Presos Por Um Olhar escrita por Carol McGarrett


Capítulo 17
Problema


Notas iniciais do capítulo

Estou de volta com mais um capítulo e só posso dizer: que a treta comece; que o forninho caia, que todos vocês tenham um bom assento de onde possam ver tudo pegar fogo!
Espero que gostem!
Boa leitura!



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— Você não está com a cara muito boa... – Alex comentou assim que eu, literalmente, me joguei no banco do passageiro, vinda do porto.

— Já teve, alguma vez, a irresistível vontade de matar alguém com as suas próprias mãos? - Questionei com os dentes trincados de ódio.

— Tão ruim assim?

— Ah, Alexander, você não faz ideia. Sempre é difícil, não importa quem seja, se você saiu de um escritório e veio cobrar que o serviço do porto seja bem feito, sempre correrá o risco de escutar um monte de besteira, principalmente sobre o fato de que nós estamos sempre na torre, no ar condicionado, não temos a mínima ideia do que se é carregar e descarregar um navio. Isso eu já ouvi bastante... praticamente em todos os portos, mas hoje? Essa entra direto no topo da pior visita de todas. Nunca imaginei que alguém poderia ser tão grosso, tão misógino, tão sem educação, tão cínico ao mesmo tempo, e olha que eu tive que encarar o porto da Arábia Saudita uma vez, e lá as mulheres não têm direito algum, mas esse cara, esse tal de Daniel Murphy? Esse não deve ter tido mãe nem para colocá-lo no mundo. – Desabafei.

— Você quer que eu vá lá e o coloque no lugar dele?

— E correr o risco dele te processar? Não obrigada. Vou dar um jeito bem administrativo nele. Nele e no imediato, eles mexeram com a loira errada. – Falei sombriamente. – Aí ele vai ver onde vai contar as piadinhas de duplo sentido e vai enfiar a mão boba dele....

— Então você não resolveu nada?

— Resolvi, isso eu resolvi sim. Murphy pode ter rido da minha cara, ter ficado fazendo piadas, só que eu entendo disso aqui. – Apontei para o porto no geral, pois Alex estava voando na pista que ligava as cinco docas da empresa até o portão de saída. – Cresci indo de portos, piadas de marinheiros e até mesmo sua forma suja de falar, não me assustam mais. E sou muito mais esperta que o meu cabelo loiro deixa transparecer. Então, quando eu pedi o relatório dos últimos três meses, e olha que eu peço dos últimos seis! Ele não tinha. Disse que o sistema estava desatualizado porque não carregava direito... não funcionava direito.

— E o que você fez? Chamou o técnico de TI?

— Não! Eu criei esse sistema, Alex. É o mesmo no mundo inteiro, é a nossa intranet, tendo o login e a senha, você pode acessar de qualquer lugar e era à prova, até então, de invasão. Só que o Murphy não sabia desse detalhe. Então, ele me deixou ver o computador. E depois de fazer uma varredura por qualquer erro de programação, eu vi que o problema não é o sistema. Foi que alguém fez um maldito jailbreak para poder ver, olha que coisa mais linda, filmes pornô! Esse bando de gente passou as últimas semanas vendo filmes eróticos ao invés de trabalhar. E, por conta disso, eu dei o ultimato, ou todas as cargas estejam a caminho de seus proprietários até amanhã pela manhã, com o devido relatório de envio atualizado no sistema, ou eu vou trocar cada um dos trabalhadores. O pedido de demissão de Murphy foi encaminhado do computador dele, na frente dele. O Conselho Geral tem que aprovar uma troca dessa, mas não vai ser problema, afinal, é justa causa.

— Vai demitir todo mundo se nada estiver em dia até amanhã? – Me olhou espantado.

— Vou. Tenho esse poder, e vou usá-lo. Aí eu quero ver se eu serei a Penelope Charmosa na próxima visita...

Alex fez uma careta.

— E você me disse que era a Chefe boazinha... Me lembre de jamais pisar no seu calo.

— Eu sou compreensiva, Alex. Só não aguento gente mole que fica fazendo hora ao invés de trabalhar. Ainda mais esse tipo de hora. Tudo tem limite.

— Nisso você tem razão. – Concordou comigo. – Eu sei que você tem que ler essa outra pasta, mas só para perguntar...

— Sim.

— Almoço no meio do caminho ou lá em San Diego?

Conferi as horas, dez e meia da manhã.

— Você conhece algum lugar bom por aí?

O sorriso dele respondeu ao meu questionamento.

— E para ficar bem claro... eu estou te levando para almoçar, guarde o cartão na bolsa, pois eu vou pagar. – Me olhou rapidamente enquanto estávamos parados em um semáforo.

— Tenho saída?

— Não. – O sorriso dele era imenso.

— Então amanhã eu pago.

— Te convidei para o almoço de amanhã também. – Disse vitorioso.

Fiz uma careta pra ele.

— Sabe que isso não é justo, não é? – Falei. – Somos iguais, podemos dividir muito bem a conta!

— Paga o jantar de hoje. – Ele disse simplesmente.

— Você não tem jeito. – Murmurei e comecei a reler a pasta de San Diego, essa eu já tinha passado o olho, sabia mais ou menos o que estava acontecendo, só esperava que não fosse uma reprise da reunião da manhã.

Alex me deixou em paz enquanto manobrava pela cidade, sempre rápido demais, sempre freando em cima de mais.

— Do jeito que você dirige, daria um excelente piloto. – Comentei quando levantei a cabeça, ele tinha feito uma curva um tanto veloz demais e me deixou um pouco tonta.

— Olha, está se rendendo à minha pilotagem! – Brincou. – Já acabou de ler?

— Não, falta pouco, mas com essas curvas fechadas e você voando desse jeito, meu estômago vazio deu uma reclamada.

— Não vou diminuir.

— Não pedi para você fazer isso. Estou esperando isso aqui. – Apontei para a tela do GPS que informava uma reta bem longa não muito à frente.

Alex riu.

— Está mais calma?

Foi a minha vez de rir.

— Claro que sim, já recebi o e-mail de Londres me informando que não é a primeira queixa contra Murphy... ele vai sair rapidinho. E a minha vingança estará completa.

— Maligna você.

— Você ainda não viu nada. – Falei, dando um tapinha na sua bochecha, aproveitei a reta e voltei ao relatório. Terminei tudo antes que Alex parasse para o almoço. E, enfim, pude apreciar a beleza do Pacífico.

— Admita, você está pensando em descer desse carro e ir lá surfar. – Alex me tirou da minha contemplação.

— Apesar de saber nadar e nadar muito bem. Não estou nem um pouco a fim de despencar de uma prancha, tomar um caldo e ainda por cima ter um galo na cabeça só porque a prancha resolveu se vingar da minha falta de jeito com o surf. Então não, posso estar tentada a ficar olhando, mas surfar, não.

— Eu vou ter que te ensinar.

— Que parte do “eu não quero morrer afogada” você não entendeu?

— Você não disse isso!

— Leia nas entrelinhas, Bonito. Um galo na cabeça, um caldo e o que você espera? Que eu saia da água como uma Nereida?

Ele me mediu depressa.

— Andar elegante você já tem...

Revirei os olhos, o máximo que eu conseguiria era sair morta.

— Não é tão difícil quanto você pensa... e você já pratica snowboard, vai ser moleza. Depois do surf podemos passar para o parkour.

Fiquei calada e voltei a olhar o mar, acho que vou ter que desenhar pra ele o meu pavor com o tal do parkour... ele ficou concentrado na estrada e, em um determinado ponto me vi obrigada a abrir a janela e fotografar o céu.

— Gosta de fotografia? – Alex me perguntou, reduzindo um pouco o carro.

— Amo. Fiz até curso. O único fora da minha área de atuação. Sempre gostei.

— E agora fica tirando foto com o celular?

— Na verdade não, eu só não quero perder essa vista, por isso estou usando o celular... mas eu tenho uma câmera profissional.

— Quero ver as fotos.

— Algumas estão no meu Instagram... outras nas paredes dos meus escritórios, as demais salvas na nuvem.

— Então, aquela foto da Via Láctea que está dependurada atrás da sua mesa, na sua casa, foi você quem tirou?

— Sim... E me orgulho muito dela. Fiquei quase congelada para consegui-la e quase perdi o jantar de Natal...

— Só fotos da natureza?

— A grande maioria sim... mas já tirei muita foto de pessoas anônimas, simplesmente porque o momento era bonito demais.

Alex ficou interessado no meu hobby.

— Lugar preferido?

Tive que pensar.

— Não tenho. Isso depende da luz, da estação do ano... Gosto das fotos que tirei na Toscana e em Florença. Amo todas as que tiro nos Alpes Escandinavos. Finlândia? Tenho Helsinque praticamente toda em fotos, isso sem falar na parte Central do país na época do verão e a Lapônia no inverno. Tenho várias de quando fui ao Brasil, não só das praias, mas do interior também. Londres? Incontáveis! Quando eu tinha tempo, saía a pé pela cidade, buscando o clique perfeito. Tenho na Alemanha. Moscou debaixo de neve. O Farol de Alexandria... as cerejeiras no Japão. Isso sem falar das minhas tentativas de ser fotógrafa esportiva.

— Tirou foto de?

— Competição de esqui alpino, hockey, patinação, de vários Grandes Prêmios e etapas do WRC[1].

— Qual é o alcance do zoom da sua câmera?

— Quer que eu te fotografe levando um caldo amanhã? – Brinquei.

— Só vendo se você leva jeito para a coisa! – Ele entrou na brincadeira.

— Até com uma GoPro tem como tirar a foto perfeita... basta acoplar uma na sua prancha... mas eu posso tentar.. só vou ter que te reconhecer dentro d’água.

— Isso vai ser fácil, te garanto que meu irmão vai ficar te perturbando. Ele é a espécie de irmão mais novo chato, louco para ter a vergonha do irmão mais velho gravada.

— E que irmão/irmã mais novo não quer? – Perguntei.

Alex me olhou torto.

— Sou a mais nova de quatro... já levei muita culpa por algo que não fiz!! Uma hora a vingança chega!

— Vai apoiar o Will?

— Eu vou tirar fotos... agora o que vai aparecer em cada uma, vai depender de quão bom o surfista é... – Fiquei em cima do muro.

— Se eu cair...

— Primeiro eu vou ficar preocupada, depois, quando eu ver que você está bem... sim, eu vou rir. Ainda mais se você sair torto de dentro d’água, como se estivesse perguntando: alguém anotou a placa daquela onda?

E o olhar torto continuava.

— E se eu não cair... mas o Will sim?

— As fotos vão estar nas suas mãos, você que faça o que quiser com elas.

— Diplomata você, hein?

— Reza a lenda que os finlandeses são excelentes diplomatas, talvez seja verdade, ou talvez...

— Talvez? Não comece com essa história de deixar as frases no ar, Katerina.

Comecei a rir.

— Mas é mimado, hein? Tem que ter todas as respostas na hora! Aprenda a esperar.

— Não. O talvez... o que significa? – Perguntou enquanto procurava um lugar para estacionar o carro, estávamos em um restaurante que eu jamais pararia se estivesse sozinha.

Desci do carro e olhei a paisagem, a vista era linda, e o restaurante tinha um certo charme de vida praiana.

— Que talvez, eu só esteja querendo um bom assento de onde eu possa ver tudo pegar fogo....

— Você é terrível. – Comentou enquanto segurava a porta e me esperava para entrar.

— E você ainda tem certeza de que quer sair comigo?? – Brinquei.

— Acho que já comecei a me arrepender...

— Ainda dá tempo de cair fora... o carro é o seu, me largue aqui e volte para LA. – Iniciei o plano.

— Aí você vai atrás de mim. – Ele me respondeu rindo.

— Não agora... Primeiro o trabalho... mas não posso prometer que você irá pegar onda amanhã.

— E como você vai me achar sendo que ainda se perde dentro da cidade?

— Seu endereço está salvo no GPS do meu carro... – Falei simplesmente.

— E daí...

— Você não ouviu que eu inventei um sistema de intranet para a empresa? O que você acha que eu posso fazer com um portão eletrônico e o alarme?

— Eu tenho um cachorro.

— E eu dois... e sempre me dei bem com todos os cachorros que encontrei... Stark não será um problema. Próxima saída?

— Seus saltos fazem barulho.

— Eu tenho tênis, e, dentro de casa não se usa sapatos... manda mais uma... – A essa altura já estávamos sentados na nossa mesa.

Alex pensou, teve que interromper o raciocínio enquanto pedíamos e depois voltou a me encarar.

— Como você abriria a porta?

— E quem te disse que eu entraria pela porta?? – Joguei verde.

— Você não tem cara de quem sabe escalar paredes... tem medo de parkour.

— Eu não disse ter medo de parkour, não gosto do quão arriscado é... tem diferença. – Pontuei. - Mas não se precisa fazer parkour para se chegar em uma janela.

Alex tombou a cabeça.

— E como você entraria pela janela trancada e com alarme?

— Aí dependeria do que tem por perto... mas saiba que sei escalar muito bem... e também subo em árvores... e em muros, se for preciso...

— Resumo da ópera, você me acharia de qualquer jeito.

— Sim. Eu te acharia... e você não amanheceria... sou vingativa a esse ponto. – Mantive o tom de voz neutro.

— Mentirosa.

Comecei a rir.

— Nem tudo é mentira... e você vai ter que descobrir o que é verdade e o que não é!

— Você não me mataria...

— Nunca usei o verbo matar, usei?

— Vamos parar e trocar de assunto.

— Alguém ficou com medo! – Provoquei-o.

— Não estou com medo.

— Está sim. Mil e um pensamentos estão cruzando a sua cabeça agora... dentre eles o mais barulhento é: “como eu fico livre dessa maluca?”

Alex coçou a cabeça e eu estava me divertindo com as expressões dele.

— Está errada.

— Estou? Não costumo errar e isso me magoa... em que eu errei? – Apoiei o cotovelo na mesa e o encarei.

— No que eu estou pensando...

— Ah... quer cair na água?

— Não.

— Não?!! Um tempo desses, uma praia basicamente deserta e você nem cogitou entrar na água?

— Não. Estou pensando em como o seu humor mudou desde saiu do porto. Você estava a ponto de voar no pescoço de um, agora tá fazendo piada da minha cara.

— Culpa sua... se você não tivesse me questionado o que o “talvez” significava, eu não teria que ter te mostrado o meu lado psicopata. – Dei de ombros.

— Só isso? – Ele pressionou.

— Você quer a verdade?

— Quero. – Ele se encostou na cadeira e cruzou os braços. Eu fiz o movimento contrário, cheguei mais perto da mesa, o que o fez voltar para a posição anterior, chegando bem perto de mim e sussurrei:

— Eu estou a poucos minutos de matar a minha fome, e isso me deixa de bom humor. – Dei um sorriso para a sua expressão estupefata e roubei um beijo dele.

A verdade sobre o meu bom humor em nada tinha a ver com comida, primeiro, porque eu jamais deixaria que os problemas do trabalho influenciassem a minha vida, porém, tinha uma outra e muito mais importante justificativa: a companhia. Era impossível que eu ficasse mal-humorada ou estressada perto dele. Alex tem uma aura boa, uma presença que me conforta em um nível tão absurdo que, por mais que meu dia pudesse estar ruim, parecia que ao lado dele, tudo tinha um lado bom, uma solução. Parecia uma ideia maluca, mas era a verdade. Os meus quatro primeiros dias em solo americano foram sofríveis, eu não via uma perspectiva muito maior do que ser aquela pessoa que ia do trabalho para casa, e da casa para o trabalho, agora... bem... só o fato de já estar fazendo planos para uma manhã na praia, diz muito coisa.

— Você não parece muito feliz com a minha explicação... – Comentei diante do seu silêncio.

— É que eu estou pensando em como eu vou tirar a verdade de você.

— Verdade? – Me fingi de sonsa.

— Sim... você não me falou a verdade, e eu posso ver isso em seus olhos... – Foi a vez dele de chegar perto da mesa.

Levantei uma sobrancelha.

— É mesmo? E o que eles estão dizendo? – Desafiei-o.

— Ainda não sei o que é... você terá que me falar.

— Não tem mais nada aqui.

— Ah, tem... e esse brilho no seu olhar me diz que tem.

— Vou ter que ficar de óculos escuros perto de você, talvez, assim, você pare com essa paranoia....

— Saindo correndo... eu estou certo. - Ele abriu um sorriso presunçoso ao se recostar na cadeira e cruzar os braços.

Sim, ele estava... era um problema meu, eu não era lá muito boa em expressar sentimentos.

Para o meu alívio, nosso pedido chegou e a conversa foi para outro lado. Claro que Alex tinha que ficar roubando pedaços do meu almoço e reclamando que o dele estava melhor... mas foi um dos melhores almoços que já tive.

— Admita, você não teria parado aqui? – Alex me perguntou assim que deixamos o lugar.

— Não, eu não teria parado. – Fui sincera. – Não teria nem olhado para ele. E olha o que eu estaria perdendo!! Obrigada. E, ao invés de entrar no carro, resolvi chegar um pouco mais perto da faixa de areia.

— Olha quem quer ir para a praia agora!! – Falou em meu ouvido, quando me abraçou por trás.

— Não quero ir à praia, estou vendo a paisagem... me acostumei com o Oceano Atlântico... Tem algo de diferente no Pacífico, mas não me pergunte o que é.

Ele riu.

— Deve ser porque é novidade.

— Eu já tinha vindo à Califórnia antes, Alex, já tinha visto o Pacífico não só aqui, como no Japão, Canadá, Chile, México...

Ele ficou calado, só observando a rebentação comigo. Enquanto eu tentava entender o fascínio que o Oceano Pacífico me despertava.

— Se você quiser ser conhecida como a Miss Pontualidade, é melhor irmos. – Me chamou depois de um tempo.

— Tudo bem... eu vou ter tempo para descobrir que diferença é essa. – Falei. – Ainda falta muito?

— Mais uns trinta minutos. Posso fazer em menos se você quiser...

— Você está realmente me pedindo permissão para acelerar o seu carro??

— Ficou parecendo isso, não ficou?

— Muito. – Tive que rir enquanto afivelava o cinto de segurança.

— Depois não diga que eu não avisei. – Me alertou ao arrancar o carro cantando pneus.

— Exibido.

— Você fez a mesma coisa no píer na segunda de manhã.

— Entenda de uma vez por todas, eu posso, você não. Essa é a regra!

— Se eu sou exibido, você é a mandona.

— Posso viver com isso. – Respondi sincera.

Alex me deu um sorriso e depois pegou a minha mão na dele e a segurou em seu colo. Não reclamei, ao invés, fui tentando ver a paisagem e me perguntava internamente, enquanto passávamos por algumas praias, em quais delas ele já havia surfado.

— Começo a achar que o que você disse no restaurante era verdade, seu bom-humor só tem a ver com comida... estava mais falante lá. - Ele interrompeu a minha contemplação.

— Nada disso, só observando a paisagem mesmo.

— E?

Já estava ficando estranho ele saber quando eu tinha mais o que falar.

— E me perguntando em quantas e quais dessas praias você já surfou...

— A do restaurante é uma delas, duas acima dela também. Nas que passamos agora, nenhuma. Mais ao sul da cidade, todas. Estas praias aqui são melhores para banhistas, ondas fracas. – Me explicou. – Dependendo do horário que você sair, passo com você em uma das praias do sul.

— Olha quem está querendo chegar perto da fronteira!! – Brinquei.

— Quer fugir comigo? Começar uma nova vida? A gente pode mudar de nome e ter um bar na praia, surfar todo dia...

— Bar na praia?

— Sim, você trocaria a administração de uma multinacional gigantesca, para a administração de um bar... muito mais simples. Podíamos morar em um bangalô, ter uns cinco filhos...

— O QUE????

Ele começou a rir.

— Acho que cinco foi demais...

Você acha??? — Encarei o meu pseudo motorista.

— A julgar pela sua cara, passei a ter certeza.

— Ainda bem... ou eu te afogo em um desses braços do mar, ou te jogo de cabeça ali... – Apontei para o Estaleiro Naval.

— Quantas vezes mais você vai me ameaçar de morte hoje? – Ele questionou, tentando fingir uma seriedade que ele não conseguia.

— Depende, quantas besteiras a mais você vai dizer hoje?

O inacreditável é que a criatura ainda teve a audácia de parar para pensar na resposta.

— Bem... enquanto você pensa, só te deixo um conselho: A vida é sua!

— Vou pensar com cuidado enquanto você está em reunião. Assim que você entrar no carro eu te dou resposta.

— Ainda bem que tenho boa memória e vou saber voltar... porque vão encontrar o seu corpo boiando por aí e eu vou ter sumido com o seu carro para o outro lado da fronteira e pegado um voo para Los Angeles. – Declarei.

— Deveria ter gravado isso. – Ele murmurou assim que paramos para que o carro fosse revistado na entrada do porto. - O que eles acham que temos aqui? – Perguntou de mau-humor, depois que o guarda pediu que ele abrisse o porta-malas.

— Contrabando, no mínimo. Ou talvez que você possa estar escondendo coisas muito comprometedoras no porta-malas.

— Lá só está bagunçado. - Disse ao acompanhar a vistoria pelo retrovisor interno.

— Motivo de vergonha, então.

Nossa entrada foi liberada e eu acabei por guiá-lo dentro do porto até as docas.

— Tem certeza de que quer ficar aqui dentro do carro? – Perguntei antes de descer.

— Tenho, vou tirar um cochilo enquanto você dá duro. Já treinando para a nossa vida em uma praia no México.

— Só não sonhe muito, ou o tombo será grande. – Disse antes de fechar a porta.

Respirei fundo e lá fui eu ser motivo de chacota pela segunda vez no dia.

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— Esse demorou muito mais do que eu esperava. – Foi assim que Alex me saudou quando abri a porta de trás do carro, praticamente arremessei a pasta e a bolsa e a fechei com um pouco mais de força do que seria necessário.

— Nem falo nada.

— Mexeram com você de novo? – Olhou sombriamente pelo retrovisor para o responsável pelo escritório que descia a escada assobiando.

— As piadas de sempre, e nem adianta fazer essa cara de durão e tentar resolver na briga, que não vai colar, ele está esperando por isso, desde o momento em que te viu escorado no carro, duas horas atrás.

— Como assim?

— Um trato, eu conto o que aconteceu e você nos leva para longe daqui, pode ser?

Alex não parou de encarar Samuel Gomez pelo retrovisor, mas pelo menos ligou o carro.

— E nada de sair cantando pneus.

— Agora conte. – Falou sombriamente enquanto andava no labirinto que era o porto.

— Nunca são agradáveis, essas reuniões, e estava bem parecida com a que tive mais cedo, acontece que entre uma piada e outra, Gomez olhou pela janela e viu o carro. Soltou uma piada me perguntando se era um presente do meu avô ou do meu marido. Como sempre, ignorei o comentário e continuei com a reunião. Até que você saiu de dentro do carro e ele fez questão de prestar bastante atenção nas minhas mãos.

Alex não gostou em nada do que estava ouvindo.

— Não vendo nenhum anel que parecesse de noivado ou uma aliança, soltou a infame piada de que eu não passava de uma bonequinha que muito provavelmente dormiu com muita gente para estar onde estou e, nas horas vagas, pegava o primeiro cara rico com carrão que passasse.

Nós já tínhamos nos afastado o bastante do porto, Alex parecia muito bem saber para onde estava indo, porém, depois do que eu falei, ele pisou forte no freio, guiando o carro para a direita, para o acostamento, parando de uma vez, agradeci por estar de cinto ou voaria de encontro ao painel.

Ele falou o que?— Sibilou.

— Não me peça para repetir. – Pedi.

— E o que você vai fazer a respeito? Você é a chefe dele! – Bradou, ainda com um tom de voz que estava me fazendo temer o que ele faria se encontrasse com Gomez.

— Vou pensar nisso na segunda-feira, preciso me acalmar o suficiente para ir direto na ficha pessoal dele e buscar se houve algum tipo de queixa que, negligentemente, deixamos passar.

— E esse monte de palavras bonitas significa?

— Que eu preciso me acalmar, para quando ligar para Londres com os relatórios finais das revistas, eu possa falar exatamente o que aconteceu e como aconteceu e pedir a cabeça dele, sem soar uma garotinha assustada por um monte de insinuações.

— Você não é uma garotinha assustada! – Alex retrucou.

— Você sabe disso, meu avô sabe disso. Mas o restante do conselho acha que só estou onde estou porque sou neta do dono, para a grande maioria, eu seria, no máximo, uma secretária da diretoria. Não menosprezando as secretárias, porque tanto Wendy que trabalhou comigo em Londres, quanto Milena são excelentes. Mas tem muita gente que não suporta a minha presença, e eu não me surpreenderia se todo esse tratamento não foi previamente discutido. – Comentei.

— Quer dizer que podem ter armado para você? – Meu namorado se sentava de lado agora, me encarando.

— Não me surpreenderia. Lembra que te falei que trabalhava com o meu ex?

Ele balançou a cabeça.

— Acha que... qual é o nome dele mesmo?

— Lucca.

— Acha que ele quer o seu lugar?

— Sempre quis, mas eu estava distraída demais para notar. E esse escritório é um dos pontos chaves da empresa, eu lido com toda a costa oeste das Américas e o transporte no Pacífico até a Ásia, Oceania e Oriente Médio. É muita carga, muito trabalho, mas se eu fizer isso aqui bem feito, a próxima cadeira que eu posso vir a ocupar é a da Diretoria. Tentarem me desestabilizar para me derrubarem na primeira semana é tentar provar que eu nunca fui apta para o trabalho. Que eu preciso de proteção. E a sua presença no porto indicou isso.

— Acha que alguém vai contar que eu estava lá? – Alex perguntou descrente.

— Se for o caso de tentarem me derrubar, sim, vão contar. E isso vai chegar aos ouvidos do meu avô... segunda-feira será um dia interessante... – Comentei. E foi só eu fechar a boca e minha secretária me ligava. – Com licença, tenho que atender.

Alex fechou os vidros e ficou quase imóvel do meu lado.

— Sim, Milena? Boa tarde!

— Oi Katerina. Boa tarde. Só avisando, não tem nada de urgente na sua mesa, foi um dia mais tranquilo por aqui, o que chegou você consegue resolver na segunda-feira de manhã, já que chega antes de todos.

— Mas não foi por isso que você me ligou...

— Não. Londres ligou, na verdade, a secretária do Diretor-Geral te ligou. Ele quer falar com você com urgência.

— Certo... vou ligar para ele. – Conferi a hora no painel do carro. – Amanhã.

— Pediram para ser ainda hoje.

Respirei fundo.

— Tudo bem! Muito obrigada por avisar. Mais alguma coisa?

— Nada.

— Então pode encerrar o dia. Muito obrigada pelo backup hoje.

— Não há de que! Só fiz o meu trabalho. Tenha um ótimo final de semana, Katerina.

— Você também, Milena.

E eu encerrei a chamada.

— Problemas?

— Sim, e ele tem nome e sobrenome.

Alex cruzou os braços.

— Que é?

— Alexander Pierce. Meu avô já sabe sobre você e pediu que eu ligasse com urgência para Londres. A conversa não vai ser bonita... Ainda bem que você não fala finlandês.

Alex deu um tapa no volante.

— Quer dizer que o péssimo tratamento é realmente alguém querendo te tirar do seu lugar?

— Sim. E cuidado com a mão, se quebrá-la, amanhã não tem surfe. – Avisei, tirando suas mãos do volante.

— Está preocupada com a minha mão enquanto tem alguém que quer puxar o seu tapete?

— Não é alguém. É o meu ex. E eu não estou nem aí para o que vai acontecer nesse telefonema. Meu avô, como Diretor da Empresa pode me mandar para onde ele quiser, pode me repreender sobre o meu trabalho. Mas não pode decidir a minha vida pessoal. E se ele agir como meu avô, continua não podendo. O que eu faço quando estou fora do escritório é problema meu, não dele.

— Seu pai?

— Já deve estar sabendo também. A caça ao namorado desconhecido da Katerina já deve estar em pleno vapor.

— E você queria desacelerar as coisas... eu deveria ter te deixado vir sozinha... - Ele murmurou ainda nervoso.

— Não, você me ofereceu uma carona. Eu aceitei. A velocidade com a qual estamos indo... bem, é demais? Sim. Mas e daí? Não é como se nós fôssemos nos casar amanhã e sumir no mundo.

— O México não está soando interessante agora?

— Sem cinco crianças, talvez...

Ele riu.

— Mas eu fui generoso, eram oito!

Respirei fundo.

— Você quer cinco filhos, meu irmão quer quatro sobrinhos... O que vocês acham que eu sou? – Perguntei derrotada.

— Seu irmão quer quatro sobrinhos?! – Alex me perguntou espantado.

— Quádruplos!! Dá para acreditar?

— E eu achando que tinha exagerado com você...

— Meu irmão é maluco... nada que sai daquela boca tem credibilidade... E mudando o foco da conversa, de novo, está muito tarde para ir na tal praia que você falou mais cedo?

— Você não tem uma ligação de vida e morte para fazer?

— Ter, eu tenho. Meu avô quer conversar comigo? Ele que ligue. Não fiz nada de errado. – Dei de ombros. – Para a praia?

Alex conferiu o relógio.

— Dá para ficar lá um pouco. – Comentou ao arrancar o carro e fazer uma conversão proibida no meio da rodovia.

Estava aberto meu final de semana. Problema do meu avô se ele queria explicações sobre quem estava comigo no porto.

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Não demorou muito para chegarmos na tal praia... e a paisagem foi uma recompensa que eu não esperava depois do dia que tive. Alex murmurava qualquer coisa sobre não ter levado a prancha nem a roupa de mergulho enquanto andava pra lá e para cá.

Já eu, eu tinha achado uma toalha no porta-malas do carro, tirado a minha bota, dobrado a barra da calça jeans e estava sentada olhando para o mar, aguardando o momento perfeito para começar a tirar fotos.

Alex estava tão agitado que ia e vinha a cada segundo, ora parava, observava os poucos surfistas que ainda estavam na água, ou simplesmente me encarava.

Em uma das idas dele até a beira d’água, achei que a foto ficaria boa, e tirei uma, na verdade três, porque ele não parava quieto. Depois resolvi por uma panorâmica... o céu estava mudando de tons, e ficaria interessante.

— Fotos? – Ele me perguntou ao se jogar na toalha do meu lado.

— Sim... lugar bonito. – Comentei e me concentrei em não tremer a mão.

— Será que a Califórnia vai desbancar a Finlândia e Londres no seu mural? – Ele perguntou, apoiando o queixo no meu ombro para ver a foto que eu tirava.

— Vou precisar de mais 29 anos só para igualar o tempo de residência. Acho difícil, porque sempre vou voltar para a Inglaterra e para a Finlândia, nem que seja por pouco tempo. – Encerrei a captura da foto e olhei para ele.

— Isso é você me preparando para sua ida à Europa?

— Mais ou menos, já tenho data para voltar.

— Que é?

— Primeira quinzena de dezembro.

— E vai emendar o Natal e Ano-Novo?

— Não... é uma semana de reuniões do Conselho Geral, depois tenho que voltar e fazer a reunião anual com o pessoal daqui. Não fico direto.

Alex se remexeu desconfortavelmente ao meu lado.

— Achou que eu ia sumir na primeira oportunidade? – Perguntei.

— Não. Não acho que você vá sumir. Se você tivesse que fazer isso, teria feito na quarta-feira à noite. Só preocupado em te ver tão perto dos leões.

— Não se preocupe. Vai ser interessante. Prometo te contar tudo.

— Talvez eu não queira saber.

— Você vai me perguntar... e mesmo se não me perguntar, eu vou acabar falando mesmo. – Confessei.

— Gostei de saber que confia em mim nesse ponto. – Ele me puxou para o colo dele.

— Você não faz ideia do tanto que eu confio em você... – Me peguei falando.

— Era isso que você estava escondendo no restaurante? – Me perguntou, olhando em meus olhos. - Porque o brilho em seus olhos era o mesmo.

— Não... não era.

— Então você admite que estava escondendo algo.

Tombei minha cabeça, apoiando-a em seu ombro, escondendo meus olhos dele.

— Katerina...

— Não é tão fácil assim de por em palavras... eu sou péssima nisso.

— Não me parece. Acho você uma oradora incrível... – Falou ao meu ouvido.

— Sentimentos, Alexander. Sentimentos.

Ele ficou calado. Creio que absorvendo o que eu tinha acabado de confessar e tentando entender o que foi toda aquela falação no almoço.

Quando levantei a cabeça, ele fitava o horizonte, a imagem perfeita estava formada no céu... já que por um breve segundo, Sol e Lua se encontravam no mesmo plano.

— Não vai tirar essa foto?

— A câmera do celular não vai pegar a Lua... nunca pega... sempre fica borrada.

Porém, eu tirei a foto do pôr do sol, porque as cores estavam mais do que perfeitas. Ao acabar de tirar a foto, Alex pediu o celular.

— Posso?

— Fique à vontade.

— Não tem nenhuma foto que vá te comprometer? – Ele brincou.

— Não, não sou a minha própria modelo.

— Nenhuma selfie, então?

— Não gosto de selfies, acho um tanto egocêntrico...

E ele começou da primeira foto, sempre atento aos detalhes, perguntava onde foi tirada, em que ocasião foi tirada. Até que...

— Quem são? – Me mostrou a tela.

— Meus sobrinhos.

Ele olhou atentamente para cada um deles, parando por um tempo em Olivia.

— Tem certeza de que não é a sua clone?

— Tenho. Apesar de parecidíssima comigo, ela não é minha filha. É realmente minha sobrinha.

Alex tornou a aumentar a foto de Olivia.

— Só os olhos são distintos...

— Você não faz ideia da quantidade de gente que já me olhou torto quando ela está comigo... agora nem tanto, mas quando ela era menor? O que me perguntaram “quantos anos você tinha quando ela nasceu?” Não está escrito.

— Imagino que sim.

E ele recomeçou a passar as fotos. Tornei a apoiar minha cabeça no ombro dele e fiquei vendo os surfistas tentando aproveitar as últimas ondas com o fim da tarde.

— E essa?

Dei uma olhada.

— Jyväskylä, Finlândia. Etapa do WRC.

— Você só virou a câmera de ponta cabeça?

— Não, me dependurei em uma árvore, de ponta cabeça para tirar essa foto. E, por causa disso, ganhei o apelido de “Morcego Albino”. Foi justamente na melhor das especiais. A que tem mais saltos. Os resultados foram estes... – Mostrei as demais fotos.

— Você ficou de ponta cabeça, dependurada em uma árvore para tirar essas fotos?

— Sim.

— E depois tem medo de parkour... – Murmurou.

— Como eu te disse, tenho meus momentos de fotógrafa esportiva... – Dei de ombros.

Ele continuou a passar as fotos, eram quase três mil, em algumas parou, me perguntou quem eram as pessoas, em outras, só aumentou a foto mesmo. Até que chegou nas de hoje...

— Mas já? – Me perguntou se referindo à foto dele.

— Olhe essas cores em contraste com a sua sombra! – Defendi.

Ele revirou os olhos, mas vi que estava mandando a foto para si.

— Vai fazer o que?

Na mesma hora tirou o próprio celular do bolso e depois de desbloqueá-lo, salvou a foto e foi logo postando no Instagram...

— Sério??

Ele deu de ombros e o meu celular, que ele tinha apoiado na minha perna, exibiu uma notificação de que alguém tinha me marcado em uma publicação...

— Você vai me fazer usar esse aplicativo com mais frequência do que o estritamente necessário, não vai?

— Não vai te machucar atualizar sua página de vez em quando... quando foi a última vez que você fez uma publicação?

— Não me lembro. – Foi sincera.

— Vamos ver se LA te inspira a postar mais, tem muitas fotos aqui que mereciam ser publicadas.

Eu ia retrucar, se a tela do meu celular não tivesse começado a indicar que meu avô me ligava.

— Acho que agora a conversa vai ser séria... – Alex murmurou, já querendo se levantar.

Imitei o seu gesto, antes de atender a ligação, ajustei os fones sem fio na orelha e peguei a toalha em que estávamos sentados, levando para o carro comigo.

Alex tomou a toalha das minhas mãos, destravou o carro e me indicou que eu podia entrar, para começar a conversa desagradável.

 

[1] Sigla para World Rally Championship ou em PT-BR Campeonato Mundial de Rally


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Notas finais do capítulo

Sim, eu sou má e deixei esse gancho... ou o capítulo ficaria gigantesco.
Façam suas apostas, teçam suas teorias, sábado em volto com a continuação.
Muito obrigada a você que leu!
Até o próximo!



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