Queen of Titans escrita por Lady L


Capítulo 2
I- Deal With The Devil


Notas iniciais do capítulo

Olá! Como prometido, estou de volta, dessa vez com um capítulo de verdade kkkk! Boa leitura :)



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19 de Junho de 2171; Companhia Platina, Alcântara

Titania->

O décimo oitavo aniversário é uma ocasião muito especial em Alcântara, meu país de origem. Lá, rostinhos bonitos são a base na economia nacional. Nós vendemos beleza em seu melhor, como um ideal platônico ou um êxtase fumegante, o cliente é quem manda. Sempre foi assim, desde que todos conseguimos nos lembrar, nós produzimos as pessoas mais belas do mundo. Mas nada disso pode ser concretizado antes do décimo oitavo aniversário de uma beleza.

Meu nome é Titania, Titania Midsummer, e há dois meses, eu fiz dezoito anos. Como todos meus colegas, esse foi um dia que eu aguardei e temi desde pequenina, pois é nesse dia que devemos fazer uma escolha sem volta: ficar e servir, ou ir embora e definhar.

Eu fui projetada e criada pela Companhia Platina, a empresa que controla 90% da economia da pequena ilha de Alcântara, que em tempos remotos foi conhecida como Fernando de Noronha. Dois terços dos cidadãos da ilha são como eu: geneticamente manipulados para terem a melhor aparência possível, e o restante do mundo nos chama de “belezas”. Nós somos criados para os mais diversos propósitos: modelos, acompanhantes, Misses de concurso, agentes de relações públicas ou qualquer outra função que possa se beneficiar de rostos e corpos harmônicos. Desde que nascemos, somos treinados para servirmos ao nosso propósito, e a maioria de nós encontra vidas de luxo e mimos em seu futuro. Estima-se que 85% dos modelos na indústria sejam “belezas”, e, na idade adulta, 70% das “belezas” faturam valores superiores a novecentos mil dólares anuais.

Mas há um porém: para ter acesso a essa miragem dourada e cintilante de glória e riqueza, você precisa assinar um contrato. E é aí que o décimo oitavo aniversário desempenha tamanha importância: uma pessoa deve ter no mínimo dezoito anos para assiná-lo. É claro que a opção de não assinar era oferecida, uma vez que vivemos em uma “democracia”, mas todos sabiam que isso acarretaria uma vida de penúria, na qual a Companhia fará tudo o possível para que você não consiga qualquer trabalho, então já faziam quarenta e três anos desde a última vez que alguém se recusou a assinar e se tornou um “proscrito”.

Contudo, nas semanas que antecederam meu aniversário, eu comecei a entreter seriamente a ideia de ser a primeira em quatro décadas a jogar o contrato no lixo e ir embora. Na manhã do grande dia, eu ainda não havia tomado minha decisão, e quando acordei, eu mal consegui levantar da cama.

—Você já deveria ter começado a se arrumar- Mab disse, em um tom reprovador, quando me pegou sentada no chão de nosso quarto, encarando as paredes com um ar ausente.

Eu tentei evitar olhar minha irmã nos olhos, porque eu sabia que, se eu olhasse, ela veria toda a dúvida que se enraizava em minha mente. Mesmo assim, me levantei do chão e caminhei até o enorme espelho de nossa penteadeira, que ela havia indicado com a cabeça. Meus cabelos ainda estavam molhados, eu estava de roupão, e tampouco havia qualquer cosmético no meu rosto.

—Eu já te disse várias vezes, Titania, que você tem que prestar mais atenção nos horários- Mab disse, me empurrando para que me assentasse à penteadeira e começando a desembaraçar meus cabelos- Você tem sorte de eu já estar pronta, nós temos só uma hora para dar um jeito em você.

Mab podia agir como se tivesse décadas a mais do que eu, mas ela era da minha exata idade. Eu, Mab, Oberon e Lysander havíamos todos nascido no dia dezenove de junho do ano de 2153, tirados das incubadoras como pãezinhos recém-saídos do forno. Produzidos a partir dos mesmos gametas, nossa semelhança física era notável: todos éramos loiros, altos e tínhamos olhos de um âmbar claro, quase dourado. Era comum que “belezas” viessem em grupos de irmãos, era um jeito que a Companhia tinha de maximizar o uso dos gametas disponíveis, e era até mesmo um símbolo de status entre nós ter ao menos um irmão. Demonstrava que sua “matéria-prima” era de qualidade elevada, por mais tolo que isso pudesse soar.

Mab passou um secador pelo meu cabelo para tirar umidade, e logo em seguida o modelou em algumas ondas perto das pontas. No meu rosto, ela fez uma maquiagem leve e natural, mas que valorizava meus traços, e então ela me levou até nosso armário compartilhado e começou a remexer as roupas. Enquanto ela procurava algo para me vestir, eu me permiti observá-la discretamente. Minha irmã era alguns centímetros mais baixa do que eu, e seu biotipo era ossudo, em contraposição ao meu, que ostentava curvas generosas em uma figura esguia, em formato de ampulheta. Seu cabelo loiro tinha uma matiz desbotada, e embora ninguém nunca fosse dizer que ela era feia, a harmonia das suas feições não era muito memorável. Mab era bonita, é claro que era, mas eu não podia evitar de me sentir um pouco mal por ela, ela era como milhares de outras “belezas”, premeditadamente medíocre.

Eu não precisava me perguntar o que estaria no contrato de Mab: ela havia claramente sido planejada para ser uma modelo, e embora fosse pouco provável que ela chegasse aos desfiles de alta costura, uma vida confortável a aguardava, com trabalhos em catálogos de roupas e propagandas de cosméticos. Oberon certamente também seria modelo, seu corpo torneado, cabelos dourados e desgrenhados, e sorriso branco contra uma pele bronzeada lhe renderiam qualquer trabalho de moda praia ou até mesmo de roupas íntimas, mas ele tinha pouco potencial a mais do que Mab. Eu amava os dois, eles eram meus irmãos, sangue do meu sangue e carne da minha carne, mas seria pouco realista da minha parte negar que eles nunca foram destinados a ascenderem muito, os engenheiros genéticos os fizeram belos, mas não extraordinários.

Eu posso testemunhar sobre ser extraordinária, assim como meu último irmão, Lysander. Parada ali, na frente do espelho, finalmente enfiada no vestido tubinho branco que Mab havia escolhido para mim, eu não poderia negar que minha aparência física era de tirar o fôlego. Meus cabelos de um dourado luminoso e claro caíam até meus quadris largos, que se fechavam de maneira dramática em uma cintura fina, ressaltando ainda mais meus seios grandes e arredondados. Minha pele clara, mas não pálida, tinha um tom gentil de pêssego, brilhando contra o branco do vestido, e ressaltando o âmbar assombroso dos meus olhos grandes e amendoados. Meu rosto era de uma beleza clássica, em um formato ovalado, com maçãs do rosto altas e mandíbula angulosa, que se afilava em um queixo delicado, e lábios róseos, de desenho pequeno e cheio.

—Você está deslumbrante, Ania- Mab elogiou, parecendo satisfeita com o seu trabalho.

—Obrigada- eu agradeci, me virando para ela e sorrindo- E obrigada pela ajuda. Eu estou tão nervosa, Mab, não sei o que teria feito sem você.

Mab sorriu de volta, sua expressão normalmente tão severa se suavizando um pouco. Ela parecia quase maternal com aquele sorriso, genuinamente feliz em me ver satisfeita, e meu coração se apertou com a ideia de perdê-la.

—Sem problemas, Ania- ela disse, tocando em meu ombro- Eu sempre vou estar estar aqui para você, sempre que você precisar.

“Não, você vai estar longe, feliz, trabalhando como modelo, em sua casa grande, com um belo marido e dois poodles adoráveis, e eu vou ser uma proscrita”- eu pensei, mas não deixei que minha expressão denunciasse minhas preocupações.

—Eu te amo, Mab- eu respondi, puxando-a para um abraço. Ela pareceu um pouco hesitante a princípio, mas logo me puxou de volta.

—Eu também te amo, Titania- ela respondeu, mas logo se afastou um pouco- Mas agora precisamos ir. Os garotos já devem estar nos esperando.

Realmente, Lysander e Oberon estavam nos esperando na sala comunal das belezas, uma área grande e espaçosa localizada entre os dormitórios femininos e masculinos.

—Uau!- Oberon exclamou, levantando-se, e pegando em minha mão para me fazer dar uma voltinha- Vocês estão deslumbrantes!

—Você também está, maninho- respondi, batendo meu ombro contra o dele em um abraço desajeitado.

Lysander correu os olhos por nós duas e não disse nada, mas sorriu, ainda que com alguma tensão. Eu sabia exatamente porque ele estava daquele jeito, pelos mesmos motivos que eu. A conversa que tivemos algumas semanas antes repassou na minha mente.

“Seremos acompanhantes, esse é meu palpite”- Lysander havia dito- “Somos bem diferentes dos modelos, mas nossa educação foi superior à dos outros acompanhantes, então não tenho como ter certeza, Titania. O que quer que seja, eu vou aceitar. É melhor do que ser um proscrito.”

Na ocasião nós havíamos discutido, e desde então, havia algum desconforto toda vez que nos encontrávamos. Eu não me arrependia das coisas que eu havia dito, contudo. Acompanhantes teoricamente eram pagos apenas para fazer companhia e aparições públicas com clientes, mas todos já havíamos ouvido boatos sobre o submundo do negócio: a prostituição, a pornografia, as chantagens; e era consenso que nenhum acompanhante conseguia ter o mínimo de sucesso sem se submeter a isso. Eu me recusava a viver essa vida, a me tornar um joguete sexual dos poderosos, e queria que Lysander também tentasse se preservar. No final, nós dois havíamos permanecido intransigentes em nossos pensamentos, mas combinamos de não contar nada a Oberon ou a Mab. Queríamos que eles tivessem o máximo de sucesso que pudessem, e por isso era melhor deixá-los assinar os contratos primeiro, para que não ficassem tentados a se recusarem para não me deixar sozinha no mundo caso eu realmente me tornasse uma proscrita.

Nós caminhamos até o escritório do diretor em silêncio, a tensão perceptível em cada um de nós. Lysander estava deslumbrante, eu reparei, ainda mais do que normalmente. Tudo que Oberon tinha em beleza acessível e familiar, Lysander tinha em uma elegância tão cortante e refinada que o separava esteticamente de todos os outros. Apesar de ter traços masculinos, um corpo esguio e forte, e ser muito alto, Lysander tinha delicadeza em suas feições, uma precisão aristocrática, um ar de juventude, e talvez uma leve arrogância. Os cabelos dele eram de um loiro caramelo, sedosos e em um corte curto, e seus olhos intensos brilhavam contra uma pele de um bronzeado gentil. No momento, ele estava vestido finamente em trajes formais e alinhados, e ele era possivelmente o de melhor aparência entre nós três. 

Eu sempre tive uma pontada de inveja de Lysander. A maioria das pessoas concordaria que eu e ele éramos parecidos, e que tínhamos níveis análogos de beleza e classe, mas ele sempre pareceu cativar todos ao nosso redor com muito mais facilidade do que eu. Ele exalava charme com a mesma naturalidade com que respirava, sempre sorridente e agradável, e conseguia manter um diálogo com qualquer tipo de gente. Já eu, reservada e taciturna, ainda que não de propósito, não era muito aberta com estranhos, e sempre sentia um certo afastamento das pessoas para comigo, como se eu fosse inescrutável, talvez até mesmo perigosa.

A sala do diretor ficava no último andar, na ala do prédio que ficava de frente para o mar. Dentro do elevador panorâmico, nós conseguíamos ver a praia lá fora, e o tom azul brilhante do oceano. O céu estava limpo, o sol brilhava forte, e ver toda aquela beleza gloriosa e descomplicada me acalmou um pouco. O que quer que acontecesse, o mundo lá fora ainda estaria lá, o sol ainda brilharia, e enquanto isso fosse verdade, haveria esperança.

As portas do elevador se abriram, e nos vimos em um saguão amplo e ricamente decorado. Uma recepcionista imediatamente veio em nossa direção, uma mulher deslumbrante de cabelos negros e olhos verdes intensos. Ela era alta e esguia, e tinha por volta de trinta anos, além de exibir um sorriso receptivo. Com certeza uma beleza, como nós, e uma projetada de maneira particularmente agradável.

—Vocês devem ser os irmãos Midsummer- ela disse, já nos guiando pelo saguão- Por favor, aguardem aqui, o Diretor já vai chamar vocês.

Nos acomodamos em algumas poltronas confortáveis, e após alguns minutos, a recepcionista chamou Mab, que foi guiada por um corredor para fora de nossa vista.

Não se passou muito tempo até que Mab voltasse, com uma expressão tranquila e um sorriso satisfeito.

—Foi um bom contrato, eles já conseguiram um emprego de modelagem para mim nos Estados Unidos. Tenho certeza que o de vocês também será bom- ela disse, e então a recepcionista a guiou para o elevador, que a levaria para uma outra sala em que ela concluiria o processo de contratação.

Logo depois, foi a vez de Oberon. Novamente, não levou muito tempo, e ele voltou sorridente, falando que também havia conseguido um emprego nos Estados Unidos, na mesma campanha que Mab.

—Quem sabe eles não nos deixem todos juntos?- ele disse, um brilho esperançoso em seu olhar. Eu me forcei a sorrir, mas senti meu estômago se embrulhando. Eu queria ser ingênua como meu irmão, mas eu sabia melhor, eu e Lysander sabíamos. Oberon logo foi guiado para fora, e nós dois ficamos sozinhos, um silêncio denso e tenso se instalando entre nós.

Longos minutos se passaram, muito mais do que tinha se passado para Mab ou Oberon, e eu podia sentir a inquietação crescendo dentro de mim. Eu estava prestes a me levantar e andar pela sala, pois minhas pernas não paravam quietas, quando a recepcionista se aproximou de nós.

—Titania e Lysander Midsummer- ela nos chamou- O Diretor está pronto para ver vocês.

—Juntos?- Lysander questionou, arqueando uma sobrancelha.

A recepcionista checou alguma coisa em seu tablet, e então assentiu.

—Foram as instruções que me foram passadas, apesar disso ser um pouco irregular. Por gentileza, me sigam.

O longo corredor nos guiou até uma imponente porta de madeira escura, que se abriu com um suave rangido. A recepcionista fechou a porta atrás de nós, e eu e Lysander nos vimos parados em um amplo escritório com paredes de vidro e vista para a imensidão azul do mar.

O Diretor era um homem baixo e magro, o que era um pouco engraçado, uma vez que a maioria das belezas eram altas, e, consequentemente, o faziam parecer ainda menor em comparação. Cabelos grisalhos, barba bem aparada, terno escuro e elegante, cinquenta e tantos anos. Ele tinha uma aparência profissional, mas estava longe de ser como as belezas cuja criação ele supervisionava, e era provavelmente a pessoa de aspecto mais normal com a qual a maior parte de nós tinha contato, por mais esporádico que fosse.

Havia outro homem ao lado dele, o que me surpreendeu. Por todos os relatos, o momento de assinar o contrato tinha geralmente apenas o Diretor presente. Isso me deixou ainda mais ansiosa do que eu já estava, um péssimo pressentimento se apoderando de mim. O sujeito tinha por volta dos quarenta anos, cabelos castanhos e olhos azuis. Alto, elegante e bem vestido. Eu senti seus olhos me percorrendo lentamente com algum maravilhamento, o que era uma reação comum para alguém que via uma beleza, mas havia algo mais em sua expressão, uma satisfação singular.

—Senhorita, Senhor, é um prazer recebê-los- o Diretor se levantou, apertando a mão de Lysander e a minha, o que me surpreendeu- Permita-me apresentar-lhes o Senhor Philips.

O homem de cabelos castanhos estendeu a mão para mim. Quando eu estendi a minha, ao invés de simplesmente apertá-la, ele plantou um beijo em suas costas.

—Encantado, Senhorita- ele disse, e eu percebi que tinha um sotaque inglês forte. Em seguida, ele cumprimentou Lysander- Senhor.

—Por favor, façam a gentileza de se assentarem- o Diretor continuou- Vou apenas revisar alguns últimos detalhes, e logo poderão ver o contrato.

O Diretor fixou seu olhar para o monitor à sua frente por alguns segundos, mas logo depois voltou a nos olhar com uma expressão interessada.

—Olhos âmbar- ele murmurou, quase que devaneando- Uma escolha singular. A maioria dos engenheiros escolheria azul ou verde para complementar os cabelos e o tom de pele. Um excelente trabalho por parte do Dr. Smith, vocês são simplesmente magníficos.

O Senhor Philips deu um risinho, que eu senti como sendo ligeiramente debochado.

—Ela é loira, isso é tudo o que importa. Você sabe o que dizem por aí sobre as loiras, não sabe? Elas se divertem mais- ele disse, me encarando como se eu fosse sua próxima refeição.

Eu estava acostumada a ouvir as pessoas falando de mim em termos técnicos. Grande parte dos engenheiros genéticos que me supervisionaram durante a infância e adolescência comentavam o quanto os meus olhos eram um detalhe singular, ainda que alguns discordassem do Diretor e dissessem que outra cor seria preferencial. Mas o jeito que o Senhor Philips falou fez o meu sangue ferver de ódio e de asco. Eu havia me habituado a ser tratada como um projeto, afinal, eu era criação daquelas pessoas, mas eu não ia aceitar ser tratada como um objeto, muito menos daquele jeito vulgar que aquele homem estava fazendo.

—É isso, pra mim chega- eu disse, me levantando da cadeira, um brilho furioso em meu olhar- Eu não preciso ver o contrato. Se ele envolve passar um segundo sequer na presença desse homem deselegante, eu prefiro tentar a minha própria sorte. Passar bem, senhores.

Lysander parecia tão chocado que havia perdido completamente a reação, mas o Diretor e o Senhor Philips não pareciam nenhum pouco surpresos. Eu estava prestes a me retirar quando o Diretor disse:

—Você não é uma acompanhante, Senhorita Midsummer, e o Senhor Philips não está aqui para adquirir esse tipo de serviço, se isso era o que temia. Agora, por favor, assente-se e permita-me terminar.

A fala dele me pegou tão despreparada que eu me vi assentando-me novamente, uma mistura estranha de alívio e constrangimento tomando conta de mim.

—Uau- o Senhor Philips disse, com outro sorrisinho debochado- Você tinha dito que ela era impetuosa, mas eu não achava que era para tanto.

Eu lhe lancei um olhar tão odioso que ele pareceu vacilar por um segundo, mas o sorrisinho já estava de volta antes mesmo de desaparecer.

—Você acha mesmo, garota, que eles teriam permitido que você tivesse todo esse orgulho se realmente tivesse sido projetada para ser uma acompanhante?- ele disse, zombeteiro- Se tivesse sido feita para isso, eu faria de você a minha cadelinha e você ainda me agradeceria pela oportunidade.

Antes que eu pudesse esboçar qualquer reação, o Diretor o cortou:

—Senhor Philips, não creio que isso seja necessário. Você está passando dos limites.

Senti a mão de Lysander em meu braço, e só então percebi que estava com os punhos firmemente cerrados e a mandíbula apertada com força, além de, eu supus, uma expressão de pura fúria.

—Perdoe o nosso visitante, Senhorita Midsummer, ele pode ser bastante rude, mas lhe asseguro que ele irá parar agora.

E o Diretor lançou um olhar assertivo para o homem, que pareceu enfastiado, mas acabou se calando.

—Agora, se o Senhor e a Senhorita Midsummer permitirem, eu gostaria de explicar o exato propósito para o qual vocês foram projetados, além da razão de o Senhor Philips estar hoje aqui conosco- o Diretor começou, digitando alguma última coisa no computador- Acho que vocês já devem ter percebido, senhores, que são diferentes de quase todas as outras belezas. Nós os fizemos inteligentes o suficientes para perceberem isso. São diferentes de seus irmãos, até, com os quais deveriam ter grande semelhança. Isso tem uma razão, uma razão secreta e especial, que pode vir a salvar muitas vidas no futuro. Vocês foram projetados para um ofício imperativo e técnico: vocês foram projetados para serem espiões.

Não pude evitar lançar um olhar confuso para Lysander, que também parecia completamente perdido.

—Além de extraordinariamente belos, os senhores foram projetados com inteligência, destreza e habilidades de manipulação superiores, tudo isso com o propósito de se aproximar e conseguir a confiança de alvos importantes, obtendo assim informações essenciais para evitar desastres, atentados, corrupção e sedição. Mas vocês não são simples investigadores, vocês são o ápice do ser humano em sua forma mais perfeita e encantadora, vocês foram feitos para ganhar confiança e admiração a longo prazo, e assim obter toda a verdade de alguém- o Diretor disse, e pela primeira vez em toda a minha vida eu vi uma expressão de animação genuína no rosto tão sério daquele homem- Vocês se lembram de Cleopatra King, alguns anos mais velha que vocês?

Lysander o encarou por alguns segundos, tentando achar algum sentindo em meio a tantas informações novas, mas por fim acabou dizendo:

—Claro que nos lembramos, como poderíamos nos esquecer? Ela era magnífica. Acabou como suplente para a Miss Universo ou algo do tipo, certo?

O Diretor confirmou com a cabeça.

—É o que contamos a vocês. Na realidade, ela também foi projetada para ser uma espiã. Já evitou mais tragédias do que eu consigo contar, é uma das melhores no que faz. Houveram outros como ela antes, obviamente, mas não posso lhes contar sobre todos eles. Só quero que saibam que o propósito de vocês é muito maior do que podem imaginar.

Eu penso sobre Cleopatra King, a pele morena, os longos cachos cor de ébano, o rosto totalmente imaculado e perfeito em cada sentido da palavra, o jeito misterioso e elegante. Já deve estar na casa dos vinte anos, a essa altura, e tão deslumbrante quanto sempre foi. Faz sentido que tenha sido feita para encantar os outros, ela realmente era hipnotizante. Será que era assim que os outros me viam? Será que eu era como ela?

—Vocês são grandiosos, senhores, e tem o potencial de fazer coisas grandiosas- o Diretor disse, por fim, um brilho forte em seu olhar- E, nesse momento, o mundo precisa desesperadamente de vocês. O Senhor Philips é do MI5, a agência de Inteligência britânica, e precisa de ajuda urgente com uma ameaça no território do Reino Unido. Eu tenho certeza de que vocês estarão à altura da tarefa.

—Peço desculpas pelas grosseirias de mais cedo, mas eu precisava saber se você, Senhorita Midsummer, era mesmo como nosso caro Diretor havia lhe descrito- o Senhor Philips disse, assumindo outro tom, bem mais profissional e menos provocativo que o anterior- Não estou decepcionado, você tem mesmo a intensidade que foi anunciada, e creio que será perfeita para a missão. E você, Senhor Midsummer, é tão diplomático e comedido quanto prometido. Vocês serão uma dupla e tanto, tenho certeza que obterão sucesso.

Mais uma vez, me peguei olhando para Lysander, e percebi que ele me encarava de volta com a mesma expressão confusa. Ele podia ser o irmão com o qual eu tinha a relação mais complicada, mas ainda assim era meu irmão, e no que quer que estivéssemos nos metendo, estávamos juntos nessa.

—Senhor Philips, sinto muito, mas não creio que eu e minha irmã estejamos compreendendo que missão é essa a qual o senhor se refere- Lysander respondeu, um sorriso que tentava desesperadamente ser agradável em seu rosto, mas eu o conhecia bem o suficiente para ver a crescente pontada de apreensão.

—É uma missão complexa, meu caros, e de extrema importância- o Senhor Philips disse, nos encarando intensamente- Vocês terão que impedir um golpe de Estado.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado! Sim, a Companhia Platina é uma das coisas mais antiéticas o possível, e o Philips é um babaca, como vocês puderam ver, mas qual ia ser a graça da história sem conflito? Kkkkk! Vou tentar atualizar novamente dentro de quinze dias, embora eu saiba que os leitores de Crowned aguentem mais tempo de espera... brincadeira kkkk! Vejo vocês nos comentários, até!