezinha não aguentou.

Sentei na cama e olhei para a bagunça, Liv fez a mesma coisa.

— E agora? A senhora vai me emprestar uma mala?

— Nem pensar. Sua casa parece um sumidouro, tudo o que entra lá nunca mais volta... O jeito vai ser – Parei a frase e tirei o celular do bolso.

— Comprar uma mala online?

— Não dá para sair agora e voltar em um horário adequado para sei lá que surpresa que o Alex quer nos fazer. Amanhã é inviável, não teremos tempo para comprar e fechar a mala.

Procurei por uma loja da marca das malas que eu tenho – afinal tenho uma que me aguenta há quase dez anos. Não achei uma loja própria, mas encontrei uma que fazia entregas até às 19:00.

— Essa! – Liv apontou para uma mala branca, com bolinhas coloridas e brilhantes.

— Quantos anos você tem?

— Por favor, täti!!! A mala é linda.

— Em qualquer aeroporto do mundo vão querer abrir essa mala, Olivia. Ela grita que é de mulher e que deve ter um monte de roupa e sapatos novos dentro.

— Simples. Coloco tudo o que é novo na outra mala e nessa vai a roupa suja.

— Você não está levando roupa suja para casa, eu lavei tudo.

— Então temos um problema, mas a senhora me dá essa mala?

Coloquei a mala no carrinho e ela deu um grito, que assustou Alex.

— Tudo bem aí dentro? – Ele bateu na porta, porém não entrou.

— Se você não quiser morrer de desespero não abra essa porta. – Avisei.

Foi exatamente o que ele fez.

— O que aconteceu aqui?

— Minha mala explodiu. – Liv disse simplesmente para o espanto de Alex que tinha os olhos arregalados e uma expressão assustada no rosto.

— Você trouxe tudo isso? – Ele indagou.

— Não... Dona Amelia é a responsável pela metade.

— A mala não tem conserto não?

— Pode até ser que tenha, Alex, o problema é que não temos tempo. – Expliquei.

— E como vão fazer?

— A täti comprou uma nova para mim.

Alex estreitou os olhos.

— Chega em uma hora, até lá... – Apontei para o quarto.

— Precisam de ajuda? – Ele perguntou só por educação, pois estava mais do lado de fora do cômodo e quase com a porta fechada.

— Não, a gente dá um jeito, setä. Kiitos.

— Mas eu ficaria grata se você recebesse a outra mala por nós e conferisse se está tudo certo. – Pedi.

— Claro, eu faço isso. – Garantiu e antes de fechar a porta. – Se precisarem de algo, estou lá embaixo na cozinha.

— Pode deixar que chamamos.

Alex deu uma outra olhada no cômodo e mais assustado do que tudo, fechou a porta.

Conseguimos separar e dobrar as roupas de acordo com as cores para não manchar dentro da mala, afinal não queríamos correr riscos de algo ainda mais extraordinário do que uma mala explodida, acontecer.

Estávamos acabando de ensacar os sapatos, quando escutamos a campainha. Alex gritou que atenderia e poucos minutos depois, ele aparecia com duas malas.

Sim, eu havia dobrado o pedido, só para o caso de algo acontecer, nunca se sabe.

— São essas mesmo? – Ele perguntou da porta.

— Sim! – Olivia respondeu e foi pulando até ele para pegar as malas.

E meu noivo deu aquela encarada para as malas de bolinhas coloridas e brilhantes.

— Bem... são a sua cara, Olivia.

Minha sobrinha deu uma risadinha.

— Vou saber que são minhas há metros de distância.

— Com certeza, vai sim.

Olivia sendo minha sobrinha, pegou as duas malas e deu uma higienizada rápida por dentro. Como já tínhamos separado tudo em pilhas, foi rápido de guardar e fechar as malas. A terceira ficaria aberta, afinal, ela ainda tinha algumas coisinhas para guardar.

— Agora você vai para o banho e se arrume. – Pedi para ela.

— O que eu visto?

— Pergunta para o seu tio. – Falei e ela desceu as escadas correndo gritando por Alex.

Só para variar, ele não foi de muita ajuda, mas disse que ela não precisava ir muito arrumada. Não era um jantar.

Olivia subiu murmurando que continuava em dúvida, então eu separei o que seriam peças curingas, mesmo para uma pré-adolescente.

Fiz o mesmo comigo, e antes que Alex começasse a reclamar da nossa demora, aparecemos no primeiro andar.

— Mas hoje vocês duas estão mais do que adiantadas. – Ele brincou. – O que é bom, não pegaremos tanto trânsito.

— E eu posso saber para onde estamos indo?

— Só quando chegarmos lá. Mas eu tenho quase certeza de que vai agradar as duas. – Fez mistério assim que ligou o carro.

—--------------------------

Nós cortamos metade da cidade, Liv ficava olhando pelas janelas, tentando entender para onde estávamos indo. Eu não fazia ideia, e nem adiantava perguntar, afinal, Alex estava com os lábios selados.

Até que eu vi uma placa e algo clicou no meu cérebro. Definitivamente Alexander sempre prestava atenção ao que eu falava.

Setä... por favor! – Liv implorou, ainda não se dando conta de onde estava indo.

— Já estamos chegando. – Falei para ela.

Alex levantou uma sobrancelha na minha direção e eu dei de ombros, para logo em seguida ele balançar negativamente a cabeça e abrir um sorriso.

Liv, desesperada porque não estava incluída na conversa, desafivelou o cinto e colocou a cabeça entre os bancos da frente.

Täti!!! Olkaa hyvä!!![5]

Ei![6]

— Isso não é justo! – Ela voltou ao inglês, apesar de que Alex tinha entendido o pedido.

— Preste atenção aos seus arredores, Olivia. – Foi tudo o que eu falei.

Ela bufou, voltou a se sentar no banco de trás e afivelar o cinto para continuar a olhar pela janela, um tanto mal-humorada.

Começamos a subir a colina e foi só aí que Liv localizou onde estávamos.

— Eu não acredito! O Observatório Griffith!

— Finalmente! – Eu falei.

— E como a senhora a adivinhou? O setä te disse para onde estava indo?

— Não, eu li a placa quando chegamos perto do parque.

Parque Griffith... é claro! Ai como eu sou burra!! – Liv se xingou.

— Não é burra, é desatenta. – Corrigi.

E enquanto subíamos o Mount Hollywood, até eu comecei a ficar ansiosa. Afinal, esse era um dos poucos lugares que eu queria visitar assim que cheguei aqui, e por falta de tempo, não vim.

Eram seis e meia da noite e depois de estacionar e descermos do carro, fomos recepcionados pelo Monumento dos Astrônomos, uma imponente escultora que traz os rostos dos maiores astrônomos, da história: Hiparco, Copérnico, Galileu, Kepler, Newton e Herschel.

— Ah se eu tivesse 1/10 da inteligência deles. – Olivia falou e dessa vez não discordei, a inteligência desses homens era invejável.

Já no gramado tinha um modelo do sistema solar e linhas radiais do pôr do sol e da Lua. Paramos diante do caminho para o mezanino e por alguns segundos não sabíamos para onde queríamos ir...

— Querem começar por dentro ou já querem ir direto para o telescópio? – Alex nos perguntou.

Uma pergunta simples, mas cruel.

— Por mim, lá dentro... assim escurece e poderemos ver o céu melhor. – Liv disse.

Não me opus, afinal, sou eu a apaixonada pelas estrelas.

Cinco horas e meia eram muito poucas para ver cada uma das atrações que o Observatório tinha para oferecer. Assim, depois de pegarmos o programa, fomos direto para a bilheteria comprar o ingresso para a única parte do Observatório que é paga. O Planetário Samuel Oschin. Nos sentamos nas cadeiras e nos preparamos para a aula sobre astronomia que duraria até 90 minutos.

— Não é à toa que esse é considerado um dos melhores planetários do mundo. – Liv murmurou quando saímos da apresentação. – Isso foi fantástico. – Disse e parou. – Para onde agora? Tem tanta coisa para se ver, fazer e aprender aqui que eu ficaria aqui dentro por uma semana!

— Calma, Loirinha! Você vai poder voltar aqui mais vezes. – Alex disse.

— A Elena iria adorar a projeção de hoje!

— Com certeza iria. – Concordei.

E depois de parar para pensar, Olivia decidiu ir para o andar inferior. Dizendo que nas férias de primavera iria conhecer o térreo. Assim, passamos as escadas e chegamos na exposição “Cosmic Connection” e a evolução do universo desde o Big Ben, não vou negar, quase que paro e fico por ali. Depois, chegamos a uma sala de dois andares e estávamos na “Edge Of Space”, onde vimos pedaços de meteoritos e meteoros, com as devidas explicações. E, por fim, chegamos na “Depths of Space”, com todas as suas informações sobre o nosso sistema solar. E, sem novidade nenhuma, Alex teve que me arrastar dali quando eu comecei a demorar demais na parte das estrelas e constelações, tudo porque eu não conseguia me afastar da “The Big Picture”, a maior imagem astronomicamente precisa já construída, com 46 metros de largura e 6 de altura. A imagem detalhada mostra o centro do Aglomerado de Virgem e contém quase um milhão de galáxias tênues, cerca de meio milhão de estrelas em nossa própria galáxia (a Via Láctea), mil quasares distantes, mil asteroides em nosso Sistema Solar e ao menos um cometa.[7]

Dali, como já tinha escurecido, fomos para o telescópio, subindo pelas escadas laterais. Nós nem tínhamos subido tanto assim quando, tanto Liv quanto eu paramos, pois aos nossos pés era possível ver todo o centro de Los Angeles.

— Do outro lado tem outra vista que eu acho que vocês vão gostar, mais a Liv, creio. Mas antes. – Alex apontou com a cabeça para o alto da escada. – Temos uma pequena fila para pegar.

E nem demorou tudo isso. Pois não estava tão cheio assim e logo Liv estava observando a constelação de Touro. Justo a constelação do signo que rege a vida dela.

Se Olivia ficou impressionada com a explicação e de quão perto ela estava vendo a realidade, eu fiquei fascinada em poder ver e entender os detalhes da constelação.

Ainda tínhamos um tempinho e descendo pelo outro lado do prédio, entendi o que Alex quis dizer quando vi, iluminado, o letreiro mais famoso do mundo.

— Ele! – Liv disse sem gritar muito, pois estávamos cercados de pessoas. – Amanhã vamos lá! E nem parece tão longe daqui.

— E não é, Liv. Menos de três quilômetros. – Alex respondeu.

— Tão perto e, ao mesmo tempo, tão longe!

— Larga de drama! – Pedi.

— Não posso evitar. Estou em Hollywood, meu lado dramático resolveu se revelar para o mundo. Vai que tem algum olheiro por aqui e me contrata para ser atriz, né?

Encarei a menina que ria.

— Sei. Diz isso para o seu pai.

— Ele ia culpar a senhora mesmo. – Ela deu de ombros.

O problema que essa era a mais pura verdade.

— Anda, diminui no show e começa a andar.

Liv fez uma mesura e saiu conversando com Alex sobre o que a esperava amanhã, já eu queria aproveitar os últimos minutos do passeio e consegui arrastar os dois comigo para um lugar que me fascinou desde que eu li que existia:  o “Robert J. e Suzanne Gottlieb Transit Corridor”.

— Sério, täti? Não cansou de ficar no alto?

— Não. E se eu tive que escutar você falando no meu ouvido sobre o Letreiro de Hollywood, você pode passar aqui.

Por aqui era nada mais, nada menos que “um corredor de 45 metros de extensão, 3 metros de largura e paredes de vidro que vê os visitantes imersos nos movimentos do Sol, Lua e estrelas pelo céu e demonstra como tais movimentos estão ligados ao tempo e ao calendário.” E a sensação que eu tive era que eu realmente poderia fazer qualquer descoberta astronômica ali.

Eu juro, se não tivessem anunciado que estavam fechando em 10 minutos, eu teria ficado naquele corredor a noite inteira.

Descemos da ala oeste bem devagar e não é porque o prédio estava fechando que tínhamos que ir embora, afinal, ainda tinham alguns telescópios no jardim, pena que todos ocupados. Contudo, ainda ficamos ali, conversando e Liv aproveitou a vista para tirar muitas fotos, inclusive me fez tirar fotos dela, com as mais diferentes poses.

— Isso aí por acaso vai para um book? – Alex perguntou rindo. – Porque se for, creio que posso te levar em algumas agências. – Ele brincou.

— Continua falando besteira. O pai dela daqui a pouquinho estará desembarcando no país e eu não vou me responsabilizar pela sua vida, afinal, o pai é ciumento, mas o avô... é mil vezes pior. – Comentei.

— Não está mais aqui quem falou. – Alex disse saindo de perto de mim e começando a rodar pela área. Não sei o que ele estava querendo, porém, infelizmente, seu tempo à sós não durou muito, pois logo duas mulheres o reconheceu e pediram para tirar fotos e um autógrafo, e isso chamou a atenção de mais gente. Por fim, tinha gente comentando da campanha da Porsche e pedindo selfies e fazendo live no Instagram.

Muito discretamente chamei por Olivia e nós duas caminhamos para o carro para esperarmos por Alex. Nenhuma das duas querendo chamar a atenção ou pior, virar mais um motivo de fofoca.

Depois que a grande maioria das pessoas foi embora, ele veio caminhando todo sem graça para o nosso lado e, antes que pudesse falar alguma coisa, uma das mulheres que o reconheceu correu até ele com um papel na mão. Alex, pego de surpresa, aceitou o papel, e ela, antes de soltar o bilhete e de ver que ele estava acompanhado, disse:

— Meu telefone. Se você quiser... – E foi quando ela me viu e, meio sem saber o que fazer, desconversou e puxou o papel de volta. – É... bem, obrigada pela foto. E pelo autógrafo. – Falou correndo e, mais rápido ainda, saiu de perto do carro.

— Eu... – Alex tentou se explicar.

— Você não tem nada o que explicar. – Completei.

Ele destrancou o carro e abriu a porta para que Liv entrasse. Ao fundo escutei um murmúrio sobre a identidade dela. Quando ele fez o mesmo para mim, a conversa ficou um pouco mais alta. Assim que ele assumiu o volante e tirou o carro da vaga, tornou a tentar se explicar.

— Kat...

— Alex, eu vi o que não aconteceu ali. Ela tentou a sorte. Teve o bom senso de recuar ao ver que você estava acompanhado.

— Mas eu aceitei o papel...

— Qualquer um teria pegado o pedaço de papel. Uma reação reflexa quando te empurram daquele jeito. E assunto encerrado. – Falei e ele pareceu se conformar. Já trocando para um assunto que muito provavelmente era o favorito de nós três.

Comida.

Mais precisamente, o que iríamos comer?

Acabamos em uma pizzaria, já que dissemos que no outro dia iríamos queimar tudo andando até o Letreiro. Três mentirosos, contando ladainha para que a consciência não pesasse tanto, ainda mais depois daquela pizza de chocolate e sorvete.

— Começo a achar que não vou caber em nenhuma roupa minha. – Olivia comentou quando chegamos em casa.

— Você acha? Por quê?

— Ora, setä! – Ela parou no alto da escada e encarou Alex. - É só olhar o tanto que eu comi nos últimos cinco dias. Eu ando comendo por um batalhão. Acho que estou comendo mais do que o Tuomas!

— Amanhã você vai andar. Não se preocupa.

E minha sobrinha fez aquela careta.

— Eu tô vendo que vou ter que começar a correr sozinha em Londres.

— Nada disso. Se for correr em algum parque, corra sempre acompanhada. Não está tão seguro assim andar por Londres nesses últimos meses. – Interrompi o raciocínio dela.

— Tudo bem... mamãe tem uma esteira. Acho que a Lena vai me deixar ter, no mínimo, uns quarenta minutos de paz. Que horas daqui a pouco? – Perguntou por fim.

— Pode colocar esse relógio para despertar às 5:30. Temos que sair cedo. – Alex avisou.

— É, isso é realmente cedo. – Liv murmurou. – Então, até daqui a pouco. Hyvää yötä, setä[8]. Muito obrigada pela surpresa, eu amei! – Ela deu um abraço em Alex.

Hyvää yötä, Liv. – Ele retribuiu o abraço.

E a garota, antes de abrir a porta do quarto, só soltou:

— Será que as malas estão bem?

— Vai dormir, Liv. – Mandei.

Hyvää yötä, täti! — Ela veio me abraçar. – Amanhã vai ser muito louco!!

Hyvää yötä, pikkuinen! — Levei-a até o quarto, onde as malas estavam intactas. – Até daqui a pouco e nada de cachorro em cima da cama! – Falei ao fechar a porta.

Quando, enfim pude me deitar, eu só tinha uma coisinha a fazer.

— Muito obrigada pela surpresa. – Agradeci a Alex.

Ele, bobo como sempre, teve que dizer:

— Isso é para te amaciar. Amanhã vou precisar de você do meu lado.

— Tem alguém ficando com medo de conhecer o sogro.

Ele ficou calado por um minuto, para então admitir.

— Não vou mentir e falar que estou tranquilo, porque não estou. Simplesmente não sei o que esperar.

— Da parte do meu pai, eu não posso garantir nada. Mas se você quer esperar por algo, eu tenho uma boa imagem para você.

— Que é? – Me perguntou curioso.

— Se prepare para ter uma Furacão Loiro te gritando e correndo para te abraçar assim que te ver.

— É, essa realmente é uma ideia muito melhor. Elena. Sabia que eu estou doido para conhecer a baixinha?

Tive que rir.

— E eu aposto que ela passou o dia inteiro falando na cabeça de Tanya e Ian que vai nos encontrar. Aquela lá não desliga nunca.

— Então, amanhã vai juntar todo mundo. – Ele comentou.

— Sim. Para o bem ou para o mal, uma hora dessas já saberemos o que aconteceu no jantar. – Comentei.

— Ah! Esse jantar...

— É esse jantar. Se prepare, porque algo me diz que duas pessoas vão, simplesmente, aparecer do nada perto de nós e dizer que foi uma coincidência.

Alex riu.

— Estou te avisando... você não sabe o que te espera.

— KitKat, eu te joguei aos leões quando nós dois mal nos conhecíamos e você se saiu bem, creio que nada pode ser pior do que conhecer os sogros no dia do aniversário da sogra, com a presença da família inteira.

— Nisso você tem razão. – Concordei com ele. – Porém, esteja avisado, tem gente lá que é maluca de tudo.

— Está anotado o seu aviso, Kat. Agora vamos dormir, ou seu pai vai é brigar comigo quando te ver com cara de cansada. Hyvää yötä!

— Boa noite, Finlandês de Araque. – Dei um beijo nele e apaguei a luz.

 

[1] Mas será possível?

[2] Oi, pequena. Bom dia!

[3] Eu estou com sono.

[4] Eu sei. Mas é hora de se levantar.

[5] Tia! Por favor!

[6] Não.

[7] Para quem quiser ler mais um pouquinho do Observatório e coloca-lo na lista de lugares para se conhecer quando ganhar na Mega-Sena! https://www.discoverlosangeles.com/br/griffith-observatory-a-hist%C3%B3ria-de-um-%C3%ADcone-de-los-angeles

[8] Boa noite, tio.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado! O link que coloquei é a página do Observatório, para quem quiser visualizar os locais, ali mostra as fotos.
Muito obrigada a você que leu até aqui.
Domingo tem o próximo capítulo com o tão esperado encontro das famílias!
Até lá!
xoxo



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