Presos Por Um Olhar escrita por Carol McGarrett


Capítulo 116
Menos Problemas, Mais Soluções


Notas iniciais do capítulo

Estou de volta, agora com temas mais alegrinhos para dar uma aliviada na história.
Não, o drama não acabou, mas por enquanto, vamos ser felizes!
Como é a primeira atualização do ano: Feliz 2023, que neste ano todos os seus maiores sonhos e desejos se realizem!
Boa leitura!



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Contrariando o que Alex havia previsto, eu não acordei de mau-humor, muito pelo contrário, tinha muito tempo que eu não acordava tão feliz. Talvez tenham sido os acontecimentos da noite passada, ou só o fato de que eu estava em um lugar pelo qual eu era apaixonada e poderia dividir essa paixão com quem mais me importava. Seja lá qual era o motivo principal, não vinha ao caso. O final de semana prometia ser o ponto alto dessa viagem.

O sol ainda estava surgindo por trás das nuvens brancas como algodão doce no céu azul, indicando que teríamos um dia bem quente, quando deixamos o hotel.

Nosso destino era uma das Islas del Rosarío, onde se tinha a verdadeira praia caribenha, já que as praias urbanas, além de lotadas, não eram lá tão bonitas. Assim, uma hora de viagem de lancha até a Isla Grande e estávamos no paraíso.

Quando atracamos, não havia outra expressão para se fazer do que deslumbramento. Eu já estivera ali antes, mas a beleza do lugar era tamanha que era impossível de se acostumar.

Alex, que nunca tinha ido, olhava em volta, tentando absorver de uma vez a paisagem.

— Bonito, não? – Perguntei assim que ele me deu a mão para descer da lancha.

Ele ficou um minuto em silêncio e depois, soltou a típica frase que um americano soltaria.

— Jamais teria imaginado...

Dei um sorriso.

— A América do Sul é muito mais do que os filmes de Hollywood mostram. Não é aquele filtro amarelado e todo poeirento como vocês tentam fazer o mundo acreditar.

— Com certeza... isso... aqui... eu jamais imaginaria.

— É, desconfiei disso quando você me disse que nunca tinha vindo a essa parte do Continente Americano. – Completei o raciocínio e fui em direção ao Hotel. Não íamos ficar hospedados ali, mas era sempre bom ter um porto seguro para o caso de algo acontecer.

Nosso passeio era para ter durado apenas um par de horas, acabamos por pernoitar na ilha, sem mala, sem nada, não me importei, tudo aqui te convidava para ficar e esquecer do mundo, desde a praia tranquila, até o clima.

Alex, é claro, aproveitou uma parte da praia e alugou uma prancha para matar a saudade do surf, já eu preferi ir mergulhar e ver a vida marinha, mesmo que desse para ver quase tudo através das águas cristalinas.

Porém, o grande momento foi o pôr do sol, um momento único e tão perfeito que valeu cada foto que tiramos.

— Não... mais nenhuma foto vai virar quadro. – Falei com Alex, quando, já quase depois da meia-noite, íamos para o quarto, e ele ia vendo o visor da câmera e as fotos.

— Não precisa virar quadro, só mais uma foto para colocarmos em casa.

Balancei negativamente a cabeça, se dependesse dele, cada passo que dávamos virava uma foto que ele queria guardar. Nesse caso, a do pôr do sol era mesmo bonita, mas eu preferia a que tiraram de nós na pista de dança do bar do hotel...

O dia seguinte foi de despedida de Isla Bonita e de volta para Cartagena. Mal descemos da lancha e eu já tinha um destino certo, A Cidade Amuralhada, ou a parte antiga de Cartagena, com toda a sua história e vielas apertadas, com casas coloridas de janelas brancas.

Se o sábado foi de praia, o domingo foi de história, andamos o dia inteiro, passamos pelos pontos turísticos mais importantes e lindos que havia por aqui: a Torre do Relógio, portão de entrada da Cidade Amuralhada, onde, depois de tirar todas as fotos possíveis, atravessei a rua só para comprar doces, no Purtal de los dulces, depois a Plaza de la Aduana, e fomos circulando debaixo de um sol forte, pelas ruas floridas até a Plaza Santo Domingo, o coração da cidade, onde almoçamos a típica comida colombiana, depois seguimos para o Museo Histórico de Cartagena e terminamos o dia conhecendo a Muralha, com o grand finale no Baluarte de Santo Domingo, vendo o belíssimo pôr do sol.

Voltamos para o hotel exaustos, mas não tanto assim, se ainda passamos no Café Havana, no bairro de Getsemani, para dançar salsa e tomar o último drink em homenagem a essa linda cidade!

Quando entramos no Hotel, o pessoal da recepção até se assustou. Acho que nenhum outro hóspede ficou tanto tempo longe do hotel como nós. A verdade era a de que precisávamos de decolar ainda hoje de Cartagena, contudo, depois de passar o dia andando de um lado para outro, conhecendo, para Alex, e me encantando novamente por este paraíso colombiano, decidi que poderíamos ir para a Cidade do Panamá na segunda de manhã, até porque minha reunião lá seria à tarde.

Desnecessário dizer que desmontamos na cama, ambos deitados de barriga para cima, observando o teto.

— Isso que eu chamo de final de semana. – Alex quebrou o silêncio e se virou para me encarar, ele sorria abertamente.

— É... estávamos precisando, não? – Foi-me impossível não sorrir de volta.

— Sim, foi uma parada mais do que necessária para você. Há quanto tempo que você não fazia isso, no meio de uma viagem de negócios?

Mordi o lábio, na verdade eu não me dava o luxo de parar assim para curtir a cidade em que estava trabalhando e Alex notou isso, dando uma risada em resposta.

— Quantas belezas você já perdeu por trabalhar demais?

Dei de ombros e só respondi:

— Mas eu já conhecia Cartagena. Nenhuma das atividades que fizemos aqui eram novidade para mim!

— E você se sentiu muito entediada de revisitar todos estes lugares, não?

— Demais... – Fingi um falso cansaço. – Não se acostume...

— Quando vamos voltar aqui mesmo? – Ele perguntou me dando um chute na canela de leve.

— Não é assim tão longe de Los Angeles... – Deixei a frase no ar.

— Podemos fazer de Cartagena nosso refúgio... uns três, talvez quatro dias aqui, quando tudo estiver demais...

— Sonhe mesmo... sua agenda permite isso, não a minha... mas gosto da perspectiva de voltar aqui... – Sem querer conseguir me imaginar vindo aqui com mais frequência, só para poder ficar sentada na beira d’água, bebendo água de coco e, preguiçosamente, ficar vendo o mar bater na areia.

— Você gostou da ideia.

Não respondi, mas nem precisava, Alex viu o sorriso em meu rosto e leu a resposta muda que dava.

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Acordamos cedo e vimos o sol nascer de dentro do avião, o voo mais curto até aqui, foi quase todo sobrevoando o mar do Caribe, e, sem querer, me vi relembrando o sonho onde revisitei uma de nossas vidas...

Tanto tinha mudado nestes quase cinco séculos e meio que distanciavam aquela Katerina e aquele Alexander de nós, a única semelhança e estabilidade era o nosso amor e o fato de que estávamos juntos, não importava a situação.

A Cidade do Panamá foi um pouco mais caótica do que eu tinha imaginado, talvez por termos chegado justo na hora do rush da parte da manhã, ou porque era segunda e o trânsito tende a ser mais complicado neste dia, assim, perdemos bastante tempo no congestionamento o que acabou resultando no atraso da reunião.

Claro que para o escritório eu dei a desculpa esfarrapada de que tinha dado um pequeno problema na aeronave, que só foi consertado hoje, por isso o atraso, contudo, confesso que não me arrependia de ter estendido minha permanência na Colômbia.

Panamá é outro porto do Caribe que está sob jurisdição de Los Angeles, porém, de todos, é o que tem menos problemas para serem resolvidos, o fluxo de cargas que passam por aqui e atravessam o canal faz com que este seja o escritório mais fiscalizado e organizado das subsedes.

Assim, a reunião foi somente para formalizar a troca de comando do Escritório principal e acertar as metas para o ano de 2022.

Já nas docas, a situação também foi a mesma, tendo o sindicato daqui entrado em greve no início de 2021, suas demandas foram atendidas ainda no primeiro semestre daquele ano, não havia nada para ser reivindicado, mas sim para ser mostrado como tudo foi devidamente utilizado.

Com tudo resolvido em menos de doze horas, decolamos tarde da noite com destino ao México. Claro que Alex reclamou que não viu nada da cidade, mas quando argumentei que chegaríamos um dia mais cedo em casa, ele entendeu meu ponto de vista.

Foi corrido e cansativo? Sim. Poderia ter estendido a estadia até o dia seguinte? Poderia. Mas preferi voar e ter a chance de chegar em casa na quarta-feira, ao invés da sexta à noite.

Na viagem de cinco horas até a cidade de Lázaro Cárdenas, na Estado de Michoacán, no México, enviei meu relatório para Londres e aproveite para terminar o relatório geral da viagem que seria apresentado no final do mês à Direção. Internamente, apesar dos problemas e contratempos que tivemos, a viagem estava correndo melhor do que eu esperava.

Outro ponto que me vi resolvendo foram os primeiros passos para a criação da Fundação, mandei um longo e-mail para meus advogados em Londres, falando da ideia e questionando sobre a possibilidade de institui-la e quanto tempo demoraria para que tudo estivesse legalmente pronto para começar com a parte de buscar por resoluções no campo da prática.

Sabia, por alto, que não seria rápido, mas queria uma média de prazo para que eu fizesse meu cronograma pessoal, na tentativa de encaixar esse sonho em meu trabalho e na minha vida.

Fiquei tão concentrada nos e-mails e nas respostas que eu já tinha recebido dos demais que enviei na semana passada, que nem percebi que já estávamos sobrevoando a Costa Oeste do México e que faltavam poucos minutos para a aterrissagem.

Era o último destino dessa viagem de negócios antes que eu voltasse para casa.

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O Porto de Lázaro Cárdenas é considerado o mais moderno da América Latina e vem prestando um excelente papel de porto substituto para o congestionado Porto de Los Angeles e, por isso, atraiu a nossa atenção há três anos e fomos a primeira multinacional a utilizá-lo com o intuito de desafogar nossas cargas das docas californianas.

Hoje, além de ser o ponto de entrada das nossas cargas vindas de todo o Pacífico para distribuição no México, também está em discussão sua utilização como porta de entrada para alguns estados dos Estados Unidos.

Claro, essa nossa ideia só seria possível se houvesse cooperação dos dois países, bem como investimento na infraestrutura das rodovias dos dois países. Sem que precisássemos fazer muito, um acordo bilateral foi fechado entre EUA e México, tornando o nosso trabalho bem mais fácil e rápido.

Como é da política da empresa, quem administra nossas docas e o escritório daqui é um local, uma pessoa que, não somente conhece a área, como também sabe lidar com as questões políticas envolvendo os funcionários. Assim, tudo o que precisaria ser resolvido, me era passado e eu somente comandava as resoluções de Los Angeles, não sendo necessária a minha presença em cada uma das negociações.

E, em virtude de esta ser a mais nova das nossas subsedes, era também a menor em número de funcionários, algo que muito provavelmente virá a mudar em breve, tendo em vista ser mais ágil utilizar este terminal do que o de Los Angeles.

Deste modo, havia pouco a ser feito, a não ser o cronograma para a expansão de nossos funcionários e funcionárias no local, bem como o aumento das instalações do escritório.

Nossos planos eram a curto prazo e tinham tudo para darem certo e este se tornar o terceiro porto mais importante da Costa Oeste das Américas.

A reunião se estendeu por todo o dia e ainda continuou na quarta-feira, porém, estes planos tornariam a NT&S a maior empresa de logística europeia a atuar nas Américas. E, esta expansão requereria um novo escritório por aqui, para que todos os nossos portos e funcionários tivessem o devido apoio e conexão com Londres.

Eu nem acreditei que esta viagem tinha terminado no momento em que entrei no avião com destino a Los Angeles.

— E é o fim! – Clamei feliz me jogando na poltrona do avião e levantando os braços para o alto.

Alex, que me observava sentado no outro lado do avião, só falou:

— Seu humor está muito melhor depois dessa segunda perna da viagem do que estava quando chegamos à Cartagena.

— Menos problemas aqui e, claro, estamos indo para casa. Não há nada melhor do que o sentimento de saber que se está voltando para casa. – Respondi e me fiz confortável na poltrona, depois de tirar os sapatos.

O voo de quase três horas passou mais rápido do que eu teria imaginado, até porque a certa altura eu simplesmente apaguei escorada em Alex e só acordei quando ele me cutucou, avisando que estávamos chegando em casa.

Por poucos segundos achei que ele estava falando de Londres, então corri como uma criança para ver a curva do Tâmisa perto do Greenwich Park, e foi só quando eu vi a cidade cheia de morros e luzes por toda parte que me dei conta de que estávamos chegando em Los Angeles, mas a beleza das luzes me pegou de surpresa, quem diria.

— Por um segundo você pareceu decepcionada... – Alex observou.

— Quando você falou casa, achei que era Londres, culpe o sono. – Dei de ombros. – Porém, confesso que fui surpreendida por esta vista área, nunca tinha percebido.

— Melhor do que Londres, né? – Ele brincou, já sabendo a resposta.

Fiz um biquinho.

— As duas têm o seu charme. – Fui diplomática.

Fiquei um pouquinho tensa na hora da revista da alfândega, afinal, eu tinha sido a exagerada dos temperos e dos doces comprei bastante coisa em Cartagena. Ainda bem que nem olharam muito para a bolsa.

Devido ao fuso horário, aterrissamos um pouco antes do pôr do sol e como Alex estava com uma fome bem específica, acabamos indo para Santa Mônica.

— Que carinhas de cansaço são essas? – Dottie nos perguntou assim que nos viu.

— Acabamos de descer do avião... – Alex informou.

— Voltando da Europa?

— Não, América do Sul, fui a trabalho e ele a passeio. – Completei.

Dottie pegou o pano de prato que sempre carrega no ombro e bateu em Alex.

— Só quero ver quando for ela de férias e você trabalhando... já está passando da hora de vocês dois inverterem os papéis.

Abri um sorriso, Dottie não tinha jeito mesmo...

Desnecessário dizer que Alex comeu por um batalhão, eu nem tanto assim, depois de exagerar na viagem, era hora de fazer uma mini dieta, se eu quisesse que as minhas roupas de trabalho me servissem.

Acabou que ficamos por Santa Mônica por mais tempo, e encontramos a turma toda na praia, eles saindo do surf e, claro, não deixaram de mexer com Alex, falando que agora que ele voltou a ser famoso, ele tinha deixado o esporte para trás.

Meu noivo, que não gosta de ser contrariado, disse que estaria no dia seguinte bem cedo na praia, só para mostrar que ele não tinha abandonado o surf.

— E vou trazer a Kat! - Adicionou sem necessidade alguma.

— Hei! Não me coloque nesse balaio de gato... tenho que trabalhar! O máximo que posso vir a fazer é correr.

E foi dito e feito, às cinco da manhã, Alex me acordava com a desculpa que eu disse que ia correr na praia enquanto ele surfava. Olhei um tanto contrariada para ele, estava cansada e confusa com o fuso, porém não surtiu efeito nenhum.

— Mas vou correr sozinha? Não buscamos nossos peludos na casa de seus pais! – Tentei arranjar mais um tempinho na cama.

— Pepper vai, afinal, Will está me devendo uma.

— Está? – Dessa eu nem me lembrava.

— Ele sempre está... nem eu sei de quando, mas está. – Disse-me com certeza.

Sentei-me na cama e fiquei observando meu noivo ir e vir dentro do quarto, procurando por suas coisas, até parecia que ele tinha se esquecido onde tudo ficava.

Ainda mais dormindo do que acordada levantei-me, indo na direção do closet para procurar por alguma roupa de ginástica. Internamente ia praguejando contra Alex que tinha me acordado tão cedo quando eu precisava urgentemente de dormir mais um pouco.

Com pouco desci atrás de uma xícara de chá preto, bem forte, na tentativa de fazer com que meu cérebro ainda adormecido pegasse no tranco. Alex, para variar, estava tomando café.

— Bom dia! – Ele me cumprimentou com um sorriso de lado assim que viu o meu estado.

Só meneei a cabeça em resposta, ainda não estava no humor para conversas.

— Parece que o seu bom-humor matutino só aparece uma vez por ano e foi gasto em Cartagena.

Lancei um olhar mortal, será que ele ainda não tinha compreendido que eu não estava para conversas?

— E não adianta me olhar torto assim, Loira. Eu vou continuar te perturbando até que você me dê bom dia, e de bom-humor.

Parei o que estava fazendo e encarei-o. Será que ele estava realmente falando sério?

— E sim, estou falando sério! – Ele respondeu ao meu olhar.

— Pode sentar porque eu vou demorar para trocar de humor. – Informei.

E Alex puxou uma das banquetas de ilha e se sentou, observando cada um dos meus movimentos enquanto eu fazia um chá bem forte para comer com torradas.

— Tenho a mais absoluta das certezas de que a sua mãe te ensinou que encarar é falta de educação. – Murmurei já cansada de sentir o seu olhar sobre mim.

— Sim, Dona Amelia me ensinou, mas estou esperando sentado o seu humor mudar... como você mesma disse. - Ele me provocou com esse final.

Girei em meus calcanhares e acabei por ceder.

— Bom dia. – Dei um sorriso falso para ele.

— Esse não valeu.

— Senhor! Você por acaso tirou o dia para me atazanar?

Alex deu uma gargalhada.

— O fuso e a viagem te pegaram de jeito, hein?

— Não te pegaram? – Sentei-me ao seu lado e comecei a mordiscar as torradas, Alex pegou algumas e juntou ao seu prato de ovos e bacon.

— Não... mas você já deveria saber que meu organismo é meio lento para isso...

Lembrei de quando fomos à Inglaterra pela primeira vez e a diferença de fuso só foi fazer efeito em Alex depois que estávamos a quase quarenta e oito horas lá.

— Amanhã será a minha vez de te importunar. – Comentei.

— Você não tem coragem de fazer isso comigo, Loira. Nunca teve.

Revirei meus olhos. Isso era verdade.

Acabamos de tomar o café da manhã e fomos tentar a sorte em alguns dos carros, para ver se a bateria não tinha descarregado.

Somente minha amada Jamanta tinha sobrevivido a semana sem uso. O que resultou com Alex no banco do carona e falando no meu ouvido (como se ele já não estivesse).

— Você deveria respeitar esse carro, afinal, foi o comercial dele que te abriu novamente as portas para a atuação.

— Não foi esse carro. – Alex falou rindo e deu um tapa na lataria da porta do carona.

— Não faça isso! – Reclamei. – E você me entendeu, você fez a propaganda de lançamento do modelo mais novo que esse... então é praticamente a mesma coisa.

— Não, não é. – Ele insistia só para me irritar. Por fim, acabei deixando que ele falasse o que quisesse e me concentrei em dirigir, o que não agradou tanto assim o meu copiloto de araque. – Vai ficar calada o tempo todo?

— Estou matando a saudade de dirigir. Detesto ser carregada de um lado para outro.

— A sua piloto interior reclama, é?

— Eu sou uma piloto amadora. Não há piloto interior aqui. Assim, prefiro sempre estar atrás do volante, tomando todas as decisões. – Respondi.

— Como a decisão errada de estacionar onde não cabe o seu carro? – Ele apontou para a vaga onde eu faria a baliza.

Fiz a baliza com maestria e estacionei o carro de primeira.

Como saber exatamente onde cabe e não cabe o meu carro.— Comentei assim que tirei a chave da ignição.

— Exibida.

Foi a minha vez de rir.

— Não. Só sou mais motorista que você. Admita, Alex, você morre de inveja da minha habilidade atrás de um volante.

Ele ficou calado enquanto tirava a prancha do deck improvisado no teto.

— E se você ficar calado, vou entender isso como um sim. – Cutuquei as suas costas e ele quase deixou a prancha cair em cima do próprio pé. – E cuidado com isso aí... não quero você com o pé enfiado em uma bota ortopédica novamente.

— Você não ia correr, Kat?

— Já estou indo. Só vou me alongar.

Com pouco, andamos até onde a turma normalmente se encontrava. Cumprimentei a todos e depois saí correndo pela orla, sentindo a brisa fresca dessa manhã de inverno batendo em meu rosto e fazendo muito bem o trabalho de acabar de me despertar e me localizar no fuso horário.

Um sol tímido já tentava se fazer ver por entre as nuvens, indicando que seria mais um dia relativamente quente.

Suspirei com saudades de um inverno verdadeiramente gelado e da sensação de me levantar cedo para correr em Saint James Park com temperaturas na casa dos sete a nove graus.

Para me distrair, observei o Oceano Pacífico, comparando estas praias com as praias que vimos na América do Sul. Que Alex nunca fique sabendo, mas as praias do Sul são muito mais bonitas.

Cheguei ao Posto 10, fiz a volta e, depois de aumentar o volume dos fones de ouvido, disparei pelo calçadão, correndo livre e sem interrupção até o fim do Píer de Santa Mônica.

Parei bem perto da murada e me alonguei, já tinha um tempo que eu não corria toda essa distância e tão rápido, então acabei demorando um tempo maior para recuperar o fôlego.

Caminhei até onde Alex havia deixado a mochila e depois tentei achá-lo no meio da turma que estava esperando pelas melhores ondas. Cruzei os braços e esperei que ele fizesse a bondade de vir para a areia, precisava ir embora para ir trabalhar.

Demorou um pouco e ele fez o seu showzinho particular na água, brincando com a cara de Will, Benny e Matt assim que pisou na areia.

— Eu não perdi o jeito. – Comentou. – Só estava sem tempo.

— Só fez essas manobras porque a Kat está aqui. – Will continuou com a implicância de sempre e Alex só chutou um punhado de areia nas costas dele.

— Que não sobre para mim. Não tenho nada a ver com isso! – Já fui me defendendo para que não acabasse com areia até nos cabelos.

Segui Alex até a sua mochila e ele tentou me fazer ficar mais um pouco.

— Não posso. Milena está de férias, Amanda está de folga de uma semana e eu preciso urgentemente ver como está o escritório. Só vim avisar que vou voltar de UBER...

— Pegue o carro. Will me deixa em casa.

— Tem certeza?

— Mas é claro, Kat... sempre revessamos assim.

Olhei para Alex para ver se ele estava sendo sincero ou não. Ele estava.

— Então tudo bem. – Aproximei-me e dei um beijo em seus lábios. – Te vejo à noite?

— Tem compromisso para o almoço? – Ele me questionou.

— Não.

— Vou te levar o almoço, então.

— Vou ficar esperando. – Prometi.

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As semanas que se seguiram à viagem pela América do Sul passaram voando. Em um piscar de olhos já era hora de viajar para Londres, de onde eu voltei, se não com todas as soluções para os Portos do Escritório do Pacífico, com quase todas. As notícias foram prontamente repassadas para cada subsede, em reuniões por videoconferência. E quando a última terminou, eu me sentia realizada. Sabia no fundo que meu trabalho estava sendo bem feito e que eu investia o tempo e minha atenção nos pontos certo.

Outra evolução foi a instituição de minha fundação. Os advogados de Londres já estavam a par do que eu queria e como eu queria, e iriam se reunir com especialistas nesse assunto para começarem os trâmites para a criação da Broken Pieces Shine.

Quando comentei com minha mãe, na tarde de sábado que antecedeu a minha volta à Los Angeles, sobre o que eu queria fazer, ela parou, me encarou e depois de me dar um abraço apertado, comentou:

— Você não foi a médica que eu queria que fosse. Mas vai fazer exatamente o que eu queria que fizesse.

— Mãe, eu não vou estar efetivamente na linha de frente...

— Eu sei, minha querida. Porém, estará onde mais todos precisam, dando o apoio financeiro para àqueles que são esquecidos pelo mundo.

— Ainda estou preocupada em quem irá fazer esse trabalho.

E foi aqui que o sorriso de minha mãe ficou ainda maior.

— Conheço pessoas que não hesitariam em se juntar a você nessa causa.

— A senhora seria uma dessas pessoas? – Questionei, uma ideia me ocorrendo.

— Por que justamente essa pergunta, filha?

— Porque eu não tenho tempo para ser a presidente da Fundação. Queria muito poder presidi-la e acompanhar os atendimentos, a efetiva ajuda a todos, mas também não posso abandonar meu emprego que é de onde tirarei os recursos para mantê-la. Assim, quem sabe, a senhora, que já está tão acostumada a ajudar quem precisa com seu trabalho nos Médicos Sem Fronteira, não assumiria a presidência e, com o seu conhecimento e contatos, não pode fazer isso ser ainda mais promissor e chegar aonde tem que chegar?

Dona Diana Nieminen me olhou, seus sábios olhos azuis esverdeados estudando minhas feições, mas também pesando o futuro e minha proposta.

— Você é uma garota muito inteligente e sabe exatamente quando fazer uma proposta tentadora, Katerina... – Ela falou com aquele tom de mãe orgulhosa, mas ao mesmo tempo preocupada, sabendo que se cedesse para essa ideia, eu não pararia ali.

— Foi exatamente para isso que estudei. Fazer propostas interessantes e imperdíveis nos momentos certos.

— Você não terá a minha resposta agora...

— Sei que não. A fundação não está nem no início de ser criada... falta muita burocracia, posso esperar pela sua resposta até lá. – Levantei-me da poltrona onde estava sentada e ajoelhei-me perto de minha mãe, um movimento que fiz inúmeras vezes quando era criança. – Apesar de já ter uma ideia de qual será a sua resposta, mamãe, só de olhar para a senhora. – Pisquei para ela e me levantei, levando a minha xícara de chá e a dela, que já estavam vazias, para a cozinha. No meio do caminho, escutei o seguinte comentário de minha mãe:

— Você tem o mesmo dom persuasivo de Jari. Até isso você puxou dele. Foi com um olhar igual a esse que você me deu, que ele me convenceu a me casar com ele.

Abri um sorriso, ela tinha acabado de me dar a resposta. Em meu peito um peso enorme foi-me tirado, eu sabia que agora as pessoas que eu tanto queria ajudar estariam nas melhores das mãos.

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Eu pisquei e já era abril e faltavam cerca de dez semanas para que meu sobrinho nascesse.

Em um final de semana, um pouco antes de meu aniversário, fiz questão de ir visitar Kim e Vic, e ela estava enorme!

— É... ele vai puxar os Nieminen. – Minha cunhada comentou acariciando a barriga de quase sete meses.

A mim, só restou acompanhá-la na risada. Vic estava exultante, tinha documentado toda a gravidez até aqui, transformando cada consulta médica, cada exame, em uma recordação.

Se a gravidez para algumas mulheres era sinônimo de cansaço, de preocupação, para Vic nada mais era do que uma benção, o momento mais feliz dela até aqui.

E com Kim não era diferente. Bastava ver o orgulho com o qual meu irmão falava da esposa e de tudo o que ela enfrentou nos últimos sete meses. Além, é claro de mostrar, com os olhos brilhando, o quartinho de Sebastian, que ele mesmo tinha montado, desde a pintura até os móveis.

— Tem certeza de que não está faltando nada aqui? – Questionei olhando o quarto decorado com temas esportivos.

Kim me deu um chute na canela e garantiu que não.

— Eu acho que está! – Falei. – Espere aqui, já volto. – Saí correndo pela casa, até a garagem onde o carro que eu e Alex alugamos estava e, depois de abrir o porta-malas, tirei de lá um carro elétrico. E não era qualquer carro... Uma réplica de um carro da equipe Mercedes da Fórmula 1, com o número 44 estampado em amarelo florescente no bico. Assim que apareci com o carrinho elétrico, que Sebastian só poderia usar quando tivesse uns dois anos, Vic levantou uma sobrancelha e Kim deu uma risada.

— Onde está o carro laranja da McLaren?

— Não tinha. Ao que parece, tem-se somente duas escolhas nas F1 atual, ou você é Red Bull e torcedor do Max Verstappen ou é Mercedes e torce para Lewis Hamilton... Como você, Joakim, é efetivamente fã do Hamilton, comprei esse... Até porque não dá para torcer para a RBR.

— Vai virar a casaca nessa temporada, é? – Ele brincou comigo, mas pegou o carrinho e levou para o quarto de Sebastian.

— A dupla da McLaren não me agrada muito. Assim, estando sem piloto para torcer, posso ser muito bem convencida a escolher alguém.

Vic deu uma risada e depois de pegar o celular e procurar algo, me lançou o aparelho.

— E isso seria?

— A dupla da Mercedes, até eu me rendi a eles e à equipe inteira. São talentosos demais e sabem o que é ganhar, algo que nós duas não sabemos desde...

— Muito tempo! – Ri para não chorar de nosso infortúnio com nossas equipes favoritas. A McLaren não ganha nenhum campeonato desde 2008 e, com a Williams, o buraco é ainda mais embaixo, desde 1997. – E deixa os Williams saber o que você acabou de me falar... – Comentei rindo e dei uma olhada na equipe.

— Uma fofoquita me contou que até mesmo a Liv já andou dando umas pistas de que talvez já tenha um novo piloto favorito para substitui o Kimi.

— Ninguém substituirá o Kimi. - Falei certeira.

— Mas alguém pode ocupar a vaga deixada por ele, não ser o favorito de todos os tempos, mas ganhar a torcedora que ficou para trás e órfã...

— Seria um da Mercedes? – Perguntei rindo e, conhecendo a minha sobrinha, eu já sabia quem era, assim apontei para a foto do piloto na tela do celular de minha cunhada.

— Ela deixou escapar um dia que talvez fosse torcer exatamente para esse. George Russell.

— Com a Liv não tem talvez... Mas isso não me impressiona, ela torce para o Bottas e ele estava na Mercedes. Estou começando a achar que temos uma Mercedista entre nós.

— Quem é Mercedista na família? Fala isso para o pai e era uma vez a herança. – Kim voltou à sala comentando alto.

— A Olivia. – Vic respondeu.

Kim deu uma risada.

— Isso é problema do Ian. Quero ver ele comprar camiseta de outra equipe que não seja da McLaren naquela casa... Porque nunca... espera, somente uma pessoa foi vira casaca na família. – E ele olhou para mim.

Alex, do meu lado, me deu um cutucão. Já rindo da provocação de Kim.

— Eu nunca virei a casaca. – Sibilei.

— Comprou uma camisa da Ferrari!

Meu noivo fingiu surpresa.

— Não comprei camisa alguma da Ferrari. Roubei a camiseta da Pietra e não era da equipe, era do Räikkönen, tinha o número do carro dele e a bandeira da Finlândia estampada. – Destaquei. - Tem uma grande diferença!

— Tem o cavalinho rampante, é Ferrari. – Kim chutou o meu pé. – Eu lembro até hoje a cara que o pai fez quando você, a filhinha querida, vestindo essa camisa, comemorava o campeonato mundial do seu piloto e da equipe pela qual ele corria.

 - Não comemorei o título da Ferrari. – Disse entre dentes.

— Ian vai passar pela mesma coisa... – Kim fingiu que não me escutou. – Mas até que será bom ter alguém que sabe quem é o melhor piloto do grid.

— Liv escolheu o outro piloto da Mercedes, não o Hamilton.

— Ela vai ver quem é o melhor, e até a metade da temporada, estará trocando o 63 pelo 44. Quer apostar?

— Não. Liv está entrando na adolescência e eu não vou disputar com a cabeça e o coração de adolescentes!

Depois dessa pequena provocação, que resultou em uma ligação para Ian para que ele fosse se preparando para a revelação de que a filha mais velha não o apoiava tanto assim, o final de semana terminou com um jogo ao vivo na arena dos Black Hawks, válido pelos playoffs da NHL.

Na despedida, fui informada de duas notícias, Vic teria o bebê em Londres e quem seriam os padrinhos seriam Ian e Tanya.

— Afinal, eles jogaram essa responsabilidade nas nossas costas, está na hora de devolver o favor.  - Kim falou rindo.

— Pior que eles não vão estragar o seu filho, como nós fizemos com os deles... eles vão deixá-lo certinho demais. – Constatei.

— Acho melhor chamar a Pietra então... – Vic falou.

— E você terá um Ferrarista em casa. Fique com Ian e Tanya. – Afirmei apavorada.

— Vendo por este lado... e sabendo que ela já queria até inscrever o bebê na Academia de Pilotos da Ferrari... – Vic continuou. – Ninguém precisa disso.

— Não mesmo. – Concordei e depois de um abraço, despedi-me deles, prometendo voltar antes que ela viajasse para Londres e ainda desejei ao meu irmão gêmeo um feliz aniversário adiantado.

— Trinta... – Ele falou e puxou um fio do meu cabelo e eu fiz uma careta para ele. – Era um fio branco. – Brincou.

— Se eu já tenho um fio branco, Kim, você também tem! Somos separados por meros vinte minutos.

— Os trinta não pesam assim para os homens, já para as mulheres... – Ele tornou a me provocar.

Dei de ombros. Antes ficar velha me incomodava bastante, algo que hoje não me faz nem perder uma noite de sono.

— Não para mim. Minha vida está realmente feita e acho que sou uma das poucas mulheres que pode dizer isso nessa idade.

— Somos sortudos, não? – Kim passou um braço pelos meus ombros e foi me guiando até a garagem, onde Alex estava guardando as malas.

— Muito. Muito sortudos.

Hyvää syntymäpäivää[1]. – Kim falou.

Hyvää syntymäpäivää! — Respondi depois de abraça-lo. – E tome conta da minha amiga e de meu sobrinho. Ainda tenho muitos anos de vida para estragar esse menino.

Kim deu uma risada.

— É, eu sei que você vai estragar o meu filho... disso eu não tenho dúvidas.

Despedi-me dos dois, Alex fez o mesmo e depois partimos para o aeroporto. Quando chegamos em casa e fomos recebidos por nossos cachorros, tive a certeza de que, depois de dois meses tão tumultuados, nossas vidas tinham finalmente entrado nos eixos.

 

[1] Feliz aniversário.


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Notas finais do capítulo

Bem, é isso.
Sobre o nome da Fundação, sim, é o nome de uma música do Evanescence que já foi colocada aqui e que, se encaixa muito bem em tudo o que a Kat passou.
Muito obrigada por lerem até aqui
Até a próxima atualização.
xoxo



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